Introdução
A notícia da saída da Raízen da operação OXXO no Brasil acendeu um alerta que vai muito além do varejo de conveniência. Mais do que uma transação empresarial, esse episódio se transformou em um símbolo do chamado Custo Brasil e dos limites de replicar modelos globais em um mercado de complexidades próprias. OXXO, um fenômeno consolidado no México, não encontrou a mesma receptividade em território brasileiro. A lição é direta: escala, capital e prestígio não substituem adaptação cultural, proximidade com o consumidor e sensibilidade regulatória.
Esse alerta é particularmente relevante no momento em que o setor elétrico brasileiro se prepara para um novo ciclo de abertura: a entrada dos consumidores de baixa tensão no mercado livre de energia. O risco é claro: repetir no setor elétrico o descompasso vivido pelo OXXO, importando soluções sem tropicalização, pode gerar frustração e instabilidade.
O caso OXXO como metáfora para a energia
OXXO nasceu em 1978, em Monterrey, e se transformou em um império do varejo de conveniência com mais de 20 mil lojas no México e milhares em outros países latino-americanos. No Brasil, a entrada foi marcada por uma promessa ousada: abrir uma loja por dia, em parceria com a Raízen, aproveitando sinergias com a rede de postos Shell.
No entanto, o modelo esbarrou em barreiras estruturais e culturais. A logística encarecida, a burocracia municipal, a concorrência com padarias e mercadinhos locais e a informalidade acabaram corroendo a proposta de valor. A saída da Raízen, em 2025, não deve ser lida como um fracasso absoluto, mas como um movimento estratégico de foco em seu core business. A FEMSA segue acreditando no projeto, mas a mensagem ficou clara: a realidade brasileira exige adaptações profundas.
Esse recado ecoa no setor elétrico. Assim como os consumidores brasileiros preferiram o comércio de bairro ao modelo padronizado do OXXO, eles podem resistir à migração para o mercado livre se não perceberem benefícios claros, simplicidade na adesão e confiança no processo.
O horizonte da baixa tensão no mercado livre
Desde os anos 1990, o Brasil vem liberalizando gradualmente seu mercado de energia, começando pelos grandes consumidores. Em 2024, a abertura alcançou todos os consumidores de alta e média tensão, fazendo com que a participação do mercado livre chegasse a cerca de 44% do consumo nacional. O próximo passo é inevitável: incluir residências e pequenos negócios a partir de 2026, em um processo escalonado que deve se estender até 2028.
Essa transição, porém, não é apenas regulatória. Ela representa uma mudança cultural. A energia, tradicionalmente percebida como um serviço universal e regulado, passará a ser vista como um produto de escolha. Isso exigirá dos consumidores novos hábitos e dos agentes de mercado novas formas de comunicação, atendimento e diferenciação.
O alerta OXXO aplicado à energia
A experiência do OXXO mostra que não basta replicar o que deu certo em outros mercados. A padronização absoluta, que no México foi um trunfo, no Brasil se mostrou distante das preferências locais. No setor elétrico, o risco é idêntico: trazer modelos de Portugal, Texas ou Espanha sem ajustes pode resultar em baixa adesão e até em crises de credibilidade.
Outro ponto crucial é o Custo Brasil. A complexidade tributária, a informalidade e a burocracia são fatores que podem corroer margens, atrasar processos e desestimular a concorrência. Se não forem enfrentados, podem inviabilizar a própria sustentabilidade do mercado livre em baixa tensão.
Além disso, a armadilha da expansão acelerada sem tropicalização também deve ser evitada. Comercializadores que busquem conquistar milhões de clientes residenciais rapidamente, sem estrutura adequada de atendimento, garantias financeiras ou comunicação clara, correm o risco de repetir o desfecho da OXXO: presença física sem rentabilidade.
Cenários possíveis para 2025–2035
Ao projetar a próxima década, três cenários se destacam. No otimista, o Brasil equilibra velocidade e prudência, constrói confiança regulatória e oferece diversidade de produtos, transformando-se em referência global. No intermediário, a migração ocorre, mas de forma parcial e concentrada em nichos, sem democratização plena. Já no pessimista, a falta de preparo leva a inadimplência em massa, concentração excessiva e retrocessos regulatórios.
O que determinará o caminho? Fatores críticos como regulação responsiva, gestão de riscos de inadimplência, educação energética, diversidade de players e inovação em serviços integrados.
Recomendações estratégicas por stakeholder
O sucesso da abertura dependerá de uma orquestração entre todos os atores:
- Reguladores precisam dar segurança, simplificar contratos, expandir sandboxes e oferecer proteção contra inadimplência.
- Distribuidoras devem se reposicionar como gestoras de rede e explorar novos modelos de negócio, em vez de resistirem à mudança.
- Comercializadores e novos entrantes precisam construir confiança, inovar em pacotes de valor e explorar nichos de forma escalável.
- Investidores e conselhos de administração devem ter capital paciente, visão de longo prazo e atenção às especificidades brasileiras.
Conclusão: o chamado à ação
O caso OXXO não é um fracasso terminal, mas um alerta contundente. Mostra que o Brasil não é terreno fértil para cópias automáticas de modelos globais. Exige tropicalização, resiliência e visão estratégica.
A abertura do mercado livre de energia em baixa tensão precisa aprender com esse episódio. Se ignorar o comportamento do consumidor, a complexidade regulatória e a necessidade de confiança, corre o risco de se transformar em um novo “efeito OXXO”. Se, ao contrário, enfrentar esses desafios com pragmatismo e inovação, poderá se consolidar como um marco de modernização, inclusão e competitividade para o setor elétrico brasileiro.
Artigo completo: O Alerta OXXO: Riscos e Lições para a Abertura do Mercado Livre de Energia na Baixa Tensão no Brasil