Eduardo M Fagundes

Tech & Energy Insights

Análises independentes sobre energia, tecnologias emergentes e modelos de negócios

Assine a Newsletter no Linkedin

Construindo resiliência e inovação: o terceiro dia da X Semana de la Energía no Chile


Introdução: um dia que mostrou o futuro energético da região

No terceiro dia da X Semana de la Energía, em Santiago do Chile, teve uma das jornadas mais densas e inspiradoras do evento. Foi um dia marcado pela diversidade de temas, desde a visão institucional internacional até os caminhos concretos para escalar eficiência energética, construir redes elétricas mais resilientes e integrar agricultura e energia solar por meio do AgroPV.

Este relato não é apenas uma descrição do que vi e ouvi, mas uma interpretação das mensagens e sinais que emergiram ao longo do dia. Compartilho aqui como percebi as discussões e de que maneira elas refletem os desafios e oportunidades que a América Latina enfrenta em sua transição energética .


Sessão aberta da reunião de ministros: compromissos além da retórica

A manhã começou com a sessão aberta da reunião de ministros de energia da América Latina. As intervenções, na parte pública que participei, foram feitas por representantes de organismos internacionais, que trouxeram uma perspectiva institucional.

O recado principal foi claro: não basta anunciar metas, é preciso manter compromissos constantes. A cada mudança de rumo ou atraso em cronogramas, a governança energética se fragiliza, e a região perde tempo precioso na corrida global pela descarbonização .

Outro ponto forte foi a ênfase na inclusão social. Estima-se que ainda existam cerca de 3 milhões de sistemas precários de acesso à energia em funcionamento na América Latina. Esse número foi apresentado como símbolo da urgência em conciliar expansão renovável com acesso universal.

CEPAL reforçou a mensagem de que sem instituições sólidas e marcos regulatórios estáveis, não haverá estabilidade para sustentar a transição.

A sessão concluiu destacando três dimensões que devem guiar a região:

  • Ambiental: acelerar a transição para fontes limpas;
  • Social: garantir acesso a quem está excluído;
  • Política: consolidar governança e continuidade .

O que incentiva o setor privado a investir em eficiência energética?

O segundo painel que acompanhei trouxe uma questão estratégica: como incentivar o setor privado a investir em eficiência energética na América Latina e no Caribe.

Diversidade de setores e instrumentos

Logo na abertura, ficou claro que eficiência energética não pode ser tratada como tema restrito a grandes indústrias. Ela se aplica a residências, comércio, pequenas e médias empresas, transporte e, claro, às grandes plantas industriais .

A especialista Stéphanie Nour, da Econoler, chamou atenção para o papel das tarifas reais, que reflitam os custos de produção e distribuição. Quando a tarifa é artificialmente baixa, a eficiência perde atratividade. Mas ela foi além: tarifa sozinha não basta. É preciso uma arquitetura em três pilares: regulação, capacitação/informação e incentivos .

Incentivos monetários e reputacionais

Andrea Heins, do UNEP Copenhagen Climate Center, lembrou que subsídios e linhas especiais existem, mas têm custo fiscal. Não há dinheiro mágico, e muitas vezes é preciso passar por aprovação parlamentar. Por isso, sugeriu também incentivos não monetários, como reconhecimento público e acordos voluntários — medidas de baixo custo e alto impacto reputacional .

Financiamento climático e inclusão

Gemma Bedia Bueno, da Alinnea, trouxe a dimensão social: o financiamento climático pode ser uma oportunidade, mas só se for bem direcionado. É necessário chegar até PMEs, cooperativas e atores locais. Microcréditos e garantias podem transformar acesso em realidade. O risco, segundo ela, é que eficiência energética seja vista como “negócio inseguro” por bancos, justamente pela falta de informação técnica .

Do piloto à escala

Rosa Riquelme, da Agência de Sustentabilidade Energética do Chile, destacou que pilotos provam viabilidade, mas não escalam sozinhos. É preciso dados robustos, continuidade regulatória e um mercado de serviços confiável. Falta ainda um registro regional de provedores qualificados e certificações reconhecidas .

Mensagem final

A conclusão coletiva: a eficiência energética deve ser sempre a primeira opção. Antes de pensar em novas usinas, devemos otimizar o consumo. É mais barato, competitivo e sustentável .


Construindo resiliência energética em ALC

O terceiro painel do dia foi um dos mais instigantes: Construyendo resiliencia energética en ALC.

presidente da Enel Chile, Gianluca Palumbo, abriu lembrando que a frequência e a intensidade de eventos extremos vêm aumentando. Enchentes, ondas de calor e tempestades são hoje fatores que pressionam diretamente os sistemas elétricos .

O modelo das 4R

Palumbo apresentou o modelo das 4R:

  • Risk prevention: fortalecimento da rede, manutenção e práticas operativas;
  • Readiness: sistemas de alerta, simulações e convenios com instituições;
  • Response: telecontrole, automação e comunicação constante;
  • Recovery: intervenções rápidas, reparações e melhoria contínua .

Sua mensagem foi clara: resiliência não é apenas tecnológica, mas também institucional e regulatória.

Um novo marco regulatório

A resiliência exige métrica, coordenação e estabilidade regulatória. Sem isso, a resposta é fragmentada. Com isso, a resposta é sistêmica, envolvendo distribuidoras, transmissoras, governos locais e até defesa civil .

O painel, que reuniu também Alessandra Amaral (ADELAT), Arturo Alarcón (BID), Maria Medard (CARILEC) e Marina Dockweiler (FONPLATA), reforçou a necessidade de tratar a resiliência como investimento econômico. Não se trata apenas de proteger redes, mas de garantir continuidade de serviços essenciais para toda a economia .


AgroPV: unindo agricultura e energia solar

Encerrando o dia, participei do painel sobre AgroPV: energía solar y agricultura resiliente para la transición energética y climática. Esse foi, sem dúvida, um dos mais inspiradores.

Uso compartilhado do solo

Logo na abertura, ouvi que o AgroPV representa um uso inteligente e compartilhado do solo. Não se trata de escolher entre agricultura e energia solar: é possível fazer os dois juntos. A prova são os sistemas já instalados no sul do Chile, que mostram que é viável produzir energia e, ao mesmo tempo, proteger cultivos contra estresses climáticos .

O guia prático do Fraunhofer

Frederik Schönberger, do Fraunhofer Chile, apresentou um manual para projetos AgroPV. Ele propõe um processo em cinco etapas:

  1. Identificar requisitos do cultivo (luz, água, fenologia).
  2. Checar compatibilidade com operações agrícolas.
  3. Dimensionar requisitos elétricos.
  4. Planejar aspectos estruturais e normativos.
  5. Usar uma matriz de parâmetros para tomar decisões equilibradas .

Esse guia busca traduzir ciência em prática, simplificando dados técnicos para agricultores e desenvolvedores.

O papel da ISA

Hugo Morales, da International Solar Alliance, trouxe a visão global. A ISA atua em quatro pilares: políticas, participação privada, capacitação e mobilização de capital. O programa “Farm first” foi desenhado para colocar o agricultor no centro, garantindo que AgroPV seja uma resposta às necessidades locais .

Ele defendeu também a criação de uma facility regional de financiamento, capaz de escalar pilotos em uma carteira de projetos maior, com garantias e seguros que atraiam bancos locais.

O que falta

O painel apontou três pontos críticos para avançar:

  • Normativas claras para uso dual do solo;
  • Modelos de negócio adaptados (PPAs agrícolas, cooperativas, GD com armazenamento);
  • Dados comparáveis sobre produtividade agrícola e geração solar .

Conclusão: o fio condutor do dia

Ao final do terceiro dia da X Semana de la Energía, saí com a sensação de que há um fio condutor entre eficiência energética, resiliência e AgroPV. O que une todos esses temas é a necessidade de transformar potencial em realidade, com:

  • Instituições fortes;
  • Dados confiáveis;
  • Modelos de negócio inovadores;
  • Compromissos sustentados no tempo.

A América Latina tem recursos, conhecimento e vontade. O desafio é alinhar tudo isso para que a transição energética seja, ao mesmo tempo, limpa, resiliente e inclusiva.

e-Book

Vivemos um tempo em que decisões estratégicas nas empresas são cada vez mais influenciadas por algoritmos — muitas vezes sem que os conselhos compreendam plenamente seus critérios ou impactos. Este e-book convida conselheiros e líderes a refletirem sobre esse novo cenário, por meio de uma narrativa acessível que acompanha a jornada de um conselho diante da inteligência artificial. Com o apoio simbólico do personagem Dr. Algor, os conselheiros descobrem os riscos éticos, os dilemas da automação e a importância da supervisão consciente. Não se trata de um manual técnico, mas de uma ferramenta estratégica para quem deseja manter sua relevância na era algorítmica. Com lições práticas ao final de cada capítulo e uma proposta de formação executiva estruturada, o livro reforça uma mensagem central: a responsabilidade não pode ser automatizada — e cabe aos conselhos liderar com propósito, antes que a máquina decida por eles.

Download Gratuito