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As MPs 1.300 e 1.304/2025 e a Nova Engenharia Regulatória do Setor Elétrico Brasileiro

Análise Tática para Gestores Técnicos e Administrativos

Introdução: A Transição de um Setor Regulado para um Setor com Mérito Econômico

O setor elétrico brasileiro vive, em 2025, um dos momentos mais significativos de reorganização institucional desde a reformulação introduzida pela Lei nº 10.848/2004. A publicação das Medidas Provisórias nº 1.300 e nº 1.304, respectivamente em maio e julho deste ano, marca não apenas uma revisão de políticas públicas anteriores, mas um movimento coordenado para redefinir os fundamentos sobre os quais o setor opera — especialmente no que diz respeito à expansão da oferta, à gestão dos encargos setoriais e à previsibilidade dos custos para os consumidores.

As duas MPs atuam em frentes complementares, mas profundamente interligadas. A MP nº 1.300 revoga dispositivos da Lei nº 14.182/2021 (a chamada Lei da Eletrobras), que obrigavam a contratação de 8 GW de usinas termelétricas a gás natural em regiões carentes de infraestrutura, independentemente de critérios técnicos de despacho, localização ou custo marginal. A nova diretriz substitui essa obrigação por leilões de reserva de capacidade baseados em menor custo global, priorizando Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) com entrada em operação prevista a partir de 2032. O objetivo declarado é realinhar o planejamento da expansão à lógica econômica e operacional do Sistema Interligado Nacional (SIN), rompendo com decisões anteriores motivadas por articulações políticas regionais e compromissos orçamentários externos ao setor.

Já a MP nº 1.304 responde à crescente pressão sobre a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que nos últimos anos passou a abrigar uma série de incentivos, subsídios e compensações para fontes renováveis, consumidores rurais, programas sociais e obrigações setoriais. Ao estabelecer um teto para o crescimento dos encargos e criar um encargo adicional a ser pago pelos próprios agentes beneficiados, essa medida introduz um novo paradigma de responsabilidade fiscal e equilíbrio setorial. A mudança ocorre em meio à controvérsia gerada pela derrubada de vetos à Lei das Eólicas Offshore (Lei nº 14.403/2022), que havia ampliado os subsídios sem o devido ajuste nos mecanismos de financiamento.

Mais do que alterações pontuais, essas MPs representam uma transição clara: o setor elétrico caminha de um modelo em que decisões estratégicas eram condicionadas por imposições regulatórias, obrigações de contratação e incentivos pouco transparentes, para um ambiente no qual o mérito econômico, a previsibilidade tarifária e a disciplina fiscal tornam-se princípios estruturantes. O planejamento deixa de ser orientado por reservas obrigatórias, e passa a considerar critérios de otimização técnica e financeira — abrindo espaço para um mercado mais eficiente, mas também mais exigente em termos de análise de risco, modelagem de investimentos e governança regulatória.

Para os gerentes técnicos e administrativos, essa transição exige não apenas uma atualização do repertório regulatório, mas uma atuação ativa na reestruturação de carteiras de projetos, revisão de contratos de suprimento, recalibragem de projeções de viabilidade e monitoramento sistemático das decisões que virão do Congresso Nacional, da ANEEL, da CCEE e do Ministério de Minas e Energia (MME). Em muitos casos, caberá a essas áreas fornecer o suporte analítico necessário para que diretores e conselheiros compreendam os impactos financeiros, operacionais e reputacionais associados à aprovação — ou eventual modificação — dessas medidas.

O presente artigo, estruturado de forma aplicada, busca apoiar esse trabalho. Ao longo das seções seguintes, abordaremos os efeitos práticos das duas MPs sobre ativos térmicos, contratos de gás natural, projetos com subsídios, modelagem tarifária e estratégias de posicionamento institucional. A ideia central é oferecer um instrumento técnico para diagnóstico interno e planejamento de ações, capaz de fortalecer a capacidade das empresas em navegar um cenário regulatório que, ao mesmo tempo em que se torna mais racional, também se mostra mais competitivo e sujeito a disputas políticas relevantes.

Panorama Geral das MPs e os Efeitos para a Governança Interna

As Medidas Provisórias nº 1.300 e nº 1.304 não operam isoladamente. Elas representam dois movimentos articulados: o primeiro visa corrigir distorções no planejamento da expansão da oferta de energia; o segundo, reequilibrar a base de financiamento do setor elétrico. Combinadas, essas mudanças afetam diretamente o núcleo da governança interna das empresas — do planejamento energético ao compliance regulatório, passando por decisões de CAPEX, renegociação contratual e revisões de modelagem de retorno financeiro.

Para os gerentes das áreas técnicas e administrativas, compreender essas medidas em detalhe é essencial para antecipar riscos, ajustar estratégias de médio prazo e alinhar a empresa a um novo ciclo regulatório mais pautado por eficiência e transparência.

MP 1.300: Fim da Obrigação das Térmicas Inflexíveis e Redefinição da Expansão

A Medida Provisória nº 1.300/2025 revoga o artigo 5º da Lei nº 14.182/2021, que estabelecia a obrigatoriedade de contratação de 8 GW de usinas termelétricas movidas a gás natural, em localizações específicas (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Norte de MG e ES), com operação inflexível e obrigatória até 2036. Essas usinas seriam contratadas fora da lógica de despacho por mérito, o que implicava operação constante, mesmo quando não fossem competitivas economicamente.

Com a MP, essa obrigação é substituída por até 3 GW de PCHs a serem contratadas por leilões na modalidade de reserva de capacidade, orientados por menor custo global — conceito que considera não apenas o preço da energia ofertada, mas também o custo sistêmico de operação, perdas, serviços ancilares e impacto tarifário agregado. A entrada em operação das novas unidades está prevista para o período entre 2032 e 2036, respeitando o horizonte originalmente previsto para as térmicas, mas com uma lógica contratual e operacional distinta.

Conceito chave: O que são térmicas inflexíveis?

São usinas que, por contrato ou por imposição regulatória, devem operar continuamente, independentemente do custo do despacho. Diferem das térmicas por mérito, que só operam quando o preço da energia no mercado justifica sua ativação. A inflexibilidade reduz a eficiência do sistema, aumenta o custo marginal e gera sobrecontratação de energia, impactando diretamente a tarifa.

Implicações operacionais e contratuais para as empresas:

  • Empresas com projetos térmicos já contratados ou em processo de licenciamento perdem o lastro legal que garantia demanda certa.
  • Contratos de suprimento de gás natural (sobretudo take-or-pay) perdem sustentação, com risco de judicialização ou renegociação compulsória.
  • Financiadores e investidores que calcularam retorno com base em PPA garantido precisam revisar premissas de viabilidade.
  • Empresas integradas verticalmente (gás-geração) enfrentam risco de ociosidade da cadeia de suprimento.

A MP 1.300 reorienta o planejamento da expansão para fontes com menor impacto ambiental, maior competitividade e menor custo sistêmico. Ela também introduz o conceito de leilão por eficiência e, indiretamente, favorece ativos com flexibilidade operacional — como PCHs, usinas híbridas, cogeração e ativos despacháveis sob demanda.

MP 1.304: Teto para a CDE e Novo Encargo para Beneficiários de Subsídios

A Medida Provisória nº 1.304/2025, por sua vez, trata do financiamento do setor. Ela surge após a repercussão da derrubada de vetos à Lei nº 14.403/2022, que aumentou os incentivos à geração eólica offshore e a outras fontes incentivadas, pressionando o orçamento da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Com os custos da CDE se aproximando de R$ 35 bilhões ao ano — e crescendo em ritmo superior à inflação —, cresceu a demanda por uma reforma que limitasse sua expansão desordenada e redistribuísse os encargos com mais equidade.

A MP impõe um teto financeiro à CDE a partir de 2026. O valor exato será fixado anualmente na Lei Orçamentária, com base em projeções do Ministério de Minas e Energia e da ANEEL, mas não poderá ultrapassar os limites estabelecidos pela MP. O teto visa trazer previsibilidade tarifária para consumidores e distribuidoras, além de forçar maior disciplina na concessão de novos subsídios.

Mais importante ainda, a MP cria um novo encargo específico a ser pago por agentes que se beneficiam de incentivos custeados pela própria CDE. Entre esses agentes, destacam-se:

  • Geradores incentivados (com desconto em TUST/TUSD);
  • Cooperativas e consórcios de geração distribuída;
  • Produtores independentes com isenções regionais;
  • Usinas eólicas offshore com tratamento especial.

Implicações diretas para a estrutura financeira das empresas:

  • Redução da margem líquida de projetos com subsídio, já que parte do benefício será compensado por um novo encargo;
  • Necessidade de revisão dos fluxos de caixa projetados, sobretudo em modelos que consideram retorno de longo prazo com base em incentivos mantidos indefinidamente;
  • Risco de mudança na estrutura de PPAs — contratos já assinados poderão sofrer reequilíbrio se a alteração regulatória for considerada relevante;
  • Impacto na precificação de novos projetos, com necessidade de refletir o encargo nos lances de leilões e nos contratos com consumidores finais.

A proposta atende à demanda histórica de grandes consumidores e associações como a ABRACE por maior justiça tarifária, uma vez que os subsídios antes bancados por toda a coletividade passam a ser parcialmente internalizados pelos próprios beneficiários. Do ponto de vista da política pública, representa uma tentativa de compatibilizar incentivos à transição energética com responsabilidade fiscal e sustentabilidade do modelo setorial.

TemaSituação anterior às MPsSituação após as MPs 1.300/1.304
Contratação de térmicas a gásObrigatória por lei (8 GW) até 2036, com operação inflexívelSubstituída por até 3 GW em PCHs via leilões de reserva de capacidade
Expansão da CDESem teto, com crescimento acelerado e sem correção de origemTeto financeiro fixado; CDE passa a obedecer a limites orçamentários
Benefício a fontes incentivadasBenefício líquido garantido, sem contrapartida financeira diretaNovo encargo criado para beneficiados diretos dos subsídios
Papel do gás naturalCentral e obrigatório no planejamento de expansãoReposicionado como fonte de flexibilidade e segurança marginal

Diagnóstico Interno: Quais São os Ativos e Contratos Sensíveis

A reconfiguração regulatória imposta pelas MPs 1.300 e 1.304 exige um movimento interno de reavaliação estratégica nas empresas do setor elétrico, e também naquelas que consomem energia ou mantêm participação em projetos incentivados. Esse diagnóstico não se limita à análise de impacto regulatório genérico, mas deve ser conduzido com profundidade operacional, envolvendo áreas técnicas, regulatórias, financeiras e jurídicas.

Mais do que compreender a mudança, é essencial identificar como ela se reflete nos ativos reais e nas estruturas contratuais da empresa — seja no lado da geração, seja no consumo industrial ou nas operações de autoprodução. Essa etapa é a base para qualquer plano de reestruturação de carteira, revisão de contratos de suprimento, reprecificação de PPAs ou adequação de estruturas societárias.

Avaliação Técnica de Ativos Térmicos e Projetos Gás-dependentes

A MP 1.300 elimina a garantia legal de contratação de térmicas inflexíveis a gás, exigindo uma nova lógica de análise para ativos térmicos — operacionais, em construção ou em fase de estruturação. Isso afeta diretamente a viabilidade econômica de projetos com base em operação contínua, e compromete o racional de investimento de termelétricas localizadas em áreas remotas, antes viabilizadas por imposição legal.

Abaixo, apresentamos um conjunto de perguntas críticas que devem guiar esse diagnóstico técnico:

Checklist de análise operacional – Ativos térmicos e gás

  • A empresa opera ou possui projetos de térmicas com base em despacho inflexível (obrigatório)?
  • Os contratos de suprimento de gás natural associados são do tipo take-or-pay (volume mínimo garantido)? Qual é a exposição contratual em termos de volume e tempo?
  • A usina apresenta competitividade em cenários de despacho por mérito, considerando o custo variável unitário (CVU)?
  • Há obrigações regionais assumidas por meio de convênios, protocolos de intenção ou contrapartidas vinculadas à operação da térmica (como ICMS, emprego, royalties)?

Essas perguntas ajudam a quantificar o risco de obsolescência contratual e a necessidade de reposicionamento estratégico de ativos. A lógica da expansão muda: térmicas que antes operavam continuamente agora precisam competir com fontes mais baratas e flexíveis. O gás natural, nesse novo contexto, deixa de ser âncora da expansão e passa a ser fonte de flexibilidade — algo que exige outros modelos operacionais e contratuais.

Ação recomendada:

  • Desenvolver cenários de curto e médio prazo, simulando a viabilidade do ativo em condições reais de despacho por mérito (sazonalidade, pico de carga, resposta à renovável intermitente).
  • Revisar os contratos de fornecimento de gás, considerando renegociação de cláusulas de volume mínimo, flexibilização de entrega ou transformação em contrato interruptível.
  • Avaliar a possibilidade de reposicionar a planta como backup ou geração complementar, considerando oportunidades em mercados específicos como datacenters, indústrias eletrointensivas, ou sistemas isolados com carência de capacidade firme.

Revisão de Projetos com Subvenção Cruzada (PCHs, GD, Renováveis)

A MP 1.304 traz uma mudança relevante na forma como os benefícios setoriais são financiados. Até agora, agentes que se beneficiavam de isenções — como descontos em TUST/TUSD, compensação integral de energia ou incentivos regionais — não arcavam diretamente com os custos desses subsídios. Com a introdução de um novo encargo direcionado especificamente aos beneficiários, será necessário recalcular o valor líquido desses incentivos.

Esse impacto é especialmente sensível para PCHs, usinas incentivadas do PROINFA, empreendimentos de geração distribuída sob o modelo de cooperativas e consórcios, além de geradores regionais com tratamento fiscal diferenciado.

O diagnóstico deve começar por responder às seguintes questões:

Itens críticos para avaliação – Projetos incentivados

  • Qual é a parcela do retorno do projeto que depende do desconto em TUST/TUSD ou de outros subsídios via CDE?
  • A empresa atua em geração distribuída incentivada (Art. 26 da Lei 14.300)? Está vinculada a cooperativas ou consórcios que operam sob o regime de compensação integral?
  • Qual o peso efetivo da CDE na estrutura de custos operacionais ou no fluxo de caixa do projeto? Existe uma linha de receita comprometida com isenções?
  • A empresa ou o projeto estão sujeitos à nova cobrança setorial sobre agentes beneficiados, conforme previsto na MP 1.304?

Projetos com retorno estreito ou alta dependência de incentivos cruzados podem perder viabilidade. A antecipação dessa análise é crítica para empresas que atuam na originação ou comercialização de projetos renováveis, fundos de investimento e integradores de GD. Além disso, a criação do encargo sobre os beneficiários introduz um novo fator de incerteza regulatória nos modelos de precificação de energia e estruturação de PPAs de longo prazo.

Ação recomendada:

  • Recalcular todos os indicadores financeiros chave (TIR, VPL, payback), incorporando o impacto estimado do novo encargo. Considerar variações por tipo de ativo e faixa de potência.
  • Reavaliar o pipeline de projetos em desenvolvimento, priorizando empreendimentos com menor dependência de subsídios ou maior margem operacional.
  • Revisar cláusulas de PPAs já assinados, especialmente aquelas relativas à mudança de legislação e equilíbrio econômico-financeiro.
  • Considerar modelos híbridos (ex.: PCH + bateria, GD com armazenamento) que possam oferecer maior valor sistêmico e segurança regulatória em leilões futuros.

Cálculos Operacionais para Apoio à Alta Direção

A consolidação das MPs 1.300 e 1.304 no arcabouço regulatório não exige apenas entendimento jurídico ou estratégico. Ela demanda, sobretudo, capacidade de modelar os efeitos reais sobre a tarifa, o fluxo de caixa dos projetos e a competitividade das fontes incentivadas.

As áreas técnicas e administrativas devem se antecipar aos efeitos financeiros, tarifários e regulatórios por meio de simulações paramétricas, ajustando projeções de longo prazo, revisando PPAs e integrando riscos regulatórios à análise de sensibilidade. A seguir, são apresentados dois blocos de cálculo prioritários para apoiar a alta gestão.

Modelagem de Impacto da MP 1.304 sobre a CDE

A criação de um teto financeiro para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) exige reavaliação das curvas de custo de energia, pois limita o volume de subsídios setoriais repassados aos consumidores. Isso interfere diretamente no valor das tarifas para os consumidores cativos e, indiretamente, no custo de energia de referência do mercado livre.

Embora o valor exato do teto seja definido anualmente, a MP antecipa uma tendência de crescimento nominal moderado, abaixo da inflação e condicionado à capacidade fiscal da União.

Abaixo, uma estrutura simplificada com projeções nominais da CDE para os próximos anos:

AnoTeto CDE (R$ bilhões)% Crescimento MáximoComentário
202635,00%Teto nominal fixo inicial
202736,02,9%Correção moderada
202837,02,8%Estabilidade gradual
202938,13,0%Alinhado à inflação de meta
203039,33,1%Projeção com base conservadora

Esses valores devem ser comparados com os cenários pré-MP, em que o crescimento da CDE superava 8% ao ano, em função de novas políticas públicas, incentivos setoriais, compensações sociais e expansão da GD sem cobrança integral de encargos.

Simulação recomendada para as empresas:

  • Projetar o custo médio da energia (R$/MWh) para consumidores cativos e livres, considerando dois cenários:
    • (a) manutenção da tendência anterior da CDE (sem teto);
    • (b) aplicação do novo teto e redistribuição do encargo aos beneficiários.
  • Avaliar impacto nas tarifas de uso (TUSD/TUST) e nos encargos repassados às comercializadoras e consumidores industriais, especialmente em contratos indexados a custos regulatórios.
Cenário Tarifário – ACL (projeção 2026)CDE sem tetoCDE com teto (MP 1.304)
Encargo médio estimado (R$/MWh)47,0036,00
Redução esperada na tarifa final (%)~5%

Esse tipo de modelagem é essencial para consumidores livres, autoprodutores e comercializadoras, que precisam precificar ofertas futuras e avaliar competitividade frente a PPAs convencionais ou novos modelos híbridos.

Estimativa de Custo Efetivo dos Novos Encargos por Fonte

A outra frente de cálculo prático introduzida pela MP 1.304 diz respeito ao novo encargo aplicado diretamente aos agentes que recebem incentivos da CDE. Essa medida, inédita no setor, rompe com o histórico de subsídios não onerados e estabelece um novo parâmetro: quem recebe, contribui.

Essa lógica exige o recálculo dos benefícios líquidos que justificam projetos em operação e em estruturação. O impacto será diferente conforme a fonte, o volume do subsídio, o porte da planta e o regime tributário envolvido.

Com a criação do novo encargo setorial proposto pela MP 1.304/2025 — a ser aplicado diretamente aos agentes que se beneficiam de subsídios financiados pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) — torna-se essencial estimar os impactos líquidos dessa mudança sobre diferentes perfis de projetos incentivados. A tabela a seguir apresenta uma projeção preliminar do efeito econômico esperado por tipo de fonte, comparando o benefício regulatório atualmente usufruído (como isenções de TUST/TUSD e repasses via CDE) com o encargo adicional previsto a partir de 2026. Embora os valores sejam indicativos e sujeitos à regulamentação específica, eles fornecem uma base útil para simulações internas de viabilidade, reprecificação de PPAs e reavaliação do portfólio. Trata-se de um exercício estratégico que visa antecipar a redistribuição de encargos e apoiar a gestão na tomada de decisões alinhadas ao novo equilíbrio regulatório.

Fonte IncentivadaBenefício Atual EstimadoNovo Encargo (2026)Efeito Líquido Esperado
PCHR$ 120/MWh (TUST + isenção CDE)R$ 20/MWhRedução de margem operacional, mas ainda viável
Eólica offshoreR$ 160/MWh (benefícios específicos)R$ 30/MWhNecessidade de reprecificação e revisão de PPAs
GD cooperativaR$ 100/MWh (compensação integral)R$ 15/MWhRisco de retração em regiões com baixa escala

Esses valores são apenas indicativos e variam conforme a localização, arranjo contratual, volume de energia produzida e estrutura societária.

Ação recomendada:

  • Atualizar planilhas de viabilidade com o encargo incorporado aos custos operacionais. Avaliar impacto no retorno esperado (TIR) e no VPL residual.
  • Identificar o ponto de equilíbrio econômico após o novo encargo — o que pode afetar decisões de continuidade de projetos, venda de ativos ou realocação de CAPEX.
  • Incluir margens regulatórias adicionais em novos contratos (PPAs, fornecimento, consórcios) como forma de precaução frente à volatilidade regulatória e à possível judicialização do encargo.
  • Preparar notas explicativas para os conselhos com a nova estrutura de custos e riscos, acompanhadas de cenários realistas para os próximos cinco anos.

Conclusão

A racionalização da CDE e a redistribuição dos encargos promovem um novo modelo de custos setoriais mais previsível, mas exigem mudança de postura na análise de viabilidade. Projetos que antes eram considerados rentáveis apenas pelo volume de subsídio agora devem sustentar-se com eficiência operacional, flexibilidade e integração tecnológica.

As empresas que anteciparem esses cálculos e incorporarem esses parâmetros aos seus modelos terão vantagem competitiva, evitarão surpresas contratuais e conseguirão apresentar aos seus conselhos um plano estratégico robusto e compatível com o novo marco regulatório.

Monitoramento Político-Regulatório: O que Observar

A aprovação das Medidas Provisórias nº 1.300 e nº 1.304 até novembro de 2025 exigirá não apenas sustentação técnica, mas também articulação política e institucional ativa. Ambas as MPs foram publicadas com força de lei imediata, conforme prevê o artigo 62 da Constituição Federal, mas sua continuidade depende da aprovação pelo Congresso Nacional dentro do prazo de 120 dias — prorrogável automaticamente por mais 60. Findo esse prazo sem deliberação, as MPs perdem eficácia, com risco de retorno automático ao marco anterior ou judicialização.

Neste contexto, o monitoramento político-regulatório passa a ser uma função crítica nas empresas do setor energético — tanto no planejamento estratégico como na atuação tática de curto prazo. Não se trata apenas de acompanhar o processo legislativo, mas de interpretar corretamente as correlações de forças, os riscos de emendas desestruturantes e as oportunidades de alinhamento institucional com agentes favoráveis à modernização do setor.

Pressões em Jogo: Onde Estão os Conflitos?

As MPs tocam em temas sensíveis que mobilizam diferentes frentes parlamentares, setores econômicos e interesses regionais. A seguir, destacam-se os principais grupos que vêm exercendo pressão sobre a tramitação legislativa:

Grupo de PressãoMotivação Principal
Parlamentares de estados com térmicasReação à perda de projetos locais, investimentos esperados e obrigações contratuais associadas ao gás
Frentes cooperativistas e do agroDefesa da geração distribuída rural com compensação integral e isenção total de encargos
Empresas com subsídios regionais/setoriaisPreservação de regimes especiais (ex: Sudam, Sudene, Proinfra, GD incentivada, eólicas offshore)
Governos estaduais e prefeitosPressão por manutenção de obras, empregos e ICMS vinculados a térmicas e infraestrutura de gás

Esses grupos tendem a apresentar emendas que reintroduzem obrigações de contratação de térmicas, criam exceções ao teto da CDE, ou atenuam o encargo para beneficiários de subsídios. Algumas dessas propostas possuem forte apelo político regional, mesmo que contrárias à lógica técnica das MPs.

O Que Deve Ser Monitorado Diariamente

Para apoiar a diretoria e os conselhos em decisões oportunas, as áreas técnicas, jurídicas e de relações institucionais devem acompanhar quatro frentes prioritárias no Congresso:

  1. Designação dos relatores das comissões mistas

A escolha dos relatores é crítica, pois define a condução política da tramitação. Relatores alinhados à agenda de modernização tendem a manter o texto original com ajustes pontuais. Já relatores oriundos de estados térmicos ou ligados a cooperativas podem apresentar relatórios substitutivos com alto risco de desconfiguração.

Recomendação: identificar os nomes cotados para relatoria e verificar histórico de votações, discursos públicos e vínculos regionais com os setores afetados.

  1. Número e conteúdo das emendas apresentadas

Mais de 600 emendas já foram protocoladas à MP 1.300, muitas com intuito de reverter o fim da obrigação das térmicas ou preservar regimes de exceção para agentes específicos. Algumas propõem até a criação de novos subsídios.

Recomendação: mapear emendas por tema e impacto potencial, criando uma matriz de risco com base no grau de alteração da MP, apoio parlamentar e efeito tarifário.

  1. Participação da Casa Civil e Ministério da Fazenda nas articulações

A presença ativa do Executivo — especialmente da equipe econômica e da Casa Civil — é decisiva para manter o foco fiscal das MPs. O apoio técnico da ANEEL, da CCEE e do MME também será relevante nas audiências públicas.

Recomendação: acompanhar comunicados oficiais e bastidores de reuniões com lideranças da base governista, entidades do setor e parlamentares estratégicos.

  1. Audiências públicas e posicionamentos das associações técnicas

Associações como ABRAGEL, ABRACE, ABRADEE, ABRAGET, ABEEólica, ABIOGÁS e ABSOLAR desempenham papel relevante na sustentação técnica da MP. Suas manifestações em audiências públicas, notas técnicas e articulações junto ao Congresso ajudam a balizar o debate e contrabalançar pressões setoriais.

Recomendação: participar, acompanhar ou apoiar tecnicamente essas entidades; preparar position papers internos e eventualmente contribuições escritas às comissões.

Sinais de Risco: O Que Pode Desconfigurar a MP

Embora a MP 1.300 traga racionalidade ao planejamento elétrico e a MP 1.304 introduza equilíbrio fiscal, ambas podem ser desfiguradas por dispositivos como:

  • Reintrodução da obrigatoriedade de contratação de térmicas, sob novo nome (ex: “flexibilidade regional” ou “projetos estruturantes”);
  • Criação de exceções ao teto da CDE para fontes ou regiões específicas;
  • Exclusão de certos agentes do novo encargo, enfraquecendo o princípio de equidade;
  • Inclusão de novas obrigações de compra ou reserva para distribuidoras, desestabilizando o modelo do ACL.

Por isso, o acompanhamento do texto substitutivo do relator é crucial. A aprovação de uma MP alterada pode gerar efeito inverso ao desejado pelo governo — ampliando encargos, criando insegurança jurídica e reduzindo previsibilidade para investidores.

Apoio à Alta Gestão e Conselhos: Como Levar a Discussão

A aprovação ou rejeição das MPs 1.300 e 1.304 não é apenas uma questão legislativa — trata-se de um ponto de inflexão com potencial de afetar diretamente o valor de ativos, a viabilidade de contratos e a lógica de expansão de empresas no setor energético. Nesse contexto, os gerentes técnicos, regulatórios e administrativos assumem um papel central na qualificação do debate interno e na preparação de insumos para conselheiros e executivos seniores.

A atuação dessas áreas não se limita à coleta de dados ou monitoramento regulatório passivo. Pelo contrário: é esperado que funcionem como hubs analíticos e interpretativos, traduzindo o ambiente normativo em cenários comparáveis, planos de ação práticos e recomendações justificadas, alinhadas à estratégia corporativa.

A seguir, organizamos quatro frentes de trabalho fundamentais para levar essa discussão à alta gestão com consistência, clareza e foco em decisão.

Construção de Cenários de Risco Regulatório

Uma das perguntas mais críticas a ser feita em reuniões com conselhos e comitês executivos é:

“O que acontece com o retorno esperado dos nossos projetos se as MPs forem modificadas ou rejeitadas?”

Responder a essa questão exige cenários parametrizados, que considerem:

  • A permanência ou não da obrigação de contratação de térmicas;
  • A manutenção, revisão ou exclusão do novo encargo proposto na MP 1.304;
  • O teto da CDE sendo aprovado, desfigurado ou revertido por pressão parlamentar.

Esses cenários devem ser estruturados com modelagem de impacto nos principais ativos, combinando indicadores financeiros (VPL, TIR, payback) com sensibilidade a custos regulatórios e mudanças contratuais.

Exemplo de cenárioHipótese-chaveEfeito esperado
BaseMPs aprovadas integralmenteRedução de encargos, viabilidade de novos PPAs
Adverso 1Rejeição da MP 1.300Retorno da obrigação de térmicas; reativação de projetos ineficientes
Adverso 2Teto da CDE desfigurado por exceçõesPressão tarifária contínua e redução de previsibilidade
Adverso 3Encargo excluído para GDReforço de distorções e aumento do subsídio cruzado

 Análises de Sensibilidade: Do Custo Regulado à Receita do Projeto

A aplicação do novo encargo setorial proposto pela MP 1.304, combinada ao teto da CDE, exige que gerentes apresentem análises de sensibilidade integradas aos modelos financeiros. Entre os parâmetros que devem ser simulados estão:

  • Variação do encargo entre R$ 10 e R$ 30/MWh;
  • Redução gradual da CDE em cenários de crescimento limitado;
  • Flutuações nos valores de TUST e TUSD para fontes incentivadas;
  • Exposição por faixas de potência e modalidade de contratação (mercado regulado ou ACL).

Essas análises devem estar ligadas a dashboards de decisão, com visualização clara do ponto de ruptura da viabilidade econômica de cada ativo.

Exemplo: Uma usina incentivada cuja TIR cai de 9,2% para 6,7% com a aplicação do encargo em R$ 25/MWh pode deixar de ser financiável por certos fundos de infraestrutura — esse alerta precisa estar claro para os decisores.

Estruturação de Planos Alternativos por Perfil de Ativo

Dada a incerteza sobre o texto final das MPs, é recomendável apresentar planos contingenciais por tipo de ativo, que permitam realocar esforços, renegociar contratos ou adaptar estratégias comerciais conforme o cenário que se materialize.

Perfil de AtivoPlano Alternativo Sugerido
Térmica com CVU altoReposicionamento como backup ou despacho emergencial no mercado livre
PCH com incentivoReestruturação financeira com amortização do encargo via eficiência operacional
GD cooperativaAvaliação de transição para geração compartilhada por assinatura
Eólica offshore (licenciamento)Reprecificação e adiamento de PPA até definição final do modelo regulatório
Comercialização com isenção parcialPrecificação de produtos com cláusulas de ajuste tarifário/regulatório

Articulação Institucional e Contribuições Técnicas

Finalmente, os gerentes devem fornecer subsídios técnicos para que a empresa — direta ou indiretamente — participe do debate público e institucional. Isso inclui:

  • Elaboração de contribuições técnicas para audiências públicas e comissões mistas no Congresso;
  • Apoio à formulação de posições institucionais coordenadas via entidades como ABRAGEL, ABRACE, ABRAGET, ABRADEE, ABIOGÁS, ABSOLAR, entre outras;
  • Proposta de posicionamento setorial com base em evidências — como impacto tarifário, atratividade de novos projetos, segurança regulatória.

A ação institucional bem embasada, quando combinada com dados consistentes e cenários robustos, aumenta a legitimidade da empresa no debate e protege seu portfólio contra riscos de regressão normativa ou distorção setorial.

Conclusão: Reagir com Agilidade à Nova Engenharia do Setor

As Medidas Provisórias nº 1.300 e nº 1.304/2025 representam um ponto de virada na trajetória regulatória do setor elétrico brasileiro. Pela primeira vez em muitos anos, temos um movimento consistente em direção a um modelo baseado no mérito econômico, na disciplina fiscal e na eficiência sistêmica — rompendo com a lógica de contratação compulsória, subsídios indiscriminados e expansão orientada por decisões políticas regionais.

Mais do que mudanças pontuais, essas MPs inauguram uma nova engenharia regulatória, que exige das empresas agilidade para interpretar, reagir e se reposicionar estrategicamente. A lógica da contratação passa a obedecer a critérios de custo global. O financiamento do setor deixa de depender apenas da coletividade e passa a incorporar a responsabilidade dos próprios beneficiários. E o gás natural, que antes ocupava um papel estrutural, é reposicionado como fonte de flexibilidade e resposta rápida — exigindo novos modelos operacionais, comerciais e jurídicos.

Para os gestores técnicos e administrativos, essa transição impõe uma mudança de postura organizacional. Não basta monitorar o processo legislativo ou acompanhar publicações da ANEEL e da CCEE. É necessário atuar como ponte entre as áreas operacionais e os níveis estratégicos, traduzindo cenários regulatórios em simulações concretas, avaliando impactos sobre ativos e contratos, e estruturando alternativas de resposta para conselhos e comitês executivos.

A missão agora é transformar esse novo ambiente regulatório em ação concreta. Isso significa:

  • Mapear riscos regulatórios e financeiros por tipo de projeto e perfil de ativo;
  • Recalcular fluxos de caixa com os novos encargos e tetos setoriais;
  • Preparar relatórios executivos com planos de contingência baseados em cenários legislativos possíveis;
  • Apoiar a atuação institucional com dados técnicos robustos e alinhamento setorial;
  • Articular operação, regulação, jurídico e finanças em torno de uma agenda única: proteger e reposicionar a empresa na nova lógica do setor.

Empresas que conseguirem responder rapidamente às mudanças regulatórias estarão em posição de vantagem competitiva — seja na reestruturação de portfólios, na adaptação contratual ou na atração de novos investimentos. Já aquelas que esperarem por decisões definitivas sem preparar alternativas estarão mais expostas a riscos de obsolescência, judicialização ou perda de valor.

As MPs 1.300 e 1.304 não apenas reorganizam o setor elétrico. Elas testam a maturidade regulatória, a capacidade de resposta e a qualidade da governança das empresas que nele atuam. E é nesse teste que a liderança técnica e administrativa poderá — ou não — transformar incerteza em vantagem.

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Vivemos um tempo em que decisões estratégicas nas empresas são cada vez mais influenciadas por algoritmos — muitas vezes sem que os conselhos compreendam plenamente seus critérios ou impactos. Este e-book convida conselheiros e líderes a refletirem sobre esse novo cenário, por meio de uma narrativa acessível que acompanha a jornada de um conselho diante da inteligência artificial. Com o apoio simbólico do personagem Dr. Algor, os conselheiros descobrem os riscos éticos, os dilemas da automação e a importância da supervisão consciente. Não se trata de um manual técnico, mas de uma ferramenta estratégica para quem deseja manter sua relevância na era algorítmica. Com lições práticas ao final de cada capítulo e uma proposta de formação executiva estruturada, o livro reforça uma mensagem central: a responsabilidade não pode ser automatizada — e cabe aos conselhos liderar com propósito, antes que a máquina decida por eles.

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