A Intersolar South America 2025, realizada em São Paulo entre 26 e 28 de agosto, confirmou seu status como o maior evento de energia solar da América Latina. Reunindo mais de 670 expositores e um público superior a 60 mil visitantes, a feira consolidou-se como vitrine estratégica para lançamentos tecnológicos, debates regulatórios, novos modelos de financiamento e reflexões sobre o futuro da transição energética no Brasil.
Nos pavilhões de exposição, ficou evidente a amplitude da cadeia solar representada: fabricantes internacionais de módulos e inversores, distribuidoras nacionais com forte presença no fornecimento para instaladores, instituições financeiras oferecendo linhas de crédito específicas, fintechs emergentes e empresas de operação e manutenção. A participação de startups, porém, foi tímida, sinalizando que o setor ainda privilegia players já estabelecidos.
O público predominante nos corredores era composto por instaladores e empresas ligadas à micro e minigeração distribuída (MMGD). Esse perfil confirma a centralidade da GD no setor brasileiro, que já superou a marca de 6 milhões de conexões. O interesse principal desses visitantes estava em condições comerciais competitivas, disponibilidade imediata de produtos e proximidade com distribuidores. Essa dinâmica mostra a força da Intersolar como espaço de negócios para o varejo solar, especialmente no segmento residencial e comercial de menor porte.
A feira também deixou clara a comoditização tecnológica. Módulos, inversores e acessórios apresentavam apenas incrementos marginais de eficiência e design. Nesse cenário, a diferenciação competitiva não está mais restrita à tecnologia em si, mas à capacidade de oferecer:
- inteligência de mercado, antecipando demandas e ajustando estoques;
- força de vendas consultiva, capaz de apoiar instaladores com soluções completas;
- plataformas de e-commerce integradas à logística eficiente, que garantem agilidade na entrega;
- disponibilidade imediata de estoque, condição muitas vezes decisiva para o fechamento de projetos.
Essa realidade impõe uma distinção clara nas estratégias de mercado. Enquanto a microgeração residencial e comercial exige escala, preços competitivos e suporte ágil, os projetos de grande porte e usinas centralizadas demandam uma abordagem consultiva, com propostas personalizadas, engenharia aplicada e integração com tecnologias como BESS e usinas híbridas.
O congresso técnico complementou a feira ao trazer debates fundamentais para o futuro do setor. Temas persistentes como curtailment — a limitação de geração devido a restrições da rede — e lacunas regulatórias foram amplamente discutidos, reforçando a necessidade de atualização das normas. Ao mesmo tempo, emergiram com força as discussões sobre armazenamento em baterias (BESS). A tarifação do fio em sistemas com armazenamento foi apontada como ponto crítico: deve a tarifa ser cobrada uma ou duas vezes, no carregamento e no despacho? O consenso é de que a cobrança dupla inviabilizaria modelos de negócio. Casos de viabilidade econômica mostraram que, em contextos específicos, o BESS já pode apresentar payback competitivo, sobretudo quando combinado com serviços ancilares.
Outro destaque foram as soluções atrás do medidor, voltadas para consumidores que desejam maior autonomia energética. As palestras enfatizaram baterias residenciais e comerciais, integração solar + eólica em pequena escala, softwares de gestão inteligente de consumo e os modelos de usinas virtuais de energia (VPPs), em que múltiplos sistemas descentralizados se conectam digitalmente para oferecer serviços à rede. Essas soluções reforçam a transformação do consumidor em prosumidor — produtor e consumidor de energia.
O tema do financiamento também ganhou espaço com os estudos de caso do IFC (International Finance Corporation). Foram apresentados modelos inovadores de capitalização do setor:
- securitização com a SolAgora Brasil, que amplia liquidez para integradores;
- investimento na fintech Solfácil, democratizando o crédito digital para sistemas solares residenciais;
- linha de crédito com o Banco BV, destinada a PMEs e pequenos instaladores.
Essas iniciativas mostram que a expansão da energia solar não depende apenas da tecnologia, mas de um ecossistema financeiro robusto que garanta escala e previsibilidade.
Os painéis da ABSOLAR, por sua vez, apontaram a desaceleração no crescimento da GD em 2025 e criticaram concessionárias por negar projetos sob alegação de inversão de fluxo, mesmo em cenários tecnicamente viáveis. Também foi destacada a necessidade urgente de ajustes na Lei nº 14.300/2022, principalmente em relação às usinas associadas e aos sistemas híbridos. Outro ponto inspirador foi a apresentação de modelos de integração entre energia solar e hidrogênio verde, reforçando o potencial do Brasil para liderar soluções híbridas de descarbonização.
Um dos debates mais inovadores do congresso foi sobre o campo brasileiro como protagonista da transição energética. O agronegócio começa a se consolidar como vetor estratégico, unindo produção agrícola e geração limpa. A adoção de sistemas agrovoltaicos, híbridos e redes inteligentes rurais abre caminho para novas fontes de renda e competitividade internacional. No horizonte próximo, já se vislumbram máquinas agrícolas elétricas e autônomas, usinas virtuais rurais e data centers movidos a energia solar e eólica. Essa integração pode transformar o Brasil em potência agroenergética, exportando não apenas alimentos, mas também energia e créditos de carbono.
Minha percepção pessoal ao final da Intersolar 2025 é clara: a feira foi uma vitrine de massa impressionante, mas ainda marcada pela comoditização e pela competição predatória. Diferenciar-se nesse mercado exige muito mais do que módulos ou inversores; depende de inteligência de mercado, logística de excelência, força de vendas qualificada e inovação em modelos de negócio. Além disso, ficou evidente que o futuro do setor brasileiro será determinado pela capacidade de alinhar quatro pilares: inovação tecnológica, regulação clara, financiamento acessível e integração com o agronegócio.
Se bem estruturado, esse conjunto pode transformar a energia solar em um verdadeiro motor de desenvolvimento sustentável e consolidar o Brasil como referência global na transição energética.