As Medidas Provisórias nº 1.300 e nº 1.304, publicadas em maio e julho de 2025, mudam de forma concreta a lógica de planejamento, investimento e financiamento do setor elétrico. De forma coordenada, elas substituem a contratação obrigatória de térmicas a gás natural por leilões de PCHs e impõem um teto para os encargos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), além de criar um novo encargo específico para quem se beneficia de subsídios.
Essas medidas não são apenas correções técnicas: elas reposicionam o papel do gás natural, apertam o controle sobre subsídios e reorganizam o fluxo de recursos do setor. Para conselheiros e executivos, isso exige atenção redobrada — não apenas na análise regulatória, mas na revisão de portfólios, contratos e estratégias de atuação institucional.
- O que dizem as MPs
A MP 1.300/2025 revoga a cláusula da Lei da Eletrobras que obrigava a contratação de 8 GW de térmicas a gás em regiões sem infraestrutura adequada. Em vez disso, prevê até 3 GW em Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), com leilões a partir de 2025 e entrada em operação até 2032.
Já a MP 1.304/2025 limita o crescimento da CDE — fundo que sustenta os subsídios do setor — e cria um encargo para os próprios beneficiados. Isso inclui geradores com descontos em TUST/TUSD, cooperativas de geração distribuída e projetos incentivados por políticas anteriores.
As duas MPs têm força de lei imediata, mas precisam ser aprovadas pelo Congresso em até 120 dias. Ainda estão em tramitação inicial, com centenas de emendas protocoladas e pressões vindas de vários setores.
- Quem Ganha e Quem Perde
As medidas reorganizam forças no setor. A tabela abaixo resume os efeitos diretos para os principais grupos:
| Grupo afetado | Impacto principal |
| Térmicas a gás natural | Perdem contratos garantidos e enfrentam risco de ociosidade |
| Petroleiras e operadores de gás | Perdem previsibilidade de demanda firme para justificar infraestrutura |
| PCHs | Ganham espaço nos leilões, mas passam a pagar encargo |
| Geradores com subsídios | Precisam rever estrutura de retorno diante de nova cobrança |
| Grandes consumidores (ACL) | Tendem a se beneficiar com menor pressão tarifária e mais previsibilidade |
| Distribuidoras | Ganham estabilidade na repasse tarifário, mas precisam se adaptar |
- O que muda no papel do gás natural
Antes das MPs, o gás natural era considerado peça obrigatória no crescimento da geração elétrica. Essa demanda forçada justificava investimentos em usinas, gasodutos e terminais. Agora, o gás passa a ser usado de forma mais flexível — apenas quando necessário — como recurso de apoio ao sistema. Isso muda sua atratividade financeira. Projetos baseados em uso contínuo precisam ser revistos. O foco se desloca para aplicações industriais, cogeração, datacenters e backup de cargas críticas.
- Novas Regras para Subsídios e Encargos
A CDE, que bancava os descontos e incentivos para fontes renováveis, passa a ter um teto. Isso significa que seu crescimento será limitado a partir de 2026, o que traz alívio para os consumidores — especialmente os do mercado livre. Em paralelo, os beneficiários desses subsídios passam a ser cobrados por um novo encargo. Isso inclui PCHs, projetos de geração distribuída, eólica offshore e biomassa com incentivo. O objetivo é corrigir distorções e evitar que o peso da conta recaia sobre quem não participa dos benefícios.
| Tema | Antes das MPs | Com as MPs 1.300 e 1.304 |
| Térmicas inflexíveis | Obrigatórias por lei, mesmo sem mérito econômico | Substituídas por leilões de PCHs com menor custo global |
| Gás natural no setor elétrico | Demanda estruturante e inflexível | Uso pontual, como flexibilidade ou backup |
| Conta CDE | Sem limite real, crescia com cada novo subsídio | Passa a ter teto orçamentário |
| Subsídios | Custos bancados por todos os consumidores | Encargo específico para os agentes beneficiados |
- Riscos na Tramitação: Conflitos e Pressões
No Congresso, as MPs enfrentam pressões de vários grupos com interesses distintos. Parlamentares ligados às térmicas, petroleiras, cooperativas de energia e projetos regionais buscam alterar os textos com emendas. Por outro lado, entidades como ABRAGEL, ABRACE, ABRADEE e parte do governo tentam manter o núcleo da proposta — com foco em eficiência econômica, previsibilidade tarifária e transição energética ordenada.
A disputa gira em torno de três pontos principais:
- Reintrodução das térmicas por razões regionais ou políticas.
- Flexibilização do teto da CDE por meio de exceções.
- Redução ou suspensão do encargo para beneficiados por subsídios.
- Plano de Ação Recomendado
Para conselheiros e executivos, este é o momento de agir com clareza e visão de médio prazo. As decisões regulatórias estão abertas e podem mudar o equilíbrio do setor nos próximos anos.
Ações recomendadas:
- Revisar o portfólio de geração, com atenção especial para ativos térmicos e projetos de gás com demanda inflexível.
- Atualizar projeções de retorno de empreendimentos subsidiados, já considerando o novo encargo e o teto da CDE.
- Recalibrar estratégias de expansão com foco em fontes híbridas, flexíveis e competitivas no mérito técnico-econômico.
- Acompanhar de perto a tramitação no Congresso, inclusive com mapeamento de parlamentares e monitoramento das comissões mistas.
- Engajar-se institucionalmente por meio das entidades representativas (ABRAGEL, ABRACE, ABRADEE, ABRAGET, ABEEólica, ABIOGÁS, ABSOLAR), reforçando posicionamentos técnicos baseados em dados e modicidade tarifária.
- Reforçar a comunicação com investidores, conselhos e diretoria, destacando riscos regulatórios, transição estratégica e oportunidades de realinhamento de capital.
- Conclusão
As MPs 1.300 e 1.304 inauguram uma nova fase de transição regulatória no setor elétrico. Elas colocam fim a obrigações distorcidas, abrem espaço para fontes mais competitivas e trazem mais responsabilidade fiscal para a estrutura de encargos. O momento exige leitura estratégica, agilidade e posicionamento técnico. Quem entender o novo jogo mais cedo poderá realinhar seu portfólio com vantagem — e evitar ser surpreendido por ativos obsoletos ou contratos insustentáveis.


