Eduardo M Fagundes

Tech & Energy Insights

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Temos que tirar a Análise de Risco e o Compliance do papel

Vivemos em uma época onde existem ferramentas sofisticadas para a gestão de empresas, livros e manuais de boas práticas de gestão, modelos sofisticados e abrangentes de governança corporativa e de tecnologia, organogramas com títulos bonitos, treinamentos de capacitação e legislação com penalidades duras para empresas e responsáveis por processos críticos nas organizações. Entretanto, tudo isto não garante fraudes espetaculares e desastres ambientais com vítimas e prejuízos materiais incalculáveis. Onde está o problema?

Existem vários fatores que podem explicar as falhas nas tomadas de decisões e comportamento dos conselhos de administração e direção executiva das organizações. Irei destacar x, que considero importantes: (1) ignorar o código de ética e de conduta; (2) falta de especialização técnica de conselheiros e diretores executivos; (3) existência de conflitos de interesses; e, (4) falha nas auditorias internas e externas.

Por mais ético que um diretor-presidente possa ser, a distribuição de dividendos para os acionistas é o seu objetivo principal. Afinal, ele foi eleito para o cargo para garantir a implementação das estratégias definidas pelo Conselho de Administração para crescimento e lucratividade da organização. Claro que, para mostrar que está executando a missão de forma competente e controlada, a direção executiva monitora e divulga indicativos de desempenho (KPIs) que, normalmente, estão dentro dos limites esperados. A questão é que muitos indicativos apresentados isoladamente, sem tendências históricas e sem correlação com outros indicadores não apresentam o cenário real da empresa.

Veja o caso da Vale. O faturamento, depois de uma queda substancial de US$35 milhões (2014) para US$23 milhões (2015), houve uma recuperação, consistentemente, até 2018, onde registrou um faturamento de US$36 milhões. Entretanto, analisando outros dois indicativos, observamos que houveram reduções significativas: os investimento reduziram, gradualmente, de US$12 milhões em 2014 para US$3 milhões em 2018; os investimentos em execução de projetos caiu de US$7,9 milhões em 2014 para US$1 milhão em 2018; e, os investimentos em barragens caíram de US$474 milhões para US$191 milhões em 2018. Ou seja, não podemos atribuir a tragédia de Brumadinho apenas a uma fatalidade da natureza.

Ainda no caso da Vale, o seu relatório de sustentabilidade empresarial era apresentado de forma magnifica, com todos os dados e auditado por auditorias internas e externas. Ou seja, cumpriram integralmente os princípios da governança corporativa, normas da CVM e da B3. Entretanto, não relacionaram os indicadores e revisaram o aumento dos riscos nas barragens.

E o Compliance na Vale? Do ponto de vista da legislação e cumprimento das normas e aplicação das melhores práticas de gestão estava tudo certo.

E o Conselho de Administração da Vale? Se olharmos a composição do Conselho vemos que a maioria tem forte qualificação em finanças e questões jurídicas. Neste universo, os votos técnicos podem ter menor peso.

Como vimos, é possível estar em um ambiente de caos com tudo dentro da conformidade legal e normativa.

É interessante observar o impacto na linha de comando do discurso da alta direção. No papel, a proteção a vida e ao meio ambiente são prioridades inquestionáveis. Entretanto, na prática, uma mensagem da alta direção de que a prioridade é recuperar a empresa e gerar mais lucro, faz com que as micro decisões ignorem ações mais efetivas de proteção a vida e meio ambiente. Gerentes de nível médio acabam assumindo riscos e apostando na sorte com o objetivo de atender a mensagem da alta direção. Muitas vezes, assumem que não existe dinheiro para pequenas melhorias e não informam seus superiores. Nos casos que informam, a regra vale para a hierarquia que pode assumir que não existe dinheiro e a comunicação do risco fica em alguma gaveta.

E as auditorias internas e externas não identificam os riscos? Pois é, deveriam. Muitas vezes, os auditores utilizam métodos de analises baseado em entrevistas e na análise de alguns relatórios produzidos pela empresa auditada que podem mascarar os riscos. Por falta de tempo ou conhecimento dos auditores alguns riscos podem passar desapercebidos. O que intriga é a frequência e os casos que ocorrem. No caso da Petrobrás, foram anos de corrupção não detectados por nenhuma auditoria interna e externa.

As falhas nas micro decisões e nas auditorias podem caracterizar conflitos de interesses, pois algumas decisões são tomadas para evitar outros tipos de conflitos pessoais que poderiam prejudicar a evolução da carreira na organização ou futuros negócios, no caso das auditorias externas.

Como melhorar? A recomendação obvia é conscientizar os conselheiros e diretores executivos que os valores humanos e ambientais são mais importantes que a geração de lucro a qualquer preço e que devem passar esta mensagem, como prioritária, para toda a organização. Isto deve ser feito, porém duvido dos resultados.

Minha sugestão, para as empresas de capital aberto, é criar uma base de dados aberta, com dados administrativos, financeiros e técnicos, acessível a todos. Isto criaria condições de analistas independentes possam fazer simulações de riscos e pressionar os conselheiros e diretores executivos nas assembleias de acionistas. Abriria a possibilidade de especialistas externos identificar riscos e comunicar as empresas, dentro de um programa estruturado e, obviamente, remunerado. Isto também se aplica a outras empresas, dentro do contexto de inovação aberta.

Esta seria uma forma da sociedade em geral participar das ações das empresas, principalmente, daquelas que oferecem riscos para as comunidades e meio ambiente.

Com dados abertos e uso de ferramentas avançadas de análise de dados, pesquisadores e alunos de Universidades, empreendedores e ONGs poderiam identificar riscos de forma transparente, sem conflitos de interesse e usando um rico conhecimento externo.

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