Eduardo M Fagundes

Tech & Energy Insights

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X Semana de la Energía em Santiago do Chile: Reflexões e Desafios do Primeiro Dia

O primeiro dia da X Semana de la Energía, realizada em Santiago do Chile, marcou o início de uma jornada intensa de debates estratégicos sobre o futuro do setor energético na América Latina e no Caribe. Estar presente nesse encontro significa testemunhar não apenas a troca de experiências entre líderes regionais, mas também a construção de uma agenda concreta para enfrentar os desafios da transição energética, da integração regional e da segurança dos sistemas elétricos.

A narrativa que segue busca registrar em detalhes as discussões de cada sessão, organizadas na cronologia em que ocorreram.


Sessão Magistral – Conectando América Latina e o Caribe: Como Lograr um Mercado Energético Regional?

O evento começou com uma sessão de peso, reunindo autoridades como Andrés Rebolledo, secretário executivo da OLADE, Andrés Villegas Ramelli (ISA), Johanna Monteiro (Ministério de Energia do Chile), Marcelino Madrigal(BID) e  Michael Mechlinski (Coordinador Regional – GET.transform) .

A tônica foi clara: a integração energética regional deixou de ser apenas um ideal político e tornou-se uma necessidade estratégica. A experiência histórica das grandes interconexões — Itaipu, Salto Grande, Colômbia–Panamá — foi lembrada como prova de que ganhos de resiliência e redução de custos são possíveis quando países somam esforços.

Rebolledo destacou que sem coordenação política e convergência regulatória, a integração corre o risco de se perder em intenções não materializadas. Madrigal reforçou que a confiança mútua entre países é o verdadeiro ativo de longo prazo para avançar na construção de um mercado regional robusto.

Outro ponto relevante foi o papel das renováveis na transição energética. Monteiro lembrou que a região tem abundância de recursos hídricos e solares, mas sofre com a intermitência. “A interconexão é a chave para transformar excedentes locais em segurança regional”, disse.

O financiamento, inevitavelmente, entrou no debate. Madrigal ressaltou que sem institucionalidade forte não há investimento sustentável. O BID e outros multilaterais, segundo ele, estão dispostos a apoiar, mas exigem regras claras e previsibilidade.


Segundo Painel – Integração Energética Regional e o Papel Estratégico do Gás Natural

A segunda sessão trouxe um debate mais pragmático, conectando a integração elétrica ao papel do gás natural como combustível de transição .

Carlos Cortés Simon, presidente executivo da AGN, defendeu que o gás precisa ser visto além do tradicional, pois sua função será tripla: garantir segurança elétricaviabilizar a descarbonização de setores difíceis de eletrificar e estimular desenvolvimento econômico regional.

Na visão brasileira, Heloisa Borges, diretora da EPE, trouxe clareza estratégica. O Brasil está finalizando seu Plano Nacional Integrado de Gás Natural e Biometano, que contempla interconexões com a Argentina e soluções híbridas para sistemas isolados. Borges reforçou que o gás não é um freio à transição, mas um pilar de estabilidade, essencial para complementar a expansão renovável. Ela lembrou um episódio emblemático: “a mera ameaça de importação de gás argentino já foi suficiente para reduzir preços no Brasil”, mostrando como a integração pode funcionar como instrumento competitivo.

Christian Asinelli, da CAF, reforçou que a região deve ser vista como “provedora de soluções” no contexto global, graças à riqueza de recursos críticos — do lítio ao próprio gás. Para ele, o financiamento só terá sentido se vinculado a objetivos sociais e climáticos, conectando transição energética a inclusão.

O mediador, Guido Maiulini, da OLADE, foi incisivo: não basta ter projetos técnicos, é preciso alinhar decisões políticas e superar barreiras tributárias. E lembrou: “somos uma região de paz, e isso nos dá uma vantagem competitiva para avançar na cooperação energética”.


Construyendo un Sistema Eléctrico Resiliente y Seguro: Un Marco Regulatorio a Medida

O terceiro painel trouxe uma perspectiva acadêmica, com a exposição do professor Michael Pollitt (Cambridge Judge Business School) . Ele revisitou 40 anos de reformas dos mercados elétricos e mostrou como a regulação precisa mudar para suportar a transição energética marcada por solar, eólica, storage e geração distribuída.

Pollitt foi enfático: “sem transmissão, não há Net Zero”. O gargalo da infraestrutura de redes foi identificado como o grande limitador global. Ele sugeriu reformas nas filas de conexão, priorizando projetos prontos em vez de apenas os primeiros a chegar (“first-ready” versus “first-come”), além de tarifas locacionais e mercados locais de flexibilidade.

A lição prática para a América Latina foi clara: sem instituições independentes e previsíveis, os cabos sozinhos não entregam transição energética.


A Palestra de Luiz Barroso

A apresentação de Luiz Barroso, presidente da PSR, trouxe um olhar agudo sobre os desafios atuais do Brasil — que, em muitos aspectos, são os mesmos da região. Ele resumiu em uma frase central: “sem evolução rápida da regulação e dos mercados, corremos o risco de ter excesso de energia de dia e escassez à noite, com custos ocultos e mais curtailment”.

Brasil como Estudo de Caso

Barroso usou o Brasil como vitrine de aprendizados. Destacou a explosão da geração distribuída solar, que passou de quase nada a dezenas de gigawatts em poucos anos, impulsionada por isenções tarifárias. Isso trouxe benefícios, mas também distorções e custos repassados ao sistema.

Mostrou como a curva do pato brasileira já se torna um problema estrutural: picos de geração solar durante o dia sem flexibilidade suficiente para atender a demanda da noite. Ele ressaltou que a “flexibilidade infinita” das hidrelétricas já não é garantida, por conta de restrições ambientais e hidrológicas.

Onde Funcionou e Onde Travou

Nos avanços, Barroso destacou os leilões de energia e transmissão, que garantiram novos projetos a custos baixos, além dos contratos de longo prazo, que reduziram riscos e atraíram investimentos.

Nas travas, apontou o uso inadequado da rede de distribuição pela GD, a ausência de produtos padronizados de flexibilidade e a lentidão da governança da fila de conexão. Também criticou a falta de clareza na comunicação pública, lembrando que distorções em redes sociais dificultam reformas técnicas necessárias.

A Agenda de Correções

Sua agenda de “como fazer” foi pragmática:

  1. Reformar a conexão e uso da rede, com critérios de prontidão e tarifas locacionais.
  2. Criar mercados de flexibilidade, remunerando baterias e resposta da demanda.
  3. Planejar a transmissão para o Net Zero, com zonas de renováveis e obras estruturantes.
  4. Revisar subsídios da GD, preservando seu valor sem transferir custos ao resto do sistema.
  5. Aprofundar o mercado financeiro, com PPAs padronizados e instrumentos de hedge.
  6. Adotar regulação adaptativa, com ciclos mais curtos, sandboxes e métricas de desempenho.

Implicações Regionais

Barroso foi além: “muitos países estão vivendo o mesmo filme”. A entrada acelerada de renováveis sem rede e regras adequadas gera riscos semelhantes em toda a América Latina. Para ele, harmonizar critérios de conexão, planejamento de transmissão e contratos transfronteiriços é prioridade regional.


Painel – Um Marco Regulatório a Medida

O último painel do dia reuniu Andrés Romero CeledónChristian Jaramillo H.Lucía Spinelli (mediadora) e Ramón Méndez .

Romero lembrou que o Chile foi pioneiro em mercados liberalizados, mas alertou que os modelos originais já não respondem à realidade da transição. “Não há como dissociar liberalização de planejamento de longo prazo”, disse.

Jaramillo destacou os riscos de depender quase exclusivamente de renováveis intermitentes. Para ele, usinas fósseis ainda são fundamentais como lastro, mesmo que operem apenas 1–3% do tempo.

Spinelli reforçou que os reguladores enfrentam pressão em várias frentes: integrar DERs, regular armazenamento, incluir renováveis e evitar subsídios distorcidos. Méndez completou com uma visão sistêmica: mercados precisam de instrumentos que financiem capacidade e inovação, com modelagens realistas em diferentes horizontes temporais.

A mensagem final foi clara: a regulação é, ao mesmo tempo, ferramenta técnica e soberana.


Conclusão do Primeiro Dia

O primeiro dia da X Semana de la Energía em Santiago foi um mergulho profundo nos dilemas e oportunidades da região.

  • Integração regional apareceu como solução estrutural para preços e segurança.
  • O gás natural foi reposicionado como vetor de transição, com papel estratégico para Brasil e Argentina.
  • A regulação da transmissão se mostrou o gargalo central da transição energética.
  • Luiz Barroso trouxe a fala mais impactante, ao traduzir problemas complexos do setor elétrico brasileiro em mensagens claras e acionáveis, com lições aplicáveis a toda a região.
  • O marco regulatório foi reafirmado como elemento-chave: flexível, adaptável e capaz de unir eficiência econômica com justiça social.

Participar deste primeiro dia reforça a sensação de que a América Latina e o Caribe estão diante de uma oportunidade histórica. O caminho da transição não é linear, mas o evento mostrou que, com coordenação, financiamento e regulação adequada, é possível transformar desafios em liderança global.

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