Introdução: O último dia da X Semana de la Energía
O quarto e último dia da X Semana de la Energía, realizada em Santiago do Chile em 3 de outubro de 2025, foi marcado por debates de alto nível que conectaram três eixos fundamentais da transição energética na América Latina e no Caribe: consumo inteligente e flexível, integração energética regional e desenvolvimento de cadeias de valor e capital humano.
Ao longo dos painéis, líderes de governos, organismos internacionais, academia, setor privado e sindicatos compartilharam visões sobre como transformar desafios em oportunidades. Estar presente neste evento me permitiu não apenas acompanhar discursos técnicos, mas interpretar tendências que moldarão o futuro energético regional .
Painel 1 – Consumo inteligente: o futuro da demanda elétrica
A primeira sessão abordou como a gestão flexível da demanda se tornou um pilar estratégico para a resiliência dos sistemas elétricos da região. Alessandra Amaral (ADELAT) abriu o painel destacando o papel de tarifas dinâmicas, resposta da demanda e políticas de eficiência energética.
Entre os destaques:
- Félix Sosa (ANDE, Paraguai) mostrou como tarifas flexíveis já beneficiam setores como irrigação, permitindo ajustes de carga com aviso prévio de 10 minutos. O resultado: uso mais eficiente da infraestrutura e reduções de custos.
- Joisa Dutra (FGV CERI, Brasil) reforçou que a sinalização de preços é central. No Brasil, a expansão dos smart meters é condição necessária para que consumidores participem ativamente da transição.
- Juan Meriches (Empresas Eléctricas AG, Chile) alertou que a eletrificação da demanda amplia responsabilidades das distribuidoras, exigindo novos investimentos e relacionamento próximo com consumidores.
- Juan Carlos Olmedo (Coordinador Eléctrico Nacional, Chile) destacou os veículos elétricos como baterias móveis (V2G/V2H), ressaltando a importância de telecomunicações robustas e mercados que reconheçam a demanda como recurso sistêmico.
Minha leitura é que a América Latina precisa acelerar a digitalização e a automação, garantindo que consumidores se tornem protagonistas da flexibilidade, sem abrir mão da equidade social .
Painel 2 – El tablero energético regional: integração para sistemas resilientes
A segunda sessão, em formato magistral, trouxe experiências comparativas e reflexões sobre a planificação energética regional.
- Cristina Lobillo (Comissão Europeia) relatou a trajetória de mais de 50 anos da UE, lembrando que a crise do gás russo mostrou o valor da integração. Dois pontos-chave: objetivo comum e transparência entre países.
- Guido Maiulini (OLADE) apresentou estudos que estimam 10 a 20 bilhões de dólares em benefícios anuais até 2045 com a integração elétrica, via arbitragem de preços, reservas compartilhadas e complementariedade de recursos.
- Heloisa Borges (EPE, Brasil) enfatizou que o Brasil oferece um exemplo de mercado maduro e diversificado, mas que planos só têm valor quando viram políticas concretas para consumidores.
- María Helena Lee (Ministério de Energia do Chile) lembrou que resiliência climática precisa estar no centro da planificação energética.
- Marina Gil Sevilla (CEPAL) alertou que a integração exige governança regional, com roadmaps adaptativos.
- Ricardo Gorini (IRENA) reforçou que investidores não precisam de precisão absoluta, mas de tendências claras e compromissos consistentes.
- Rodrigo Moreno (Universidad de Chile) concluiu que os obstáculos reais não são técnicos, mas regulatórios e institucionais.
O que vejo neste debate é que a integração regional é inevitável: não se trata apenas de linhas de transmissão, mas de mercados, regras, confiança e legitimidade social .
Painel 3 – Cadenas de valor estratégicas para la transición en LAC
O terceiro painel explorou o desenvolvimento de cadeias de valor industriais e tecnológicas vinculadas à transição energética.
- Alexandra Planas (BID) deixou claro: exportar minerais não basta. É preciso investir em processamento local, manufatura e políticas de formação técnica.
- Arturo Loayza Ordóñez (GIZ) trouxe a experiência do ProTransición, mostrando que cadeias fragmentadas geram ineficiências, enquanto estruturas integradas trazem escala e competitividade.
- Mauricio Rebolledo (ISA Energía Chile) destacou que empresas devem ser habitantes do território, fortalecendo fornecedores locais e integrando comunidades.
- Ramón Fiestas (GWEC) lembrou que a expansão renovável deve ser acompanhada de industrialização local. Incentivos para produzir componentes estratégicos na região são indispensáveis.
- Fernando Javier Lavalli (Energías Renovables de Argentina) resgatou a experiência histórica argentina e defendeu o “triângulo do desenvolvimento”: Estado, ciência/tecnologia e indústria em colaboração.
Minha visão é que a América Latina precisa aproveitar o fenômeno do powershoring, atraindo indústrias energointensivas para seus territórios, mas com foco em valor agregado local e empregos qualificados .
Painel 4 – El recurso humano como catalizador del recurso energético
O último painel do dia trouxe para o centro do debate aquilo que muitas vezes é esquecido: gente é infraestrutura crítica.
- Patricia Roa (OIT) mostrou que a transição pode gerar milhões de empregos na região até 2030, mas só se houver formação, certificação e estratégias de mobilidade laboral.
- Jessica Miranda (AgenciaSE) apresentou resultados concretos no Chile: mais de 1.100 pessoas capacitadas e 631 certificadas em um ciclo recente, com avanços importantes na inclusão de mulheres em perfis técnicos.
- Marco (executivo de empresa de renováveis) destacou a urgência de reduzir burocracias na capacitação, padronizar perfis ocupacionais e alinhar currículos à realidade da transição energética.
- Roberto Mendoza León (FOSRM, México) reforçou que a reconversão deve ser feita sem precarização, garantindo negociação coletiva e condições justas.
- Pía Suárez (Associação de Mulheres em Energia de Chile) defendeu mentorias, redes de apoio e dados transparentes sobre diversidade.
O consenso é que sem talento humano formado, certificado e protegido, não há como entregar metas de renováveis, hidrogênio ou mobilidade.
Minha interpretação é que o capital humano é o verdadeiro catalisador da transição energética. Precisamos de políticas públicas consistentes, investimentos empresariais escaláveis e liderança feminina para assegurar uma transição justa .
Conclusão: O legado do quarto dia
O quarto dia da X Semana de la Energía demonstrou que a transição energética da América Latina e Caribe não depende apenas de tecnologia ou investimentos, mas de três fatores interligados:
- Flexibilidade da demanda para integrar renováveis;
- Integração regional para compartilhar recursos e custos;
- Cadeias de valor e capital humano para transformar abundância de recursos em desenvolvimento sustentável.
Se a região conseguir avançar nesses três eixos, poderá não só atingir suas metas climáticas, mas também se posicionar como líder global de uma transição justa, inclusiva e competitiva.