Eduardo M Fagundes

Tech & Energy Insights

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Curtailment no Brasil: Riscos Previsíveis e Lições para Conselhos de Administração

O setor elétrico brasileiro vive uma fase de transformação intensa. A rápida expansão das fontes renováveis, em especial eólica e solar, colocou o país entre os líderes mundiais da transição energética. No entanto, junto com esse avanço, surgiu um efeito colateral de grandes proporções: o curtailment — os cortes deliberados de geração por razões energéticas, de confiabilidade ou restrições de rede.

Em agosto de 2025, o curtailment atingiu um recorde histórico de mais de 4,4 TWh de energia descartada, equivalente a cerca de 25% de toda a produção eólica e solar do período. Esse número impressiona e levanta uma questão central para investidores e conselheiros: até que ponto os projetos renováveis no Brasil estão preparados para lidar com essa realidade?

O que é Curtailment e por que ele importa

O termo curtailment descreve a situação em que usinas eólicas ou solares deixam de gerar energia mesmo quando há recurso natural disponível. Não é falta de vento nem ausência de sol, mas uma decisão deliberada do operador do sistema elétrico para manter a estabilidade da rede ou equilibrar oferta e demanda.

No Brasil, o Operador Nacional do Sistema (ONS) classifica o curtailment em três categorias:

  • Razão energética: quando a geração supera a demanda.
  • Razão de confiabilidade: quando há risco de sobrecarga ou instabilidade.
  • Indisponibilidade externa: quando problemas de rede impedem o escoamento da energia.

Para investidores, esse fenômeno significa receita perdida. Projetos estruturados com expectativa de geração plena podem ter sua viabilidade comprometida se não considerarem cenários de corte em seus modelos financeiros.

Curtailment no Brasil: um problema estrutural

A percepção de que o curtailment seria um evento pontual já não se sustenta. O relatório técnico RT DGL-ONS 0189/2025 mostra que, após a perturbação de agosto de 2023, o risco passou a ser estrutural. Modelos mais realistas de desempenho das usinas eólicas e solares revelaram limitações antes não capturadas, resultando em novos critérios de operação e, consequentemente, mais cortes.

As projeções para 2026–2029 são claras: se todos os projetos com contrato de uso do sistema de transmissão (CUST) entrarem em operação, o corte médio pode chegar a 10% da geração eólica e ultrapassar 20% da solar.

Além disso, a micro e minigeração distribuída (MMGD) vem crescendo em ritmo acelerado. Em setembro de 2025, já somava 42,3 GW de capacidade instalada, quase toda solar fotovoltaica, com predominância no setor residencial. Projeções do Ministério de Minas e Energia (MME) e da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) indicam que a MMGD pode chegar a até 97,8 GW até 2035. Como não está sob o controle do ONS, essa geração pressiona ainda mais as usinas centralizadas, elevando a necessidade de cortes.

O Curtailment não é “cisne negro”

É comum ouvir que o curtailment seria imprevisível, mas essa narrativa é enganosa. A experiência internacional mostra o contrário:

  • Califórnia: a famosa “duck curve” levou a cortes massivos de solar. A resposta veio com leilões de armazenamento e programas de demanda flexível.
  • Alemanha: gargalos de transmissão entre o norte e o sul resultaram em cortes frequentes, mesmo em um mercado interligado.
  • China e Índia: chegaram a registrar taxas de corte acima de 30% em algumas regiões, por falhas de planejamento e regulação.

A lição é inequívoca: o curtailment cresce com a penetração renovável, não pode ser resolvido apenas com tecnologia e exige integração regulatória e planejamento sistêmico.

Soluções em debate: oportunidades e armadilhas

Diante do problema, surgem várias soluções tecnológicas. Todas têm potencial, mas também carregam riscos que conselheiros precisam compreender.

  • BESS (baterias): oferecem flexibilidade imediata, mas ainda têm alto custo (US$ 190–430/MWh) e vida útil curta.
  • Hidrogênio verde (H2V): pode absorver excedentes, mas depende de um mercado ainda incipiente e caro (US$ 3–6/kg).
  • Usinas reversíveis (PHS): entregam escala e robustez, mas enfrentam longos prazos de licenciamento e obras (8–12 anos).
  • DSM e eficiência energética: soluções de baixo custo e impacto consistente, mas pouco atrativas para fundos que buscam ativos tangíveis.

A grande armadilha é acreditar em “balas de prata”. Cada solução precisa ser avaliada em seu ciclo completo de riscos — técnicos, regulatórios, financeiros e de mercado.

Práticas recomendadas para conselhos

Para não repetir erros de avaliação, os conselhos de administração devem adotar práticas claras de governança:

  • Exigir cenários de stress com cortes de 20% a 30% nas due diligences.
  • Diversificar portfólio com PCHs, biomassa e híbridos renováveis.
  • Cobrar transparência regulatória e monitoramento contínuo das ações do ONS e da ANEEL.
  • Estimular PPAs com cláusulas de flexibilidade.
  • Acompanhar a evolução regulatória, incluindo temas como integração ONS–DSO e o rateio da MMGD.

Checklist estratégico para conselheiros

Um checklist pode servir como guia prático na hora de avaliar projetos:

  1. curtailment foi considerado nos cenários de stress financeiro?
  2. Há plano de mitigação tecnológica ou regulatória?
  3. O portfólio está diversificado ou concentrado em ativos vulneráveis?
  4. Há risco de “armadilhas tecnológicas” nos projetos de mitigação?
  5. O conselho monitora de perto as mudanças regulatórias?

Conclusão: transformar consciência em ação

curtailment de energia renovável no Brasil não é uma surpresa. Ele não é um “cisne negro”, mas um risco previsível e recorrente. A verdadeira falha não está nos cortes em si, mas em tratá-los como evento inesperado.

Para os conselhos de administração, a mensagem é clara: é preciso antecipar cenários, questionar soluções fáceis e adotar uma governança robusta. Somente assim será possível proteger valor, garantir rentabilidade e fortalecer a confiança dos investidores em um setor que continuará central na transição energética.

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