Eduardo M Fagundes

Tech & Energy Insights

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Baterias de Concreto: A Revolução Silenciosa do Armazenamento de Energia

O armazenamento de energia desempenha um papel estratégico na transição para matrizes energéticas mais sustentáveis e resilientes. Entre as tecnologias emergentes, o armazenamento gravitacional com blocos de concreto tem se destacado como uma alternativa promissora aos sistemas eletroquímicos, como baterias de íons de lítio. Baseada em princípios físicos elementares, essa tecnologia propõe o uso de massa, altura e gravidade como elementos centrais para a acumulação e liberação de energia, oferecendo eficiência, longevidade e independência de materiais críticos.

O funcionamento da bateria gravitacional é relativamente simples. Em momentos de excesso de geração, como nos períodos de alta produção solar ou eólica, energia elétrica é utilizada para acionar guindastes ou elevadores motorizados que suspendem blocos de concreto de alta massa para alturas determinadas. Essa energia cinética é convertida em energia potencial gravitacional, armazenada pela posição elevada da massa. Quando há demanda por eletricidade, os blocos são descidos de forma controlada, movimentando motores regenerativos que convertem o movimento mecânico de volta em eletricidade. O ciclo é reversível e pode ser repetido milhares de vezes com perdas mínimas.

Diferentemente das baterias químicas, que sofrem degradação com o tempo e dependem de materiais como lítio, cobalto e níquel, o armazenamento gravitacional se apoia em materiais largamente disponíveis e recicláveis. Os principais componentes são concreto, aço e sistemas eletromecânicos. Além disso, a eficiência operacional desses sistemas tem se mostrado competitiva, com valores entre 75% e 90%, dependendo do projeto e da qualidade dos mecanismos de conversão.

Diversos projetos internacionais têm demonstrado a viabilidade técnica e econômica dessa abordagem. Um exemplo notável é a torre EVx desenvolvida pela empresa Energy Vault, que emprega blocos modulares de materiais compostos e opera com capacidade de armazenamento na faixa de 10 a 100 MWh. De acordo com o white paper da empresa, a torre possui eficiência superior a 80%, vida útil estimada em 35 anos e tempo de resposta inferior a dois segundos. Outra iniciativa relevante é a empresa escocesa Gravitricity, que desenvolve sistemas subterrâneos baseados em poços verticais, utilizando minas desativadas como infraestrutura de apoio. Seus estudos de viabilidade, financiados pelo governo britânico, apontam para eficiências superiores a 85% e mais de 25 mil ciclos operacionais.

No contexto brasileiro, o armazenamento gravitacional apresenta vantagens singulares. O país possui um parque hidrelétrico amplo, com diversas usinas em regiões montanhosas ou com infraestrutura vertical significativa. Isso abre a possibilidade de integração de sistemas gravitacionais com usinas hidrelétricas reversíveis, conhecidas como UHRs. Nessas usinas, dois reservatórios em diferentes altitudes são usados para armazenar energia por meio do bombeamento de água. Embora eficazes, as UHRs exigem grandes obras civis, licenciamento ambiental complexo e investimentos elevados.

A solução gravitacional com blocos pode atuar de forma complementar ou mesmo substitutiva em algumas situações, aproveitando estruturas já existentes, como torres de inspeção, casas de força elevadas ou encostas artificiais. Minas desativadas em estados como Minas Gerais, Goiás e Bahia também oferecem potencial de reaproveitamento. O uso dessas estruturas reduz significativamente o custo de implantação e o tempo de licenciamento, promovendo soluções locais de armazenamento que reforçam a estabilidade da rede e facilitam a integração de fontes intermitentes, como a solar e a eólica.

Outro fator positivo é a possibilidade de industrialização nacional da tecnologia. O Brasil possui ampla capacidade instalada na indústria da construção civil, empresas especializadas em estruturas metálicas, guindastes e engenharia mecânica. A fabricação dos blocos, o desenvolvimento de torres e o fornecimento de componentes de automação podem ser realizados com alto grau de conteúdo local, gerando empregos e estimulando cadeias produtivas nacionais. Como não há necessidade de insumos importados ou metais raros, a solução é menos vulnerável a flutuações cambiais e crises geopolíticas.

Do ponto de vista regulatório, a solução também apresenta vantagens. Sistemas de armazenamento mecânico não têm passivos ambientais associados a efluentes químicos ou risco de incêndios, o que facilita a obtenção de licenças. A modularidade permite que sejam instalados em escalas menores, próximas a centros de consumo ou em ambientes industriais com infraestrutura vertical, como silos, chaminés ou galpões.

Apesar de seu alto potencial, é importante ressaltar que a tecnologia ainda se encontra em fase de consolidação. Embora as primeiras torres estejam operacionais, a literatura acadêmica ainda é escassa. Buscas realizadas no Google Scholar indicam que poucos artigos foram publicados sobre o tema, sendo a maioria das referências provenientes de white papers industriais, relatórios técnicos e estudos de viabilidade financiados por órgãos governamentais ou empresas privadas. Portanto, é fundamental que instituições de pesquisa brasileiras passem a se debruçar sobre o tema, desenvolvendo modelos matemáticos, testes experimentais e análises de integração com o sistema elétrico nacional.

O estabelecimento de projetos-piloto em parceria com universidades, empresas de energia e fabricantes de equipamentos é uma etapa essencial para a validação da tecnologia no contexto nacional. Essa abordagem permitiria, por exemplo, comparar o desempenho do armazenamento gravitacional com outras alternativas, como baterias de segunda vida, sistemas hidrelétricos reversíveis de pequeno porte e bancos de baterias de lítio. Também seria possível avaliar o impacto regulatório, tarifário e logístico da adoção dessa tecnologia em regiões de baixa confiabilidade elétrica ou alta penetração de renováveis intermitentes.

Considerando o atual estágio da transição energética brasileira, caracterizada pela necessidade de armazenamento modular, baixo custo e alta durabilidade, o armazenamento gravitacional com blocos de concreto surge como uma solução particularmente adequada. Sua combinação de robustez, escalabilidade, neutralidade ambiental e potencial de nacionalização a coloca como uma tecnologia a ser monitorada de perto por formuladores de políticas públicas, agências reguladoras e empresas do setor elétrico.

À medida que novas instalações forem entrando em operação ao redor do mundo, é esperado que surjam mais dados sobre desempenho em campo, custos de manutenção e retorno sobre investimento. Esses dados serão valiosos para a tomada de decisão e para a promoção de políticas de incentivo. O Brasil, com seu perfil hidrelétrico, base industrial instalada e desafios logísticos regionais, está bem posicionado para liderar a implementação dessa tecnologia na América Latina, contribuindo para um sistema elétrico mais limpo, flexível e resiliente.

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