Como a IA pode ajudar nas pesquisas de opinião?

Os métodos tradicionais de pesquisas de opinião podem entregar errôneas premissas para análises de opinião de indivíduos e grupos. Esta complexa análise de opinião de indivíduos pode ser melhorada com o uso de técnicas de inteligência artificial (IA) associadas com neurociência e neuromarketing. O uso de sensores em torno da cabeça de uma pessoa captando suas ondas celebrais, técnica conhecida como eletroencefalograma (EEG), permite medir os padrões de atividade elétrica na área superior do cérebro. O EEG tem aplicação por exemplo em testes cegos, de fragrâncias por exemplo, substituindo os resultados de testes explícitos por testes implícitos. Associando os resultados do EEG com outras informações cognitivas, como movimento dos olhos e movimento dos músculos da face, podemos ter resultados bem mais precisos que os métodos tradicionais, com investimentos similares.

Imagine você andando na avenida Paulista em São Paulo e ser abordado por um entrevistador perguntando se você tem “um minutinho” para responder uma pesquisa. Como você tem tempo de sobra para o seu próximo compromisso e deseja tomar um pouco mais de Sol, resolve aceitar. O entrevistador começa com algumas perguntas para tentar classificá-lo em algum grupo de consumidores (por renda, escolaridade, idade, profissão etc.), depois começa perguntas sobre um determinado produto inovador que você nunca pensou em ter. Você pode até achar interessante, mas o produto não ativa seu desejo emocional de compra. Como o “minutinho” já se tornou vários minutos, você se apressa nas respostas para concluir o mais rápido possível a entrevista. As chances de a pesquisa não refletir a opinião do entrevistado são grandes.

Estas pesquisas são realizadas presencialmente, abordando pessoas em pontos de fluxo. O primeiro ponto a comentar é como são selecionados os entrevistados pelos entrevistadores. Por melhor que seja o treinamento, a pesquisa fica na seleção do entrevistador que pode, inconscientemente, eliminar alguns potenciais entrevistados por questões pessoais. Outra questão é se o potencial entrevistado recusa a entrevista por falta de empatia com o entrevistador. Entrevistas em calçadas estão sujeitas a todo o tipo de distrações (conversas de outras pessoas, ruídos de veículos, celulares etc.) prejudicando a concentrado do entrevistado e abrindo margem para erros de interpretação das perguntas. Se o entrevistado conhece o assunto os resultados serão úteis, caso contrário, os dados terão utilidade limitada.

Agora imagine outra situação. Entrevistas por telefone. As entrevistas podem ser para telefones fixos ou para celulares. O primeiro desafio para os entrevistadores é a pessoas atender um número desconhecido, temendo ser um trote ou alguém querendo vender alguma promoção imperdível. Vencida esta etapa, depois de várias tentativas, o entrevistador se apresenta e convida a pessoa para a entrevista. Para fazer a classificação do entrevistado são necessárias algumas perguntas básicas, como já vimos: renda, escolaridade, idade e profissão. A questão é: quem hoje passa informações privadas para um desconhecido que sabe seu telefone? Vamos imaginar que a pessoa de boa-fé, sem conhecer os riscos de passar estas informações, aceite a entrevista. Como não existe o contato pessoal entre o entrevistado e o entrevistador, parte da comunicação é perdida. Como sabemos, 80% da comunicação é corporal. Da mesma forma que a técnica de entrevistas por ponto de fluxo, a qualidade dos resultados das entrevistas por telefone pode ser prejudicada.

Outra técnica de pesquisa é o uso de formulários eletrônicos via Internet. A vantagem destes formulários é que o entrevistado responde no horário e no ambiente mais adequado para ele, sem a pressão de um entrevistador. Entretanto, o desafio é motivar as pessoas a responder os formulários, sem um bom incentivo. A maioria das redes sociais oferecem uma função para fazer enquetes que pode ser utilizada para pesquisas de forma simples e eficiente para uma comunidade selecionada. Para aumentar as respostas dos formulários algumas empresas recompensam os entrevistados de alguma forma.

Outra técnica é o focus group, pesquisa com grupos de 8 a 12 pessoas selecionadas de acordo com o produto a ser pesquisado ou grupos heterogêneos. O grupo é reunido em uma sala com câmeras e debatem um tema proposto por um moderador de forma livre. Normalmente, os entrevistados são remunerados.

Como vimos, as técnicas tradicionais apresentam várias limitações que influenciam as análises estatísticas e os resultados acabam sendo baseados na intuição e experiência dos especialistas em pesquisas.

O risco dos resultados imprecisos das pesquisas é que elas são utilizadas para tomadas de decisão de lançamento de produtos, de investimentos ou para revelar a “opinião pública” de um assunto polêmico para a sociedade.

O sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002) defendia em seus artigos que a “opinião pública”, simplesmente, não existe. A opinião é do indivíduo e a “opinião pública” é o resultado de um conjunto limitado de opiniões. Por exemplo, um casal em loja de sapatos com opiniões divergentes ou convergentes sobre determinados sapatos é uma “opinião pública”.

Desta forma, as opiniões coletadas na avenida Paulista são do grupo de indivíduos que tem tempo para responder a uma entrevista na calçada, que foram selecionados pela empatia do entrevistador com o entrevistado de forma recíproca, sob determinadas condições climáticas, com riscos de interpretação das questões e, com ou sem familiarização com tema da entrevista.

O mesmo para as entrevistas por telefone. O grupo são de pessoas que atendem chamadas de números desconhecidos, que não possuem restrições em passar informações privadas para estranhos e com tempo para responder a pesquisa.

Em ambos os casos, extrapolar os resultados destas pesquisas para um público mais amplo pode ferir o código de ética de melhores práticas de marketing e pesquisa social, como o da Câmara Internacional de Comércio (ICC) e da Sociedade Europeia para Pesquisa de Opinião e Mercado).

No Brasil, a pesquisa de opinião sobre pleitos eleitorais é regida pela Lei da Eleições n˚ 9.504/1997, que no seu Art. 33 obriga as entidades e empresas que realizam pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, a registrar a pesquisa à justiça eleitoral até cinco dias antes da divulgação com informações sobre quem contratou a pesquisa, a origem dos recursos, a metodologia, plano amostral e ponderação quanto a sexo, idade, grau de instrução, nível econômico e área física de realização do trabalho, intervalo de confiança, questionário completo e quem pagou pelo trabalho. A legislação também cobre pesquisas realizadas em ferramentas como o WhatsApp e assemelhadas (Telegram, Viber, Hangouts, Skype, Chaton, Line, Wechat, Groupme). Infelizmente, a legislação não exige que as empresas de pesquisa informem os insucessos de contato com os entrevistados, dados que mostrariam o universo de pessoas que se negaram a responder as pesquisas, informação relevante para as análises.

Como a IA pode ajudar nas pesquisas de opinião

Não tenho dúvidas que as empresas de comércio eletrônico, como a Amazon e Mercado Livre, conhecem melhor a opinião dos consumidores sobre produtos que os próprios fornecedores. Empresas como Google e Facebook conhecem melhor o perfil dos eleitores de cada país que atuam do que os partidos políticos e governos. Estas empresas coletam montanhas de dados de seus usuários e podem com ferramentas de inteligência artificial (IA) identificar padrões de comportamento dos consumidores muito precisos. Por exemplo, quantas vezes um consumidor acessou um determinado produto, com quantos produtos similares ele comparou e o que o motivou a comprar um deles. Estas informações, provavelmente, não são do conhecimento dos fornecedores dos produtos. Estas empresas conseguem identificar tendências de crescimento de vendas de certos tipos de produtos e produtos substitutos de campeões de vendas. Seus algoritmos de machine learning conseguem identificar mudanças de comportamento dos consumidores com antecedência. O Linkedin tem informações sobre as atividades profissionais de milhões de profissionais e consegue, se quiser, avaliar o potencial de compra de cada um em diferentes momentos de vida. Tudo isto respeitando a LGPD – Lei Geral de Privacidade de Dados Pessoais.

O filme Brexit, com o ator Benedict Cumberbatch, mostra de forma marcante as diferentes entre os métodos tradicionais de pesquisa e os novos métodos utilizando IA. Enquanto os políticos favoráveis pela permanência do Reino Unido na comunidade europeia contrataram uma empresa de pesquisa que utilizava métodos tradicionais, com pesquisas por telefone e focus group, os defensores da saída do Reino Unido contrataram uma empresa de IA, a Cambridge Analytica, com poucos analistas trabalhando amontoados em uma pequena sala, utilizando algoritmos de IA. O resultado, como sabemos, a vitória foi pela saída do Reino Unido da comunidade europeia. O filme mostra como a equipe de IA conseguia, praticamente em tempo real, identificar o comportamento dos eleitores e reagir rapidamente com ações, algumas polêmicas, para mudar a opinião de eleitores e motivá-los a irem as urnas de votação. Enquanto isso, a empresa de pesquisa contratada pelos defensores da permanência demorou muito tempo para identificar as mudanças, confusos com os resultados das pesquisas que levavam dias para serem concluídas. Quando se deram conta do cenário real foi tarde demais.

Para uso efetivo de dados para análises do comportamento dos consumidores e para pesquisas de opinião sobre produtos e serviços as empresas devem ser proprietárias de seus dados, evitando problemas com a LGPD. Para isto, é necessária uma estratégia de marketing digital bem elaborada utilizando conceitos de neuromarketing, gerenciada por neurodesigners e cientistas de dados.

O neuromarketing une dois conceitos: neurologia e marketing. Os neurodesigners utilizam conceitos de neurociência e da psicologia para compreender como o subconsciente das pessoas age nos processos de tomada de decisão e criar ações e mensagens que cativem os clientes da melhor forma. Os estudo são apoiados por tecnologias que avaliam o comportamento humano e ondas cerebrais nas escolhas e tomadas de decisão.

Com o apoio de sistemas de aprendizagem de máquina – machine learning – é possível desenhar e analisar a efetividade de campanhas de marketing. Por exemplo, depois de concluído o design de um projeto de website, o designer submete as páginas a um software de IA para predizer os resultados junto aos consumidores. Usando um software de neuroteste preditivo (PNT) – predictive neuro test – é verificado o design e apresentado as previsões das prováveis reações dos usuários. Todos os testes de atenção, imagens e textos são verificados para avaliar se conseguem atrair a atenção dos usuários. Em seguida, o software testa a fluência do design, ou seja, a facilidade com que os usuários irão compreender o conteúdo. O software pode sugerir mudanças para simplificar o design para facilitar a compreensão dos usuários. Em seguida, o software analisa as imagens faciais incluídas no design, identificando os níveis de emoções retratadas nas expressões fisionômicas. Este feedback é importante para avaliar se os rotos das imagens sejam emocionalmente envolventes, para que os usuários sintam algumas das mesmas emoções. Se alguma imagem com rosto apresenta algum problema, o software altera sutilmente a forma e a posição do rosto.

O uso de codificação de ação facial – ou FAC (Facial Action Coding) – pode reconhecer a expressão de quaisquer emoções, em tempo real, analisando vídeos de rostos de pessoas e identificando os movimentos musculares que controlam cada emoção diferente.

Para garantir a efetividade do design, o designer convida uma seleção aleatória de usuários para um teste, simulando um focus group, onde cada convidado liga sua webcam para uma análise remota de suas expressões faciais à medida que ele navega pelo novo site. No final, você remunera o convidado com um valor previamente negociado. Com a aplicação de testes A/B é possível selecionar o melhor design para a campanha.

Existem extensos estudos que ajudam a compreender por que as pessoas reagem de diferentes formas aos designs, analisando imagens de computador, avaliando como os consumidores gastam o dinheiro e através da psicologia evolucionista, que tenta explicar os comportamentos que herdamos dos nossos ancestrais para sobreviver.

Através das pesquisas dos psicólogos Keith Stanovich, Rechard West e Daniel Kahneman entendemos que o nosso cérebro cria atalhos para reagir com rapidez em situações de incertezas, conhecido como Sistema 1, onde apoia-se no reconhecimento de padrões e regras práticas imperfeitas, mas rápidas, provocando reações intuitivas e impulsivas, em vez de respostas racionais e ponderadas. Já o Sistema 2 para tomada de decisões, descritos pelos psicólogos, é mais lento e mais esforçado, normalmente acionado pelo cérebro quando percebemos que o Sistema 1 é ineficaz para uma determinada situação.

Como podemos perceber as pesquisas de opinião são muito mais complexas que possam parecer e requerem sistemas sofisticados de análise, hoje possíveis através de inteligência artificial.

Conclusão

Os avanços da neurociência e das tecnologias de inteligência artificial tornaram obsoletas as técnicas tradicionais de pesquisa de opinião, como entrevistas de ponto de fluxo, por telefone, focus group e por formulários. As novas técnicas buscam compreender como o subconsciente das pessoas funciona, baseado em análises de codificação de ação facial, psicologia evolucionista e funcionamento do cérebro para a tomada de decisões.

Estes estudos nos ajudam a entender as características da mente humana, permitindo aperfeiçoar nossas pesquisas de opinião e obter resultados mais precisos e efetivos para nossas tomadas de decisão.