Será que a Ford está seguindo o propósito do Henry?

Henry Ford tinha o propósito de conseguir a paz através do consumismo. Em uma sociedade onde os indivíduos têm acesso a produtos e serviços que satisfaçam suas necessidades, em tese, é uma sociedade que vive em paz. Algumas de suas ações demonstram este propósito: através da eficiência operacional reduziu o preço do carro de US$825 (1908) para US$360 (1916), elevou o salário-mínimo diário de US$2,34 para US$5 para trabalhadores qualificados, contratava 300 funcionários para áreas que tinham 100 vagas, ofereceu participação nos lucros para funcionários com mais de seis meses, reduziu a jornada de trabalho de 48 horas para 40 horas semanais (para ele lazer não era tempo perdido ou privilégio de classe), contratava ativamente trabalhadores negros, mulheres e homens deficientes em uma época em que isso era incomum. Esta visão de Henry Ford forjou a Ford Motor Company, tornando-a uma das maiores empresas automobilísticas do mundo. A vida de Henry Ford foi também marcada por várias posições polêmicas e atitudes questionáveis, como o antissemitismo, que devem ser analisadas dentro do contexto da época em que ele viveu.

O propósito de Henry Ford era focado nos indivíduos, tanto consumidores com funcionários, buscando formas de atender com produtos e serviços a um grande número de pessoas.

A atual declaração de missão da Ford é: “Nossa missão é fortalecer comunidades e ajudar a tornar a vida das pessoas melhor. Nosso propósito é impulsionar o progresso humano por meio da liberdade de movimento”. A missão está em consonância com o propósito do seu fundador.

Ao que parece, quem tem ideias parecidas e com capacidade de realização é Elon Musk. Seu propósito, segundo afirma, é resolver os maiores problemas do mundo: com a Tesla, sua empresa de carros elétricos, ele tenta resolver parte das alterações climáticas; com a Boring Company, cavando uma rede de túneis abaixo das cidades, ele tenta resolver os problemas de congestionamentos de trânsito nos grandes centros urbanos; e, com a SpaceX ele está tentando colonizar o planeta Marte para salvar a humanidade da extinção.

Musk está introduzindo uma nova visão de construção de veículos nas Gigafactories da Tesla usando automação extrema na produção, permitindo que as peças de seus carros possam ser reproduzidas por outras pessoas, através do conceito de open source, preservando os direitos da tecnologia das baterias e softwares de automação. Isto deve tornar os carros da Tesla acessíveis para um grande número de pessoas, com o passar do tempo, assim como aconteceu com os PCs e os primeiros carros de Henry Ford.

Ao que parece, o propósito de Elon Musk de resolve alguns dos maiores problemas do planeta está gerando riqueza e reputação para as empresas de Musk. Similar ao que aconteceu com Henry Ford no início da Ford Motor Company.

Em janeiro de 2021, a Ford anunciou o encerramento da produção de carros no Brasil e a dispensa cerca de 5.000 empregados, continuando no Brasil como uma importadora de veículos. Em um comunicado a Ford afirma que anunciará novos modelos para o Brasil, incluindo um novo veículo híbrido plug-in, com expansão dos serviços conectados e introdução de novas tecnologias autônomas e de eletrificação. Se associarmos o propósito de Henry Ford com os planos da Ford no Brasil, teremos veículos baratos produzidos com a máxima eficiência operacional com empregados bem remunerados, para satisfazer as necessidades dos consumidores, trazendo paz para a sociedade.

Em entrevista para o The New York Times em dezembro de 2020, Bill Ford, disse que a opção da Ford é desenvolver carros híbridos com força e com grande sucesso, até que a infraestrutura estiver pronta para investir forte na eletrificação. A Ford está eletrificando os seus veículos mais vendidos e seus carros mais icônicos, como o F-150 e Mustang. Sobre a Tesla, ele dá os créditos para a empresa pelo pioneirismo e por abrir o caminho para todos da indústria automobilística, e espera para ver como será o mercado daqui a cinco anos.

O propósito de criação da Volkswagen teve uma das motivações de Henry Ford, construir carros baratos que quase qualquer um pudesse pagar. Sua missão atual é tornar a mobilidade sustentável para a atual e futuras gerações, através de veículos com acionamento elétrico, rede digital e direção autônoma, construindo veículos ecologicamente limpos, silenciosos, inteligentes e seguros. Se combinarmos propósito e missão, a Volkswagen deveria produzir seus novos veículos (limpos, silenciosos, inteligentes e seguros) para que quase qualquer um pudesse pagar.

Acredito que apenas ter carros elétricos de alto desempenho não é e não será o diferencial competitivo no mercado automobilístico. A nova geração é adepta ao minimalismo e ao consumo sustentável. O home-office e o trabalho autônomo estão reduzindo a necessidade de deslocamentos frequentes entre a casa e o escritório. Os deslocamentos serão de pequeno percurso, sem a necessidade de carros caros, como hoje. Quando necessário, as pessoas usarão serviços de transporte compartilhados.

Neste novo cenário, veículos de transporte de encomendas elétricos deverão ser o grande mercado nos próximos anos. Já existem algumas iniciativas aqui no Brasil. O Mercado Livre anunciou o uso de 51 carros elétricos na sua frota de entregas de encomendas. Segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico, as vendas de automóveis eletrificados (elétricos e híbridos) entre janeiro e junho de 2020 cresceram 221% no comparativo com o mesmo período de 2019, passando de 2.356 unidades para 7.568 veículos.

O Itaú-Unibanco, que tem o propósito de estimular a transformação das pessoas, revolucionou a mobilidade urbanas em grandes cidades com um serviço de compartilhamento de bicicletas, que está evoluindo para um serviço de veículos elétricos compartilhados em parceria com a U-Corp. Por sua vez, a U-Corp fez uma parceria com a startup Infra Solar para otimizar a logística de recarga de baterias com energia sustentável e identificação de rotas seguras para os motoristas.

Interessante observar que o propósito de uma pessoa ou empresa (grupo de pessoas) impulsiona o desenvolvimento de todo um ecossistema. É a partir destes propósitos que conseguimos transformar a sociedade e proteger o planeta.

Na minha visão, as empresas tradicionais do mercado automobilístico deveriam recuperar os propósitos de seus fundadores e criar missões compatíveis com o novo comportamento dos consumidores e, principalmente, assegurar que os planos operacionais sejam cumpridos.

Isto pode acontecer com o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis que possam ser licenciadas para outras marcas, desenvolvimento de veículos no estilo minimalista para consumidores sustentáveis, como bicicletas e motos elétricas, veículos de transporte de encomendas para centros urbanos, incluindo drones, e iniciar a transição de caminhões de transporte de cargas de longas distâncias com tecnologia hibrida.

Concluindo, as empresas tradicionais do mercado automobilístico, como a Ford Motor Company, devem recuperar o propósito de seus fundadores e definir missões empresariais desafiadoras para melhorar a qualidade de vida dos indivíduos e mitigar os efeitos das mudanças climáticas do planeta. Só assim terão o reconhecimento dos consumidores e prosperarão nos negócios, assim como fizeram seus fundadores.