Sumário executivo
O novo indicador de Matemática do Ministério da Educação (MEC) é um passo na direção correta, mas chega com mais de vinte anos de atraso em relação aos alertas de avaliações internacionais em larga escala, em especial o PISA (Programme for International Student Assessment), coordenado pela OCDE (Organisation for Economic Co-operation and Development). Desde 2000, os dados vêm mostrando que o Brasil está sistematicamente nas últimas posições em Matemática, com avanços pontuais seguidos de estagnação, enquanto vários países comparáveis reestruturaram seus sistemas, subiram de patamar e hoje colhem ganhos em produtividade, inovação e inserção na economia digital.
Em 2025, o quadro é ainda mais explícito:
- o MEC define que a proficiência mínima adequada em Matemática, no 2.º, 5.º e 9.º ano, corresponde a 750 pontos na escala do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica);
- dados preliminares indicam que apenas cerca de 9,1% dos alunos do 9.º ano atingem esse patamar;
- em termos práticos, mais de 90% dos jovens que se aproximam dos 15 anos não dominam, com segurança, frações, proporcionalidade, porcentagem, leitura de gráficos ou estatística elementar – exatamente as competências mínimas para uso crítico e produtivo de inteligência artificial (IA), automação e robótica no ambiente de trabalho.
Ao mesmo tempo:
- o Brasil investe uma parcela relevante do PIB em educação;
- o gasto por aluno na educação básica é baixo e o gasto por aluno no ensino superior é múltiplas vezes maior que na base, gerando um mix orçamentário que privilegia o topo da pirâmide educacional, enquanto o ensino fundamental – que forma o “estoque de matemática” do país – permanece estruturalmente fragilizado.
Na prática, estamos formando uma geração que, em grande maioria, não domina o mínimo em raciocínio quantitativo para operar em ambientes intensivos em IA, automação e sistemas digitais. Isso configura um risco cognitivo estrutural: um descompasso persistente entre as competências matemáticas da população e os requisitos de uma economia baseada em dados, algoritmos e sistemas complexos.
Este texto faz três movimentos:
- Parte da nova régua de Matemática anunciada pelo MEC, que define o que uma criança precisa saber no 2.º, 5.º e 9.º ano do ensino fundamental.
- Conecta essa régua ao histórico do PISA desde o início dos anos 2000, mostrando que o Brasil praticamente estacionou em um patamar baixo, enquanto outros países avançaram.
- Introduz a dimensão de investimento: mostra como a organização atual do orçamento educacional reforça o problema e por que a solução passa por reequilibrar recursos em favor da educação básica, sob pena de colapso funcional do ensino técnico e universitário em horizonte de 10 a 20 anos.
- O que muda com o novo indicador de Matemática do MEC
Uma matéria do Estadão de 2 de dezembro de 2025 informa que o MEC lança um novo índice nacional para a aprendizagem em Matemática, com metas por etapa: 2.º, 5.º e 9.º ano do ensino fundamental e, a partir de 2026, também para o ensino médio. O indicador é construído na escala do Saeb e estabelece a partir de qual pontuação o estudante é considerado “proficiente” em Matemática nessa trajetória.
No 2.º ano do fundamental, por exemplo, a criança deverá atingir 750 pontos na escala do Saeb para ser considerada com aprendizagem adequada em Matemática. Em termos concretos, isso significa que, aos 7 anos, ela precisa:
- dominar adição e subtração;
- saber multiplicar até 5;
- ter noções de horas e de moedas;
- identificar figuras geométricas básicas;
- representar dados simples em um gráfico de colunas.
O novo indicador integra o Compromisso Nacional Toda Matemática, elaborado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e será lançado no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). A lógica é semelhante ao Indicador Criança Alfabetizada (ICA – Indicador Criança Alfabetizada), criado em 2023 para leitura e escrita. No ICA, a meta para 2024 era ter 60% das crianças alfabetizadas aos 7 anos; o resultado ficou em 59,2%, mostrando um país que progride, mas não entrega o mínimo que ele mesmo estabeleceu.
Na Matemática, o próprio diretor de políticas do MEC, citado na matéria, afirma que “a aprendizagem de Matemática no País hoje é um privilégio, e não um direito”. Os dados preliminares do Saeb reforçam essa leitura: apenas uma pequena fração dos alunos do 9.º ano atinge ou supera os 750 pontos. O novo indicador explicita o problema, mas não o resolve sozinho. Sem mudança estrutural na formação docente, na gestão das redes, na governança federativa e, sobretudo, na priorização orçamentária, o risco é apenas sofisticar a régua enquanto se mantém o mesmo patamar baixo de desempenho.
O que o PISA vem dizendo desde o início dos anos 2000
O PISA é uma avaliação trienal aplicada a estudantes de 15 anos, desenhada para medir em que medida eles dominam competências necessárias à participação plena na sociedade – não apenas o currículo formal, mas a capacidade de aplicar Matemática, Leitura e Ciências em situações do mundo real.
Quando se observa a série histórica do Brasil em Matemática, três fatos são críticos para qualquer análise estratégica: houve um ganho relevante entre 2003 e 2012, o sistema praticamente estacionou em um nível baixo a partir de então, e a fotografia de 2022 confirma que seguimos na parte de baixo da tabela mundial.
Tabela 1 – Desempenho em Matemática no PISA (Brasil x média OCDE, 2003–2022)
| Ano | Brasil (pontos) | Média OCDE (pontos) | Diferença Brasil x OCDE |
|---|---|---|---|
| 2003 | 356 | 499 | –143 |
| 2006 | 370 | 494 | –124 |
| 2009 | 386 | 495 | –109 |
| 2012 | 389 | 494 | –105 |
| 2015 | 377 | 490 | –113 |
| 2018 | 384 | 489 | –105 |
| 2022 | 379 | 472 | –93 |
a) Houve um ganho relevante de patamar entre 2003 e o início da década de 2010
Notas técnicas sobre o Brasil no PISA 2012 destacam que o desempenho médio em Matemática passou de algo em torno de 356 pontos, em 2003, para cerca de 389–391 pontos em 2012, um dos maiores ganhos entre os países participantes naquele período. Esse avanço, concentrado entre 2003 e 2009 e consolidado em 2012, ocorreu em um contexto de rápida expansão do ensino médio: aumentou o número de jovens de 15 anos na escola e, ainda assim, a média subiu. É um sinal de que políticas de acesso, combinadas com algum foco em aprendizagem, produziram ganhos reais – ainda que insuficientes para aproximar o país da média da OCDE.
b) Depois desse salto inicial, o sistema praticamente estacionou em um nível baixo
Relatórios internacionais e análises nacionais convergem em um ponto: após o ciclo de crescimento 2003–2009 (medido em 2012), o desempenho médio brasileiro em Matemática, Leitura e Ciências passou a oscilar em torno de uma linha praticamente horizontal, sem mudanças estatisticamente significativas. Em 2018, a média brasileira de Matemática ficou em torno de 384 pontos, contra aproximadamente 489 pontos da média da OCDE, e em 2022 recuou para algo próximo de 379 pontos. Mesmo depois de quase duas décadas de participação no PISA, o país se mantém com diferença da ordem de 90–100 pontos em relação aos sistemas mais ricos – o que, em termos pedagógicos, equivale a vários anos de escolaridade.
c) A fotografia de 2022 confirma o alerta: seguimos na parte de baixo da tabela mundial
No PISA 2022, com foco em Matemática, o Brasil obteve média em torno de 379 pontos, enquanto a média dos países da OCDE ficou em aproximadamente 472 pontos. Mais grave que a média é a distribuição:
- apenas cerca de 27% dos estudantes brasileiros atingiram pelo menos o Nível 2 de proficiência em Matemática, o mínimo considerado por organismos internacionais para que o jovem possa exercer plenamente sua cidadania em uma sociedade moderna; na média da OCDE, esse percentual é de aproximadamente 69%;
- em termos complementares, isso significa que algo em torno de 73% dos estudantes brasileiros de 15 anos estão abaixo do nível básico em Matemática, ante cerca de 31% na média dos países da OCDE;
- apenas cerca de 1% dos estudantes brasileiros atingiram os níveis 5 ou 6 em Matemática, patamar de alta performance associado à capacidade de modelar situações complexas e comparar estratégias de solução; a média da OCDE é de aproximadamente 9%, e países como Singapura e Coreia superam os 20%.
Sínteses independentes dos resultados de 2022 colocam o Brasil entre os piores desempenhos em Matemática e Ciências no conjunto de países avaliados, mesmo quando comparado a economias de renda média e vizinhos latino-americanos.
d) A proporção de alunos no mínimo adequado recuou em Matemática entre 2018 e 2022
Em 2018, estimativas apontam que cerca de 32% dos estudantes brasileiros atingiam pelo menos o Nível 2 em Matemática, contra aproximadamente 76% na média da OCDE. Em 2022, esse percentual caiu para algo em torno de 27%, enquanto a média da OCDE ficou em cerca de 69%. Notas técnicas nacionais registram que a proporção de estudantes abaixo do Nível 2 em Matemática aumentou em relação a 2012. O país perdeu tração exatamente no grupo que precisava avançar para sair da zona de vulnerabilidade cognitiva.
e) Outros países usaram o PISA para subir de patamar – o Brasil, não
Relatórios internacionais do PISA destacam que alguns países, partindo de bases muito baixas, conseguiram melhorar, em média, sua performance em Leitura, Matemática e Ciências ao longo do tempo, entre eles Portugal e Peru. Esses casos combinaram reformas de carreira docente, currículos mais claros, metas por escola, uso consistente de dados e mecanismos de responsabilização com suporte técnico. Não se trata de copiar modelos, mas de reconhecer um padrão: em certos sistemas, o PISA foi lido como radar estratégico; no caso brasileiro, prevaleceu um conjunto de avanços modestos, com crescimento “ameno” em Matemática entre 2000 e 2012, seguido de estagnação.
Investimentos e distorção orçamentária estrutural
O quadro de aprendizagem seria grave mesmo em um contexto de baixo esforço fiscal. Mas a situação brasileira é mais complexa: o país investe uma parcela relevante do PIB em educação, com um desenho orçamentário que reduz a eficiência na conversão de gasto em aprendizagem.
Em síntese:
- o gasto total em educação, como proporção do PIB, é comparável ao de várias economias desenvolvidas;
- o gasto por aluno na educação básica é baixo, dada a escala de matrículas;
- o gasto por aluno no ensino superior público é múltiplas vezes maior do que na educação básica, com uma razão “superior/básica” significativamente acima da observada em países da OCDE.
Uma leitura simplificada, com dados agregados recentes, ajuda a explicitar a assimetria:
Tabela 2 – Estrutura simplificada de investimento público anual (ordem de grandeza)
| Nível | Alunos (milhões) | Gasto público anual aproximado | Gasto médio por aluno/ano |
|---|---|---|---|
| Ensino fundamental (rede pública) | cerca de 26,5 | ≈ R$ 138 bilhões | ≈ R$ 5.200 |
| Ensino superior federal | cerca de 1,2 | ≈ R$ 52 bilhões | ≈ R$ 43.300 |
A relação que importa:
- gasta-se, em ordem de grandeza, cerca de 8,3 vezes mais por aluno em universidades federais do que por aluno do ensino fundamental na rede pública;
- em países da OCDE, essa razão costuma ser da ordem de duas a três vezes.
O problema não é o ensino superior ter recursos: o problema é a relação entre o que se investe na base e no topo de um sistema em que a Matemática se revela, repetidamente, o principal gargalo.
Mantido esse mix, as consequências de médio prazo são claras:
- escassez de vestibulandos qualificados para cursos de STEM;
- queda progressiva das notas de corte em processos seletivos;
- aumento de evasão e alongamento do tempo de graduação em cursos que exigem Matemática;
- redução da densidade acadêmica média em cursos estratégicos, com perda de competitividade em pesquisa científica e inovação;
- risco de colapso funcional, em horizonte de 10 a 20 anos, do modelo de universidade pública gratuita de excelência, por falta de base cognitiva suficientemente sólida na origem.
Em paralelo, a educação profissional técnica de nível médio permanece subdimensionada em escala, exatamente no momento em que a economia pede mais técnicos em automação, robótica, energia, logística e TI.
O desalinhamento entre a escola brasileira e a economia da IA e da automação
Quando se traduzem esses indicadores para o contexto da IA e da automação, o recado é direto para conselhos de administração, diretoria executiva, investidores e gestores públicos: a maior parte dos jovens brasileiros que está chegando aos 15 anos não domina as competências matemáticas mínimas para trabalhar, aprender e se adaptar em ambientes altamente digitalizados.
Em termos de requisitos da economia de IA, esse quadro significa:
Data literacy insuficiente
Em um mundo em que praticamente todas as funções de negócio – da operação industrial ao marketing digital – são atravessadas por dados, algoritmos e dashboards, ter cerca de 73% dos jovens abaixo do nível mínimo de proficiência em Matemática implica uma massa de trabalhadores com dificuldade para interpretar gráficos, comparar indicadores ou compreender variações percentuais. Isso afeta desde a leitura de indicadores de produção até a interpretação de relatórios de risco.
Baixa base para STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics)
Profissões em engenharia, tecnologia da informação, análise de dados, automação, robótica e finanças quantitativas exigem uma base sólida de raciocínio matemático. Países que avançaram no PISA estruturaram pipelines mais robustos para carreiras STEM; no Brasil, a baixa proficiência média limita a base de recrutamento e aumenta a necessidade de formar quadros “do zero” dentro das empresas, com maior custo e maior risco de não conformidade técnica.
Risco de polarização do mercado de trabalho
A combinação de IA com baixa escolaridade matemática tende a ampliar o fosso entre uma elite técnico-cognitiva – formada em poucos nichos de excelência, muitas vezes fora do sistema público – e uma grande massa de trabalhadores restrita a funções operacionais pouco qualificadas, mais facilmente substituíveis por automação, robôs humanoides e sistemas inteligentes.
Impactos em produtividade, inovação e competitividade
Em um cenário em que empresas globais colocam IA no core dos modelos de negócio, a ausência de uma base matemática mínima em larga escala:
- pressiona o custo de capital humano;
- reduz a produtividade marginal de tecnologias avançadas, porque o usuário final não consegue extrair todo o potencial da ferramenta;
- torna mais arriscado estruturar hubs de P&D e centros de excelência em IA no país, já que a oferta de talentos intermediários com raciocínio quantitativo adequado é limitada.
Por que isso é um “risco cognitivo estrutural”
O termo “risco cognitivo estrutural” ajuda a traduzir, para a linguagem de governança e investimento, algo que muitas vezes é tratado como um problema exclusivamente pedagógico. Esse risco tem, pelo menos, quatro dimensões.
Risco de longo prazo, não reversível no curto prazo
Mesmo que o Brasil conseguisse, em cinco anos, melhorar significativamente os resultados nos anos iniciais do ensino fundamental, os jovens que hoje têm entre 12 e 18 anos já entrarão no mercado de trabalho com as lacunas atuais. O efeito é de coorte: durante 15 a 20 anos, teremos ondas sucessivas de trabalhadores com defasagens em Matemática, impactando produtividade e empregabilidade.
Risco sistêmico de baixa qualidade na base
Os dados do PISA mostram que a questão não é apenas desigualdade: o problema é de nível geral. A proporção de estudantes em alto desempenho é mínima e a massa abaixo do básico é muito grande, o que indica que não há um “núcleo duro” suficientemente grande de excelência para puxar o sistema em direção a patamares mais altos. As ilhas de excelência existem (olimpíadas científicas, robótica educacional, cursos de engenharia de alta qualidade), mas ainda não alteram o quadro médio.
Risco regulatório e de políticas públicas reativas
O fato de o MEC lançar, em 2025, um indicador nacional de Matemática com descrições claras do que o estudante deve saber em cada etapa é positivo, mas também revela a ausência, até aqui, de uma régua explícita de proficiência para gerir a política pública nessa área. Em outras palavras: o país entra na era da IA com uma governança de Matemática que só agora ganha instrumentos básicos de monitoramento e metas.
Risco reputacional e de credibilidade internacional
Permanecer entre os piores resultados em Matemática e Ciências em avaliações internacionais, mesmo com um PIB relevante e um parque industrial e tecnológico de porte, fragiliza a narrativa do Brasil como destino confiável para investimentos intensivos em conhecimento, centros de desenvolvimento de IA e infraestrutura crítica de dados.
Perfeito, vamos fortalecer o fechamento.
Abaixo está uma versão expandida apenas da parte final do artigo – plano de ação e conclusão – já incorporando as ideias discutidas (circulação de professores universitários para a base, reequilíbrio de orçamento, pós-graduação em STEM, engajamento empresarial etc.). Você pode substituir diretamente os itens 5, 6 e 7 atuais por estes.
O que isso significa na prática: agenda de ação em múltiplos níveis
A partir desse diagnóstico, a mensagem para lideranças privadas e públicas deixa de ser apenas descritiva e passa a ser prescritiva. Não basta reconhecer o risco cognitivo estrutural; é necessário desenhar alavancas concretas de intervenção, coordenadas em três planos: Estado, universidades e setor privado.
Para conselhos de administração e comitês de pessoas
1- Incorporar “risco cognitivo” na matriz de riscos corporativos
Tratar a baixa proficiência em Matemática como risco estratégico de primeira linha, com impactos diretos sobre:
- execução de projetos de digitalização, IA e automação;
- disponibilidade de workforce técnico minimamente preparado;
- conformidade com regulações que exigem validação humana de modelos, algoritmos e indicadores críticos.
2- Rever teses de talento e capacitação
Partir do pressuposto de que boa parte da força de trabalho não recebeu, na escola, a base quantitativa necessária para ambientes de alta automação. Isso implica:
- programas estruturados de reforço em Matemática, lógica e estatística elementar para técnicos, operadores e supervisores;
- trilhas internas que combinem fundamentos matemáticos com uso de ferramentas de IA, em vez de treinamentos puramente operacionais nas plataformas.
3- Ajustar expectativas de ROI em projetos de IA
Business cases que assumem adoção rápida e plena de soluções de IA no chão de fábrica, na agência bancária ou no backoffice precisam incorporar a curva de aprendizagem adicional decorrente da lacuna matemática. Caso contrário, o risco é superestimar ganhos de produtividade no curto prazo e subestimar custos de suporte e re-trabalho.
Para executivos, investidores institucionais e setor financeiro
1- Integrar educação básica em Matemática à agenda ESG
Reorientar parte relevante de investimentos sociais privados, patrocínios e recursos incentivados para programas com evidência de impacto em Matemática e raciocínio lógico nos anos iniciais, em articulação com redes públicas. Exemplos de linhas de atuação:
- apoio a formações continuadas em Matemática para professores do ensino fundamental;
- expansão de olimpíadas de Matemática, robótica educacional e clubes de ciências, com foco em redes públicas;
- desenvolvimento e escalonamento de simuladores, jogos e conteúdos digitais conectados a currículos oficiais, com monitoramento de resultados.
2- Criar consórcios setoriais de recuperação matemática
Estruturar consórcios setoriais (agronegócio, indústria 4.0, finanças, energia, saúde) com metas claras, por território, de aumento de proficiência em Matemática (Saeb e avaliações estaduais), vinculadas a:
- compromissos públicos de longo prazo;
- aportes financeiros plurianuais;
- uso de indicadores de aprendizagem como KPI de impacto socioeconômico.
3- Avaliar risco-país também pela lente educacional
Para fundos de pensão, gestoras de recursos e investidores de longo prazo, incorporar indicadores de proficiência em Matemática e de concluintes em STEM como variáveis de risco-país, ao lado de rating soberano, estabilidade política e ambiente regulatório. Países que não conseguirem recuperar sua base matemática tenderão a apresentar:
- menor crescimento de PIB per capita;
- menor capacidade de absorver tecnologias de IA;
- maior volatilidade social e política.
Para gestores públicos e a classe política
1- Tratar Matemática como política de Estado
Assumir explicitamente que:
- elevar a proficiência em Matemática no ensino fundamental é tão estratégico quanto garantir energia elétrica, logística e estabilidade macroeconômica;
- políticas bem-sucedidas exigem horizonte de 10–15 anos, atravessando governos, com continuidade de currículos, avaliações e programas de formação docente.
2- Reequilibrar o portfólio orçamentário em favor da base
Com o envelope global de educação próximo de 5–6% do PIB, o desafio central é reequilibrar, gradualmente, o gasto por aluno:
- reduzir a razão “gasto por aluno no ensino superior / gasto por aluno na educação básica”, hoje muito acima da média internacional;
- direcionar o incremento marginal de recursos para anos iniciais do fundamental, Matemática no 6.º ao 9.º ano, infraestrutura escolar e condições de trabalho docente.
3- Usar o novo indicador de Matemática como ferramenta de gestão
Incorporar a nova régua de Matemática (750 pontos no Saeb por etapa) aos instrumentos de gestão:
- metas estaduais e municipais pactuadas com a União;
- incentivos financeiros e técnicos associados ao cumprimento de metas;
- transparência de resultados por rede e por escola, com foco em apoio e não em punição cega.
4- Alinhar agendas de IA, inovação e infraestrutura digital à agenda de Matemática
Qualquer estratégia nacional de IA, governança de dados, hubs de inovação ou atração de data centers deve conter, como pilar explícito, metas de recuperação de Matemática na base. Sem isso, o país reforça a condição de usuário tardio e dependente de soluções produzidas fora.
Para o ecossistema acadêmico e científico
1- Circulação estruturada de professores universitários para a educação básica
Criar programas nacionais e estaduais que:
- levem professores universitários (especialmente mestres e doutores em áreas de exatas, engenharia e estatística) a atuar, parte da carga horária, em escolas de ensino fundamental e médio, em cooperação com as redes;
- institucionalizem ações de tutoria, clubes de Matemática, oficinas de resolução de problemas e formação em serviço para professores da educação básica, ancoradas em universidades públicas e comunitárias.
2- Indução de dissertações e teses em STEM com foco na base
Orientar parte relevante da pós-graduação em STEM para:
- desenvolvimento de metodologias, materiais e tecnologias educacionais voltadas ao ensino de Matemática na educação básica;
- avaliação rigorosa de impacto de programas de intervenção em redes públicas;
- modelos de formação docente em Matemática que possam ser escalados em larga escala.
3- Transformar ilhas de excelência em plataformas de transferência
Usar olimpíadas científicas, institutos de pesquisa, laboratórios e centros de IA como:
- hubs de formação e produção de conteúdo para professores da educação básica;
- espaços de experiências de imersão para estudantes do fundamental e médio;
- núcleos de desenvolvimento de recursos abertos (OER) em Matemática e Ciências, alinhados à BNCC.
Conclusão ampliada: de risco latente a agenda nacional
A nova régua de Matemática do MEC, ancorada no Saeb e apresentada na matéria do Estadão, cumpre um papel de “espelho necessário”: mostra, com números, que a aprendizagem em Matemática hoje é privilégio de poucos, não um direito assegurado à maioria dos estudantes brasileiros.
Os dados do PISA mostram que essa situação não é um acidente recente, mas o resultado de pelo menos duas décadas de avanço inicial seguido de estagnação em patamar baixo, com:
- distância persistente em relação à média da OCDE;
- parcela reduzida de estudantes em níveis de alta proficiência;
- maioria posicionada abaixo do mínimo adequado em Matemática.
Os dados de financiamento revelam que o problema não é apenas “falta de recursos”, mas a forma como o país organiza o portfólio educacional: gasta muito, em termos relativos, no topo da pirâmide (ensino superior), e pouco, por aluno, na base em que a Matemática é construída ou perdida.
Em 2025, o contexto torna esse quadro qualitativamente mais grave. IA, automação e robótica deixam de ser “tendências” para se tornar infraestrutura operacional de empresas, governos e serviços essenciais. Nesse ambiente:
- a baixa proficiência em Matemática converte-se em risco cognitivo estrutural;
- a sustentabilidade do modelo de universidade pública de excelência passa a depender diretamente da capacidade de reconstruir a base;
- a competitividade do país em setores intensivos em tecnologia fica condicionada à recomposição do “estoque de matemática” da população jovem.
O plano de ação não é trivial, mas é claro:
- reorganizar o orçamento educacional para privilegiar a base, sem destruir o topo;
- reposicionar a carreira docente do ensino fundamental, especialmente em Matemática, como função estratégica de Estado;
- acionar universidades e pós-graduação em STEM como alavancas de transferência de conhecimento para a educação básica;
- estruturar o engajamento empresarial e financeiro em torno de metas objetivas de proficiência, e não apenas de iniciativas pontuais.
Se essa agenda for tratada como política de Estado, com horizonte de 10–15 anos, há espaço para reverter a trajetória e reduzir o risco cognitivo estrutural que hoje se desenha para 2035–2050.
Se, ao contrário, continuarmos apenas medindo melhor um problema que não reorganiza prioridades, o Brasil corre o risco de entrar na era da IA com uma base matemática frágil, um ensino superior asfixiado por falta de insumos cognitivos e um lugar subalterno em uma economia mundial cada vez mais ancorada em dados, algoritmos e capacidade de abstração.
Em termos de decisão estratégica, o recado é direto: ou a Matemática passa a ser tratada como infraestrutura crítica de desenvolvimento nacional, ou o país aceitará, na prática, uma trajetória de baixa produtividade, alta dependência tecnológica e desigualdade estruturada por décadas.
Como podemos ajudar
A nMentors já vem operacionalizando, na prática, a agenda de recomposição da base cognitiva em Matemática e Ciências por meio de projetos educacionais estruturados, em especial o programa da EDP Boa Energia nas Escolas – que atua diretamente com professores do ensino fundamental, oferecendo formação continuada, materiais didáticos autorais, simuladores de eficiência energética, metodologias ativas e suporte pedagógico para trabalhar temas de energia, sustentabilidade e raciocínio lógico de forma concreta em sala de aula – e o programa CPFL nas Universidades, que conecta docentes e alunos de cursos universitários a desafios reais do setor elétrico, integrando conteúdos de STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics), estudos de caso, projetos aplicados e recursos digitais avançados, incluindo IA educacional e ambientes virtuais de aprendizagem.
Essas experiências demonstram que, quando há desenho técnico consistente, governança e alinhamento com as redes de ensino, é possível elevar significativamente o nível de conhecimento e engajamento de professores e estudantes, criando um pipeline mais robusto desde a educação básica até a formação superior. Empresas e instituições que desejem se engajar de forma estratégica nessa agenda – apoiando a formação de professores, a produção de conteúdos de alta qualidade e o desenvolvimento de competências matemáticas e científicas em larga escala – são convidadas a nos procurar na nMentors para cocriar projetos sob medida, alinhados às suas teses de ESG e de inovação de longo prazo.


