Precisamos de um Código de Ética para Inteligência Artificial

Toda a vez que você informa seu CPF em uma compra e/ou faz uma transação eletrônica com um cartão de débito ou crédito, deixa a opção de GPS ligado para pesquisar um endereço ou rota no Waze ou Google Maps, informa suas preferências pessoais em um aplicativo para saber com qual estrela de Hollywood você se parece, adere a um programa de uso contínuo de medicamento, compra um pacote de viagens, envia flores para um novo endereço, muda a categoria de restaurantes no almoço, liga e desliga equipamentos eletroeletrônicos em sua casa (para quem já foi contemplado com os novos medidores eletrônicos), leva o celular para o banheiro, ou seja, quase tudo que você faz deixa um rastro eletrônico e com estas informações os sistemas de inteligência artificial conseguem conhecer você melhor do que você próprio.

Nossa privacidade já foi para o espaço. Mesmo com a nova legislação sobre proteção de dados pessoais, que ajuda a restringir o acesso à informação, os mecanismos de Machine Learning e Deep Learning (Redes Neurais Artificiais) conseguem classificar as pessoas em diferentes grupos, prever o comportamento das pessoas a partir de certos estímulos e determinar certos eventos futuros na vida das pessoas, como doenças e divórcios.

Para as privilegiadas empresas e governos que tiverem acesso as informações do Cadastro Positivo a “bola de cristal” será uma realidade. Imagine ter acesso a todas as transações comerciais que uma pessoa e, por associação, seus familiares fazem ao longo da vida. O futuro das pessoas poderá ser definido pelos algoritmos de inteligência artificial.

A única coisa que protegerá as pessoas será o código de ética das empresas e dos profissionais liberais.

Definimos Código de Ética como um documento que define as diretrizes que orientam as pessoas quanto às suas posturas e atitudes ideais, moralmente aceitas ou toleradas pela sociedade como um todo. Desta forma, o Código de Ética fixa normas que regulam os comportamentos das pessoas dentro de uma empresa ou organização. A adoção de normas internas politicamente corretas e voluntária deve incluir às normas legais, como por exemplo o crime de descriminação por sexo ou raça.

Usando algoritmos de inteligência artificial sobre uma base de dados consistente e com permissão das pessoas, literalmente, conseguimos ver o futuro. As informações são valiosíssimas para desenvolver estratégias de negócios e produtos, incluindo estratégias de marketing e vendas.

Agora entramos na parte filosófica. Conhecendo os estímulos de grupos de consumidores (grupos que podem chegar a poucas pessoas) que os levam a comprar um produto ou serviço é ético aplicar estes estímulos, puramente, para vender sem um propósito maior?

Empresas éticas e com o propósito de valorização das pessoas e proteção do meio ambiente adotam estratégias de vendas baseadas no consumo consciente. Logo, suas estratégias, embora apoiadas por algoritmos de inteligência artificial, não acionam todos os neurônios de entrada que forcem, inconscientemente, uma compra sem uma reflexão, digamos humana.

As diretrizes sobre o uso de estímulos e conhecimento sobre as pessoas deve ser cumprido por todos na organização, a partir um Código de Ética para uso de sistemas de inteligência artificial.

Imagine uma situação onde depois do treinamento e teste de uma rede neural artificial consiga-se definir uma probabilidade de 95% para a venda de um produto para um grupo de consumidores, usando determinados estímulos para influencia-los na compra. Talvez, uma empresa defina não trabalhar com uma probabilidade tão alta, e reduzir o número de estímulos para atingir uma probabilidade de 80%. Esta definição estaria definida no Código de Ética da empresa.

Outra situação seria na contratação de pessoas. Os algoritmos de inteligência artificial conseguem prever o comportamento no trabalho dos candidatos, a partir de questionários e acesso às redes sociais. Nas entrevistas, modelos de redes neurais avaliam a comunicação corporal dos candidatos para definir seu perfil, podendo desclassifica-los por critérios pré-definidos, automaticamente. Talvez, as empresas possam definir que, independentemente, da classificação e resultados das análises das redes neurais, humanos devam conduzir entrevistas e análises analógicas para definir a contratação de novos funcionários. Definição que seria incorporada ao Código de Ética da empresa.

Uma situação ainda mais crítica seria considerar despesas médicas com determinados especialistas, como oncologistas, e compra de certos tipos de remédios em farmácias para determinar o nivel de risco para aprovação de crédito. Como quem paga não necessariamente é quem usa um produto ou serviço, o sistema de inteligência artificial deve informar o peso utilizado para a classificação das despesas médicas, se for relevante, um procedimento interno deve ser acionado para uma avaliação humana do risco e tomada de decisão final. Este procedimento deveria constar no Código de Ética da empresa.

As empresas com responsabilidade socioambiental e que respeitam os princípios da governança corporativa, divulgam suas estratégia e códigos de ética (princípio da transparência), prestam contas aos acionistas e ao público em geral e garantem equidade de todas as partes interessadas. Desta forma, clientes, consumidores, fornecedores, empregados, governo, acionistas, membros do conselho de administração e diretoria executiva conheceriam as diretrizes para o uso de inteligência artificial dentro da organização.

Resumindo, a inteligência artificial abre infinitas oportunidades para conhecer o comportamento das pessoas, estímulos que as levam a tomar decisões, mesmo de forma inconsciente, e eventos futuros para grupos de pessoas. Cabe as empresas, mais do que os governos, definirem os limites éticos de uso destas informações. Um código de ética para uso de sistemas de inteligência artificial deve definir diretrizes para o bom uso das informações de forma politicamente correta.