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Energia e datacenters no Brasil: como evitar a armadilha da commodity

A nova fronteira do consumo de energia

O mercado de datacenters cresce em ritmo acelerado e está no centro da nova economia digital. Em 2024, essas infraestruturas consumiram cerca de 415 TWh de eletricidade em todo o mundo, representando aproximadamente 1,5% da demanda global. As projeções indicam que esse consumo poderá dobrar ou mesmo triplicar até 2028, impulsionado principalmente pela inteligência artificial, pela expansão da computação em nuvem e pela multiplicação de serviços digitais. Diante desse cenário, surge uma questão crítica para o setor elétrico: como as empresas de energia podem se manter relevantes e estratégicas, em vez de se tornarem apenas fornecedoras de um insumo básico.

A lição das telecomunicações

A experiência das telecomunicações oferece uma lição valiosa. No passado, as operadoras chegaram a liderar o mercado de datacenters, mas optaram por vender seus ativos e focar apenas na conectividade. Esse movimento abriu espaço para players especializados e para os hyperscalers, como Amazon, Google e Microsoft, que expandiram seus próprios parques tecnológicos, ao mesmo tempo em que utilizam colocation de empresas como Equinix, Digital Realty e CyrusOne. O resultado foi a transformação das telecomunicações em commodity: ainda fundamentais, mas facilmente substituíveis por qualquer outro provedor de rede. O risco para a energia é repetir a mesma trajetória, sendo tratada apenas como megawatts contratáveis no mercado livre.

Oportunidade e desafio para o Brasil

O desafio é particularmente relevante para o Brasil, que se prepara para implementar o ReData, programa de incentivos e regras para a instalação de datacenters. Essa iniciativa pode posicionar o país como hub estratégico de infraestrutura digital na América Latina. No entanto, para que as utilities brasileiras aproveitem essa oportunidade, será necessário um reposicionamento profundo da proposta de valor. A energia precisa ser apresentada não como um insumo indiferenciado, mas como um diferencial competitivo que garante resiliência, sustentabilidade, inteligência e viabilidade financeira aos datacenters.

Quatro pilares estratégicos

O primeiro pilar dessa transformação é a resiliência operacional. Datacenters exigem energia contínua, com níveis de disponibilidade equivalentes a padrões internacionais como Tier IV. No exterior, já existem exemplos emblemáticos, como o projeto do Google na Bélgica, que transformou sistemas de UPS e baterias em recursos ativos para a rede elétrica, participando de programas de regulação de frequência. No Brasil, há espaço para utilities estruturarem ofertas que combinem subestações dedicadas, redundância de linhas de transmissão e soluções híbridas integrando fontes renováveis, armazenamento em baterias e backup a gás ou hidrogênio verde.

O segundo pilar é a sustentabilidade certificada. Energia renovável já não é diferencial, mas requisito mínimo para qualquer operação global de datacenter. O que gera valor é a rastreabilidade e a transparência. Na União Europeia, datacenters acima de 500 kW precisam reportar indicadores de eficiência energética e emissões, criando um padrão de comparação público. Para utilities brasileiras, a resposta está em oferecer pacotes completos de “Net Zero as a Service”, combinando energia renovável certificada, créditos de carbono auditados e relatórios alinhados a padrões como TCFD e ISSB.

O terceiro pilar é a digitalização. Em um setor guiado por dados, faz pouco sentido que a relação entre datacenters e fornecedores de energia permaneça analógica. Estudos conduzidos pelo Lawrence Berkeley National Laboratory e pelo MIT mostram como a inteligência artificial pode otimizar contratos, prever picos de carga e melhorar a eficiência operacional. Utilities brasileiras podem transformar essa tendência em serviço, oferecendo plataformas de monitoramento em tempo real, gêmeos digitais para simulação e relatórios automáticos de desempenho energético.

O quarto pilar é a inovação financeira. Os datacenters crescem de forma modular, expandindo conforme a demanda digital. Modelos contratuais rígidos não atendem a essa dinâmica. Por isso, começam a se consolidar práticas como os PPAs 24/7, que associam cada hora de consumo a uma geração específica de energia limpa, e programas seletivos como o DC-CFA de Singapura, que liberou capacidade sob critérios de sustentabilidade. Para o Brasil, a recomendação é criar estruturas contratuais flexíveis, com cláusulas de expansão e possibilidade de co-investimento em novas usinas.

As dores dos datacenters e o papel das utilities

Antes de aplicar as recomendações ao contexto brasileiro, é importante reconhecer que os datacenters compartilham um conjunto de dores universais que transcendem fronteiras. Questões como confiabilidade do suprimento, custos crescentes de energia, pressões ESG, eficiência operacional, integração com a rede, escalabilidade e aceitação social aparecem em diferentes mercados. Para que as utilities compreendam onde podem gerar valor estratégico, o quadro a seguir sintetiza essas dores e sugere como o setor de energia pode se posicionar como parceiro de soluções.

Quadro — Principais dores dos datacenters e como as empresas de energia podem ajudar

Dores dos DatacentersComo as Empresas de Energia Podem Ajudar
Confiabilidade do suprimentoRedundância elétrica, subestações dedicadas, renováveis + BESS + backup a gás ou hidrogênio verde, SLAs Tier IV.
Custos crescentes de energiaPPAs de longo prazo, autoprodução, co-investimento em plantas dedicadas.
Pressões ESG e Net ZeroNet Zero as a Service com energia certificada, I-RECs, compensações auditadas e relatórios alinhados a padrões globais.
Gestão de eficiência energéticaTelemetria, dashboards, gêmeos digitais, IA para previsão de demanda e otimização.
Integração com a redeUPS e baterias em resposta à demanda e serviços ancilares.
Planejamento de expansãoContratos flexíveis com cláusulas de escalabilidade.
Aceitação social e impactos locaisReuso de calor, eficiência hídrica, contrapartidas socioambientais.

Recomendações específicas para o Brasil

O Brasil dispõe de vantagens competitivas inegáveis: matriz elétrica majoritariamente renovável, potencial extraordinário em solar e eólica, experiência regulatória consolidada e um mercado de datacenters em plena expansão. Para transformar esses ativos em vantagem estratégica, as utilities precisam agir em quatro frentes. Primeiro, usar o ReData como plataforma de integração, participando do planejamento de novos projetos desde o início. Segundo, explorar hubs regionais, aproveitando a vocação solar e eólica do Nordeste e a base hídrica e térmica do Sul e Sudeste. Terceiro, propor à ANEEL e ao ONS regras que incentivem a participação de datacenters em resposta à demanda e serviços ancilares, transformando-os em ativos de flexibilidade. Por fim, construir alianças de co-investimento com hyperscalers, replicando modelos europeus e norte-americanos.

Conclusão

Assim como ocorreu com as telecomunicações, a energia corre o risco de ser tratada como commodity se for oferecida apenas como megawatts indiferenciados. O reposicionamento é urgente. Empresas de energia precisam atuar como parceiras estratégicas, entregando resiliência, sustentabilidade, digitalização e inovação financeira. O Brasil, com sua matriz limpa e capacidade regulatória, tem a oportunidade de liderar a integração entre energia e datacenters na América Latina, consolidando-se como protagonista da próxima onda global de infraestrutura digital.

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