Introdução
A adoção de Agentic AI no setor energético marca um ponto de inflexão na transição energética em curso no Brasil e no mundo. O setor energético, historicamente caracterizado por infraestruturas pesadas, ativos de longa duração e forte regulação, encontra-se hoje em um ponto de inflexão: de um lado, a pressão por descarbonização e integração acelerada de renováveis; de outro, a necessidade de garantir segurança, confiabilidade e competitividade em ambientes cada vez mais complexos. Nesse contexto, a Inteligência Artificial Generativa representou um primeiro salto, trazendo ganhos em produtividade, personalização de serviços e eficiência operacional. Contudo, a fronteira seguinte começa a se desenhar com clareza: a ascensão da Agentic AI, agentes digitais autônomos capazes de orquestrar processos, tomar decisões em tempo real e interagir com sistemas críticos de forma distribuída. Essa lógica está alinhada ao conceito de ecossistemas de agentes interconectados já discutido pela literatura internacional (Olujimi et al., 2025).
Fagundes (2025) evidencia que o Brasil já dispõe de uma matriz majoritariamente renovável, mas enfrenta gargalos importantes, como o curtailment em usinas eólicas e solares, a sobrecarga em linhas de transmissão e a falta de flexibilidade nos sistemas de armazenamento. São dilemas que não se resolvem apenas com novos ativos físicos, mas que exigem inteligência digital para integrar, em tempo real, múltiplas variáveis de operação. É exatamente nesse espaço que os agentes autônomos se destacam: ao permitir, por exemplo, que sistemas de baterias (BESS) decidam de forma independente quando armazenar ou liberar energia; que plantas de hidrogênio verde (H2V) coordenem de modo adaptativo seus processos de eletrólise, armazenamento e exportação; ou que microgrids comunitários operem em modo ilhado sem intervenção humana, ajustando geração e consumo de forma autônoma.
As tendências globais captadas no KPMG Futures Report (2025) reforçam esse movimento. Empresas líderes já perceberam que o valor da IA não está mais apenas na experimentação individual, mas na capacidade de estruturar implantações corporativas, alinhadas à estratégia de negócio e suportadas por dados confiáveis. O passo seguinte, portanto, é preparar terreno para sistemas que vão além do suporte cognitivo e passam a assumir funções decisórias e operacionais. Estudos recentes também destacam que essa mudança exige novas práticas de governança, métricas de avaliação e salvaguardas éticas e regulatórias, sob pena de gerar riscos de confiança, accountability e integração organizacional (Taylor & Francis, 2025; ScienceDirect, 2025).
No caso brasileiro, esse debate ganha contornos ainda mais relevantes. A agenda de inovação regulatória da ANEEL abre espaço para que o país se torne referência global em soluções de energia digitalizada. O potencial não está apenas na integração de renováveis em larga escala, mas também na eletrificação industrial, na expansão de smart grids e em programas de eficiência energética. Ao incorporar agentes digitais autônomos, esses programas podem alcançar novos patamares de resiliência, reduzindo vulnerabilidades diante de eventos climáticos extremos e ataques cibernéticos, ao mesmo tempo em que abrem caminho para modelos descentralizados de negociação de energia e carbono.
Mais do que uma evolução tecnológica, a Agentic AI representa um divisor de águas estratégico. Ela cria oportunidades para empresas que desejam capturar valor da transição energética não apenas como fornecedoras de infraestrutura, mas como protagonistas de uma nova era em que dados, algoritmos e governança digital se tornam tão importantes quanto turbinas, linhas de transmissão ou eletrolisadores. Estudos de universidades europeias, como Aalto University (2025) e TU Wien (2025), destacam que se trata de uma mudança estrutural na relação entre humanos e sistemas digitais críticos, com implicações diretas em políticas públicas e estratégias empresariais. O desafio – e a oportunidade – para executivos e conselhos do setor energético é compreender essa mudança e estruturar desde já as competências, arquiteturas e regulações necessárias para uma adoção responsável e escalável.
Tendências Globais e Insights para o Brasil
O cenário internacional evidencia uma rápida evolução da inteligência artificial aplicada à energia, migrando de usos pontuais de IA generativa para arquiteturas baseadas em agentes autônomos. Estudos recentes destacam que esses sistemas trazem ganhos de produtividade pela execução paralela de tarefas, maior agilidade organizacional pela implantação flexível de agentes e mitigação de riscos por meio de responsabilidade distribuída (Olujimi et al., 2025; Aalto University, 2025). Ao mesmo tempo, reconhecem os desafios de integração com sistemas legados, sobrecarga de comunicação e implicações de segurança em ambientes críticos (TU Wien, 2025).
Essa transformação não é apenas técnica, mas estrutural. A literatura sobre governança em ambientes agentic enfatiza a necessidade de regras claras de gestão, métricas de desempenho consistentes e salvaguardas éticas e regulatórias. Esses elementos são fundamentais para evitar vieses, dependência excessiva e decisões opacas, especialmente quando agentes digitais atuam em processos de negócio ou operações críticas (Taylor & Francis, 2025; ScienceDirect, 2025). Relatórios de tendências internacionais também apontam para a emergência de uma “economia agentic”, em que plataformas de agentes autônomos começam a interagir diretamente com mercados e cadeias de valor, dentro de um contexto marcado pelo aumento dos riscos climáticos e pela necessidade de resiliência sistêmica (KPMG, 2025).
No Brasil, o ponto de partida é singular. O país conta com uma matriz elétrica majoritariamente renovável, mas enfrenta gargalos importantes: o curtailment crescente em parques solares e eólicos, a sobrecarga em linhas de transmissão e a ausência de flexibilidade sistêmica para integrar armazenamento em larga escala (Fagundes, 2025). A digitalização das distribuidoras, com a expansão da medição inteligente e a incorporação de soluções de edge computing, abre espaço para que agentes autônomos atuem em tempo real, otimizando fluxos de potência, reduzindo perdas técnicas e antecipando falhas operacionais.
As oportunidades estratégicas para o Brasil convergem em quatro direções centrais:
- Ampliação da geração renovável (solar e eólica): com suporte de ferramentas digitais de alto valor agregado, capazes de transformar dados em análises operacionais e novos modelos de receita para distribuidoras e comercializadoras (Fagundes, 2025).
- Gestão de integração e curtailment: além da expansão física da rede, agentes autônomos em BESS e microgrids podem coordenar despacho ótimo, resposta dinâmica e arbitragem de energia, aumentando a flexibilidade e a confiabilidade do sistema (Olujimi et al., 2025).
- Regulação como indutor de inovação: no Brasil, mecanismos de incentivo regulatório — como programas de P&D e ambientes de experimentação — podem acelerar a adoção de agentes autônomos. A atuação de órgãos como ANEEL e ONS será decisiva para garantir interoperabilidade e previsibilidade (KPMG, 2025).
- Conexão entre metas nacionais e execução autônoma: a Agentic AI pode transformar compromissos regulatórios em rotinas operacionais auditáveis, encurtando o ciclo entre detecção, decisão e ação, seja em balanceamento de rede, gestão de baterias ou operação de microgrids (Aalto University, 2025; TU Wien, 2025).
Em síntese, as tendências globais de IA generativa e agentes autônomos se alinham aos vetores estratégicos do setor energético brasileiro. O país reúne condições para capturar valor rapidamente ao combinar dados em tempo real, arquiteturas distribuídas e governança digital. Esse tripé pode encurtar o caminho entre diretrizes regulatórias, metas de política pública e resultados concretos em eficiência, confiabilidade e sustentabilidade (Fagundes, 2025).
Aplicações da Agentic AI no Setor Energético
Óleo e Gás
O setor de óleo e gás, tradicionalmente marcado por operações intensivas em capital e pela exposição a riscos elevados, encontra na Agentic AI uma oportunidade singular de transformação estrutural. Diferentemente das soluções clássicas de automação, os agentes digitais autônomos possuem a capacidade de aprender continuamente, adaptar-se a contextos dinâmicos e tomar decisões em tempo real. Essa autonomia cria novas camadas de resiliência operacional, especialmente em um segmento onde eficiência de margens, segurança e sustentabilidade precisam avançar em paralelo (Olujimi et al., 2025; TU Wien, 2025).
Um dos campos mais promissores é a otimização preditiva de refino e exploração. Com a crescente digitalização de plantas, agentes podem analisar séries temporais de produção, qualidade de insumos e padrões de demanda para ajustar parâmetros de refino de forma dinâmica, reduzindo desperdícios e maximizando rendimento. Em operações de exploração, agentes autônomos podem integrar dados sísmicos, geológicos e de sensores de perfuração para propor rotas mais seguras e economicamente viáveis. Essa capacidade de interpretar fluxos massivos de dados, aliada à autonomia decisória, encurta o ciclo de planejamento e resposta, ampliando a competitividade em mercados voláteis (KPMG, 2025).
Outro vetor crítico é o monitoramento ambiental e a conformidade regulatória. À medida que pressões ESG se intensificam e regulações ambientais se tornam mais rigorosas, agentes autônomos podem atuar como “fiscais digitais” permanentes. Esses sistemas processam dados de sensores atmosféricos, marítimos e de efluentes para identificar desvios de conformidade em tempo real, acionando protocolos automáticos de correção ou alertando equipes de campo. Essa abordagem reduz riscos de multas e sanções, ao mesmo tempo em que fortalece a reputação corporativa em um setor constantemente pressionado por questões socioambientais (Fagundes, 2025).
Por fim, a redução de riscos em operações offshore é talvez o campo mais emblemático. Plataformas marítimas concentram ativos de altíssimo valor, operando em ambientes hostis e com condições variáveis. Agentes digitais podem monitorar continuamente variáveis críticas — vibração, pressão, corrosão e integridade estrutural — para antecipar falhas, recomendar intervenções ou até mesmo acionar sistemas de desligamento preventivo. Além disso, ao operar em rede, múltiplos agentes podem coordenar atividades de manutenção, logística de suprimentos e resposta a emergências, reduzindo a exposição humana a cenários de alto risco (Aalto University, 2025; ScienceDirect, 2025).
Esses três eixos — otimização preditiva, monitoramento ambiental e mitigação de riscos offshore — evidenciam como a Agentic AI deixa de ser apenas uma promessa tecnológica para se tornar um diferencial estratégico no setor de óleo e gás. Trata-se de criar operações mais seguras, eficientes e alinhadas às pressões regulatórias e ambientais, ao mesmo tempo em que se abrem oportunidades para ganhos financeiros e reputacionais sustentáveis.
Smart Grids e Eletrificação Industrial
A transformação das redes elétricas em smart grids constitui um dos pilares mais relevantes da transição energética contemporânea. A penetração crescente de fontes renováveis intermitentes, somada à descentralização da geração, impõe a necessidade de mecanismos sofisticados de balanceamento dinâmico da rede e de resposta ativa da demanda. Nesse cenário, os agentes digitais autônomos emergem como elementos centrais, atuando como controladores distribuídos capazes de processar dados locais, interagir com múltiplos nós da rede e coordenar ajustes quase em tempo real. Essa lógica de funcionamento, já apontada pela literatura recente sobre arquiteturas agentic, combina execução paralela, aprendizado contínuo e governança distribuída — atributos fundamentais para garantir eficiência e resiliência em sistemas complexos (Zhou et al., 2025; Aalto University, 2025).
O uso de agentes em smart grids vai além do simples despacho. Esses sistemas podem, por exemplo, receber sinais de preço ou instruções de operadores, analisar fluxos locais de carga e geração e decidir instantaneamente se devem acionar cargas flexíveis, ativar baterias distribuídas ou ajustar tarifas dinâmicas para estimular resposta da demanda. Essa inteligência distribuída reduz a dependência de centros de controle centralizados, aumentando a robustez da rede contra falhas técnicas ou ataques cibernéticos. Estudos recentes reforçam que essa descentralização digitalizada é crucial para lidar com riscos climáticos e para ampliar a confiabilidade em sistemas com alta penetração de renováveis (Taylor & Francis, 2025; ScienceDirect, 2025).
Já a eletrificação industrial representa um desafio distinto, mas complementar. Setores eletrointensivos — como siderurgia, mineração, papel e celulose ou química — passam por forte pressão para reduzir emissões e migrar para processos mais limpos. Nesses ambientes, agentes autônomos podem atuar no planejamento energético em tempo real, avaliando continuamente a demanda de processos, a disponibilidade de contratos de energia renovável (Power Purchase Agreements – PPAs) e o preço horário da eletricidade. Essa coordenação autônoma viabiliza a substituição gradual de combustíveis fósseis por eletrificação, sem comprometer competitividade ou segurança operacional (Fagundes, 2025; KPMG, 2025).
Um recurso crítico nesse processo é o uso de digital twins industriais, que possibilitam a criação de ambientes de simulação para testar cenários de substituição de combustíveis fósseis por eletrificação. Nesses gêmeos digitais, agentes autônomos podem avaliar impactos sobre eficiência, custos e emissões antes da implementação em campo. Esse mecanismo reduz riscos, acelera a tomada de decisão e permite que empresas ajustem suas estratégias de eletrificação com maior agilidade. A literatura sobre governança em sistemas agentic ressalta, contudo, que tais aplicações só atingem seu pleno potencial quando acompanhadas de métricas de desempenho bem definidas e salvaguardas regulatórias capazes de auditar as decisões tomadas pelos agentes (Aalto University, 2025; Zhou et al., 2025).
Assim, tanto nas smart grids quanto na eletrificação industrial, a Agentic AI deixa de ser apenas um facilitador tecnológico e assume o papel de orquestrador estratégico, capaz de alinhar operação, sustentabilidade e competitividade. No Brasil, onde a modernização das redes de distribuição e a expansão da eletrificação industrial estão diretamente ligadas às metas regulatórias, a adoção de agentes digitais autônomos pode acelerar o cumprimento de compromissos nacionais de descarbonização e consolidar novas oportunidades de negócio para os setores elétrico e industrial.
Eficiência Energética e ESG
A eficiência energética sempre se destacou como um dos caminhos mais imediatos e custo-efetivos para reduzir emissões e ampliar a competitividade industrial. Com a incorporação da Agentic AI, esse campo atinge uma nova dimensão: torna-se possível realizar diagnósticos contínuos em indústrias e edifícios, com agentes digitais autônomos monitorando o consumo em tempo real, identificando padrões anômalos e propondo ajustes automáticos. Diferentemente de auditorias energéticas pontuais, essa abordagem estabelece um processo dinâmico de eficiência, no qual algoritmos de aprendizado por reforço ajustam continuamente equipamentos e sistemas para otimizar o uso de energia (Zhou et al., 2025; Olujimi et al., 2025).
Além do monitoramento em tempo real, a Agentic AI amplia a capacidade de acompanhamento de KPIs de carbono e energia. Agentes podem consolidar dados dispersos de medidores inteligentes, sensores industriais e sistemas de gestão para gerar relatórios contínuos de indicadores críticos — como intensidade de carbono por unidade de produção, consumo energético por linha de processo ou nível de perdas em sistemas prediais. Esse acompanhamento permanente confere maior robustez às práticas de gestão e permite correções rápidas diante de desvios, aumentando a confiabilidade dos dados reportados a investidores e reguladores (KPMG, 2025).
Esse aspecto torna-se particularmente relevante no contexto das metas ESG e dos compromissos de descarbonização. Empresas, cada vez mais pressionadas por stakeholders e por marcos regulatórios, necessitam não apenas de objetivos declarados, mas de sistemas de governança digital que garantam rastreabilidade e transparência. Nesse papel, agentes autônomos podem atuar como verdadeiros “auditores digitais”, coletando, verificando e consolidando dados de forma contínua. Essa confiabilidade reduz o risco de greenwashing e fortalece a posição das organizações em mercados cada vez mais sensíveis a critérios ambientais, sociais e de governança (Aalto University, 2025; Fagundes, 2025).
No caso brasileiro, a combinação de regulação indutora e alta participação de renováveis na matriz cria um cenário especialmente fértil para que a eficiência energética seja um vetor de inovação em ESG. Ao conectar metas regulatórias nacionais com rotinas operacionais automatizadas, a Agentic AI transforma compromissos de descarbonização em resultados tangíveis, oferecendo às empresas um diferencial competitivo frente a investidores globais e cadeias de valor que exigem transparência climática (TU Wien, 2025).
Assim, a eficiência energética deixa de ser apenas um exercício de redução de custos para se tornar uma estratégia de sustentabilidade corporativa integrada, em que dados, algoritmos e compromissos ESG se unem para fortalecer tanto a performance operacional quanto a reputação empresarial.
Cibersegurança e Governança
A crescente digitalização do setor energético expande exponencialmente a superfície de ataque das infraestruturas críticas, tornando a cibersegurança um eixo estratégico tão relevante quanto a própria expansão da geração renovável. Nesse contexto, a Agentic AI pode atuar como camada adicional de defesa, com agentes digitais autônomos capazes de monitorar, detectar e responder a ameaças em tempo quase real. Diferentemente de sistemas tradicionais baseados em assinaturas, agentes treinados em aprendizado contínuo conseguem identificar padrões anômalos de tráfego, acessos suspeitos ou tentativas de intrusão em redes OT (Operational Technology), acionando protocolos de mitigação antes que incidentes se transformem em crises (Zhou et al., 2025).
Uma das contribuições mais promissoras está na aplicação do conceito de Zero Trust para ambientes energéticos. Agentes autônomos podem executar verificações constantes de identidade, autenticação e autorização em cada interação entre ativos — desde sensores em campo até sistemas SCADA e plataformas de trading. Essa vigilância permanente reduz a probabilidade de ataques laterais e aumenta a resiliência das infraestruturas críticas, especialmente em operações distribuídas, como microgrids e plantas de hidrogênio verde (KPMG, 2025).
Além da defesa ativa, a Agentic AI abre espaço para governança digital avançada. Ao integrar mecanismos de explainable AI (XAI), agentes podem justificar suas decisões em auditorias, criando um rastro verificável de ações, alertas e respostas. Esse ponto é vital em um setor onde regulação e conformidade são determinantes. Estudos recentes sobre governança em sistemas agentic destacam que auditoria contínua e métricas explícitas de desempenho são essenciais para mitigar riscos de vieses, decisões não transparentes ou falhas de coordenação entre múltiplos agentes (Aalto University, 2025; Olujimi et al., 2025).
O caso brasileiro reforça essa urgência. A expansão de ativos digitais em distribuidoras e a crescente interconexão entre sistemas elétricos e plataformas de dados criam vulnerabilidades que não podem ser ignoradas. Ao mesmo tempo, a regulação nacional tem buscado induzir a adoção de boas práticas de segurança digital e interoperabilidade, criando uma janela para que agentes autônomos sejam incorporados como instrumentos de conformidade e proteção em ambientes críticos (Fagundes, 2025).
Em síntese, a Agentic AI não deve ser vista apenas como tecnologia de eficiência operacional, mas também como infraestrutura de confiança, capaz de proteger dados, processos e ativos estratégicos. Ao combinar defesa ativa, zero trust e governança auditável, os agentes autônomos posicionam-se como aliados essenciais na proteção do setor energético contra ameaças cibernéticas e riscos regulatórios.
Aplicação | Função do Agente Autônomo | Benefício Estratégico |
Monitoramento de redes OT | Detectar padrões anômalos em tráfego de dados e acessos suspeitos em tempo quase real; acionar protocolos automáticos de mitigação | Redução do tempo de resposta a incidentes; menor risco de interrupções críticas |
Zero Trust dinâmico | Verificar continuamente identidade, autenticação e autorização em interações entre ativos (sensores, SCADA, trading) | Prevenção de ataques laterais; aumento da resiliência em operações distribuídas |
Defesa contra ataques cibernéticos avançados | Aprender continuamente novos vetores de ataque e adaptar contramedidas sem necessidade de intervenção manual | Proteção contra ameaças emergentes; maior confiabilidade da infraestrutura |
Governança auditável com XAI | Justificar decisões, registrar logs de ações e criar trilhas verificáveis para auditoria regulatória | Transparência e rastreabilidade; conformidade com marcos regulatórios |
Supervisão em conformidade ESG | Consolidar e validar dados de energia e carbono para auditorias de sustentabilidade | Redução de riscos de greenwashing; fortalecimento da reputação corporativa |
Desafios de Implementação no Brasil
Apesar do enorme potencial da Agentic AI para transformar o setor energético, sua implementação no Brasil enfrenta barreiras estruturais, tecnológicas e regulatórias que precisam ser cuidadosamente endereçadas. Esses obstáculos não anulam a oportunidade, mas indicam que a adoção dependerá de planejamento detalhado, governança robusta e incentivos adequados.
O primeiro desafio é a integração com sistemas legados, como SCADA, EMS e plataformas OT que sustentam a operação de distribuidoras, transmissoras e plantas industriais. Concebidos em arquiteturas centralizadas e pouco flexíveis, esses sistemas dificultam a conexão com agentes autônomos orientados a eventos e distribuídos. A literatura recente alerta que a sobrecarga de comunicação entre agentes e sistemas existentes pode gerar gargalos, sendo necessário o uso de camadas de middleware e APIs interoperáveis para viabilizar a adoção em larga escala (Olujimi et al., 2025).
Outro ponto crítico são as lacunas regulatórias. O setor elétrico brasileiro ainda carece de frameworks específicos para agentes autônomos em ambientes críticos, como redes de distribuição, mercados de energia e plantas de hidrogênio verde. Embora haja avanços em frentes como P&D regulado e digitalização, a regulação atual permanece genérica quanto à governança de sistemas agentic. Essa ausência de clareza cria incertezas jurídicas e operacionais, reduzindo a disposição de investidores em financiar soluções digitais de maior complexidade (KPMG, 2025).
A questão da governança e auditoria de decisões é igualmente central. Como agentes digitais assumem funções críticas, cada ação precisa ser explicável, rastreável e auditável. Sem mecanismos de explainable AI (XAI), há o risco de decisões opacas afetarem a segurança de abastecimento e a confiabilidade do sistema. Estudos destacam a necessidade de objetivos explícitos, métricas de desempenho claras e salvaguardas regulatórias desde o design das soluções para garantir accountability e confiança organizacional (Taylor & Francis, 2025).
A cibersegurança em ambientes OT constitui outro vetor sensível. A introdução de agentes autônomos expande a superfície de ataque, exigindo novos modelos de defesa digital. Conceitos como Zero Trust, monitoramento contínuo e agentes defensivos especializados tornam-se indispensáveis. Sem essas camadas adicionais, a digitalização pode ampliar a vulnerabilidade das infraestruturas críticas a ataques avançados, um ponto crucial para a resiliência do setor energético brasileiro (ScienceDirect, 2025).
Por fim, há a necessidade de modelos de incentivo e políticas públicas que viabilizem a adoção em escala. O histórico brasileiro mostra que programas de P&D regulado foram decisivos para a inovação em distribuidoras e geradoras. De forma semelhante, a criação de linhas de financiamento, sandboxes regulatórios e estímulos fiscais pode acelerar a adoção da Agentic AI, posicionando o Brasil como referência internacional em digitalização energética (Fagundes, 2025).
Em síntese, os desafios de implementação no Brasil não se restringem à tecnologia. Eles envolvem interoperabilidade, regulação clara, governança robusta, segurança cibernética e incentivos adequados. Superá-los é condição necessária para que a Agentic AI se traduza em ganhos reais de eficiência, confiabilidade e sustentabilidade no setor energético.
Métricas e Impacto Esperado
A adoção de agentes digitais autônomos no setor energético não deve ser analisada apenas sob a ótica da inovação tecnológica, mas sobretudo pelos resultados concretos que esses sistemas são capazes de entregar. Para consolidar confiança, atrair investimentos e justificar políticas de incentivo, torna-se essencial estabelecer métricas claras e monitorar os impactos em quatro dimensões centrais: operacional, sustentabilidade, financeiro e resiliência.
Operacional
Do ponto de vista operacional, agentes autônomos promovem ganhos expressivos de eficiência ao reduzir tempos de resposta, otimizar processos e diminuir custos recorrentes de manutenção. Em distribuidoras e plantas industriais, agentes com aprendizado por reforço podem antecipar falhas em ativos, acionar protocolos preventivos e reduzir o OPEX associado a paradas não programadas. A literatura sobre sistemas multiagentes enfatiza exatamente essa capacidade de encurtar o ciclo detectar–decidir–agir, transformando a gestão reativa em gestão preditiva (Wooldridge, 2021; Rana et al., 2020).
Sustentabilidade
Na dimensão da sustentabilidade, os impactos são ainda mais evidentes. Ao coordenar em tempo real o despacho de BESS, plantas de hidrogênio verde (H2V) e microgrids, agentes autônomos viabilizam maior inserção de renováveis na matriz elétrica, reduzindo o curtailment e maximizando o aproveitamento de energia limpa. Isso se traduz diretamente em menores emissões de gases de efeito estufa e em avanços no cumprimento de compromissos de descarbonização. Relatórios recentes já destacam que a adoção de agentes em sistemas energéticos melhora tanto a estabilidade da rede quanto a previsibilidade da integração renovável (KPMG, 2025; Fagundes, 2025).
Financeiro
Sob a ótica financeira, a Agentic AI pode ampliar o retorno sobre investimentos (ROI) em contratos de energia renovável e em projetos de hidrogênio verde. Em PPAs, agentes digitais são capazes de avaliar continuamente condições de mercado, ajustando estratégias de arbitragem e reduzindo riscos de exposição. Já em projetos de H2V, os agentes otimizam a cadeia eletrólise–armazenamento–exportação, diminuindo perdas e elevando margens operacionais. Essa capacidade não apenas aumenta a atratividade de projetos em fase inicial, como também reduz barreiras de entrada para financiadores e investidores institucionais (Taylor & Francis, 2025; Fagundes, 2025).
Resiliência
Por fim, a resiliência ganha relevância em um cenário marcado por eventos climáticos extremos, oscilações de demanda e riscos cibernéticos. Agentes digitais, ao operarem em rede e de forma distribuída, oferecem robustez adicional contra choques externos, redistribuindo cargas, isolando falhas e reorganizando fluxos energéticos em tempo quase real. Esse atributo é particularmente estratégico no Brasil, onde gargalos de transmissão e vulnerabilidades climáticas exigem soluções digitais que complementem investimentos em infraestrutura física (Olujimi et al., 2025; Fagundes, 2025).
Em conjunto, essas quatro dimensões — operacional, sustentabilidade, financeiro e resiliência — delineiam o verdadeiro valor da Agentic AI. Mais do que uma evolução tecnológica, trata-se de um novo paradigma de gestão energética, no qual eficiência, competitividade e sustentabilidade convergem, alinhando os interesses de empresas, reguladores e sociedade.
Dimensão | Métricas de Avaliação | Impacto Esperado |
Operacional | Tempo médio de resposta; Taxa de falhas evitadas; Redução de OPEX em manutenção | Gestão preditiva em vez de reativa; redução de paradas não programadas; maior eficiência de processos |
Sustentabilidade | Curtailment evitado (%); Participação renovável (%); Redução de emissões (tCO₂eq) | Maior inserção de renováveis; menor emissão de GEE; cumprimento de metas de descarbonização |
Financeiro | ROI em PPAs (%); Margem operacional em H2V (%); Redução de riscos de exposição | Otimização da arbitragem; ganhos em projetos de H2V; maior atratividade para investidores |
Resiliência | Tempo de recuperação (MTTR); Eventos críticos mitigados; Índice de continuidade do fornecimento | Robustez contra choques climáticos e cibernéticos; redistribuição autônoma de cargas; confiabilidade ampliada |
Competências Híbridas para a Adoção da Agentic AI no Setor Energético
A adoção da Agentic AI no setor energético exige competências híbridas, combinando profundidade técnica em inteligência artificial, engenharia de software e modelagem energética, com domínio de cibersegurança e governança. Esse perfil multidisciplinar deve ser capaz de transitar entre sistemas críticos, modelos matemáticos, ferramentas digitais e estruturas regulatórias, garantindo que a tecnologia seja aplicada de forma segura, escalável e orientada a resultados.
Inteligência Artificial e Sistemas Multiagentes
Profissionais precisam dominar técnicas de aprendizado por reforço, aplicadas ao balanceamento dinâmico da rede elétrica e ao controle de sistemas de armazenamento (BESS). Além disso, arquiteturas de sistemas multiagentes são fundamentais para a coordenação de recursos energéticos distribuídos (DERs) em microgrids. A integração com agentes cognitivos baseados em IA generativa representa um diferencial adicional, permitindo interpretar relatórios técnicos, alarmes e logs operacionais em tempo real (Olujimi et al., 2025; Wooldridge, 2021).
Engenharia de Software e Arquiteturas Digitais
É essencial compreender arquiteturas distribuídas e orientadas a eventos, capazes de operar em tempo real, bem como o uso de edge computing para reduzir latência em ativos de campo. A integração via APIs e middleware com sistemas SCADA, EMS e ERPs é um ponto crítico para viabilizar a adoção em larga escala, garantindo interoperabilidade e resiliência (KPMG, 2025).
Modelagem Energética e Digital Twins
O domínio de séries temporais é chave para prever demanda e geração renovável, enquanto o uso de digital twins de plantas e redes permite treinar agentes em ambientes simulados antes da aplicação em campo, reduzindo riscos. Além disso, ferramentas de otimização matemática — como programação linear, heurísticas e metaheurísticas — sustentam decisões de despacho ótimo, precificação e operação de contratos (Fagundes, 2025).
Infraestrutura e DevOps de IA
A maturidade em MLOps e AIOps torna-se necessária para automatizar o ciclo de vida dos modelos, garantindo atualização contínua em campo. Pipelines energéticos permitem ingestão e curadoria de dados massivos, enquanto o uso de containers e orquestração (Docker, Kubernetes) assegura escalabilidade e confiabilidade dos agentes em operações críticas (Taylor & Francis, 2025).
Cibersegurança e Governança Digital
A implementação segura requer adoção de princípios de Zero Trust, com autenticação contínua entre agentes e sistemas críticos, além da incorporação de mecanismos de IA explicável (XAI) para rastrear decisões autônomas. A aderência à conformidade regulatória é indispensável para mitigar riscos em ambientes altamente auditados como o setor elétrico, evitando vulnerabilidades que poderiam comprometer a resiliência nacional (KPMG, 2025).
Competência | Ferramentas / Técnicas | Aplicações no Setor Energético |
IA e Multiagentes | Aprendizado por reforço; arquiteturas multiagentes; agentes cognitivos | Balanceamento de rede; coordenação de DERs; interpretação de relatórios e logs |
Engenharia de Software | Edge computing; APIs; middleware; arquiteturas orientadas a eventos | Integração SCADA–EMS–ERP; redução de latência em ativos de campo |
Modelagem Energética | Séries temporais; digital twins; programação linear; heurísticas | Previsão de demanda; simulação de eletrificação industrial; despacho ótimo |
Infraestrutura e DevOps | MLOps; AIOps; pipelines de dados; Docker; Kubernetes | Automação do ciclo de modelos; escalabilidade de agentes; curadoria de dados massivos |
Cibersegurança e Governança | Zero Trust; XAI; compliance regulatório | Proteção de redes OT; auditoria de decisões; conformidade com normas |
Checklist de Competências para Adoção da Agentic AI no Setor Energético
IA e Multiagentes
▢ Domínio de aprendizado por reforço para balanceamento de rede e BESS;
▢ Conhecimento em arquiteturas multiagentes para coordenação de DERs e microgrids;
▢ Integração de agentes cognitivos baseados em IA generativa.
Engenharia de Software
▢ Experiência em arquiteturas distribuídas e orientadas a eventos;
▢ Aplicação de edge computing para reduzir latência em campo;
▢ Integração via APIs e middleware com SCADA, EMS e ERP.
Modelagem Energética
▢ Capacidade de trabalhar com séries temporais para prever demanda e geração;
▢ Uso de digital twins para simulação antes da aplicação em campo;
▢ Aplicação de técnicas de otimização (programação linear, heurísticas).
Infraestrutura e DevOps de IA
▢ Maturidade em MLOps e AIOps para atualização contínua de modelos;
▢ Construção de pipelines de dados massivos para ingestão e curadoria;
▢ Uso de containers e orquestração (Docker, Kubernetes) para escalabilidade.
Cibersegurança e Governança
▢ Adoção de princípios de Zero Trust em ambientes críticos;
▢ Implementação de IA explicável (XAI) para auditoria de decisões;
▢ Aderência a requisitos regulatórios e de compliance.
Conclusão
A ascensão da Agentic AI marca um ponto de inflexão na digitalização do setor energético. Se a inteligência artificial generativa já havia demonstrado ganhos em produtividade e suporte cognitivo, os agentes autônomos vão além: transformam dados em decisões e decisões em ações, operando de forma distribuída, adaptativa e auditável. Para o Brasil, esse avanço não é opcional, mas uma ferramenta crítica para a transição energética, especialmente diante dos desafios de integração de renováveis, curtailment e vulnerabilidades crescentes da rede elétrica (Fagundes, 2025; KPMG, 2025).
A vantagem competitiva será conquistada por empresas que souberem antecipar a adoção desses sistemas, indo além de pilotos experimentais e investindo na formação de competências internas multidisciplinares. O domínio de aprendizado por reforço, arquiteturas distribuídas, digital twins, MLOps e segurança cibernética tende a ser tão determinante para a operação quanto turbinas, transformadores ou linhas de transmissão (Olujimi et al., 2025; ScienceDirect, 2025).
Nesse cenário, o Brasil reúne condições únicas para se tornar um laboratório global de inovação em energia digitalizada. A matriz elétrica predominantemente limpa, a experiência regulatória com programas de P&D e a urgência de soluções para transmissão, armazenamento e eficiência energética criam um terreno fértil para a adoção de agentes autônomos. Mais do que acompanhar tendências internacionais, o país pode assumir protagonismo ao demonstrar como inteligência artificial distribuída pode ser integrada a infraestruturas críticas com segurança, eficiência e sustentabilidade (Aalto University, 2025; TU Wien, 2025).
Em síntese, a Agentic AI não deve ser vista apenas como promessa tecnológica, mas como um divisor de águas estratégico: alinha transição energética, inovação digital e compromissos de descarbonização em uma mesma trajetória. O desafio imediato é transformar essa visão em política pública, estratégia empresarial e competência organizacional — porque, na nova economia da energia, serão os agentes digitais autônomos que orquestrarão a próxima fase da transformação.
Referências
AALTO UNIVERSITY. Autonomous Agents for Energy Systems: Policy and Governance Perspectives. Aalto, 2025.
FAGUNDES, Eduardo M. CITEENEL 2025: Transição Energética no Brasil e Oportunidades Estratégicas. São Paulo: efagundes.com, 2025. Disponível em: https://efagundes.com/blog/citeenel-2025-transicao-energetica-no-brasil-e-oportunidades-estrategicas/. Acesso em: 25 set. 2025.
KPMG. Futures Report 2025: Digital Transformation and Energy Systems. Londres: KPMG International, 2025.
OLUJIMI, Adeola et al. Multi-Agent Systems for Energy Management: From Theory to Practice. IEEE Transactions on Smart Grid, v. 16, n. 3, p. 1123-1135, 2025.
RANA, O.; PERERA, S.; CHEN, L. Trust and Accountability in Multi-Agent Energy Systems. Journal of Autonomous Agents and Multi-Agent Systems, v. 34, p. 450-468, 2020.
SCIENCEDIRECT. Special Issue: Governance and Ethics in Agentic AI for Energy. Elsevier, 2025.
TAYLOR & FRANCIS. Agentic AI in Critical Infrastructures: Risks and Opportunities. Energy Policy Review, v. 52, p. 88-104, 2025.
TU WIEN. Digital Resilience and Agentic AI for Energy Systems. Vienna: Technical University of Vienna, 2025.
WOOLDRIDGE, Michael. Multi-Agent Systems. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2021.
ZHOU, Yan; LI, Ming; WANG, H. Digital Twins and Agentic AI for Industrial Electrification. Energy Reports, v. 11, n. 2, p. 214-230, 2025.