As mudanças climáticas, intensificadas por secas severas, representam uma ameaça significativa à agricultura, especialmente para culturas dependentes de polinização cruzada, como a abobrinha (Cucurbita pepo). Um estudo pioneiro conduzido por Maria Luisa Frigero e colaboradores, publicado em 2025 na Scientific Reports com apoio da FAPESP, revelou que secas moderadas (redução de 30% nas chuvas) diminuem o valor calórico do néctar de abobrinhas em 34%, enquanto secas extremas (redução de 80%) podem reduzir esse valor em até 95%, comprometendo a alimentação de polinizadores como abelhas e, consequentemente, a reprodução das plantas (Frigero et al., 2025).
Este artigo propõe sistemas agrivoltaicos — a integração de painéis solares fotovoltaicos com agricultura — como uma estratégia inovadora para mitigar esses impactos. Baseado em estudos internacionais recentes, o texto destaca como os agrivoltaicos regulam microclimas, aumentam a eficiência hídrica e promovem habitats para polinizadores, oferecendo benefícios diretos à produção de néctar e à resiliência agrícola. Propomos uma agenda de pesquisa para investigadores brasileiros, inspirada no estudo da FAPESP, que explore os agrivoltaicos em contextos tropicais, com foco na abobrinha e outras culturas dependentes de polinização, visando contribuir para a segurança alimentar e energética no Brasil.
Introdução
As mudanças climáticas têm intensificado eventos extremos, como secas severas, que afetam a produção agrícola e os ecossistemas. O relatório Drought Hotspots Around the World 2023-2025 da UNCCD (2025) destaca que os padrões climáticos de 2023 e 2024 consolidaram um cenário de secas recordes, impactando tanto regiões vulneráveis quanto desenvolvidas. No Brasil, essas mudanças ameaçam a agricultura, um pilar econômico, especialmente em culturas que dependem de polinizadores, como a abobrinha (Cucurbita pepo). Um estudo conduzido pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e apoiado pela FAPESP demonstrou que uma redução de 30% nas chuvas pode diminuir em 34% o valor calórico do néctar, enquanto secas extremas (80% de redução) praticamente eliminam esse recurso, prejudicando abelhas e a reprodução das plantas (Frigero et al., 2025).
Nesse contexto, os sistemas agrivoltaicos emergem como uma solução promissora, combinando a geração de energia solar com a produção agrícola em uma mesma área de terra. Esses sistemas oferecem benefícios múltiplos, como a regulação do microclima, a redução do estresse hídrico e o suporte à biodiversidade, incluindo polinizadores. Este artigo revisa as vantagens dos agrivoltaicos com base em estudos internacionais recentes, conectando-as aos desafios identificados no estudo da FAPESP, e propõe uma agenda de pesquisa para investigadores brasileiros, visando incentivar estudos que avaliem o potencial dos agrivoltaicos em culturas dependentes de polinização no Brasil.
Benefícios dos Sistemas Agrivoltaicos
Regulação do Microclima e Eficiência Hídrica
Os sistemas agrivoltaicos criam um microclima favorável às culturas ao reduzir a evapotranspiração e a temperatura do solo. Barron-Gafford et al. (2019) demonstraram que a sombra dos painéis solares em regiões áridas, como o Arizona, reduz a evaporação do solo em cerca de 15%, mantendo a umidade em níveis até 65% superiores em comparação com áreas sem sombra. Esse efeito é particularmente relevante para o contexto do estudo da FAPESP, que identificou que a redução de chuvas compromete a produção de néctar em abobrinhas. A retenção de umidade pode minimizar o estresse hídrico, preservando a capacidade das plantas de produzir néctar com maior valor calórico.
Além disso, Wu et al. (2025) observaram, em um estudo de modelagem na China, que painéis solares aumentam a umidade relativa do ar em até 35,8% em áreas sombreadas, criando condições mais estáveis para o crescimento vegetal. Essa regulação microclimática é crucial em cenários de seca extrema, como os descritos no relatório da UNCCD, onde a disponibilidade de água é severamente limitada. Para culturas como a abobrinha, que exigem irrigação regular, os agrivoltaicos podem reduzir a demanda hídrica, mantendo a produção de flores e néctar.
Suporte à Biodiversidade e Polinizadores
A integração de habitats para polinizadores em sistemas agrivoltaicos é uma vantagem significativa. Graham et al. (2018) investigaram um sistema agrivoltaico em Oregon e constataram que a sombra parcial dos painéis solares atrasa a floração e aumenta a abundância floral no final da temporada, beneficiando polinizadores como abelhas. Esse efeito pode contrabalançar a redução de néctar observada no estudo da FAPESP, onde a ausência de néctar afasta polinizadores, comprometendo a polinização cruzada.
Ludzwevei et al. (2025) propuseram estratégias de manejo, como o plantio de espécies nativas sob os painéis, que aumentam a biodiversidade e atraem polinizadores. Em experimentos na França, Lechvieu et al. (2024) observaram maior frequência de visitas de polinizadores em áreas agrivoltaicas bem geridas, sugerindo que o manejo adequado pode mitigar os impactos negativos das secas na interação planta-polinizador. Esses achados são promissores para o Brasil, onde a biodiversidade de polinizadores é rica, mas ameaçada por mudanças climáticas.
Aumento da Produtividade Agrícola e Resiliência
Os agrivoltaicos também melhoram a produtividade agrícola em condições adversas. Barron-Gafford et al. (2025) relataram que culturas cultivadas sob painéis solares em regiões áridas apresentaram igual ou maior rendimento devido à redução do estresse hídrico e da depressão fotossintética ao meio-dia. Para a abobrinha, que sofre com a redução de néctar em condições de seca, esses sistemas podem garantir a produção de flores viáveis, essenciais para a polinização cruzada.
Jung et al. (2024) destacaram que os agrivoltaicos aumentam a resiliência de culturas hortícolas em zonas semiáridas, reduzindo a evapotranspiração e melhorando a eficiência do uso da água. Esses benefícios são diretamente aplicáveis ao contexto brasileiro, onde secas cada vez mais frequentes, como as relatadas pela UNCCD, ameaçam a produção agrícola.
Benefícios Socioeconômicos e Energéticos
Além dos benefícios agrícolas, os agrivoltaicos promovem a geração de energia renovável, reduzindo a dependência de fontes fósseis. Semeraro et al. (2023) estimaram que cobrir 1% das áreas agrícolas com sistemas agrivoltaicos poderia gerar 944 GW de energia solar na Europa, ao mesmo tempo em que protege cultivos contra secas. No Brasil, com alta irradiação solar, os agrivoltaicos podem ser uma solução para aumentar a segurança energética rural, ao mesmo tempo em que protegem culturas como a abobrinha.
Knapp e Sturchio (2024) introduziram o conceito de ecovoltaicos, que combina energia solar com conservação ecológica, sugerindo que esses sistemas podem contribuir para a restauração de terras degradadas, um objetivo alinhado com as metas da UNCCD de restaurar 1,5 bilhão de hectares até 2030. Para agricultores brasileiros, isso representa uma oportunidade de diversificar a renda e aumentar a resiliência econômica frente às mudanças climáticas.
Conexão com o Estudo da FAPESP
O estudo da FAPESP, conduzido por Frigero et al. (2025), revelou que secas moderadas (30% de redução nas chuvas) e extremas (80% de redução) diminuem drasticamente o valor calórico do néctar de abobrinhas, impactando polinizadores e a reprodução da planta. Os agrivoltaicos oferecem uma solução direta para esses desafios:
- Mitigação do Estresse Hídrico: A redução da evaporação e a manutenção da umidade do solo, conforme observado por Barron-Gafford et al. (2019) e Wu et al. (2025), podem preservar a produção de néctar em condições de seca.
- Suporte aos Polinizadores: A criação de habitats sob os painéis, como sugerido por Ludzwevei et al. (2025), pode aumentar a presença de abelhas, garantindo a polinização cruzada mesmo em cenários adversos.
- Resiliência Agrícola: A proteção contra o calor excessivo e a melhoria da fotossíntese, conforme descrito por Barron-Gafford et al. (2025), podem manter a produção de flores viáveis, essenciais para a frutificação da abobrinha.
Esses benefícios são particularmente relevantes para o Brasil, onde a agricultura é vulnerável às secas, e a polinização cruzada é crucial para culturas como abobrinha, melancia e melão.
Proposta de Pesquisa
Dada a relevância dos agrivoltaicos, propomos uma agenda de pesquisa para investigadores brasileiros, inspirada no estudo da FAPESP, com os seguintes objetivos:
- Avaliar o Impacto dos Agrivoltaicos na Produção de Néctar: Realizar experimentos em estufas e campos abertos em regiões tropicais, como São Paulo, para testar como a sombra dos painéis solares afeta a quantidade e o valor calórico do néctar em abobrinhas e outras culturas dependentes de polinização cruzada.
- Estudar o Comportamento de Polinizadores: Analisar o comportamento de abelhas em sistemas agrivoltaicos, investigando se a sombra parcial e a presença de plantas nativas aumentam a frequência de visitas, como sugerido por Lechvieu et al. (2024).
- Otimizar Configurações de Painéis: Testar diferentes configurações de painéis solares (e.g., altura, espaçamento, painéis seletivos) para equilibrar a necessidade de luz da abobrinha com os benefícios da sombra, conforme proposto por Semeraro et al. (2023).
- Avaliar Benefícios Socioeconômicos: Estudar o impacto dos agrivoltaicos na renda de pequenos agricultores brasileiros, considerando a geração de energia e a redução de custos com irrigação.
- Integrar com Restauração Ecológica: Explorar como os agrivoltaicos podem contribuir para a restauração de terras degradadas no Brasil, alinhando-se com as metas da UNCCD.
Essa agenda deve ser conduzida em colaboração com instituições como a Unesp, Embrapa e universidades internacionais, utilizando metodologias experimentais semelhantes às do estudo da FAPESP, mas adaptadas para incluir painéis solares. Financiamentos da FAPESP, CNPq e programas internacionais, como os da União Europeia, podem viabilizar esses estudos.
Desafios e Considerações
Embora promissores, os agrivoltaicos apresentam desafios. A sombra excessiva pode reduzir a fotossíntese em culturas como a abobrinha, que requer luz intensa, exigindo configurações otimizadas de painéis (Jung et al., 2024). Além disso, os custos iniciais de instalação são altos, o que pode limitar a adoção por pequenos agricultores sem incentivos governamentais. Finalmente, a falta de estudos específicos sobre abobrinha em sistemas agrivoltaicos no Brasil destaca a necessidade de pesquisas locais para validar os benefícios observados em outros contextos.
Conclusão
Os sistemas agrivoltaicos oferecem uma solução inovadora para os desafios impostos pelas secas às culturas dependentes de polinização cruzada, como a abobrinha, conforme evidenciado pelo estudo da FAPESP. A regulação do microclima, a eficiência hídrica, o suporte aos polinizadores e os benefícios socioeconômicos tornam os agrivoltaicos uma ferramenta promissora para a agricultura sustentável no Brasil. A agenda de pesquisa proposta incentiva investigadores a explorar esses sistemas em contextos tropicais, contribuindo para a segurança alimentar, energética e ecológica. Com base em estudos como os de Barron-Gafford et al. (2019, 2025), Graham et al. (2018) e Ludzwevei et al. (2025), os agrivoltaicos podem transformar a agricultura brasileira, enfrentando os desafios climáticos descritos pela UNCCD.
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