Sumário Executivo
O crescimento exponencial do mercado de datacenters está redefinindo a relação entre energia e infraestrutura digital. Em 2024, essas instalações consumiram aproximadamente 415 TWh de eletricidade, o equivalente a 1,5% da demanda global, com projeções de duplicar ou até triplicar nos próximos anos sob o impulso da inteligência artificial. Esse avanço coloca o setor elétrico diante de uma encruzilhada: ou assume um papel estratégico nesse ecossistema, ou corre o risco de repetir a trajetória das telecomunicações, que se tornaram meras fornecedoras de conectividade, tratadas como commodity pelos datacenters.
Os sinais de pressão são claros. Na União Europeia, datacenters com mais de 500 kW de capacidade estão obrigados a reportar indicadores de eficiência, e países como Irlanda e Holanda já limitaram novas conexões para preservar a estabilidade da rede. Singapura, após impor uma moratória, retomou a expansão de forma seletiva, condicionando a aprovação de projetos a critérios de sustentabilidade. Esses exemplos mostram que a energia não é mais apenas um insumo: é fator crítico de viabilidade e competitividade para a economia digital.
Para evitar a comoditização, as utilities precisam reposicionar sua proposta de valor em torno de quatro pilares. O primeiro é a resiliência operacional, garantindo redundância, integração de fontes e padrões de disponibilidade compatíveis com Tier IV. O segundo é a sustentabilidade certificada, com energia renovável rastreável, compensações de carbono auditadas e relatórios alinhados a padrões globais. O terceiro é a digitalização, oferecendo telemetria em tempo real, inteligência artificial para otimização de carga e relatórios automáticos que transformam energia em serviço digitalizado. O quarto é a inovação financeira, com contratos flexíveis, PPAs 24/7 e modelos de co-investimento que acompanhem os ciclos de expansão modular dos datacenters.
No Brasil, esse reposicionamento encontra uma oportunidade histórica. O país dispõe de uma matriz elétrica majoritariamente renovável, potencial extraordinário em solar e eólica, e experiência consolidada em regulação do setor. Com a implementação do ReData, as utilities podem se tornar parceiras estratégicas de hyperscalers e operadores de datacenters, explorando hubs regionais e participando desde a concepção dos projetos. A integração entre energia e datacenters pode transformar o Brasil em referência internacional em sustentabilidade e inovação digital, atraindo investimentos e consolidando sua posição como protagonista da próxima onda global.
Em síntese, o desafio não é fornecer mais megawatts, mas oferecer soluções que combinem resiliência, sustentabilidade, digitalização e inovação financeira. O futuro dos datacenters será também o futuro da energia — e o Brasil tem a chance de liderar essa convergência.
Introdução — A lição das telecomunicações
Nos primeiros anos da internet comercial e da expansão das infraestruturas digitais, as operadoras de telecomunicações eram vistas como protagonistas naturais no mercado de datacenters. Elas detinham a capilaridade das redes de fibra, a proximidade com os clientes corporativos e a capacidade de realizar investimentos de grande escala. Parecia evidente que a evolução para serviços de colocation e hospedagem de dados seria uma extensão lógica de seus negócios principais. De fato, grupos como a Telefónica chegaram a construir e operar datacenters relevantes, mas, assim como outras operadoras, acabaram se desfazendo desses ativos e transferindo a operação para fundos e empresas especializadas.
O efeito estratégico foi imediato. As operadoras, antes centrais, cederam espaço para empresas dedicadas e para os hyperscalers, como Amazon, Google e Microsoft, que passaram a construir suas próprias infraestruturas em escala global. Vale lembrar, contudo, que mesmo esses gigantes não operam isoladamente: parte de suas operações é hospedada em datacenters de terceiros, como Equinix, Digital Realty e CyrusOne, entre outros players especializados que oferecem interconexão neutra e presença em múltiplos mercados. Esse arranjo híbrido reforça que o datacenter se consolidou como núcleo estratégico da economia digital, enquanto a conectividade fornecida pelas operadoras passou a ser percebida apenas como insumo intercambiável.
A conectividade, que antes era vantagem competitiva, transformou-se em requisito mínimo. As telecomunicações passaram a ser vistas pelos datacenters como uma commodity: necessárias, mas facilmente substituíveis por qualquer outro fornecedor disponível. O valor deixou de estar na rede em si e passou a residir na capacidade de atrair, hospedar e operar ambientes digitais com eficiência, confiabilidade e sustentabilidade. Assim, as teles tornaram-se habilitadoras invisíveis de um setor que poderiam ter liderado.
Hoje, a energia elétrica caminha por uma encruzilhada semelhante. Os datacenters globais, que já respondem por mais de 1,5% do consumo mundial de eletricidade e projetam expansão acelerada com a ascensão da inteligência artificial, dependem diretamente de fontes abundantes, confiáveis e renováveis para sustentar seu crescimento. No entanto, assim como ocorreu com as telecomunicações, existe o risco de que a energia seja percebida apenas como insumo básico, contratável de qualquer fornecedor no mercado livre, sem diferenciação estratégica.
Este artigo parte dessa analogia para propor um caminho alternativo. Se as empresas de energia quiserem manter relevância no ecossistema de datacenters, não poderão se limitar à venda de megawatts. Precisam transformar-se em parceiras estratégicas, oferecendo resiliência operacional, sustentabilidade certificada, integração digital e soluções financeiras inovadoras. O objetivo aqui é construir um framework que evite a armadilha da comoditização e reposicione o setor de energia como protagonista na infraestrutura digital que molda o futuro.
Diagnóstico Atual
O mercado global de datacenters atravessa uma fase de crescimento sem precedentes, impulsionado por tendências estruturais como a massificação da computação em nuvem, a digitalização de serviços e, mais recentemente, a aceleração do uso da inteligência artificial. Esse avanço tem colocado a questão energética no centro da estratégia, tanto do ponto de vista do consumo absoluto quanto das exigências de sustentabilidade e regulação.
Crescimento explosivo da demanda energética
De acordo com estimativas recentes da Agência Internacional de Energia, os datacenters consumiram aproximadamente 415 TWh de eletricidade em 2024, o que corresponde a cerca de 1,5% da demanda global. A tendência, contudo, não é de estabilização, mas de forte expansão. O avanço dos modelos de inteligência artificial generativa e o crescimento contínuo de serviços de nuvem e streaming adicionam novas camadas de pressão sobre o sistema elétrico, indicando que o peso relativo dos datacenters deve aumentar de forma acelerada na matriz mundial.
Nos Estados Unidos, estudo conduzido pelo Lawrence Berkeley National Laboratory, em parceria com o Departamento de Energia, mostra que a carga elétrica dos datacenters praticamente triplicou ao longo da última década. As projeções mais recentes apontam para a possibilidade de dobrar, ou mesmo triplicar novamente, até 2028, um horizonte de tempo extremamente curto se comparado ao ciclo tradicional de expansão de geração e transmissão. Essa aceleração cria uma tensão inédita entre a velocidade de crescimento da demanda e a capacidade de resposta da infraestrutura elétrica.
Pressões de sustentabilidade e regulação
Além do desafio quantitativo, os datacenters enfrentam um quadro regulatório e social cada vez mais exigente. Na União Europeia, a revisão da Diretiva de Eficiência Energética estabeleceu a obrigatoriedade de reporte de indicadores de desempenho para todos os datacenters com potência instalada superior a 500 kW. Esses relatórios, entregues em bases regulares a um banco de dados europeu, tornam públicas informações de eficiência e emissões, criando um ambiente de comparação e pressão competitiva.
Paralelamente, códigos de conduta e métricas ESG específicas para o setor se consolidaram como padrões de referência, entre os quais se destacam o PUE (Power Usage Effectiveness), o WUE (Water Usage Effectiveness) e as metas de suprimento 24/7 com energia livre de carbono. Em vários países, esses parâmetros já transcenderam a esfera voluntária e se transformaram em requisitos de mercado ou em critérios de regulação.
Algumas jurisdições foram ainda mais além, impondo limites diretos à expansão dos datacenters. A Irlanda suspendeu novas conexões na região de Dublin até 2028 devido a restrições de rede. A Holanda instituiu uma moratória temporária para hyperscalers enquanto definia novas diretrizes nacionais. Já Singapura adotou um modelo mais seletivo, relançando seu mercado após uma pausa com o programa DC-CFA, que autoriza capacidade limitada apenas para projetos que atendam critérios de sustentabilidade e eficiência.
Onde está o risco de comoditização
Esse cenário de crescimento e regulação abre espaço para uma reflexão crítica sobre o papel das empresas de energia. A energia renovável, que há poucos anos era considerada um diferencial competitivo, hoje é requisito mínimo para qualquer contrato com datacenters globais. Estar alinhado ao suprimento renovável deixou de ser uma escolha e passou a ser uma condição de entrada.
Além disso, a evolução do mercado livre e a possibilidade de autoprodução reduziram ainda mais a dependência de grandes consumidores em relação a fornecedores específicos. Datacenters podem negociar com múltiplos agentes, estruturar portfólios de PPAs e até investir em ativos próprios de geração. Nesse contexto, se as empresas de energia se limitarem a ofertar megawatts de forma indiferenciada, serão inevitavelmente vistas como prestadoras de um insumo básico, sem poder de diferenciação ou relevância estratégica.
O risco da comoditização é, portanto, real e imediato. A questão central não é se os datacenters vão consumir mais energia — isso já está dado —, mas se as empresas do setor serão capazes de oferecer algo além do fornecimento elétrico tradicional. O próximo capítulo desse mercado será definido pela capacidade de reposicionamento do setor energético diante das demandas de resiliência, sustentabilidade, digitalização e inovação contratual.
Pilares Estratégicos para Manter Relevância
O diagnóstico atual mostra que, se limitadas a vender megawatts, as empresas de energia serão reduzidas a fornecedoras de um insumo básico. Para escapar dessa armadilha e conquistar relevância no ecossistema de datacenters, é preciso reposicionar a oferta de valor em torno de quatro pilares estratégicos: resiliência operacional, sustentabilidade certificada, digitalização inteligente e inovação financeira.
Pilar 1 – Resiliência Operacional
Os datacenters vivem sob a lógica do “uptime absoluto”. Qualquer interrupção, mesmo de segundos, pode gerar perdas financeiras e comprometer a reputação de provedores globais. Por isso, a energia fornecida a essas operações precisa ir além da disponibilidade convencional e alcançar níveis de redundância compatíveis com certificações Tier IV. O exemplo mais emblemático vem da Bélgica, onde o Google, em parceria com empresas como a Fluence e a Centrica, transformou seus sistemas de UPS e baterias em recursos ativos para a rede elétrica, prestando serviços de regulação de frequência (FCR). Essa experiência mostrou que, além de reduzir o uso de geradores a diesel, a infraestrutura de backup pode ser integrada de forma inteligente ao sistema elétrico nacional.
Para o Brasil, a proposta é clara. Utilities devem estruturar ofertas que combinem redundância elétrica dedicada, subestações exclusivas para clusters de datacenters e soluções híbridas que integrem renováveis, sistemas de armazenamento em baterias (BESS) e backup a gás natural ou hidrogênio verde. Dessa forma, podem oferecer contratos baseados em níveis de serviço (SLA) equivalentes aos exigidos pelos padrões internacionais mais rigorosos, transformando a resiliência em um diferencial competitivo.
Pilar 2 – Sustentabilidade Certificada
O segundo pilar está diretamente associado às pressões ESG. Na União Europeia, a obrigatoriedade de reporte de KPIs de eficiência para datacenters acima de 500 kW e a aplicação de códigos de conduta como o EU Code of Conduct for Data Centre Energy Efficiency mostram que a sustentabilidade já não é um discurso, mas uma obrigação institucionalizada. Além disso, os clientes globais buscam cada vez mais soluções que ofereçam rastreabilidade e transparência, com uso de blockchain e certificações reconhecidas para garantir que o consumo está alinhado a metas de neutralidade climática.
Nesse contexto, a simples oferta de energia renovável já não é suficiente. O diferencial está em entregar “Net Zero as a Service”: pacotes que combinem energia limpa, certificados de origem (I-RECs) e instrumentos de compensação de carbono, acompanhados de auditorias independentes e relatórios transparentes de impacto. O valor não estará apenas na fonte da energia, mas na credibilidade das métricas apresentadas ao mercado.
Pilar 3 – Digitalização e Inteligência
O terceiro pilar diz respeito à integração de inteligência e dados no fornecimento de energia. Estudos do Lawrence Berkeley National Laboratory, do MIT e do Rocky Mountain Institute mostram como o uso de inteligência artificial, gêmeos digitais e sistemas de monitoramento em tempo real pode otimizar o consumo energético dos datacenters, prever picos de carga e reduzir custos operacionais.
Para as utilities, a oportunidade está em oferecer energia como serviço digitalizado. Isso significa fornecer plataformas de telemetria integradas aos contratos, permitindo ao cliente acompanhar em tempo real não apenas o volume de consumo, mas também a origem da energia, as emissões evitadas e o desempenho de eficiência. Relatórios automáticos, dashboards personalizáveis e algoritmos de predição transformam o relacionamento entre empresa de energia e datacenter em uma parceria baseada em dados, não em simples fornecimento físico.
Pilar 4 – Inovação Financeira
O quarto pilar é a flexibilidade contratual. O crescimento dos datacenters é marcado por ciclos de expansão rápida, com adição de módulos e capacidade de acordo com a evolução da demanda digital. Modelos financeiros rígidos não atendem a essa dinâmica. Casos como os PPAs 24/7 firmados pelo Google, que buscam casar cada hora de consumo com geração renovável, ou o programa DC-CFA de Singapura, que liberou capacidade sob critérios específicos de sustentabilidade, apontam para a necessidade de arranjos contratuais inovadores.
Para o setor de energia, isso significa desenvolver estruturas de longo prazo que permitam escalonamento, cláusulas de flexibilidade e até modelos de co-investimento em novas plantas de geração. A utility deixa de ser apenas fornecedora e passa a atuar como parceira financeira, compartilhando riscos e viabilizando a expansão. Dessa forma, não apenas vende energia, mas participa diretamente da estratégia de crescimento do cliente.
Recomendações para o Brasil
O Brasil encontra-se em um momento singular para posicionar-se no mercado global de datacenters. O lançamento do ReData, política que prevê incentivos e regras específicas para estimular a instalação e a operação dessas infraestruturas no país, representa uma oportunidade de reposicionamento estratégico para as empresas de energia. O risco, entretanto, é repetir a trajetória das operadoras de telecomunicações, que se limitaram a fornecer conectividade e perderam espaço para players especializados. A hora de agir é agora, antes que a energia seja tratada apenas como commodity na equação dos investimentos digitais.
Antes de detalhar as recomendações específicas para o Brasil, é importante reconhecer que os datacenters compartilham um conjunto de dores universais que transcendem fronteiras e modelos regulatórios. Questões como confiabilidade do suprimento, custos crescentes de energia, pressões de sustentabilidade, eficiência operacional, integração com a rede, escalabilidade e aceitação social compõem um mosaico de desafios que se repetem em diferentes mercados. Para que as utilities brasileiras compreendam onde podem gerar valor estratégico, apresentamos a seguir um quadro que sintetiza essas principais dores e indica como as empresas de energia podem se posicionar como parceiras de soluções, e não apenas fornecedoras de um insumo básico.
Dores dos Datacenters | Como as Empresas de Energia Podem Ajudar |
Confiabilidade do suprimento: datacenters não podem ter interrupções; qualquer falha afeta serviços críticos e clientes globais. | Oferecer redundância elétrica com subestações dedicadas, linhas independentes de transmissão e integração de renováveis com baterias e backup a gás/H2V, garantindo SLA compatível com Tier IV. |
Custos crescentes de energia: energia representa uma das maiores parcelas do OPEX e está sujeita a volatilidade de preços. | Estruturar contratos de longo prazo (PPAs) com preços estáveis, co-investimento em plantas dedicadas e soluções de autoprodução compartilhada, mitigando riscos financeiros. |
Pressões ESG e Net Zero: clientes e reguladores exigem rastreabilidade de consumo e redução de pegada de carbono. | Entregar “Net Zero as a Service”, combinando energia renovável certificada, I-RECs e compensações de carbono auditadas; fornecer relatórios alinhados a padrões internacionais (ISSB, TCFD, EU EED). |
Gestão de eficiência energética: dificuldade em otimizar uso de energia em tempo real frente a cargas dinâmicas, IA e resfriamento intensivo. | Oferecer plataformas digitais de telemetria, dashboards de consumo, gêmeos digitais e IA para previsão de demanda, otimizando contratos e eficiência operacional. |
Integração com a rede: datacenters são vistos como grandes consumidores que pressionam o sistema. | Transformá-los em agentes de flexibilidade, integrando UPS e BESS para participar de resposta à demanda e serviços ancilares, como regulação de frequência. |
Planejamento de expansão: crescimento modular rápido, exigindo escalabilidade do fornecimento. | Criar contratos escalonáveis, com cláusulas de expansão e modelos financeiros flexíveis que acompanhem os ciclos de crescimento. |
Aceitação social e impactos locais: críticas pelo alto consumo de energia e água, além da ocupação de grandes áreas. | Integrar projetos de reuso de calor em distritos urbanos, apoiar eficiência hídrica e propor contrapartidas socioambientais visíveis, reforçando a legitimidade social dos investimentos. |
A primeira recomendação é que o ReData seja visto não apenas como um instrumento governamental de atração de investimentos, mas como uma plataforma de integração entre utilities, operadores de datacenters e o ecossistema de inovação. As empresas de energia precisam se apresentar como parceiras estratégicas na modelagem dos novos empreendimentos, participando da concepção dos projetos desde o início. Isso significa estar presentes nas negociações, não como fornecedores marginais de megawatts, mas como atores centrais capazes de entregar resiliência, sustentabilidade certificada, soluções digitais e flexibilidade financeira.
O segundo ponto é explorar de forma inteligente os hubs regionais que o Brasil naturalmente oferece. O Nordeste possui abundância solar e projetos eólicos de grande escala, configurando-se como polo competitivo para datacenters que buscam energia renovável em volumes crescentes. O Sul e o Sudeste, com base hídrica consolidada, térmicas flexíveis e maior densidade de transmissão, podem se tornar atrativos para projetos que demandam redundância, proximidade com centros consumidores e integração com redes internacionais de conectividade. Mapear essas vocações regionais e construir propostas específicas para cada polo será essencial para atrair investimentos de forma sustentável e distribuída.
O terceiro eixo de recomendação envolve a regulação. A ANEEL e o ONS devem ser instados a estruturar regras que permitam e incentivem a participação de datacenters em programas de resposta à demanda e serviços ancilares. Essa integração já ocorre em países como Bélgica e Estados Unidos, onde UPS e sistemas de baterias de datacenters são mobilizados para apoiar a estabilidade da rede. No Brasil, incorporar essa lógica significa transformar um consumidor intensivo em um agente ativo de flexibilidade, reduzindo pressões sobre o sistema elétrico e criando novas fontes de receita para os operadores de datacenters e seus parceiros energéticos.
Por fim, é fundamental construir alianças estratégicas com hyperscalers. Amazon, Google e Microsoft já adotam modelos de co-investimento em plantas de geração dedicadas em outras partes do mundo, garantindo suprimento estável e sustentável para suas operações. Replicar esse modelo no Brasil pode ser decisivo para consolidar o país como hub regional de datacenters. Utilities nacionais que se apresentarem como parceiras de co-investimento terão condições de capturar valor não apenas pela venda de energia, mas também pela participação direta na expansão da infraestrutura digital, garantindo relevância no longo prazo.
Conclusão
A experiência das telecomunicações deixa uma lição clara: setores inteiros podem perder relevância estratégica quando se limitam a fornecer insumos básicos sem diferenciação. O que aconteceu com a conectividade — transformada em commodity diante da ascensão dos datacenters especializados e dos hyperscalers — pode se repetir com a energia. Se o fornecimento elétrico continuar a ser tratado apenas como a entrega de megawatts indiferenciados, as empresas de energia correm o risco de se tornarem invisíveis no ecossistema digital, ainda que sejam absolutamente essenciais para sua existência.
A saída para evitar essa armadilha passa por um reposicionamento profundo. O setor precisa assumir o papel de parceiro estratégico, não apenas de fornecedor. Isso significa oferecer resiliência operacional com redundância e integração de fontes, assegurar sustentabilidade certificada com métricas transparentes, incorporar digitalização e inteligência para transformar energia em serviço monitorável e confiável, além de inovar em modelos financeiros que acompanhem o ritmo de expansão dos datacenters. Em outras palavras, trata-se de deslocar a oferta de energia do campo da commodity para o campo da solução estratégica.
O Brasil, por sua vez, dispõe de uma oportunidade histórica. Com uma matriz elétrica majoritariamente renovável, vasto potencial de expansão solar e eólico, experiência consolidada em regulação do setor e programas emergentes como o ReData, o país tem condições de se posicionar como protagonista na próxima onda global de infraestrutura digital. A integração inteligente entre energia e datacenters pode não apenas atrair investimentos, mas também consolidar o Brasil como referência internacional em sustentabilidade, inovação e segurança energética aplicada ao universo digital.
O desafio, portanto, é de visão e ação. Assim como as telecomunicações perderam seu espaço por não compreenderem a tempo o papel estratégico dos datacenters, as empresas de energia precisam agir agora para não repetir a mesma trajetória. O futuro dos datacenters será também o futuro da energia. Cabe ao Brasil decidir se será apenas fornecedor de megawatts ou parceiro estratégico da transformação digital.