Sumário Executivo
Contexto e propósito
A X Semana de la Energía da OLADE, realizada em Santiago do Chile, entre 30 de setembro e 3 de outubro de 2025, consolidou-se como o principal fórum político, técnico e regional sobre transição energética e integração elétrica na América Latina e no Caribe (ALC).
O encontro reforçou o papel estratégico da região no avanço da descarbonização, da cooperação regional e da transição justa e inclusiva.
Promovido pela Organização Latino-americana de Energia (OLADE), em parceria com o Ministério de Energia do Chile, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), a Agência Internacional de Energia (AIE) e a União Europeia, o evento reuniu ministros, reguladores, líderes empresariais e especialistas de 27 países.
Sob o tema “Transiciones Energéticas Justas e Inclusivas para América Latina y el Caribe”, o fórum abordou os principais desafios da descarbonização, da integração energética e da inovação regulatória, com destaque para temas como armazenamento de energia (BESS e hidrogênio verde), mobilidade sustentável, uso eficiente da água, digitalização de sistemas elétricos e fortalecimento das cadeias de valor de minerais críticos, como lítio e cobre.
A X Semana de la Energía destacou ainda o papel da inovação tecnológica, da governança regulatória e da cooperação público-privada como pilares essenciais para alcançar uma transição energética resiliente, competitiva e inclusiva, capaz de transformar o potencial renovável latino-americano em desenvolvimento econômico sustentável e segurança energética duradoura.
Este Relatório Final Integrado, elaborado a partir das sessões plenárias, painéis técnicos e documentos oficiais, tem como objetivo identificar riscos, oportunidades e recursos necessários para orientar decisões estratégicas de reguladores, investidores e conselhos de administração, oferecendo uma visão regional coordenada da transição energética na América Latina e no Caribe.
As opiniões e conclusões expressas neste relatório são de responsabilidade exclusiva de seu autor, Eduardo M. Fagundes, e não refletem necessariamente a posição oficial da OLADE ou de seus parceiros institucionais.
Principais tendências regionais
- Integração energética como eixo de soberania e competitividade: A coordenação entre países da OLADE foi reafirmada como instrumento estratégico para reduzir custos, evitar vertimentos (curtailment) e fortalecer a segurança regional. A interconexão elétrica e gasífera — somada à harmonização regulatória — constitui o alicerce da soberania energética latino-americana.
- Armazenamento e digitalização como bases da estabilidade: O Libro Blanco del Almacenamiento de Energía e os debates técnicos consolidaram o armazenamento (BESS, PSH e hidrogênio) como eixo da estabilidade sistêmica. A integração com IA e redes digitais (SCADA 4.0) redefine o conceito de confiabilidade elétrica.
- Industrialização verde e cadeias de valor regionais: A América Latina possui 25% das reservas globais de minerais críticos e potencial para se tornar polo produtor de baterias, hidrogênio e biocombustíveis de nova geração, reduzindo a dependência de importações tecnológicas.
- Capital humano e transição justa: Estima-se a criação de 3,5 milhões de empregos até 2030, exigindo formação técnica em automação, energia solar, hidrogênio e redes inteligentes. A justiça energética é tratada como política de desenvolvimento territorial e de inclusão produtiva.
- Governança inteligente e inovação regulatória: Os países reconheceram a necessidade de adotar regulação adaptativa, baseada em desempenho e flexibilidade, criando mercados de serviços ancilares, leilões híbridos e sandbox regulatórios.
Desafios e oportunidades
A análise consolidada da OLADE indica que, apesar do avanço tecnológico, persistem riscos estruturais:
Categoria | Desafio central | Resposta proposta |
Regulatória | Fragmentação institucional e ausência de marcos regionais | Plataforma de Governança Energética Regional (PGER) e taxonomia verde comum |
Financeira | Custo de capital elevado e baixa bancabilidade de projetos | Fundos regionais de blended finance e garantias multilaterais |
Tecnológica | Dependência de insumos asiáticos e obsolescência de tecnologias | Incentivos à indústria local de BESS, baterias e H₂ |
Social | Resistência territorial e desigualdade de transição | Programas de reconversão laboral e educação energética inclusiva |
Em contrapartida, emergem oportunidades estratégicas de integração e desenvolvimento industrial:
- Mercados regionais de energia e flexibilidade, com economia estimada de US$ 10 bilhões/ano em custos de operação.
- Indústria de hidrogênio verde e baterias, com potencial de exportação superior a 10 Mt H₂/ano até 2035.
- Empregos verdes e capacitação técnica, articulados com universidades e centros regionais de P&D.
- Financiamento climático integrado, com destaque para o Global Gateway Investment Facility (€45 bilhões até 2030) e o Energy Transition Facility (BID).
Recursos necessários para a transição operacional
A execução plena da transição requer coordenação entre quatro pilares:
Pilar | Necessidades-chave | Atores de referência |
Institucional e regulatório | Harmonização normativa e governança multinível | OLADE, CEPAL, ministérios e reguladores nacionais |
Tecnológico e digital | Automação, sensoriamento e cibersegurança OT/IT | Operadores de rede, BID, CAF |
Financeiro | Fundos regionais, taxonomia verde e blended finance | UE, BID, CAF, PNUMA |
Humano | Formação técnica e reconversão profissional | OLADE, universidades, SENAI, CORFO |
Recomendações estratégicas
O relatório propõe cinco eixos regionais de ação conjunta para 2026–2030:
- Governança e integração energética latino-americana: Estabelecer um Conselho Ministerial de Energia da ALC e uma Rede de Operadores Interconectados (ROI-ALC) para coordenação regulatória e despacho conjunto.
- Modelos de incentivo e mercados de flexibilidade: Implementar leilões híbridos solar+BESS, pagamentos por capacidade e tarifas dinâmicas regionais.
- Planejamento de longo prazo e neutralidade tecnológica: Elaborar o Plano Energético Regional 2050, integrando cenários de demanda, infraestrutura e metas climáticas.
- Cadeias de valor locais (lítio, baterias, H₂, biogás): Criar clusters industriais regionais com certificação ambiental e conteúdo local inteligente.
- Inovação, P&D e cooperação técnica: Lançar o Programa Regional de Inovação e Transição Energética (PRITE), com centros de excelência distribuídos e foco em digitalização, armazenamento e IA energética.
Chamado à ação conjunta 2026–2030
A OLADE conclama governos, empresas e organismos multilaterais a unirem esforços em torno de três compromissos convergentes:
- Governar juntos a transição, consolidando o Sistema Integrado de Planejamento Energético da ALC;
- Financiar com inclusão, direcionando investimentos a projetos que combinem inovação e impacto social;
- Educar para transformar, estruturando uma agenda regional de capacitação técnica e liderança energética.
Mensagem final
A X Semana de la Energía reafirmou que a América Latina e o Caribe não precisam seguir modelos externos.
A região possui os recursos, a capacidade e o conhecimento para construir sua própria rota — uma transição energética limpa, humana e integrada, orientada pela cooperação, pela inovação e pela justiça social.
I. INTRODUÇÃO
A Organização Latino-americana de Energia (OLADE) é o principal organismo intergovernamental de cooperação e integração energética da região, fundada em 1973 sob o Convênio de Lima e composta por 27 países membros plenos. Sua missão é promover o desenvolvimento sustentável, a segurança energética e a integração dos sistemas energéticos da América Latina e do Caribe (ALC), por meio da geração de conhecimento técnico, apoio à formulação de políticas públicas e fortalecimento das capacidades institucionais dos Estados membros. Ao longo de mais de cinco décadas, a OLADE consolidou-se como referência técnica e diplomática para governos, empresas e organismos multilaterais no desenho de políticas energéticas regionais.
Entre suas iniciativas mais emblemáticas, destaca-se a Semana de la Energía, evento anual que se tornou o principal fórum político, técnico e empresarial do setor energético latino-americano. Organizada em parceria com governos nacionais e instituições multilaterais, a Semana reúne ministros de energia, representantes de organismos internacionais, líderes empresariais, acadêmicos e especialistas de toda a região para discutir os rumos da transição energética, o papel das novas tecnologias e os desafios da integração regional.
A cada edição, o evento consolida sua relevância como espaço de diálogo e cooperação, onde são debatidos temas que orientam a formulação de políticas públicas e a priorização de investimentos estratégicos.
A X Semana de la Energía, realizada em Santiago do Chile, representou um marco simbólico e político. Sob o tema central “Transiciones Energéticas Justas e Inclusivas para América Latina y el Caribe”, o encontro reuniu as principais autoridades energéticas da região — incluindo ministros, secretários, reguladores e presidentes de empresas estatais —, além de representantes da União Europeia, da Agência Internacional de Energia (AIE), do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e de diversas agências multilaterais. O evento foi estruturado em quatro dias de sessões temáticas que abrangeram desde a integração regional e a segurança energética até a mobilidade sustentável, o armazenamento de energia, o papel do gás natural e o desenvolvimento de cadeias de valor estratégicas.
Visão geral dos painéis apresentados
A programação da X Semana de la Energía refletiu a complexidade do momento de transição vivido pela região, combinando visão estratégica e debates técnicos de alto nível.
Entre os painéis e sessões plenárias de destaque estiveram:
- Sessão Magistral de Abertura – “Conectando América Latina y el Caribe”, que discutiu o avanço da integração energética regional e os desafios para a criação de um mercado comum de energia, com a participação de Andrés Rebolledo (OLADE), Johanna Monteiro (Ministério de Energia do Chile), Marcelino Madrigal (BID) e Michael Mechlinski (GET.transform).
- Painel “El gas natural en la transición energética”, que apresentou visões convergentes sobre o papel do gás como vetor de segurança e transição, analisando oportunidades de complementaridade com o hidrogênio verde e a geração renovável.
- Sessão “Construyendo un sistema eléctrico resiliente y seguro”, com enfoque em regulação, planejamento e digitalização de redes elétricas — destacando a necessidade de fortalecer a resiliência dos sistemas frente a eventos climáticos e cibernéticos.
- Painel “La Revolución del Almacenamiento”, que marcou a apresentação do Libro Blanco del Almacenamiento de Energía en América Latina y el Caribe, enfatizando o papel dos sistemas BESS e do hidrogênio como elementos estruturantes da nova matriz elétrica.
- Sessões sobre eficiência energética e mobilidade sustentável, nas quais foram apresentados o Libro Blanco de la Movilidad Sostenible e experiências nacionais de Chile, Brasil e Costa Rica em transporte elétrico, infraestrutura de recarga e incentivos regulatórios.
- Painel ministerial e sessões sobre transição justa e capital humano, destacando o papel do talento técnico, da reconversão profissional e da educação energética como motores da transformação social associada à transição.
- Painel “Cadenas de valor estratégicas”, que abordou a integração produtiva e tecnológica dos minerais críticos, especialmente lítio e cobre, ressaltando a importância da cooperação regional e da agregação de valor local.
- Painel “AgroPV: Energía solar y agricultura resiliente”, com ênfase no uso de tecnologias fotovoltaicas flutuantes e integradas ao uso hídrico, aplicadas à agricultura sustentável.
Esses debates revelaram uma convergência em torno de quatro eixos prioritários: (1) integração regional e segurança energética; (2) descarbonização com inovação tecnológica; (3) justiça social e reconversão produtiva; e (4) fortalecimento institucional e cooperação internacional.
Escopo e enfoque do presente relatório
O presente Relatório Final Integrado foi elaborado a partir da sistematização das sessões e documentos oficiais da X Semana de la Energía, com ênfase analítica nos painéis em que participei diretamente — apresentados nos documentos anexos e relatórios diários de cada jornada.
O objetivo central é identificar recursos necessários, riscos e oportunidades associados aos temas debatidos, oferecendo subsídios estratégicos para reguladores, investidores e conselhos de administração que atuam ou planejam atuar no setor energético latino-americano.
A abordagem adotada combina uma leitura técnica, baseada nos Livros Brancos da OLADE e nos relatórios setoriais (Energia, Mobilidade, Armazenamento e Vertimentos Renováveis), com uma perspectiva estratégica e de governança, orientada à tomada de decisão.
A análise inclui referências cruzadas com documentos de apoio — como o Manual para el Diseño de Sistemas Fotovoltaicos Flotantes Aplicados al Riego, a Agenda Energética UE–ALC, e o relatório Energía y COP30 —, permitindo situar as discussões da Semana dentro do contexto mais amplo da transição energética global e dos compromissos climáticos da região.
Nos capítulos seguintes, cada tema será desenvolvido com base nas sessões correspondentes, destacando as tendências regionais, os avanços tecnológicos, os desafios regulatórios e as oportunidades de investimento identificadas durante o evento.
II. CONTEXTO ENERGÉTICO REGIONAL
A América Latina e o Caribe atravessam um momento decisivo no cenário energético global. A combinação entre abundância de recursos naturais, elevada participação de fontes renováveis e compromissos climáticos ambiciososposiciona a região como uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo — cerca de 70% da geração já provém de fontes renováveis, mais que o dobro da média global.
Esse desempenho, no entanto, traz novos desafios: a intermitência das fontes solar e eólica, as restrições de transmissão e a falta de capacidade de armazenamento expõem vulnerabilidades que exigem coordenação regional e inovação tecnológica.
De acordo com a OLADE (2025), o BID e a AIE, a matriz elétrica da ALC precisará quadruplicar sua capacidade instalada até 2050 para atingir o cenário de emissões líquidas zero, com predomínio de solar e eólica. O avanço da transição já é visível — a região adicionou 40 GW de novas fontes limpas apenas em 2024 —, mas a velocidade tecnológica supera a institucional, criando descompassos entre potencial energético, infraestrutura e regulação.
O fenômeno dos vertimentos (curtailment) de energia renovável simboliza essa contradição: estima-se que 53.000 GWh/ano de geração sejam desperdiçados por restrições de rede, equivalentes a US$ 6,9 bilhões em perdas econômicas.
Isso demonstra que o desafio central da próxima década não é apenas gerar mais energia limpa, mas administrá-la com eficiência, flexibilidade e cooperação regional.
O Capítulo II examina essas dinâmicas em quatro dimensões:
- a evolução da matriz energética da ALC e suas tendências estruturais;
- os desafios emergentes de regulação, mercado e operação;
- o papel da cooperação internacional e do financiamento climático como motores da transição; e
- as dimensões tecnológica e social, que consolidam a transição justa como eixo do desenvolvimento regional.
Mais do que descrever indicadores, este capítulo interpreta um movimento de fundo: a transformação da América Latina de fornecedora de recursos naturais em protagonista da transição energética global, baseada em inovação, integração e sustentabilidade.
Panorama da matriz energética da América Latina e do Caribe
A América Latina e o Caribe (ALC) vivem um momento singular no cenário energético global. A região combina abundância de recursos naturais, alta participação de renováveis e compromissos climáticos ambiciosos, posicionando-se como uma das matrizes mais limpas do planeta. Segundo dados consolidados pela OLADE e pela AIE, a geração elétrica da região é composta por cerca de 70% de fontes renováveis, índice mais que o dobro da média mundial.
A hidroeletricidade ainda representa a principal fonte, com cerca de 37% da geração total, seguida por energia solar (19%), eólica (15%), biomassa e geotermia (3%) e fontes fósseis (26%). No entanto, o peso das hidrelétricas começa a declinar gradualmente, enquanto cresce a presença das fontes solar e eólica, cuja capacidade instalada ultrapassou 140 GW em 2025.
O Libro Blanco del Almacenamiento de Energía (OLADE, 2025) destaca que a região adicionou 40 GW de nova capacidade renovável em 2024, e que, no cenário de emissões líquidas zero (NET-0) projetado para 2050, a potência instalada total precisará quadruplicar, chegando a mais de 2.100 GW, com 61% provenientes de solar e eólica e apenas 18% de hidroenergia.
Este avanço, embora expressivo, traz novos desafios operacionais, entre os quais se destacam:
- a intermitência das fontes variáveis (solar e eólica);
- as limitações de transmissão entre sub-regiões; e,
- a necessidade de armazenamento em larga escala para garantir estabilidade de rede.
O fenômeno dos vertimentos de energia renovável — energia que poderia ser gerada, mas é desperdiçada por limitações do sistema — tornou-se símbolo dessa transição. Estimativas da OLADE apontam perdas anuais de aproximadamente 53.000 GWh, equivalentes a US$ 6,9 bilhões, concentradas sobretudo em Brasil, Chile, Costa Rica e Uruguai.
Em síntese, a região está energeticamente madura para liderar a transição global, mas institucionalmente ainda busca estabilidade regulatória e coordenação transfronteiriça que garantam eficiência e resiliência.
Desafios e tendências emergentes
A análise dos documentos técnicos e dos painéis da X Semana de la Energía permite identificar tendências convergentes em cinco eixos estruturais, resumidos na tabela a seguir:
Eixo Estratégico | Situação Atual (2025) | Desafio Central | Oportunidade Regional |
Descarbonização e Transição Justa | Emissões em queda leve (1.748 Mt CO₂eq, -7% vs. 2015) | Reduzir emissões industriais e transporte | Economia de baixo carbono e empregos verdes |
Integração Energética Regional | 8 interconexões elétricas ativas, mas baixo intercâmbio | Harmonizar regulação e tarifas | Mercado elétrico latino-americano integrado |
Armazenamento de Energia | Capacidade incipiente, poucos projetos BESS >100 MW | Falta de marcos regulatórios claros | Redução de vertimentos e estabilidade sistêmica |
Digitalização e Resiliência | Expansão de redes inteligentes e medição avançada | Vulnerabilidade cibernética e obsolescência de redes | Integração IA–SCADA e manutenção preditiva |
Financiamento e Governança | Investimentos anuais ≈ 1,5% do PIB regional | Fragmentação institucional e incerteza jurídica | Alinhamento com mecanismos UE–ALC (Global Gateway, BID, CAF) |
Essas tendências mostram que, embora a região avance de forma acelerada na instalação de capacidade renovável, a velocidade institucional e regulatória ainda é menor que a tecnológica, criando um descompasso entre o potencial energético e a efetiva entrega de segurança e competitividade.
Cooperação internacional e financiamento climático
A cooperação energética internacional tornou-se um dos pilares estratégicos para acelerar a transição energética na América Latina e no Caribe (ALC). A região, detentora de abundantes recursos naturais, elevada participação de renováveis e crescente capacidade técnica, ocupa hoje uma posição central no debate climático global. Contudo, enfrenta um desafio persistente: converter potencial energético em investimento efetivo e inovação tecnológica, condição indispensável para atingir as metas de descarbonização até 2050.
Neste contexto, a cooperação internacional e os mecanismos de financiamento climático assumem papel determinante. A convergência entre as políticas regionais — lideradas pela OLADE — e as iniciativas multilaterais da União Europeia, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e Agência Internacional de Energia (AIE) cria um ecossistema favorável para a transformação estrutural dos sistemas energéticos latino-americanos.
A Aliança Estratégica UE–ALC
A incorporação formal da União Europeia (UE) como observadora permanente da OLADE, em 2023, marcou um novo estágio na relação birregional. Como registrado na Agenda Energía Unión Europea – América Latina y el Caribe (2024), essa parceria baseia-se em três eixos centrais:
- Transição verde e energética, priorizando investimentos em hidrogênio verde, energia solar e eólica, armazenamento e eficiência energética.
- Transição digital, com foco em redes inteligentes, cibersegurança e interoperabilidade de dados energéticos.
- Transição social e justa, mediante programas de capacitação técnica e inclusão de comunidades vulneráveis nos benefícios da transição.
A estratégia Global Gateway da UE prevê €45 bilhões em investimentos até 2030 em projetos que acelerem a transformação energética e digital na América Latina e no Caribe. Esses recursos são canalizados por meio de instrumentos combinados — financiamentos concessionais, garantias, cooperação técnica e blending de capitais públicos e privados —, com ênfase em quatro cadeias estratégicas:
- hidrogênio verde,
- minerais críticos (lítio, cobre, níquel e cobalto),
- infraestrutura elétrica e de interconexão regional,
- bioeconomia e mobilidade sustentável.
Além do componente financeiro, a Aliança UE–ALC promove harmonização regulatória e transferência de conhecimento técnico, incluindo normas sobre baterias, padrões de sustentabilidade e rastreabilidade de matérias-primas críticas. Essa cooperação, ao conectar inovação europeia e potencial energético latino-americano, busca gerar cadeias de valor integradas e reduzir a dependência tecnológica da região.
Papel dos organismos multilaterais
A transformação energética da ALC depende de uma arquitetura institucional robusta e coordenada. Diversos organismos multilaterais desempenham papéis complementares nesse processo:
Organismo | Papel Estratégico na Transição Energética Regional | Principais Iniciativas Recentes (2024–2025) |
OLADE | Coordenação política e técnica entre os 27 países membros; elaboração de cenários, livros brancos e plataformas de capacitação. | Libro Blanco del Almacenamiento de Energía, Libro Blanco de la Movilidad Sostenible, e Vertimientos Renovables en ALC. |
BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) | Financiamento e assistência técnica para projetos de infraestrutura e eficiência energética. | Programa “Energía Sostenible para Todos (SEforALL–BID)”; linhas de crédito para BESS e hidrogênio verde no Chile e Brasil. |
CAF (Banco de Desarrollo de América Latina) | Apoio à integração elétrica regional e financiamento de projetos resilientes ao clima. | Fundo “Verde Digital y Energético” para interconexões andinas e modernização de redes. |
PNUMA | Implementação de políticas climáticas e mecanismos de mitigação de emissões. | Programa “Eficiencia Energética para Ciudades Resilientes” e apoio ao mapeamento de emissões na ALC. |
AIE (Agência Internacional de Energia) | Cooperação técnica, estatísticas e modelagem energética. | Estudos de cenários Net-Zero e Energy Transition Outlook ALC 2050. |
Essas entidades, em sinergia com a OLADE, formam uma rede institucional interdependente que combina diplomacia energética, financiamento climático e desenvolvimento de capacidades.
Durante a X Semana de la Energía, a atuação coordenada entre OLADE, BID, CAF e AIE foi reiterada como essencial para garantir planejamento regional unificado, estabilidade regulatória e mobilização de capitais verdes.
Mecanismos financeiros e incentivos de investimento
A estrutura de financiamento climático na América Latina é heterogênea, variando conforme o grau de maturidade institucional de cada país. Entretanto, observa-se um padrão emergente de instrumentos híbridos que combinam financiamento público, capital de risco e garantias de longo prazo.
A tabela abaixo sintetiza os principais mecanismos de financiamento disponíveis ou em implementação na região, conforme relatórios da OLADE, BID e União Europeia:
Mecanismo / Fundo | Origem | Tipo de Apoio | Setores Prioritários | Volume Estimado (até 2030) |
Global Gateway Investment Facility | União Europeia | Empréstimos concessionais + garantias | Hidrogênio verde, minerais críticos, energia solar e interconexões | €45 bilhões |
Fundo Verde para o Clima (GCF) | ONU / PNUMA | Doações e créditos reembolsáveis | Resiliência climática e transição justa | US$ 20 bilhões |
Energy Transition Facility (BID) | BID + CAF | Crédito de longo prazo + blended finance | BESS, hidrogênio, biogás, eficiência energética | US$ 10 bilhões |
Climate Tech Fund (UE–CAF) | União Europeia + CAF | Capital de risco e cofinanciamento privado | Startups de energia limpa e IA aplicada | €5 bilhões |
Latin American Energy Integration Fund (LAEIF) | OLADE + BID | Cofinanciamento regional | Interconexões elétricas e digitalização | US$ 2 bilhões |
Fundo Amazônia Renovável | Governos Brasil–UE–Alemanha | Financiamento de baixo carbono e compensação ambiental | Bioenergia, agroPV e restauração florestal | US$ 1,2 bilhão |
Além desses instrumentos, cresce a presença de títulos verdes e ESG bonds emitidos por empresas e governos da região, com destaque para Chile, Colômbia e Brasil, que já captaram mais de US$ 40 bilhões em papéis vinculados à transição energética desde 2021.
Essas iniciativas convergem para um objetivo comum: atrair capital internacional, reduzir riscos de investimento e garantir previsibilidade regulatória, permitindo a expansão simultânea de infraestrutura e inovação.
Desafios de acesso e absorção de recursos
Apesar do avanço institucional, persistem barreiras para a plena absorção desses recursos na ALC:
- Assimetria regulatória entre países e falta de instrumentos padronizados de avaliação de risco climático;
- Baixa capacidade técnica de formulação de projetos bancáveis, especialmente em pequenas e médias concessionárias;
- Demora na tramitação de garantias soberanas, o que limita a entrada de investidores privados;
- Ausência de métricas regionais de impacto socioambiental, que dificultam a certificação de projetos de transição justa.
A superação desses desafios requer integração de políticas públicas e instrumentos financeiros, papel no qual a OLADE e os bancos regionais assumem liderança técnica. A criação de um marco regional de taxonomia verde, inspirada na classificação europeia, é uma das prioridades discutidas na X Semana de la Energía. Essa taxonomia permitirá maior transparência e alinhamento de investimentos com metas de neutralidade climática.
A cooperação internacional e o financiamento climático constituem os pilares sobre os quais se apoia a nova fase da integração energética latino-americana.
A convergência entre a União Europeia, OLADE e organismos multilaterais cria uma arquitetura institucional e financeira inédita, capaz de alavancar recursos, reduzir riscos e garantir que a transição energética na região seja não apenas tecnológica, mas também justa, inclusiva e sustentável.
Dimensão tecnológica: armazenamento, digitalização e hidrogênio
O avanço tecnológico é hoje o principal vetor da nova configuração energética regional.
De acordo com o Libro Blanco del Almacenamiento de Energía en América Latina y el Caribe (OLADE, 2025), o armazenamento é o elo crítico entre expansão renovável e estabilidade dos sistemas. A multiplicação de projetos híbridos (solar + BESS) e licitações dedicadas em países como Chile, Brasil e México consolidam o armazenamento como novo ativo estratégico.
O documento identifica cinco tecnologias prioritárias em adoção ou ensaio na região:
Tecnologia | Aplicação Principal | Situação Atual na ALC (2025) | Perspectiva 2030 |
BESS (baterias de íon-lítio) | Regulação de frequência, backup e integração solar | 2,3 GW instalados | 15 GW projetados |
PSH (bombeamento hidráulico reversível) | Armazenamento de longa duração | 6 GW instalados (Brasil e Colômbia) | 9 GW projetados |
Hidrogênio verde e amônia | Vetores químicos para exportação e descarbonização industrial | Projetos-piloto em Chile, Brasil e Colômbia | +10 Mt H₂/ano até 2035 |
Almacenamiento térmico (sales fundidas) | Backup de CSP e indústrias | Projetos em fase de P&D | Expansão limitada |
Gravitacional e inercial (flywheels) | Aplicações urbanas e microgrids | Casos isolados | Adoção incipiente |
A convergência entre armazenamento, digitalização e IA aplicada a sistemas SCADA surge como o novo paradigma para a operação elétrica latino-americana. Essa integração permitirá antecipar picos de carga, reduzir vertimentos e ampliar a confiabilidade dos sistemas interconectados.
Segurança energética, vulnerabilidade climática e transição justa
A segurança energética na região não pode mais ser avaliada apenas pela oferta de recursos, mas pela resiliência dos sistemas frente à variabilidade climática e às novas ameaças digitais.
Os eventos extremos — secas prolongadas, chuvas intensas e ondas de calor — têm reduzido a previsibilidade hidrológica e pressionado os custos operacionais. Segundo a OLADE, a dependência hídrica média de 37% expõe 11 países a risco de déficit energético em períodos secos, tornando urgente o fortalecimento de mecanismos de compensação inter-regional.
A dimensão social da transição energética, enfatizada em diversos painéis da Semana, requer políticas de reconversão laboral, formação técnica e inclusão territorial. Estima-se que, até 2030, o setor possa gerar 3,5 milhões de novos empregos, sobretudo em energias renováveis, eficiência energética e manufatura de equipamentos.
Contudo, o desafio não é apenas quantitativo, mas qualitativo: assegurar que esses novos postos estejam distribuídos de forma justa e que as comunidades locais participem dos benefícios econômicos e ambientais da transição.
Síntese: desafios regionais prioritários
Categoria | Principais Riscos (2025) | Ações Prioritárias Propostas |
Regulatórios | Incerteza jurídica e assimetria de marcos nacionais | Harmonização regional e definição legal do armazenamento |
Financeiros | Baixo acesso a capital de risco verde | Criação de fundos regionais (Global Gateway, BID, CAF, BNDES) |
Técnicos | Vertimentos e vulnerabilidade de redes | Expansão de interconexões e redes inteligentes |
Sociais | Resistência à reconversão laboral | Programas de capacitação técnica e inclusão feminina |
Ambientais | Escassez hídrica e conflitos territoriais | Planejamento integrado e uso múltiplo da água (ex. FV flutuante) |
Conclusão
O panorama energético latino-americano em 2025 mostra uma região com matriz limpa, alto potencial de inovação e crescente maturidade tecnológica, mas que ainda enfrenta riscos estruturais de fragmentação institucional e desigualdade de transição.
A próxima década será decisiva para alinhar políticas, infraestrutura e finanças, transformando a vantagem comparativa da ALC em vantagem competitiva global.
III. RESULTADOS DOS PAINÉIS TÉCNICOS
Santiago do Chile, 30 de setembro a 3 de outubro de 2025
Dia 1 – Integração regional e segurança energética
O primeiro dia da X Semana de la Energía começou com um sentimento de urgência e convergência. A Sessão Magistral “Conectando América Latina y el Caribe” reuniu ministros, reguladores e representantes de organismos multilaterais para discutir a viabilidade de um mercado elétrico latino-americano integrado.
A mensagem de abertura de Andrés Rebolledo, Secretário Executivo da OLADE, foi clara: a integração energética não é apenas técnica ou comercial, mas um ato político de soberania compartilhada. Ele destacou que o novo observador — a União Europeia — aportará não apenas capital, mas também experiência em regulação, harmonização de tarifas e modelos de governança regional.
Marcelino Madrigal, do BID, reforçou que a América Latina já possui excedente renovável de 80 GW e que a interconexão elétrica permitiria transformar essa abundância em competitividade, reduzindo custos de operação e fortalecendo a resiliência dos sistemas.
No entanto, as barreiras continuam sendo regulatórias e institucionais: cada país opera com estruturas próprias de mercado, níveis diferentes de liberalização e marcos de transmissão fragmentados.
Durante o painel “El gas natural en la transición energética”, Heloísa Borges, da EPE (Brasil), trouxe uma observação particularmente marcante:
“A mera ameaça de importação de gás argentino foi suficiente para reduzir os preços no Brasil.”
Essa afirmação sintetiza o poder disciplinador dos mercados regionais quando há transparência e previsibilidade.
Em seguida, Luiz Barroso (PSR) apresentou uma análise sobre o equilíbrio entre segurança e flexibilidade na regulação. Barroso lembrou que o modelo regulatório não pode ser um obstáculo à inovação, mas deve reconhecer que sistemas resilientes exigem redundância planejada — e que a resiliência tem custo.
Sua fala ecoou nas discussões posteriores sobre armazenamento e hidrogênio, quando se percebeu que parte das soluções futuras depende justamente dessa reserva regulatória e tecnológica.
Na mesma linha, Gabriela Elizondo (Banco Mundial) fez a ponte entre regulação e tecnologia, abordando o uso de inteligência artificial em planejamento energético, modelagem de risco e precificação dinâmica. Essa convergência entre dados, digitalização e decisões regulatórias apareceu como uma das tendências centrais de toda a Semana.
Encerrando o dia, o painel “Construyendo un sistema eléctrico resiliente y seguro” apresentou um diagnóstico abrangente: a região avança na expansão das renováveis, mas ainda carece de um marco regional de segurança cibernética, de interoperabilidade e de resposta a incidentes.
A mensagem final foi inequívoca — resiliência elétrica é hoje sinônimo de soberania digital.
Tabela – Síntese dos temas transversais do Dia 1
Eixo | Desafio identificado | Oportunidade estratégica |
Integração regional | Fragmentação regulatória e assimetria tarifária | Criação de um mercado elétrico latino-americano, inspirado no modelo europeu |
Gás natural e transição | Falta de coordenação de fluxos transfronteiriços | Uso do gás como ponte de segurança e competitividade regional |
Regulação e inovação | Inércia institucional e marcos desatualizados | Harmonização de regras e incentivos à inovação |
Digitalização e IA | Falta de interoperabilidade entre operadores | IA aplicada à modelagem de demanda e riscos climáticos |
Segurança e ciberdefesa | Vulnerabilidade das redes SCADA | Protocolos regionais de segurança energética e digital |
Dia 2 – Armazenamento, hidrogênio e eficiência energética
O segundo dia começou com o lançamento do Libro Blanco del Almacenamiento de Energía en América Latina y el Caribe (OLADE, 2025) — uma síntese que define o armazenamento como a espinha dorsal da transição energética regional.
A apresentação destacou três números que dominaram as discussões do dia:
- A capacidade instalada de BESS na região ainda é inferior a 2,5 GW,
- Os vertimentos de energia chegam a 53.000 GWh/ano,
- E o custo econômico dessa ineficiência ultrapassa US$ 6,9 bilhões anuais.
Esses dados, extraídos do estudo da OLADE de junho de 2024, evidenciam que não é o potencial que falta à região, mas a capacidade de armazenar e integrar energia limpa.
Durante a keynote, o representante do Ministério de Energia do Chile apresentou os resultados das soluções híbridas (solar + BESS), que vêm transformando o sistema elétrico chileno em um laboratório de estabilidade para o continente.
O modelo chileno une regulação previsível, remuneração por serviços ancilares e metas explícitas de descarbonização, permitindo ao investidor privado planejar com segurança de longo prazo.
O painel seguinte abordou a energia hidroelétrica como ativo de resiliência climática. A tese central, apresentada por Michael Mechlinski (GET.transform), foi a de que a hidroenergia deve ser reconhecida como armazenamento natural de longo prazo, e não apenas como fonte de geração.
Essa visão, defendida também pela OLADE, reforça o conceito de flexibilidade hidrológica, em que reservatórios e BESS trabalham de forma complementar.
Na sequência, o painel “Camino del Hidrógeno hacia 2035” trouxe um panorama realista. Chile, Brasil e Colômbia lideram os pilotos regionais, mas o desafio é passar da experimentação à escala industrial. A discussão centrou-se em quatro eixos:
- Custos de eletrólise ainda elevados;
- Necessidade de infraestrutura portuária e gasodutos adaptados;
- Regulação do rastreio de origem e certificação de carbono;
- Modelos de offtake com garantias de longo prazo.
As intervenções mais técnicas trataram do equilíbrio entre demanda futura e políticas de estímulo. Ficou evidente que, sem uma estratégia regional coordenada, o hidrogênio pode repetir o erro da bioenergia: grande potencial, pouca integração.
Tabela – Soluções discutidas para o equilíbrio entre vertimentos e armazenamento
Causas identificadas | Soluções emergentes | Benefícios esperados |
Restrições de transmissão e falta de BESS | Instalação de 15 GW de armazenamento até 2030 | Redução de perdas em 80% |
Variabilidade climática e falta de coordenação regional | Planejamento integrado hidro–solar–eólico | Maior resiliência hidrológica |
Escala produtiva insuficiente e alta tributação | Clusters regionais e incentivos fiscais | Redução de custo nivelado (LCOH) em 40% |
Falta de definição legal do armazenamento | Marcos regionais e remuneração por flexibilidade | Expansão de mercado e novos serviços ancilares |
O encerramento do dia reforçou um consenso: o armazenamento é o novo eixo de soberania energética da América Latina. A falta de infraestrutura para armazenar energia equivale, hoje, à falta de petróleo no século XX.
Dia 3 – Transição justa, AgroPV e inovação produtiva
O terceiro dia representou um ponto de inflexão na narrativa da Semana. A Reunião Ministerial de Energía de ALC consolidou o compromisso político de alinhar transição energética e justiça social.
Diversos ministros destacaram a urgência de integrar formação técnica, reconversão profissional e inclusão territorial ao processo de descarbonização.
O painel “AgroPV – Energía solar y agricultura resiliente” foi um dos mais simbólicos do evento, conectando energia, água e alimentação.
A engenheira Camila Vásquez, do Ministério de Energia do Chile, apresentou experiências em sistemas agrovoltaicos flutuantes, que reduzem a evaporação de reservatórios e aumentam a eficiência do uso da água.
O pesquisador Frederik Schönberger, da Fraunhofer Chile, detalhou o modelo de dimensionamento técnico, confirmando que o rendimento global (Performance Ratio) de sistemas flutuantes pode superar 80%, com menor degradação térmica.
Esses resultados coincidem com os princípios técnicos descritos no Manual para el Diseño de Sistemas Fotovoltaicos Flotantes Aplicados al Riego (2025), que destaca a dupla função energética e hídrica desses sistemas.
Hugo Morales, da International Solar Alliance (ISA), complementou:
“A energia solar rural é o primeiro passo da justiça energética.”
A frase conecta a energia limpa à redução da pobreza rural e à agricultura de precisão.
A última sessão do dia, sobre eficiência energética no setor privado, trouxe casos de sucesso no Chile e no Brasil, com uso de IA para monitoramento de consumo e programas de retrofit industrial. A principal conclusão foi que a eficiência deixou de ser apenas uma medida econômica — tornou-se um ativo estratégico de competitividade e reputação ESG.
Tabela – Efeitos da transição justa e da integração agrovoltaica
Dimensão | Impacto direto | Indicadores de benefício |
Social | Geração de emprego local e capacitação técnica | +30% de novos postos de trabalho rurais em energia solar até 2030 |
Econômica | Redução de custos hídricos e aumento da produtividade agrícola | -20% no custo de irrigação e +12% na produtividade média |
Ambiental | Redução da evaporação e aumento da eficiência hídrica | -35% de perda de água em reservatórios |
Tecnológica | Integração de sensores e automação agrícola | Expansão da Agricultura 4.0 em zonas áridas |
Dia 4 – Cadeias de valor e capital humano
O último dia da Semana foi dominado por um tom pragmático: como transformar potencial em política e política em indústria.
A Sessão Magistral “Tablero Energético Regional” reuniu representantes da CEPAL, OLADE e Banco Mundial, que convergiram em torno de uma tese central: a transição energética latino-americana precisa ser também uma estratégia industrial.
O painel “Cadenas de valor estratégicas” apresentou uma leitura geoeconômica precisa: a América Latina detém 25% das reservas mundiais de minerais críticos, mas exporta menos de 5% de produtos processados.
Discutiu-se, portanto, como desenvolver cadeias locais de valor em lítio, cobre, níquel, hidrogênio e baterias, reduzindo a dependência da Ásia.
Foi mencionada a proposta da OLADE de criar Centros Regionais de Produção e Certificação de Hidrogênio Verde, com protocolos comuns de rastreabilidade e neutralidade de carbono.
O painel “El recurso humano como catalizador del recurso energético” encerrou o evento com uma reflexão essencial: a transição energética não é apenas tecnológica, é humana.
O déficit de profissionais qualificados em engenharia elétrica, automação e energias renováveis é hoje um dos principais gargalos para a execução dos projetos.
A OLADE e o BID apresentaram dados mostrando que a região precisará formar 2 milhões de técnicos e engenheiros até 2030, o que exige políticas coordenadas de educação energética e reconversão profissional.
Tabela – Convergência de temas transversais identificados nos quatro dias
Tema transversal | Desdobramento técnico | Dimensão de risco | Oportunidade estratégica |
Armazenamento | Subastas híbridas e BESS regionais | Regulação incipiente | Estabilidade e novos mercados |
Hidrogênio verde | Clusters e exportação | Custos de infraestrutura | Cadeia de valor latino-americana |
AgroPV e FV flutuante | Uso duplo de água e energia | Financiamento rural insuficiente | Eficiência hídrica e inclusão produtiva |
Curtailment e flexibilidade | Vertimentos de 53.000 GWh/ano | Perdas econômicas sistêmicas | Planejamento integrado hidro-solar |
Capital humano e inclusão | Falta de técnicos especializados | Transição desigual | Emprego verde e capacitação regional |
Síntese analítica:
A X Semana de la Energía deixou claro que a América Latina e o Caribe entraram em uma fase de transição energética madura, porém assimétrica.
Há tecnologia, há capital, há conhecimento — mas ainda falta coordenação institucional e visão de longo prazo.
Os quatro dias de discussões mostraram que o futuro da energia regional dependerá da capacidade de integrar tecnologias, políticas e pessoas.
IV. TEMAS TRANSVERSAIS
Os debates da X Semana de la Energía confirmaram que a transição energética latino-americana está deixando de ser um conjunto de agendas setoriais para se tornar um ecossistema integrado de inovação tecnológica, regulação e capital humano.
Entre os diversos temas tratados, cinco emergiram como vetores estruturantes do futuro energético regional: o armazenamento de energia, a mobilidade sustentável e os minerais críticos, o papel do gás natural e biogás como vetores de transição, a gestão de excedentes renováveis e, finalmente, a expansão da energia fotovoltaica flutuante aplicada ao uso hídrico e agrícola.
Esses eixos refletem o ponto de encontro entre tecnologia, regulação e economia real, compondo uma agenda pragmática e articulada com as metas climáticas da OLADE e da COP30.
Armazenamento de energia e estabilidade dos sistemas elétricos
O armazenamento de energia consolidou-se como o novo eixo de soberania elétrica da América Latina e do Caribe.
Durante as sessões técnicas e o lançamento do Libro Blanco del Almacenamiento de Energía (OLADE, 2025), foi amplamente reconhecido que não haverá integração renovável sem estabilidade sistêmica, e que essa estabilidade depende da capacidade de armazenar e redistribuir energia com flexibilidade e previsibilidade.
A região conta hoje com uma capacidade instalada inferior a 2,5 GW de BESS, concentrada em Chile, Brasil e México. No entanto, a projeção da OLADE e da AIE indica que a capacidade total deve ultrapassar 15 GW até 2030, impulsionada por licitações híbridas e políticas de descarbonização setorial.
Paralelamente, o armazenamento por bombeamento hidráulico reversível (PSH) soma aproximadamente 6 GW em operação — tecnologia que continua sendo o maior reservatório de energia da região.
Outras tecnologias, como o armazenamento térmico (sales fundidas) e o hidrogênio como vetor químico, aparecem em estágio pré-comercial, mas com grande potencial de complementaridade.
Tabela – Tendências tecnológicas e maturidade de implantação (2025)
Tecnologia | Aplicação típica | Nível de maturidade (ALC) | Perspectiva 2030 | Países líderes |
BESS (íon-lítio) | Integração solar e regulação de frequência | Alta | 15 GW instalados e mercado ancilar consolidado | Chile, Brasil, México |
PSH (bombeamento reversível) | Armazenamento de longa duração e backup hídrico | Média | Expansão para 9 GW | Brasil, Colômbia |
Hidrogênio e amônia verde | Estocagem química e exportação | Baixa/média | 10 Mt/ano de H₂até 2035 | Chile, Brasil, Colômbia |
Armazenamento térmico (sales fundidas) | Backup industrial e CSP | Baixa | Pilotos e hubs regionais | México, Chile |
Gravitacional e inercial (flywheels) | Micro-redes urbanas e estabilização rápida | Baixa | Aplicações locais e comerciais | Uruguai, Caribe |
Barreiras regulatórias e oportunidades de investimento
Apesar dos avanços tecnológicos, persistem três grandes barreiras estruturais:
- Ausência de definição legal para o armazenamento — em muitos países, o BESS ainda não é reconhecido como ativo independente, o que impede sua remuneração adequada.
- Falta de mercados ancilares regionais — poucos países remuneram serviços de flexibilidade ou inércia virtual, fundamentais para a estabilidade de rede.
- Descompasso entre tarifas e externalidades positivas — o armazenamento reduz vertimentos e emissões, mas esses benefícios ainda não são internalizados nas tarifas.
Em contrapartida, as oportunidades são expressivas: a combinação de queda dos custos das baterias (-90% desde 2010) e de mecanismos de blended finance (BID, CAF, UE) abre um novo ciclo de investimentos regionais. O armazenamento é hoje o elo entre inovação e segurança, o que faz dele o principal destino de capital climático da próxima década.
Recomendações estratégicas regionais
- Estabelecer uma taxonomia comum de armazenamento para permitir a interoperabilidade regulatória e a certificação de projetos regionais.
- Criar mercados de serviços ancilares remunerando flexibilidade, resposta rápida e controle de tensão.
- Promover incentivos fiscais e fundos de garantia regionais para projetos de BESS, PSH e hidrogênio.
- Integrar armazenamento em planos de expansão (PENs e PDEs) com horizonte até 2050.
Mobilidade sustentável e cadeias de valor de minerais críticos
A mobilidade sustentável representa o ponto de convergência entre a transição energética e a reindustrialização latino-americana.
A região já ultrapassou a marca de 440 mil veículos elétricos leves em circulação, crescimento de 45% em apenas dois anos, segundo a OLADE (2025). Contudo, a difusão ainda é desigual: Chile e Costa Rica lideram em participação de veículos elétricos, enquanto Brasil e México concentram a manufatura e a cadeia automotiva.
O principal gargalo é a infraestrutura de recarga — a relação atual é de 1 ponto público para cada 80 veículos, longe da meta europeia de 1:10. O Libro Blanco de la Movilidad Sostenible (OLADE, 2025) propõe uma rede trinomial de expansão:
- Corredores elétricos interurbanos;
- Centros urbanos inteligentes;
- Terminais logísticos verdes.
No centro da transição está o lítio, cuja geopolítica molda as próximas décadas. Argentina, Bolívia e Chile — o “Triângulo do Lítio” — concentram cerca de 58% das reservas mundiais conhecidas, mas apenas 15% da produção global. O desafio é passar da extração à transformação, agregando valor industrial em baterias, catodos e reciclagem.
Tabela – Geopolítica do lítio e oportunidades industriais
País | Reservas estimadas (Mt Li) | Situação atual | Oportunidade industrial | Risco estratégico |
Chile | 9,6 | Produção consolidada e regulação em revisão | Parcerias com UE e Japão para refinamento local | Saturação ambiental e licenças sociais |
Argentina | 7,3 | Boom de projetos privados (salinas e DSAs) | Indústria de baterias e exportação para Brasil | Instabilidade macroeconômica |
Bolívia | 21 | Industrialização estatal incipiente | Cooperação tecnológica e P&D | Isolamento comercial e custos logísticos |
Brasil | 0,8 | Cadeia automotiva e startups de reciclagem | Produção de catodos e BESS domésticos | Falta de marco regulatório do lítio |
Modelos de financiamento e políticas de incentivo
Os países da região vêm adotando diferentes estratégias de estímulo:
- Chile: metas de 100% de transporte público elétrico até 2040 e leasing verde para frotas privadas;
- Colômbia: incentivos fiscais e rotas preferenciais para veículos zero emissão;
- Brasil: programa Mover (Mobilidade Verde e Inovação), com estímulo à manufatura local de baterias;
- México: hubs de produção automotiva e acordos de livre comércio para componentes elétricos.
Essas políticas são reforçadas por fundos europeus do Global Gateway e por linhas de crédito do BID e CAF, voltadas à eletrificação do transporte pesado e urbano.
A mobilidade elétrica não é mais apenas ambiental: é industrial e geopolítica, pois redefine cadeias produtivas e depende do controle dos minerais críticos.
Recomendações estratégicas
- Harmonizar metas regionais de mobilidade elétrica até 2040, com padrões técnicos compatíveis.
- Criar um Fundo Latino-americano de Mobilidade Sustentável, cofinanciado por UE, BID e CAF.
- Incentivar a produção local de baterias e reciclagem de lítio em clusters regionais.
- Integrar políticas de mobilidade a metas de descarbonização do transporte pesado e marítimo.
Gás natural e biogás como vetores de transição
O gás natural ainda desempenha um papel crucial na matriz energética da região, representando 22% da oferta total.
Durante a X Semana, ficou claro que o debate sobre o gás deixou de ser ideológico e passou a ser técnico e estratégico: trata-se de um combustível de transição, não de permanência.
O gás é o vetor de segurança e flexibilidade. As novas rotas de interconexão entre Argentina, Brasil, Bolívia e Chile podem equilibrar sazonalidades e reduzir custos marginais de curto prazo.
Mas o verdadeiro potencial de longo prazo reside na integração do GNBe (Gás Natural de Baixo Emissões) e do biogás/biometano à economia do hidrogênio verde (H₂V).
Tabela – Rotas de descarbonização do gás natural
Vetor | Aplicação principal | Grau de maturidade (ALC) | Comentário estratégico |
GNBe (mistura com H₂) | Geração térmica e transporte | Média | Reduz emissões até 30% sem alterar infraestrutura existente |
Biogás agrícola e urbano | Cogeração e transporte pesado | Alta | O Brasil lidera com mais de 700 plantas operacionais |
GNL modular | Suprimento para ilhas e regiões isoladas | Média | Complementar à integração elétrica regional |
Captura e uso de CO₂ (CCUS) | Produção de H₂azul e fertilizantes | Baixa | Necessita incentivos e taxonomia verde específica |
O painel “El gas natural en la transición energética” enfatizou que o futuro do gás dependerá da capacidade da região de substituir moléculas fósseis por moléculas renováveis sem comprometer a estabilidade econômica.
O biogás surge como vetor de convergência entre agricultura, energia e inovação industrial, podendo substituir 15% do consumo térmico até 2040.
Recomendações
- Reconhecer o GNBe e o biogás como instrumentos legítimos de descarbonização nas metas regionais.
- Criar incentivos tarifários e fiscais para injeção de biometano em redes de gás.
- Promover interconexões gasíferas regionais integradas a futuros corredores de hidrogênio.
- Estabelecer normas de certificação de carbono para o gás de baixa emissão.
Curtailment e gestão de excedentes renováveis
O tema do vertimento de energia renovável (curtailment) foi uma das revelações mais contundentes da X Semana.
A OLADE estima que, em 2024, 53.000 GWh de energia renovável deixaram de ser aproveitados em ALC — o equivalente a US$ 6,9 bilhões em perdas econômicas anuais.
Esses vertimentos ocorrem por restrições de transmissão, falta de flexibilidade na demanda e ausência de sistemas de armazenamento.
O estudo apresentado mostrou que o problema é mais intenso em Brasil (22.000 GWh), Chile (5.900 GWh) e Uruguai (4.900 GWh).
Esses países já discutem mecanismos de gestão ativa de excedentes, seja por armazenamento, intercâmbio regional ou uso produtivo do excedente (hidrogênio, dessalinização e irrigação solar).
Tabela – Estratégias de mitigação de vertimentos na ALC
Estratégia | Mecanismo técnico | Benefício direto | Exemplo prático |
BESS e armazenamento térmico | Armazenamento e despacho por demanda | Reduz vertimentos e estabiliza preço marginal | Subastas híbridas no Chile |
Produção de hidrogênio verde | Conversão de excedentes em H₂ | Valoriza energia não despachada | Projeto Haru Oni (Chile) |
Integração regional | Exportação de excedentes para sistemas vizinhos | Diminui perdas e amplia intercâmbio | Interconexão Brasil–Uruguai |
Gestão da demanda (DSM) | Tarifas horárias e uso produtivo do excedente | Melhora eficiência global | Programas de demanda flexível (Uruguai, Colômbia) |
Recomendações para reguladores
- Estabelecer planos nacionais de flexibilidade energética com metas de redução de vertimentos.
- Implementar mercados regionais de energia de curta duração, permitindo o despacho transfronteiriço.
- Criar fundos de compensação de vertimentos financiados por créditos de carbono.
- Estimular o uso do excedente renovável em processos de dessalinização, armazenamento térmico e hidrogênio.
Fotovoltaico flutuante e eficiência hídrica no agronegócio
O tema dos sistemas fotovoltaicos flutuantes (FVF) ganhou destaque na X Semana como símbolo da integração entre energia limpa, uso racional da água e produtividade agrícola.
Com base no Manual para el Diseño de Sistemas Fotovoltaicos Flotantes Aplicados al Riego (OLADE, 2025), ficou claro que o FVF oferece ganhos de eficiência de até 10–15% em comparação aos sistemas convencionais terrestres, além de reduzir em até 35% a evaporação dos reservatórios.
Os projetos apresentados por Chile e Brasil mostraram que o modelo AgroPV Flotante combina benefícios energéticos e ambientais, possibilitando geração elétrica local, bombeamento de água e irrigação de precisão.
Além de sua contribuição para a segurança alimentar, o FVF pode se tornar um instrumento de mitigação climática em regiões semiáridas.
Tabela – Benefícios comparativos dos sistemas FV flutuantes
Categoria | Sistema convencional (solo) | Sistema flutuante (água) | Diferença (%) |
Eficiência elétrica média (PR) | 75–78% | 80–85% | 8% |
Temperatura média dos módulos | 45–50°C | 35–40°C | -20% |
Evaporação anual dos reservatórios | 100% (referência) | 65–70% | -30 a -35% |
Vida útil estimada dos módulos | 25 anos | 28 anos | 12% |
Custo nivelado de energia (LCOE) | 0,09 US$/kWh | 0,08 US$/kWh | -10% |
Recomendações e replicabilidade
- Incorporar o FVF nas políticas de irrigação e agroenergia dos países da OLADE.
- Criar linhas de crédito verdes específicas para AgroPV, apoiadas por CAF e PNUMA.
- Incentivar parcerias universidade–empresa para o desenvolvimento de plataformas modulares regionais.
- Integrar o FVF a programas de segurança hídrica e recuperação de reservatórios.
Síntese geral dos temas transversais:
A América Latina possui hoje todos os elementos técnicos para liderar a transição energética global: recursos naturais, base científica, financiamento e vontade política.
O desafio agora é alinhar regulação, investimento e conhecimento para transformar esse potencial em desenvolvimento sustentável.
A integração entre armazenamento, mobilidade, gás renovável, gestão de excedentes e eficiência hídrica define o núcleo da nova matriz latino-americana — flexível, digital e resiliente.
V. ANÁLISE DE RISCOS E OPORTUNIDADES
A transição energética latino-americana está em um ponto de inflexão.
Os avanços tecnológicos e os compromissos climáticos criaram uma base sólida para a descarbonização, mas a velocidade de adaptação institucional, regulatória e social ainda é inferior ao ritmo de inovação tecnológica.
Durante a X Semana de la Energía, ficou evidente que a transição não será linear: ela envolve novos riscos sistêmicos, mas também oportunidades inéditas de integração, industrialização e desenvolvimento humano.
O presente capítulo busca justamente organizar esses vetores, avaliando sua relevância e interdependência.
Riscos identificados
a) Riscos regulatórios e de governança
O risco regulatório é hoje o principal fator de incerteza para investidores e operadores do setor energético regional.
A maioria dos países da América Latina ainda não possui marcos regulatórios específicos para armazenamento, hidrogênio verde ou integração de renováveis distribuídas.
Além disso, há fragmentação institucional: agências reguladoras, ministérios e operadores de rede nem sempre possuem atribuições claramente definidas.
Durante o painel “Construyendo un sistema eléctrico resiliente y seguro”, Luiz Barroso sintetizou esse dilema:
“O excesso de zelo regulatório pode travar a inovação; mas a ausência de regras cria assimetria e risco.”
Outro ponto crítico é a governança regional.
Embora a OLADE e a CEPAL tenham avançado na harmonização de estatísticas e diretrizes, ainda há falta de mecanismos vinculantes para coordenação de políticas energéticas transfronteiriças.
Isso limita o potencial de integração de mercados e reduz a eficiência de investimentos compartilhados em interconexão elétrica ou gasífera.
b) Riscos financeiros e de investimento
A segunda camada de risco decorre da volatilidade macroeconômica e cambial dos países da região.
Mesmo com o avanço de instrumentos como o Global Gateway e o Energy Transition Facility (BID), os projetos ainda enfrentam alto custo de capital (WACC superior a 12%) e insegurança jurídica.
A ausência de mecanismos regionais de garantias e seguros climáticos também afeta a bancabilidade de projetos, sobretudo em energias emergentes (hidrogênio, armazenamento e biogás).
Os investidores destacaram, nos painéis de Santiago, que o problema não é a falta de capital, mas a falta de projetos estruturados e financeiramente viáveis.
Sem padronização regulatória, cada país exige novas due diligences, elevando custos de transação e atrasando cronogramas de implantação.
c) Riscos tecnológicos e de suprimento
A terceira dimensão é a tecnológica.
A dependência de cadeias críticas internacionais, sobretudo da Ásia, é um ponto de vulnerabilidade.
O Libro Blanco del Almacenamiento de Energía evidencia que 90% das células de baterias usadas na região vêm da China e que 80% do lítio extraído na América do Sul é exportado em estado bruto, sem agregação de valor industrial.
Além da concentração produtiva, há risco de obsolescência tecnológica: as soluções adotadas hoje (BESS, eletrólise alcalina, painéis convencionais) podem perder competitividade diante de inovações como baterias de estado sólido, hidrogênio offshore e células reversíveis.
Isso reforça a necessidade de políticas de tecnologia neutra e de estratégias de atualização regulatória contínua.
d) Riscos sociais e de aceitação pública
Nenhuma transição energética é sustentável sem aceitação social.
A América Latina já enfrenta resistência em alguns projetos de mineração, parques eólicos e hidrogênio verde devido a impactos locais e conflitos socioambientais.
Os debates do último dia da Semana destacaram que o êxito da transição depende de inclusão territorial e reconversão profissional, e não apenas de eficiência econômica.
O desafio social também é perceptível nas periferias urbanas e zonas rurais: a eletrificação não pode se limitar a substituir combustíveis fósseis, mas deve gerar empregos verdes, renda e capacitação.
Essa foi a tônica do painel “El recurso humano como catalizador del recurso energético”: o capital humano precisa ser tratado como infraestrutura estratégica, e não como externalidade.
Tabela – Síntese dos principais riscos identificados
Categoria de risco | Descrição | Impacto potencial | Medidas mitigadoras recomendadas |
Regulatório e de governança | Fragmentação institucional e falta de marcos claros para novas tecnologias | Insegurança jurídica e lentidão de investimentos | Harmonização regulatória regional e definição de taxonomia verde |
Financeiro e de investimento | Custo de capital elevado e ausência de garantias regionais | Redução de bancabilidade de projetos | Criação de fundos regionais de mitigação de risco e seguros climáticos |
Tecnológico e de suprimento | Dependência de insumos asiáticos e risco de obsolescência | Vulnerabilidade industrial e custo futuro alto | Incentivos à indústria local e parcerias tecnológicas regionais |
Social e de aceitação pública | Conflitos territoriais e baixa participação comunitária | Atrasos e judicialização de projetos | Programas de reconversão laboral e consulta social antecipada |
Oportunidades estratégicas para a região
Apesar dos riscos, os debates da X Semana demonstraram que a América Latina dispõe de ativos estratégicos únicos no mundo: abundância de renováveis, matriz limpa, recursos minerais, experiência hidrelétrica e crescente maturidade institucional.
As oportunidades que emergem dessa combinação podem transformar a região em líder global de transição energética justa e competitiva.
a) Integração energética e infraestrutura compartilhada
A integração regional é o vetor mais poderoso para reduzir custos e aumentar a resiliência.
Segundo estimativas da OLADE, a interconexão elétrica plena entre países da ALC poderia gerar economia de até US$ 10 bilhões anuais, ao permitir o uso complementar de recursos (hidro, eólico e solar) e suavizar picos de demanda.
O fortalecimento das interligações Brasil–Uruguai, Chile–Peru e Colômbia–Panamá está no centro dessa estratégia.
A infraestrutura compartilhada inclui também gasodutos reversíveis, terminais de GNL modulares, linhas HVDC transfronteiriças e centros regionais de armazenamento.
Além da segurança energética, esses projetos criam economias de escala regulatória e atraem investimentos multilaterais.
b) Indústria de baterias e hidrogênio verde
A América Latina tem a oportunidade de substituir o papel histórico de exportadora de commodities energéticas pelo de provedora de tecnologias de descarbonização.
O “Triângulo do Lítio” (Argentina, Bolívia e Chile) pode abrigar uma das maiores cadeias industriais de baterias do hemisfério sul, associada a polos tecnológicos no Brasil e no México.
Essa indústria é a ponte natural para o hidrogênio verde, pois ambos compartilham infraestrutura eletroquímica e mineralógica.
Os projetos de H₂V apresentados na Semana — especialmente no Chile e no Brasil — mostram que a região pode exportar 10 milhões de toneladas anuais até 2035, desde que haja infraestrutura portuária, certificação de origem e garantias de offtake.
O casamento entre baterias e hidrogênio pode redefinir o mapa industrial latino-americano.
c) Empregos verdes e requalificação profissional
A OLADE estima que a transição energética poderá gerar 3,5 milhões de novos empregos até 2030, dos quais 60% exigirão formação técnica intermediária.
Os painéis “El recurso humano como catalizador del recurso energético” e “Transición justa” reforçaram que a qualificação profissional é o gargalo mais crítico da região.
Programas como o Energía para Todos (OLADE) e o Fondo Verde para la Educación Técnica já atuam nesse campo, mas é necessária uma estratégia regional de educação energética, integrando universidades, institutos e empresas.
Além de resolver um déficit de competências, essa agenda fortalece a aceitação social e a legitimidade da transição.
d) Cooperação público-privada e inovação regulatória
Os debates em Santiago demonstraram que o setor privado está disposto a investir — desde que haja previsibilidade e reciprocidade regulatória.
O novo paradigma é o da cooperação regulada, em que governos, investidores e comunidades compartilham riscos e benefícios.
A inovação regulatória deve contemplar:
- Regulação por desempenho (output-based regulation), que estimula resultados e não apenas conformidade;
- Sandbox regulatórios para testar tecnologias emergentes (IA, blockchain, microrredes);
- Mecanismos de precificação de flexibilidade e carbono integrados a mercados regionais.
Essas medidas fortalecem a confiança e reduzem o “custo da incerteza”, elemento que mais penaliza os projetos de energia limpa na América Latina.
Tabela – Oportunidades estratégicas prioritárias para a região
Eixo de oportunidade | Descrição e impacto esperado | Horizonte temporal | Atores-chave |
Integração energética | Interconexões elétricas e gasíferas regionais; compartilhamento de infraestrutura | Curto e médio prazo (2025–2032) | OLADE, BID, CAF, Operadores Nacionais |
Indústria de baterias e H₂V | Desenvolvimento industrial e tecnológico baseado em minerais críticos | Médio e longo prazo (2028–2040) | Governos, UE, empresas privadas |
Empregos verdes e requalificação | Formação técnica e reconversão profissional setorial | Permanente (2025–2035) | Ministérios de Energia e Educação |
Cooperação público-privada | Inovação regulatória e marcos de governança colaborativa | Contínuo | Regulações nacionais e multilaterais |
Síntese:
A América Latina encontra-se diante de um equilíbrio delicado: os riscos da transição são altos, mas as oportunidades são proporcionais.
O caminho proposto pela OLADE e reforçado na X Semana de la Energía é claro — passar da transição declaratória à transição operacional, onde regulação, tecnologia e capital humano avancem em sincronia.
O futuro energético da região dependerá menos da quantidade de recursos disponíveis e mais da capacidade de governá-los de forma cooperativa e inteligente.
VI. RECURSOS NECESSÁRIOS
A transição energética latino-americana está diante de um paradoxo: o potencial técnico é vasto, mas o sistema de execução ainda é fragmentado.
Os debates da X Semana de la Energía mostraram que, embora a região disponha de abundância de recursos naturais, base científica e acesso crescente a capital climático, ainda faltam estruturas institucionais, digitais e humanas para transformar metas em resultados.
Este capítulo sistematiza os recursos fundamentais para viabilizar a visão de integração e sustentabilidade traçada nos capítulos anteriores.
Capacidades institucionais e regulatórias
A governança energética latino-americana precisa evoluir de um modelo setorial e nacional para uma governança multinível e interconectada.
Hoje, a maior parte das decisões é tomada por ministérios e agências reguladoras isoladas, com pouca interoperabilidade entre países ou sinergia entre áreas (energia, meio ambiente, indústria, educação).
A ausência de mecanismos vinculantes entre os Estados membros da OLADE limita a coordenação da política energética regional.
Os painéis de Santiago destacaram que as novas fronteiras tecnológicas — armazenamento, hidrogênio, mobilidade elétrica — exigem regulações dinâmicas e adaptativas.
Regulações fixas, centradas em concessões e tarifas, tornam-se ineficientes num contexto de redes digitais, prosumidores e microrredes.
Para superar essa assimetria institucional, a OLADE propõe um modelo de “integração regulatória progressiva”, que combina harmonização técnica com autonomia soberana.
Isso significa que cada país mantém sua regulação, mas adota padrões comuns para certificação, interoperabilidade e métricas ambientais.
Tabela – Capacidades institucionais e regulatórias prioritárias
Capacidade requerida | Objetivo estratégico | Instituições envolvidas | |
Regulação energética | Marco legal para armazenamento, hidrogênio e flexibilidade | Garantir previsibilidade e atratividade de investimentos | Ministérios de Energia, Agências Reguladoras |
Governança regional | Estrutura de coordenação entre países da OLADE | Harmonizar normas e facilitar interconexões | OLADE, CEPAL, BID |
Planejamento integrado | Ferramentas conjuntas de modelagem energética | Evitar sobreposição de projetos e desperdício de recursos | Operadores Nacionais e OLADE |
Cibersegurança e dados | Normas de segurança OT e interoperabilidade digital | Garantir resiliência dos sistemas interconectados | ONS regionais, BID, CAF |
Recomendações:
- Criar um Conselho Latino-americano de Regulação Energética, sob coordenação da OLADE.
- Adotar taxonomia verde regional, com critérios uniformes para certificação de investimentos.
- Estabelecer acordos de interoperabilidade regulatória entre operadores elétricos e gasíferos.
- Criar observatórios de políticas públicas energéticas com base em dados abertos e interoperáveis.
Infraestrutura tecnológica e digital
A digitalização é o alicerce da nova transição energética.
Durante os painéis sobre segurança e resiliência, ficou claro que os sistemas elétricos latino-americanos ainda são analógicos em sua essência: limitados por telemetria deficiente, ausência de controle preditivo e baixa automação de subestações.
Essa lacuna tecnológica compromete a estabilidade e impede o aproveitamento pleno das renováveis.
A região precisa acelerar a construção de uma infraestrutura digital energética baseada em três eixos:
- Sensoriamento e dados em tempo real (IoT/SCADA 4.0);
- Automação inteligente com inteligência artificial e edge computing;
- Cibersegurança e soberania digital dos sistemas críticos.
O painel “Construyendo un sistema eléctrico resiliente y seguro” mostrou que a transição digital já é prioridade em países como Chile, Colômbia e Brasil, que investem em digital twins de redes elétricas e centros de controle híbridos.
No entanto, o desafio regional é padronizar protocolos e compartilhar infraestrutura de dados, reduzindo custos e aumentando a interoperabilidade.
Tabela – Eixos da infraestrutura tecnológica e digital
Eixo | Aplicações prioritárias | Impactos esperados | Investimentos estimados (2025–2035) |
Digitalização e automação | Medição avançada, controle SCADA, IA preditiva | Redução de perdas e aumento da confiabilidade | US$ 25 bilhões |
Armazenamento e flexibilidade | BESS, hidrogênio, gestão de demanda | Redução de vertimentos em 80% | US$ 40 bilhões |
Cibersegurança OT/IT | Defesa de sistemas críticos e protocolos unificados | Resiliência frente a ataques cibernéticos | US$ 5 bilhões |
Interconexão digital regional | Plataformas compartilhadas e operação coordenada | Integração energética efetiva | US$ 10 bilhões |
Recomendações:
- Criar uma plataforma regional de dados energéticos interoperáveis (OLADE DataHub).
- Estabelecer padrões unificados de cibersegurança OT/IT, com apoio do Comando Cibernético Regional e BID.
- Incentivar projetos piloto de redes inteligentes comunitárias, com financiamento público-privado.
- Integrar IA e digital twins aos centros de controle regionais para monitoramento preditivo de sistemas elétricos.
Financiamento e mecanismos de investimento
O financiamento é a ponte entre potencial e execução.
O grande desafio para a América Latina não é a falta de recursos globais — há liquidez suficiente nos fundos de transição e nos bancos multilaterais —, mas sim a falta de estrutura institucional para absorver e multiplicar esses recursos.
Durante a X Semana, representantes do BID e da União Europeia reforçaram que a região precisa de mecanismos de financiamento híbrido (blended finance), combinando capital público, garantias multilaterais e participação privada.
A estratégia Global Gateway (UE), o Energy Transition Facility (BID) e o Climate Tech Fund (CAF) são exemplos dessa tendência.
O problema está na escala: menos de 25% dos projetos de energia limpa submetidos em 2024 atingiram o estágio de fechamento financeiro.
O obstáculo principal é a ausência de fundos regionais de mitigação de risco, que permitam aos investidores privados participar de projetos estruturados com retorno previsível.
Tabela – Estrutura de financiamento e papéis institucionais
Mecanismo | Função principal | Instituições responsáveis | Horizonte de impacto |
Blended Finance Regional (OLADE–BID–CAF) | Cofinanciamento e mitigação de risco | OLADE, BID, CAF | 2025–2035 |
Fundos Verdes Nacionais | Apoio direto a startups e P&D | Ministérios de Energia, FINEP, CORFO | 2025–2030 |
Green Bonds e ESG Bonds | Captação privada em mercados financeiros | Bancos Centrais, empresas e utilities | Contínuo |
Fundos de Garantia Climática | Cobertura de risco cambial e político | BID, PNUMA, UE | 2026–2040 |
Recomendações:
- Criar um Fundo Latino-americano de Investimento em Transição Justa, com aportes multilaterais e garantias cruzadas.
- Desenvolver um marco regional de taxonomia verde, com métricas uniformes para crédito e impacto.
- Ampliar o acesso de municípios e utilities locais a instrumentos de financiamento climático.
- Estruturar parcerias público-privadas em infraestrutura digital e energética, com cláusulas de transparência e rastreabilidade.
Formação e reconversão do capital humano
A transição energética não é apenas tecnológica, mas fundamentalmente humana.
As sessões “El recurso humano como catalizador del recurso energético” e “Transición justa” reafirmaram que o maior desafio da região é a formação de competências técnicas compatíveis com a nova economia energética.
A OLADE estima que a América Latina precisará formar 2 milhões de técnicos e engenheiros até 2030 em áreas como automação, energia solar, hidrogênio, baterias e redes inteligentes.
No entanto, a maioria dos sistemas educacionais nacionais ainda opera com currículos defasados e pouca integração com o setor produtivo.
A reconversão laboral deve ser vista como política pública de segurança energética, pois a escassez de mão de obra qualificada já ameaça cronogramas de implantação de projetos solares e eólicos.
Durante o painel ministerial, propôs-se a criação de uma Alianza Regional de Educación Energética (AREE), com coordenação da OLADE, integração de universidades e uso de plataformas digitais multilíngues.
Tabela – Prioridades na formação e reconversão profissional
Área de capacitação | Perfil profissional demandado | Instrumentos de política recomendados | Instituições-chave |
Energia solar e eólica | Técnicos de instalação, operação e manutenção | Centros regionais de capacitação | OLADE, SENAI, CORFO |
Hidrogênio e baterias | Engenheiros químicos e eletroquímicos | Programas de intercâmbio técnico | Universidades e BID |
Automação e digitalização | Engenheiros eletricistas e especialistas OT/IT | Cursos híbridos (indústria + academia) | Operadores de rede, CAF |
Gestão e inovação regulatória | Gestores públicos e reguladores | Escolas de governo energético | Ministérios e CEPAL |
Recomendações:
- Instituir uma Rede Latino-americana de Formação em Energia e Transição Justa, coordenada pela OLADE.
- Lançar o Programa Jovens para a Transição, conectando universidades, empresas e comunidades locais.
- Integrar plataformas digitais de ensino técnico, com currículos bilíngues e foco prático.
- Estimular programas de liderança e capacitação para mulheres na energia, promovendo inclusão e diversidade setorial.
Síntese do Capítulo:
A transição energética requer mais do que investimentos: exige instituições sólidas, tecnologia integrada, finanças inteligentes e pessoas capacitadas.
Sem essas quatro dimensões, o potencial renovável latino-americano continuará sendo subaproveitado.
A agenda proposta pela OLADE é clara — governar a transição com inteligência coletiva, consolidando uma base institucional que converta recursos naturais em prosperidade sustentável e regionalmente integrada.
VII. RECOMENDAÇÕES E ESTRATÉGIAS REGIONAIS
A transição energética na América Latina e no Caribe alcançou um novo estágio: deixou de ser uma agenda de intenções e passou a exigir governança operacional, integração efetiva e coerência regulatória.
As discussões da X Semana de la Energía revelaram que o êxito da região dependerá menos da quantidade de recursos disponíveis e mais da capacidade de coordenar políticas, harmonizar regulações e mobilizar investimentos.
Este capítulo propõe um conjunto de cinco eixos estratégicos regionais, interligados e complementares, que traduzem a visão comum construída entre países membros da OLADE, organismos multilaterais e o setor privado.
Governança e integração energética latino-americana
A governança é o pilar invisível da transição.
Durante a X Semana, consolidou-se o entendimento de que a América Latina precisa de uma arquitetura institucional moderna e colaborativa, capaz de combinar autonomia nacional com coordenação regional.
A atual fragmentação — com 27 marcos regulatórios distintos — dificulta a formação de um mercado energético regional e encarece os investimentos em interconexão elétrica e gasífera.
A recomendação central é a criação de uma Plataforma de Governança Energética Regional (PGER) sob coordenação da OLADE, com três funções principais:
- Harmonização regulatória progressiva – estabelecer padrões mínimos comuns de licenciamento, tarifação e certificação ambiental.
- Coordenação operacional – integrar operadores elétricos nacionais (ONS) em um sistema de despacho coordenado para reduzir vertimentos e perdas.
- Diálogo político e diplomático permanente – alinhar estratégias energéticas com metas climáticas e industriais.
Essa governança ampliada deve ser ancorada em instrumentos multilaterais de adesão voluntária, garantindo flexibilidade para que cada país adote o ritmo de integração compatível com sua maturidade institucional.
Tabela – Estrutura proposta para a Governança Regional de Energia
Componente | Função estratégica | Instituição líder | Mecanismo sugerido |
Conselho Ministerial de Energia da ALC | Coordenação política e diplomática | OLADE | Reuniões anuais e secretariado técnico permanente |
Foro Regulatório Latino-americano | Harmonização normativa e marcos para novas tecnologias | OLADE + CEPAL + BID | Observatório regulatório e guias de boas práticas |
Rede de Operadores Interconectados (ROI-ALC) | Coordenação técnica e intercâmbio elétrico | Operadores nacionais de sistema | Plataforma digital comum e despacho coordenado |
Grupo de Integração de Mercados Energéticos (GIME) | Estudos de viabilidade e projetos prioritários regionais | BID, CAF, UE | Carteira regional de investimentos em interconexão |
Modelos de incentivo e mercados de flexibilidade
A expansão das renováveis não é apenas uma questão tecnológica, mas econômica e comportamental.
O novo paradigma energético exige mercados de flexibilidade, capazes de remunerar serviços ancilares, armazenamento, resposta da demanda e estabilidade de frequência.
Hoje, poucos países da região remuneram adequadamente esses serviços — o que limita a entrada de investidores e a eficiência do despacho.
O modelo recomendado é o de incentivos híbridos, combinando instrumentos de mercado e políticas públicas:
- Leilões híbridos (solar + BESS) com prazos longos de contrato e remuneração variável por disponibilidade;
- Pagamentos por capacidade e flexibilidade, integrados ao custo marginal horário;
- Tarifas dinâmicas para incentivar o consumo em horários de alta geração renovável;
- Mercados de serviços ancilares regionais, permitindo intercâmbio de energia e estabilidade entre países.
Esses mecanismos devem ser acompanhados de políticas fiscais inteligentes, como depreciação acelerada para ativos de armazenamento e créditos tributários para infraestrutura verde.
O objetivo é internalizar o valor da flexibilidade e transformar o armazenamento em ativo financeiro líquido e comerciável.
Planejamento de longo prazo e neutralidade tecnológica
A América Latina precisa adotar uma abordagem de planejamento integrado e neutra em tecnologia, baseada em critérios de eficiência, segurança e custo-benefício.
Os painéis de Santiago evidenciaram que o excesso de planos setoriais isolados (PDEs, PENs, planos de mobilidade, hidrogênio etc.) gera redundância e competição entre políticas públicas.
A neutralidade tecnológica implica reconhecer que não há solução única para a descarbonização: cada território deve adotar o mix mais adequado ao seu perfil de recursos.
O papel da OLADE é justamente consolidar cenários regionais compatíveis com as metas da COP30 e da Agenda 2030, integrando modelagens nacionais em um Plano Energético Regional 2050.
Esse plano deve incluir:
- Cenários de demanda regional ajustados por variáveis climáticas e industriais;
- Mapeamento de infraestruturas críticas (linhas, gasodutos, portos e centros logísticos);
- Estratégia de armazenamento e interconexão;
- Indicadores socioeconômicos de transição justa.
O objetivo não é impor uniformidade, mas criar coerência regional — garantindo que cada investimento nacional fortaleça a resiliência coletiva da ALC.
Políticas para cadeias de valor locais (lítio, baterias, H₂, BESS)
Um dos principais legados da X Semana foi a constatação de que a transição energética é também uma oportunidade industrial sem precedentes.
A região detém os principais minerais estratégicos da economia verde — lítio, cobre, níquel, manganês e grafite —, mas ainda exporta a maior parte em estado bruto.
O desafio é verticalizar essas cadeias, agregando valor local e estimulando a produção de tecnologias energéticas regionais.
As políticas recomendadas incluem:
- Criação de polos industriais transnacionais para produção de baterias e equipamentos de BESS;
- Acordos de cooperação para manufatura e P&D em hidrogênio verde, com certificação conjunta de origem;
- Fomento à reciclagem de baterias e reuso de metais críticos, reduzindo a dependência de importações asiáticas;
- Programas de conteúdo local inteligente, vinculando incentivos fiscais a metas de inovação e treinamento técnico.
Essa estratégia requer parcerias público-privadas e integração com universidades e centros de pesquisa, transformando a região de exportadora de recursos naturais em exportadora de soluções energéticas.
Tabela– Cadeias de valor locais: desafios e estratégias
Setor | Desafio principal | Estratégia recomendada | Benefício regional esperado |
Lítio e minerais críticos | Exportação bruta e baixa agregação de valor | Indústria de catodos e reciclagem regional | Redução de dependência e geração de empregos |
Baterias e BESS | Ausência de escala e padronização | Clusters regionais com apoio de BID e UE | Formação de indústria integrada e custos menores |
Hidrogênio verde | Falta de certificação e infraestrutura | Parcerias bilaterais e rotas logísticas regionais | Expansão de exportações e neutralidade de carbono |
Biogás e biometano | Falta de padronização de injeção em redes | Normas regionais de qualidade e rastreabilidade | Inserção de pequenas e médias empresas rurais |
Inovação, P&D e cooperação técnica entre países da OLADE
A inovação é o motor da integração regional.
A OLADE já atua como centro de convergência técnica entre países, mas os debates da X Semana indicaram a necessidade de transformar essa atuação em um verdadeiro sistema regional de P&D energético, com metas e governança próprias.
Propõe-se a criação do Programa Regional de Inovação e Transição Energética (PRITE), com cinco linhas estruturantes:
- Digitalização e automação de sistemas elétricos;
- Armazenamento avançado e reciclagem de baterias;
- Hidrogênio verde e biocombustíveis de nova geração;
- Gestão de dados, IA e cibersegurança aplicada à energia;
- Formação de capital humano e redes de conhecimento.
O PRITE seria operacionalizado por meio de centros de excelência distribuídos, sediados em universidades e instituições técnicas nos países membros da OLADE, interconectados digitalmente e com financiamento cruzado (BID, CAF, UE e PNUMA).
Síntese das Recomendações e Estratégias Regionais
Eixo Estratégico | Objetivo central | Instrumentos propostos | Prazo estimado (pleno efeito) |
Governança e integração | Criar estrutura institucional para coordenação regional | Plataforma PGER e ROI-ALC | 2025–2032 |
Mercados de flexibilidade | Remunerar serviços ancilares e estabilidade | Leilões híbridos e pagamentos por capacidade | 2026–2030 |
Planejamento e neutralidade tecnológica | Garantir coerência entre planos nacionais e regionais | Plano Energético Regional 2050 | 2027–2040 |
Cadeias de valor locais | Industrializar minerais críticos e tecnologias energéticas | Clusters regionais e políticas de conteúdo local | 2025–2035 |
Inovação e cooperação técnica | Consolidar rede regional de P&D e educação energética | PRITE – Centros de Excelência OLADE | 2025–2040 |
Conclusão do Capítulo:
A América Latina e o Caribe têm, pela primeira vez, condições reais de construir uma transição energética própria, justa e tecnicamente sólida.
As estratégias aqui delineadas não dependem apenas de recursos financeiros, mas de liderança institucional, continuidade política e integração técnica.
A OLADE, como eixo de convergência regional, deve guiar esse processo com pragmatismo e visão estratégica: planejar em conjunto, regular com inteligência e inovar com propósito.
VIII. CONCLUSÕES
Síntese das principais tendências
A X Semana de la Energía, realizada em Santiago do Chile, reafirmou que a América Latina e o Caribe estão na vanguarda da transição energética global — não apenas por sua matriz majoritariamente renovável, mas pela diversidade de soluções que emergem da própria realidade regional.
As discussões revelaram cinco tendências estruturantes que moldarão o futuro energético latino-americano:
- Integração regional como estratégia de soberania: A coordenação entre países da OLADE deixou de ser retórica e passou a ser vista como instrumento de competitividade e segurança. A interconexão elétrica e gasífera surge como eixo estruturante para reduzir custos, evitar vertimentos (curtailment) e equilibrar recursos hídricos e renováveis.
- Armazenamento e digitalização como bases da estabilidade: O Libro Blanco del Almacenamiento de Energía consolidou o entendimento de que a estabilidade elétrica do futuro não virá apenas da geração, mas da capacidade de armazenar, prever e despachar energia com inteligência. BESS, hidrogênio, redes inteligentes e IA aplicada a SCADA compõem o novo ecossistema de confiabilidade.
- Cadeias de valor locais e industrialização verde: A transição energética abre caminho para um reposicionamento econômico da região. O lítio, o cobre, as baterias e o hidrogênio verde não são apenas recursos — são ativos industriais e geopolíticos que podem redefinir o papel da América Latina na economia global.
- Justiça social e capital humano como infraestrutura invisível: A descarbonização só será sustentável se for também inclusiva. Os painéis sobre transição justa e reconversão laboral mostraram que energia limpa e desenvolvimento humano são partes da mesma equação. O talento técnico, a educação energética e a diversidade profissional tornaram-se tão estratégicos quanto os investimentos em geração.
- Governança inteligente e inovação regulatória: O avanço da digitalização e da descentralização energética exige regulação adaptativa, baseada em desempenho e colaboração público-privada. A inovação não é apenas tecnológica — é regulatória e institucional. Países que criarem marcos claros e previsíveis atrairão os fluxos de capital que definirão a próxima década.
Essas tendências convergem para uma visão única: a transição energética latino-americana será bem-sucedida se for coordenada, flexível e socialmente legítima.
Caminhos para uma transição justa e inclusiva
A América Latina e o Caribe possuem as condições naturais e técnicas para liderar uma nova fase de desenvolvimento energético global.
Entretanto, a transição só será justa se combinar eficiência econômica, justiça territorial e segurança climática.
Essa tríade exige políticas públicas integradas, coerência regulatória e participação cidadã.
Os painéis ministeriais e técnicos da X Semana indicaram três dimensões complementares dessa transição justa:
- Dimensão institucional: Criar mecanismos regionais de governança e planejamento conjunto — um “sistema energético latino-americano” que funcione de forma cooperativa e coordenada. Isso inclui padronizar regulações, compartilhar infraestrutura e alinhar políticas de neutralidade de carbono.
- Dimensão econômica: Promover instrumentos de inclusão produtiva e financiamento verde, assegurando que as novas cadeias de valor (hidrogênio, baterias, AgroPV) gerem emprego e renda local. A justiça energética começa quando as comunidades que abrigam a infraestrutura também colhem os benefícios do desenvolvimento.
- Dimensão humana: Formar profissionais, técnicos e gestores capazes de operar os sistemas do futuro — com diversidade, equidade e autonomia. A capacitação em energia deve ser tratada como direito estratégico, não apenas como política de educação.
Em essência, uma transição justa é aquela que redistribui oportunidades e responsabilidades.
Ela requer planejamento de longo prazo, mas também senso de urgência.
Não basta instalar megawatts — é preciso gerar dignidade energética: acesso universal, tarifas justas e trabalho qualificado.
Chamado à ação conjunta para 2026–2030
A década de 2020 consolidou o diagnóstico. A de 2030 será o tempo da execução.
O ciclo 2026–2030 precisa ser o marco da transição operacional latino-americana — a passagem do consenso político para a ação estruturada.
Para isso, este relatório propõe um chamado à ação conjunta, baseado em três compromissos complementares:
- Governar juntos a transição: A OLADE, como organismo regional, deve consolidar um Sistema Integrado de Planejamento Energético da ALC, reunindo governos, operadores e instituições financeiras em torno de um calendário de metas comuns. A integração regulatória, a digitalização e a interconexão devem ser tratadas como bens públicos regionais.
- Financiar a descarbonização com inclusão: Bancos multilaterais (BID, CAF, UE) e fundos climáticos devem priorizar projetos que combinem inovação tecnológica e impacto social. Cada dólar investido em energia limpa precisa também gerar valor em educação, emprego e infraestrutura local. A criação de fundos de mitigação de risco e blended finance regionais é essencial para atrair o capital privado.
- Educar para transformar: A transição energética será tão robusta quanto a formação das pessoas que a conduzem. A OLADE e seus países membros devem liderar uma agenda educativa e técnica pan-latino-americana, formando profissionais para as novas fronteiras da energia: automação, IA, hidrogênio, baterias e cibersegurança. A educação energética é o verdadeiro ativo de longo prazo da região.
Mensagem final
A X Semana de la Energía demonstrou que a América Latina e o Caribe não precisam seguir modelos externos — podem construir o seu próprio caminho: um modelo de transição baseado na cooperação, na inovação e na justiça social.
O horizonte 2026–2030 será decisivo. É o momento de planejar em conjunto, regular com inteligência, financiar com propósito e educar para transformar.
A energia que une a região é também a que pode redefinir seu futuro: limpa, humana e integrada.
Briefings Executivos
Dia 1: X Semana de la Energía em Santiago do Chile: Reflexões e Desafios do Primeiro Dia
Dia 2: Segundo Dia da X Semana de la Energía em Santiago do Chile
Dia 3: Construindo resiliência e inovação: o terceiro dia da X Semana de la Energía no Chile
Declaração de Autoria e Responsabilidade
O presente Relatório Final Integrado da X Semana de la Energía – Santiago do Chile 2025 foi elaborado por Eduardo M. Fagundes, de forma independente, com base nos painéis, debates, documentos oficiais e publicações técnicas disponibilizadas pela Organização Latino-americana de Energia (OLADE) e instituições parceiras.
As análises, interpretações, comentários e projeções aqui apresentadas refletem exclusivamente as opiniões e entendimentos do autor, e não representam, necessariamente, a posição oficial da OLADE, do Ministério de Energia do Chile, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), da Agência Internacional de Energia (AIE), da União Europeia ou de quaisquer outras entidades públicas ou privadas mencionadas.
As informações contidas neste relatório foram reunidas a partir de fontes consideradas confiáveis e de acesso público. No entanto, não se garante sua exatidão, completude ou atualização, e não é assumida qualquer responsabilidade por eventuais erros, omissões ou decisões tomadas com base no conteúdo aqui apresentado.
Este documento tem caráter estritamente analítico e informativo, com finalidade de pesquisa e reflexão estratégica sobre os temas abordados durante a X Semana de la Energía, sem valor jurídico, contratual ou vinculante.
