Eduardo M Fagundes

Tech & Energy Insights

Análises independentes sobre energia, tecnologias emergentes e modelos de negócios

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Governança Algorítmica no Setor Elétrico: Capacitação Estratégica para Conselhos e Alta Direção

Introdução

Por que conselhos de empresas de energia precisam incorporar a governança algorítmica em sua agenda estratégica

A inteligência artificial e os sistemas algorítmicos já operam silenciosamente no coração das empresas de energia. Da automatização de subestações ao atendimento virtual de milhões de clientes, dos modelos preditivos de manutenção às ferramentas de precificação e trading, os algoritmos deixaram de ser promessa tecnológica para se tornarem infraestruturas invisíveis de decisão.

Nesse novo cenário, os conselhos de administração – órgãos máximos de governança das companhias – enfrentam um desafio inédito: exercer seu papel de supervisão e direcionamento estratégico sobre tecnologias que são, ao mesmo tempo, complexas, opacas e dinâmicas.

Este estudo parte de uma constatação objetiva: o setor elétrico brasileiro já avançou significativamente na aplicação da IA, mas a governança algorítmica ainda não está institucionalizada no nível dos conselhos. A análise de 14 empresas listadas na B3 revela um panorama robusto de iniciativas com IA, mas com pouca ou nenhuma referência a mecanismos formais de supervisão colegiada desses algoritmos.

Nesse contexto, este trabalho se propõe a:

  • Identificar as lacunas e oportunidades na interface entre conselhos e algoritmos;
  • Apresentar o conceito e os pilares da governança algorítmica;
  • Sistematizar boas práticas já observadas em empresas nacionais e internacionais;
  • Recomendar caminhos viáveis para capacitação continuada dos conselheiros;
  • Propor uma estratégia institucional e setorial para elevar o tema à agenda de governança.

Mais do que um alerta, este estudo é um convite à ação. Os conselhos que assumirem a liderança na governança da inteligência algorítmica estarão posicionados para conduzir suas empresas com mais responsabilidade, confiança e legitimidade em um setor cada vez mais automatizado, regulado e orientado por dados.

Sumário Executivo

EixoPrincipais Destaques
Diagnóstico14 empresas de energia analisadas com iniciativas de IA consolidadas, porém sem mecanismos formais de supervisão pelos conselhos.
Cenário AtualAlgoritmos operando decisões críticas sem estrutura de governança dedicada. Conselho atua de forma reativa ou dependente de pareceres técnicos.
Proposta CentralCapacitação contínua dos conselheiros e institucionalização da governança algorítmica como parte da agenda estratégica, de riscos e ESG.
Conceito-ChaveGovernança algorítmica: conjunto de princípios, processos e responsabilidades para supervisionar sistemas algorítmicos de alto impacto.
Boas PráticasInclusão de IA na matriz de competências, relatórios periódicos, comitês técnicos, código de conduta algorítmico e fóruns de capacitação.
Recomendações SetoriaisCriação de diretrizes compartilhadas por ABRADEE, ANEEL e associações; integração com ESG; formação de comunidade de prática executiva.

Educação Continuada para a Alta Governança: Uma Alavanca para a Maturidade Algorítmica

A transformação digital no setor elétrico não é mais uma promessa futura — é um processo em curso, consolidado por uma agenda concreta de automação inteligente, inteligência artificial (IA), digitalização de ativos e decisões orientadas por algoritmos. O volume e a sofisticação dessas iniciativas aumentam a cada ciclo, exigindo uma nova camada de capacitação dos órgãos máximos de governança.

Em uma análise conduzida sobre 14 relatórios de sustentabilidade e relatórios integrados das principais empresas de energia elétrica listadas na B3, constatamos a presença expressiva de projetos com IA, machine learning, algoritmos preditivos e automação estratégica. Esses projetos envolvem desde o atendimento ao cliente até a operação de redes elétricas, comercialização de energia e controle de ativos críticos.

A seguir, uma síntese das iniciativas:

EmpresaIniciativas com IA e AlgoritmosDestaques Estratégicos
CEMIGEnergy GPT, visão computacional, satélites com IAPrimeira IA generativa do setor elétrico brasileiro
Eletrobraseletro.ia, centro de excelência, 25 frentes estruturadasGovernança própria e capacitação estratégica (Programa 220)
COPELIA climática com Simepar, Smart Grid com IAIA como ferramenta para resiliência de rede
NeoenergiaIdentificação de perdas, equipamentos inteligentes com IAPremiada pela CIER por inovação com foco em descarbonização
CelescADMS, WFM, automação de decisões, cibersegurança com IAProjeto de 30 meses com foco em decisão inteligente
ENGIE BrasilModelos de machine learning para comercialização e tradingIA para precificação e previsão de demanda
ENEL BrasilAlgoritmos para manutenção preditiva e atendimento digitalAplicações em redes inteligentes
EnergisaRobôs e algoritmos de triagem de dados, leitura de imagensIA em detecção de fraudes e atendimento virtual com milhões de interações
CPFL EnergiaRobô Paula, atendimento automatizado, analytics de serviçosFoco na experiência do cliente com IA integrada
AurenAnalytics avançado, previsão de geração, controle com IAIA aplicada à operação de usinas renováveis
TAESADigital twins, algoritmos para manutenção e operaçãoIA como apoio à confiabilidade de ativos críticos
CELESCInteligência operacional via ADMS e WFM com AccentureSuporte à decisão em rede elétrica
AluparAlgoritmos preditivos para operação e eficiênciaIA com foco em performance
EMAEMonitoramento digital inteligente, previsão hidrológicaIntegração de dados para operação remota

O conselho como catalisador da maturidade institucional

A presença crescente dessas iniciativas indica, por si só, que os conselhos de administração estão atuando com visão estratégica, aprovando e sustentando investimentos com potencial transformador. No entanto, essa mesma expansão tecnológica exige um novo patamar de atualização e alinhamento conceitual contínuo — não por déficit, mas por coerência com a própria agenda da inovação.

A formação acadêmica predominante nos conselhos — engenharia, economia, administração, direito — oferece uma base lógica, analítica e institucional valiosa. Essa base é compatível com os desafios da governança algorítmica. O que se impõe, portanto, não é uma mudança estrutural, mas um programa de educação executiva sob medida, que atualize repertórios, integre visões tecnológicas e estimule o debate estratégico no colegiado.

Educação continuada: eixo de equilíbrio entre inovação e governança

Empresas como Neoenergia, Eletrobras, TAESA, COPEL e ENGIE Brasil já demonstram compromisso com a formação contínua de seus conselheiros, com trilhas sobre ESG, riscos climáticos, geopolítica e transformação regulatória. O próximo passo natural é incorporar conteúdos estruturados sobre inteligência artificial, ética algorítmica, curadoria de dados e risco digital.

Em linha com as melhores práticas internacionais, a educação continuada dos conselheiros e de aspirantes a conselheiros (formação de pipeline) é a chave para assegurar:

  • supervisão estratégica qualificada sobre projetos de IA, automação e plataformas digitais;
  • autonomia decisória informada, sem dependência excessiva de pareceres técnicos;
  • governança proativa e alinhada ao futuro regulatório, sobretudo em temas como transparência algorítmica, proteção de dados, accountability e ESG digital.

Um novo compromisso para a governança do setor elétrico

Investir na capacitação permanente dos conselhos é proteger e ampliar o valor gerado pela digitalização. É garantir que os algoritmos que passam a tomar decisões dentro das empresas sejam compreendidos, supervisionados e validados por quem detém, em última instância, o poder fiduciário sobre a organização.

O setor elétrico brasileiro está fazendo sua parte na adoção tecnológica. Cabe agora transformar essa inovação em vantagem institucional — com conselhos preparados, atualizados e estratégicos.

O Que é Governança Algorítmica

A transformação digital impôs uma nova camada de complexidade às decisões corporativas: os algoritmos passaram a influenciar — e, em muitos casos, determinar — processos decisórios centrais. No setor elétrico, isso se manifesta no controle de redes inteligentes, no despacho automatizado de cargas, na precificação de energia via modelos preditivos, no atendimento inteligente e até na gestão de ativos com apoio de digital twins.

Diante disso, emerge um novo campo de atuação estratégica para conselhos e comitês de alta governança: a governança algorítmica.

Governança algorítmica ≠ Governança de TI

Embora frequentemente confundida com a governança tradicional de tecnologia da informação (TI), a governança algorítmica representa um salto qualitativo. Ela não trata apenas de infraestrutura, segurança da informação ou gestão de projetos digitais, mas da capacidade institucional de supervisionar sistemas autônomos que tomam decisões em nome da organização.

Governança de TI TradicionalGovernança Algorítmica
Foco em infraestrutura e processosFoco em decisões automatizadas e inteligência aplicada
Segurança da informaçãoÉtica, explicabilidade e risco digital
Gestão de ativos de TISupervisão estratégica de sistemas autônomos
Apoio operacionalDeliberação estratégica sobre lógica algorítmica

Definição Executiva

Governança algorítmica é o conjunto de mecanismos institucionais que garante que o uso de algoritmos, modelos de IA e sistemas autônomos seja alinhado à estratégia da organização, ético em sua aplicação, transparente em seus critérios e responsável em seus impactos.

Ela abrange desde a aprovação de investimentos em IA até a definição de limites para sua atuação, passando por mecanismos de auditoria algorítmica, curadoria de dados e avaliação de riscos emergentes.

Por que isso é relevante para conselhos?

Nos próximos anos, conselhos de administração e comitês de auditoria estarão diante de questões como:

  • Podemos confiar na decisão tomada por este algoritmo?
  • Como garantir que não há viés sistêmico no modelo?
  • Quem responde legalmente por uma decisão automatizada?
  • A empresa tem curadoria adequada dos dados que alimentam esses sistemas?
  • Como explicar ao regulador, ou ao mercado, por que um cliente ou ativo foi priorizado por uma IA?

Responder a essas questões exige mais do que conhecimento técnico — exige governança com capacidade de formular, questionar e supervisionar com base em critérios estratégicos e éticos.

Princípios da Governança Algorítmica

Para apoiar esse processo, algumas diretrizes internacionais e práticas emergentes já delineiam os fundamentos que devem nortear a atuação do conselho e da alta direção:

PrincípioAplicação na Prática
Supervisão EstratégicaO conselho deve compreender os objetivos do uso de IA e sua aderência à estratégia
Ética e EquidadeModelos não podem reproduzir discriminações ou favorecer interesses opacos
AccountabilityÉ preciso definir claramente quem responde por decisões automatizadas
TransparênciaA lógica de funcionamento dos algoritmos deve ser compreensível a decisores e partes interessadas
Risco DigitalAlgoritmos podem gerar riscos operacionais, regulatórios e reputacionais

Esses princípios estão cada vez mais presentes em orientações internacionais de governança — da OECD à Deloitte, da Harvard Law School ao World Economic Forum — e serão, cedo ou tarde, incorporados à regulação setorial e aos marcos de responsabilidade fiduciária.

Uma oportunidade estratégica para conselhos visionários

Conselhos que se antecipam e assumem um papel ativo na governança algorítmica:

  • ganham maior autonomia e assertividade nas decisões sobre IA;
  • reduzem riscos de imagem, passivos regulatórios e dependência de terceiros;
  • e posicionam suas empresas na vanguarda da maturidade digital com responsabilidade institucional.

Mais do que uma obrigação técnica, a governança algorítmica é um novo vetor de vantagem competitiva, especialmente em setores críticos como o de energia.

Panorama Atual: Maturidade em IA no Setor Elétrico

A análise dos 14 relatórios de sustentabilidade e relatórios integrados das principais empresas de energia elétrica listadas na B3 revelou um cenário claro: a inteligência artificial já está incorporada às operações centrais do setor, com aplicações que vão da manutenção de ativos à comercialização de energia, passando por atendimento automatizado, redes inteligentes e suporte à decisão.

O uso de algoritmos e modelos preditivos deixou de ser uma iniciativa experimental e passou a ocupar posição estratégica nas engrenagens operacionais e comerciais das empresas. A transformação digital não é mais um plano — é realidade.

Classificação por Eixo de Aplicação

As iniciativas mapeadas podem ser agrupadas em cinco grandes eixos, com diferentes graus de maturidade tecnológica e implicações de governança:

Eixo de AplicaçãoDescriçãoExemplos Observados
Automação OperacionalAplicação de IA para controle autônomo de ativos, despacho inteligente e redes adaptativasDigital twins, ADMS, WFM, controle preditivo
Precificação e TradingModelos preditivos de mercado, algoritmos de precificação dinâmica e previsão de cargaMachine learning para comercialização e trading
Atendimento InteligenteUso de IA generativa, assistentes virtuais, triagem automatizada de solicitaçõesRobôs cognitivos, análise de linguagem natural
Eficiência TécnicaDiagnóstico automatizado de falhas, identificação de perdas, manutenção preditivaIA climática, sensores inteligentes, visão computacional
Governança EstratégicaEstruturação de centros de excelência em IA, programas de capacitação e governança de dadosCentros de IA, programas como eletro.ia, Energy GPT

Essa distribuição mostra que a IA atua hoje tanto no front operacional quanto no núcleo estratégico das empresas de energia. Em muitos casos, os algoritmos têm capacidade real de influenciar ou substituir decisões humanas, com impactos diretos na eficiência, segurança, receita e reputação da companhia.

Grau de Maturidade e Governança

Embora o uso de IA já esteja consolidado em áreas críticas — como comercialização de energia, redes inteligentes, manutenção preditiva e atendimento digital —, a análise dos relatórios de sustentabilidade e documentos públicos disponíveis não identificou a existência de estruturas formais de supervisão algorítmica no âmbito dos conselhos de administração.

Mais especificamente:

  • Não foram encontradas menções a comitês de inovação, digitalização ou supervisão de IA com assento no conselho;
  • As matrizes de competências dos conselhos divulgadas não incluem, até o momento, habilidades relacionadas a algoritmos, explicabilidade, ciência de dados ou risco digital;
  • Relatórios de governança, ESG ou estratégia não fazem referência à deliberação colegiada sobre critérios éticos, regulatórios ou operacionais associados a IA.

Essas evidências sugerem que, embora haja forte avanço técnico nas empresas, a supervisão sobre projetos com IA ainda está concentrada nas diretorias executivas ou nas áreas técnicas, sem que o conselho atue como instância estratégica de validação ou acompanhamento formal dessas tecnologias.

Essa constatação não aponta falha — mas sim uma oportunidade clara de fortalecimento da governança, à medida que algoritmos passam a exercer influência real sobre decisões operacionais e corporativas.

A Importância da Governança Executiva

O setor elétrico lida com variáveis críticas — segurança energética, universalização, modicidade tarifária e estabilidade regulatória. A introdução massiva de sistemas inteligentes precisa ser acompanhada por:

  • decisões deliberadas sobre o uso de IA, com critérios claros de finalidade, supervisão e avaliação;
  • capacitação dos conselhos para interpretar e acompanhar projetos com algoritmos autônomos;
  • integração da IA às políticas de risco, compliance, ESG e estratégia corporativa.

A maturidade algorítmica não se esgota na implementação da tecnologia. Ela exige governança integrada, capaz de alinhar o valor gerado pelos algoritmos aos compromissos fiduciários da companhia.

Setor pronto para avançar

Apesar dos desafios, os dados mostram que o setor elétrico brasileiro tem base institucional propícia para absorver os princípios da governança algorítmica:

  • Conselhos com perfil técnico-analítico consistente (engenheiros, economistas, gestores);
  • Políticas estruturadas de autoavaliação, como nas empresas TAESA, Neoenergia, Eletrobras, ENGIE Brasil e COPEL;
  • Tradição em responder a transformações regulatórias com velocidade e rigor.

A próxima etapa é incorporar a dimensão algorítmica da transformação digital à pauta permanente da alta governança — com linguagem executiva, instrumentos claros e formação continuada.

Perfil dos Conselhos de Administração: Quem Decide sobre IA?

Ao discutir a governança algorítmica no setor elétrico, é essencial compreender quem são os responsáveis pelas decisões estratégicas que legitimam — direta ou indiretamente — o uso de inteligência artificial nas empresas. Mesmo que a aplicação de IA esteja frequentemente situada nas áreas técnicas ou operacionais, é o conselho que aprova diretrizes, orçamentos e prioridades que permitem (ou limitam) sua expansão.

Com base na análise dos relatórios de sustentabilidade e governança das 14 principais empresas de energia listadas na B3, foi possível traçar um retrato consistente da composição e funcionamento dos conselhos de administração do setor.

Composição e Estrutura

Os conselhos são majoritariamente formados por profissionais com sólida formação em engenharia, economia, direito e administração — com média de idade entre 50 e 60 anos. A presença feminina ainda é limitada, mas algumas empresas têm adotado políticas ativas de diversidade, incluindo critérios de raça, idade e representatividade regional.

Algumas companhias, como COPEL, CELESC e EMAE, garantem assentos específicos a representantes dos empregados ou acionistas preferencialistas. Já a ENGIE e a TAESA vêm implementando boas práticas como a limitação de mandatos, prevenção de sobreposição de cargos (overboarding) e exigência de presença mínima para recondução.

Seleção, Avaliação e Formação Contínua

Os processos de seleção priorizam a experiência no setor elétrico, em finanças e em governança de riscos — mas ainda não incluem, de forma explícita, critérios relacionados a competências digitais ou tecnológicas. Em contrapartida, há sinais claros de evolução:

  • Empresas como Eletrobras, Neoenergia, ENGIE e TAESA adotam autoavaliação anual estruturada, com apoio externo em alguns casos;
  • As avaliações têm incorporado dimensões como efetividade, colegialidade e alinhamento estratégico;
  • Há investimentos crescentes em programas de desenvolvimento contínuo, abordando temas como ESG, riscos climáticos, compliance e geopolítica — o que cria um ambiente fértil para a futura inclusão de temas como inteligência artificial, algoritmos e ética digital.

Capacidade de Absorção da Pauta Algorítmica

Apesar de não haver, nos documentos analisados, qualquer menção direta à atuação dos conselhos sobre algoritmos, IA ou plataformas digitais, o perfil dos conselheiros demonstra um alto potencial de assimilação da pauta algorítmica. Em outras palavras:

  • Os conselhos já possuem formação analítica e visão estratégica suficiente para lidar com o tema, desde que apresentado com clareza e alinhado às responsabilidades do colegiado;
  • Há espaço institucional para a inclusão progressiva de competências digitais nas matrizes de avaliação;
  • A governança de riscos — já consolidada — pode ser o canal natural para acolher a discussão sobre riscos algorítmicos e éticos, sem criar novas estruturas ou complexidade excessiva.

Por que os conselhos já são corresponsáveis por decisões de IA?

Mesmo que as decisões técnicas sobre IA sejam tomadas no nível executivo, os conselhos exercem papel indireto, porém crítico, sobre:

  • A aprovação de projetos estruturantes que envolvem algoritmos (como smart grids, trading automatizado, atendimento digital e monitoramento preditivo);
  • O acompanhamento de métricas afetadas por IA (como qualidade do fornecimento, segurança cibernética, eficiência operacional e satisfação do cliente);
  • A responsabilização por eventuais riscos regulatórios, reputacionais ou legais associados ao uso indevido de algoritmos.

Portanto, a governança algorítmica não é uma pauta futura, mas uma responsabilidade já presente, que precisa ser compreendida e estruturada com maior clareza nos fóruns decisórios mais elevados.

Uma Oportunidade Institucional

O setor elétrico brasileiro possui conselhos tecnicamente qualificados, com governança sólida e abertura à formação contínua. O desafio agora é reconhecer formalmente a centralidade da IA nas decisões estratégicas, e preparar os conselheiros para atuarem com segurança, discernimento e legitimidade nesse novo contexto.

A educação executiva e a estruturação de trilhas formativas personalizadas — tanto para conselheiros em exercício quanto para aspirantes a cargos de governança — são os próximos passos naturais para consolidar uma governança algorítmica sólida, ética e funcional.

Riscos da Ausência de Governança Algorítmica

A adoção crescente de inteligência artificial no setor elétrico brasileiro — já presente em pelo menos 14 empresas listadas na B3 — transforma a natureza das decisões estratégicas. O uso de algoritmos passou a impactar diretamente áreas sensíveis como precificação, operação, atendimento, compliance, manutenção e reputação corporativa. Ainda assim, a maioria das empresas não possui mecanismos formais de supervisão algorítmica no nível do conselho.

Ignorar essa lacuna representa um risco material — não apenas tecnológico, mas também regulatório, ético, reputacional e, em última instância, estratégico.

  1. Riscos Estratégicos
  • Assimetria decisória: a alta administração aprova projetos que envolvem algoritmos sofisticados, mas sem instrumentos para entender os impactos de médio e longo prazo desses sistemas.
  • Obstrução à inovação: na ausência de diretrizes claras, projetos inovadores podem ser adiados ou vetados por insegurança jurídica, reputacional ou técnica.
  • Diluição de responsabilidade: sem atribuições formais, a supervisão de algoritmos se pulveriza entre áreas — sem que nenhuma instância tenha accountability clara.
  1. Riscos Reputacionais e Éticos
  • Discriminação algorítmica: sistemas automatizados de corte de energia, atendimento digital ou crédito de carbono podem reproduzir vieses estruturais.
  • Omissão deliberativa: a ausência de posicionamento dos conselhos sobre o uso de IA em áreas críticas pode ser percebida como negligência institucional.
  • Desalinhamento com valores ESG: decisões automatizadas sem transparência nem supervisão podem colidir com compromissos públicos de ética, diversidade ou equidade.
  1. Riscos Regulatórios e Jurídicos
  • Nova legislação em curso: o Projeto de Lei nº 2.338/2023, que tramita no Congresso, estabelece obrigações para sistemas de IA em setores de risco, como energia.
  • Dever de diligência: a ausência de controles pode ser interpretada como violação de boas práticas de governança, com implicações para a responsabilidade fiduciária dos conselheiros.
  • Auditorias e sanções: autoridades reguladoras — nacionais e internacionais — tendem a exigir rastreabilidade, explicabilidade e mitigação de riscos em sistemas algorítmicos críticos.
  1. Riscos Operacionais
  • Falhas silenciosas: algoritmos que aprendem de forma autônoma podem gerar erros cumulativos ou distorções sistêmicas, difíceis de detectar a tempo.
  • Dependência de fornecedores: a terceirização do desenvolvimento ou uso de IA pode criar dependência tecnológica sem salvaguardas contratuais robustas.
  • Insegurança cibernética: modelos treinados com dados sensíveis, se mal protegidos, se tornam alvos de ataques com impactos operacionais e reputacionais severos.
  1. Riscos de Omissão Institucional

Um risco menos tangível, mas igualmente crítico, é a erosão da autoridade institucional dos conselhos. Quando algoritmos passam a decidir sobre temas tradicionalmente deliberados por lideranças humanas — como desligamento de redes, investimentos ou avaliação de desempenho — a omissão do conselho na supervisão pode ser interpretada como uma renúncia de função.

Neste cenário, a falta de governança algorítmica compromete não apenas a operação da empresa, mas também a legitimidade do próprio modelo de governança corporativa.

Considerações adicionais

A ausência de governança algorítmica não é apenas uma lacuna técnica — é um risco estratégico de alta magnitude, cuja natureza exige resposta no nível mais elevado de decisão. O conselho de administração precisa evoluir para incluir, de forma consciente, estruturada e contínua, as competências, instrumentos e protocolos necessários para supervisionar sistemas baseados em IA.

Esse movimento não se faz por modismo ou pressão externa, mas sim por responsabilidade institucional, visão de longo prazo e preservação do valor da empresa diante de um novo ciclo tecnológico.

Proposta de Valor: Capacitação e Consultoria para Conselhos

A adoção de inteligência artificial no setor de energia já é uma realidade consolidada, como demonstram os relatórios de sustentabilidade de empresas listadas na B3. No entanto, a ausência de estruturas formais de supervisão algorítmica no nível do conselho impõe um desafio claro: como alinhar inovação tecnológica com responsabilidade institucional?

Para isso, conselhos precisam incorporar novos princípios e boas práticas de governança algorítmica, que complementem — e não substituam — os pilares tradicionais da governança corporativa.

Princípios Fundamentais da Governança Algorítmica

A literatura especializada e as diretrizes internacionais (OCDE, UE, UNESCO, ISO/IEC 42001) convergem para cinco princípios-chave que os conselhos devem adotar:

PrincípioDescrição Executiva
Supervisão EstratégicaOs algoritmos devem estar sujeitos à mesma vigilância dos projetos estratégicos da empresa.
Ética e ResponsabilidadeToda decisão automatizada deve estar alinhada aos valores e compromissos públicos da companhia.
TransparênciaAlgoritmos críticos devem ser auditáveis, com critérios de explicabilidade adequados ao risco.
AccountabilityDevem existir instâncias formais de responsabilização por decisões baseadas em IA.
Gestão de Riscos DigitaisO uso de IA deve ser integrado aos frameworks já existentes de gestão de riscos e compliance.

Esses princípios não demandam a criação de novas estruturas, mas sim a evolução das práticas existentes.

Boas Práticas para Conselhos

Abaixo, um conjunto de recomendações práticas — de rápida adoção — para conselhos que desejam incorporar a pauta algorítmica com legitimidade e efetividade.

Boa PráticaDescrição Executiva
1. Incluir IA na matriz de competências do conselhoAvaliar e incorporar competências digitais e algorítmicas nos critérios de seleção, avaliação e desenvolvimento dos conselheiros.
2. Mapear e classificar algoritmos utilizadosSolicitar o inventário de algoritmos em uso, com classificação por criticidade, impacto e grau de autonomia decisória.
3. Integrar IA aos comitês já existentesAtribuir a supervisão de algoritmos a comitês como os de Riscos, Auditoria ou Inovação, evitando a fragmentação do tema.
4. Solicitar relatórios periódicos sobre algoritmosIncluir indicadores algorítmicos em dashboards executivos: decisões automatizadas, taxa de erro, vieses, conformidade, impacto financeiro e operacional.
5. Instituir código de conduta para algoritmosAdotar princípios mínimos de ética, explicabilidade e segurança aplicáveis a todos os modelos em uso, com base em frameworks reconhecidos internacionalmente.
6. Fomentar formação continuada sobre IA e riscos digitaisPromover trilhas executivas, sessões de capacitação e fóruns com especialistas sobre IA, riscos digitais, ESG algorítmico e tendências regulatórias.

Governança Algorítmica como Diferencial

A boa governança algorítmica não é apenas um mecanismo de proteção — é um diferencial competitivo e reputacional. Empresas que tratam IA com seriedade no nível do conselho demonstram:

  • Capacidade de inovação com responsabilidade;
  • Maturidade institucional para operar tecnologias críticas;
  • Compromisso público com ética, transparência e eficiência.

Para conselheiros, trata-se de um novo campo de atuação — estratégico, legítimo e necessário.

Propostas para Formação de Conselheiros

O cenário atual exige que conselhos de administração evoluam de uma postura apenas fiscalizadora para uma atuação estratégica sobre os temas mais transformadores da agenda corporativa: inteligência artificial, digitalização e transição energética.

Dada a relevância dos investimentos em plataformas digitais, automação e soluções descentralizadas — e a crescente delegação de decisões a sistemas algorítmicos —, torna-se imperativo investir na formação continuada dos conselheiros e também de seus futuros membros.

A seguir, propomos um conjunto de ações estruturadas voltadas à educação executiva, com impacto imediato sobre a maturidade em governança e supervisão estratégica.

Trilha 1 – Formação Essencial: IA, Digitalização e ESG Algorítmico

MóduloConteúdo-Chave
Fundamentos de IAO que é, como funciona e como é aplicada nos negócios.
Algoritmos na prática empresarialCasos de uso no setor elétrico: previsão, manutenção, atendimento, automação.
Riscos e dilemas éticosViés algorítmico, privacidade, transparência e accountability.
ESG e algoritmosComo IA impacta os indicadores ambientais, sociais e de governança.
Regulação e tendências globaisPadrões da OCDE, ISO/IEC 42001, Lei de IA da UE, posição da ANEEL.

Trilha 2 – Supervisão Estratégica e Governança Algorítmica

MóduloConteúdo-Chave
Papéis e responsabilidades do conselhoComo supervisionar IA sem interferir na operação.
Métricas algorítmicas para conselhosIndicadores críticos: acurácia, impacto financeiro, viés, aderência regulatória.
Comitês e mecanismos de supervisãoEstruturas ágeis para acompanhar algoritmos em empresas de infraestrutura.
Código de conduta algorítmicaComo construir e aprovar diretrizes para uso responsável da IA.

Trilha 3 – Formação Avançada para Presidentes de Conselho e Comitês

MóduloConteúdo-Chave
Inteligência Estratégica com IAComo algoritmos geram vantagem competitiva e posicionamento institucional.
Avaliação e capacitação do colegiadoMatrizes de competências digitais, overboarding e sucessão com foco em inovação.
Simulações e estudos de casoCenários realistas com apoio de especialistas, para tomada de decisão em ambiente digitalizado.

Caminho para a Implementação

As trilhas sugeridas podem ser implementadas de forma modular ou como programas executivos customizados, em parceria com escolas de negócios, instituições do setor elétrico e consultorias especializadas.

Também é possível estender esse modelo a:

  • Conselheiros fiscais e comitês de auditoria;
  • Diretores estatutários e comitês técnicos;
  • Jovens lideranças com potencial para futuros conselhos.

A formação não visa tornar conselheiros especialistas técnicos, mas sim decisores preparados, com discernimento estratégico e noções claras de risco, oportunidade e responsabilidade no uso de tecnologias críticas.

Recomendação Institucional e Caminhos de Adoção Setorial

A análise das 14 empresas do setor elétrico listadas na B3 demonstra um avanço expressivo na aplicação de inteligência artificial e automação inteligente. No entanto, esse avanço ainda ocorre de forma pulverizada, com foco na eficiência operacional e sem mecanismos estruturados de supervisão algorítmica no nível do conselho.

Para transformar esse cenário, é necessário que a governança algorítmica seja incorporada institucionalmente às boas práticas do setor, respeitando as especificidades das empresas, o estágio de maturidade digital e os diferentes modelos de atuação (geração, transmissão, distribuição, comercialização).

Propomos, a seguir, três caminhos convergentes:

  1. Criação de Diretrizes Setoriais para Conselhos

Organizações como ABRADEE, ABRACEEL, ABRAGE, ABRAGEL, ABRAT, IBGC e ANEEL podem colaborar na elaboração de um conjunto de princípios orientadores para a supervisão algorítmica no setor elétrico, incluindo:

  • Diretrizes para inclusão de competências digitais nas matrizes dos conselhos;
  • Referenciais para mapeamento e classificação de algoritmos críticos;
  • Sugestões de mecanismos de supervisão colegiada (comitês, auditorias, relatórios executivos).

Essas diretrizes podem seguir o modelo de “compromissos voluntários setoriais”, alinhados às boas práticas internacionais, como o AI Act da União Europeia ou as recomendações da OCDE sobre sistemas autônomos.

  1. Integração com Agendas de ESG e Riscos Estratégicos

A governança algorítmica deve ser tratada como parte integrante da governança ambiental, social e corporativa (ESG) e dos processos de gerenciamento de riscos estratégicos. Isso implica:

  • Inclusão do tema nos relatórios integrados e de sustentabilidade;
  • Identificação dos algoritmos que impactam indicadores ESG (ex.: viés em atendimento digital, impactos ambientais simulados, decisões automatizadas com efeito social);
  • Deliberação colegiada sobre limites éticos, impactos regulatórios e expectativas de transparência.

Com isso, a IA deixa de ser tratada como uma tecnologia emergente e passa a ser incorporada à lógica de accountability institucional.

  1. Formação de uma Comunidade de Prática em Governança de IA

Empresas líderes do setor, em conjunto com universidades, consultorias e entidades de classe, podem constituir uma comunidade de prática interinstitucional sobre governança algorítmica, promovendo:

  • Compartilhamento de experiências e protocolos entre conselhos;
  • Desenvolvimento de benchmarks e indicadores comuns;
  • Apoio à formação continuada dos conselheiros;
  • Articulação com o poder público para proposições regulatórias equilibradas.

Essa comunidade pode se tornar o núcleo de um pacto setorial de transparência e responsabilidade algorítmica, com forte poder reputacional, inclusive em relação a investidores, órgãos de controle e agências multilaterais.

Uma Chamada à Ação Estratégica

O setor elétrico brasileiro tem histórico de protagonismo técnico e regulatório. Agora, diante da complexidade dos algoritmos que já operam invisivelmente em decisões críticas, é chegada a hora de elevar esse protagonismo também à esfera da governança corporativa com visão de futuro.

Ao adotar mecanismos de governança algorítmica no nível dos conselhos, o setor dá um passo decisivo rumo a uma transição energética que seja não apenas eficiente, mas também ética, transparente e socialmente legítima.

Conclusão Executiva

Governança Algorítmica: um novo mandato estratégico para conselhos no setor de energia

A transformação digital no setor elétrico brasileiro já é um fato consolidado. Dos algoritmos que ajustam redes de distribuição em tempo real às plataformas que gerenciam milhões de interações com clientes, passando por sistemas de previsão climática e modelos de precificação, a inteligência artificial tornou-se um elemento estrutural da operação e da competitividade empresarial.

A análise dos relatórios de sustentabilidade e integrados de 14 empresas listadas na B3 revela que as iniciativas com IA são hoje generalizadas, com aplicações em praticamente todas as etapas da cadeia elétrica. No entanto, essa maturidade técnica ainda não se reflete em mecanismos formais de supervisão por parte dos conselhos de administração.

Esse desalinhamento cria um risco estratégico silencioso: conselhos altamente experientes e qualificados, mas sem acesso a trilhas de formação continuada específicas para os novos temas emergentes, podem ser forçados a decidir sobre investimentos e riscos de forma reativa, excessivamente dependentes de pareceres técnicos, ou até mesmo obstruindo avanços por falta de compreensão sistêmica.

Ao invés de colocar em dúvida a capacidade dos conselheiros — que, em sua maioria, possuem sólida formação em engenharia, finanças e governança — este artigo propõe algo mais estruturante: o reconhecimento de que a governança algorítmica é hoje parte do core das boas práticas de governança corporativa, devendo ser tratada com o mesmo rigor, estratégia e transparência com que se tratam auditoria, riscos financeiros e sustentabilidade.

O caminho sugerido inclui:

  • Criação de trilhas executivas de formação em IA, algoritmos e riscos digitais;
  • Incorporação do tema à matriz de competências dos conselhos e à agenda dos comitês técnicos;
  • Inclusão de indicadores algorítmicos nos dashboards estratégicos;
  • Adoção de princípios mínimos de conduta para sistemas automatizados;
  • Estruturação de diretrizes setoriais coordenadas por entidades como ANEEL, ABRADEE, ABRACEEL e associações empresariais.

É chegada a hora de ampliar o olhar: a transição energética em curso é também uma transição de governança. E os conselhos que liderarem esse movimento estarão não apenas mitigando riscos — estarão abrindo espaço para inovações legítimas, sustentáveis e socialmente confiáveis.

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