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AgriPV no Brasil: a agenda de dados para escalar com bioinsumos

O agronegócio brasileiro sempre operou sob uma lógica de escala, eficiência e adaptação. Essa tradição de execução, por si só, explica por que o país se tornou potência em commodities tropicais. O ponto é que o “ambiente de jogo” mudou. A variabilidade climática aumentou, estiagens ficaram mais severas em regiões críticas (Cerrado e Semiárido) e a competição por uso do solo se intensificou com a expansão acelerada de projetos solares. Em paralelo, cadeias globais passaram a exigir mais produtividade por hectare, menor pegada de carbono e rastreabilidade, com pressão crescente para não expandir área agrícola.

É nesse contexto que AgriPV (Agricultural Photovoltaics, agrivoltaics) deixa de ser “energia sobre a lavoura” e passa a ser interpretado como infraestrutura de resiliência climática. Não se trata apenas de gerar eletricidade. Trata-se de redesenhar o sistema produtivo para reduzir risco, estabilizar microclima e sustentar decisões agronômicas e tecnológicas com dados confiáveis.

O que é AgriPV, sem romantização

AgriPV é a co-localização planejada de módulos fotovoltaicos e cultivo agrícola, com engenharia e operação pensadas para convivência real com mecanização, logística, segurança e manutenção. O desempenho não é universal. Depende de cultura, clima, solo e do desenho do sistema (altura, espaçamento, orientação, transmissividade, tracking), além da disciplina operacional no campo.

O que torna AgriPV estrategicamente relevante é que ele pode alterar variáveis-chave de microclima e água, criando condições mais previsíveis em ambientes de estresse. Isso abre uma janela para ganhos que vão além da energia.

Mais do que energia: quatro efeitos que mudam a tese do valor

  1. Sombreamento parcial pode estabilizar (e, em alguns casos, melhorar) desempenho de culturas em ambientes quentes Em cenários de calor e radiação intensos, a planta pode reduzir atividade fisiológica no pico do dia para se proteger. Um sombreamento parcial bem desenhado pode atenuar esse estresse e reduzir a variância produtiva. É um efeito que depende fortemente da cultura e do projeto, mas altera o debate: AgriPV não é necessariamente competição por luz; pode ser uma arquitetura de modulação do estresse.
  2. Escudo microclimático e eficiência do uso da água Ao reduzir temperatura e vento na camada do dossel, AgriPV pode diminuir evaporação do solo e transpiração da planta, elevando WUE (Water Use Efficiency, eficiência do uso da água). Em regiões com instabilidade hídrica crescente, esse componente pode ser decisivo. O ponto crítico é quantificar o efeito com dados tropicais e comparar desempenho em multi-safra.
  3. A hipótese mais promissora para o Brasil: AgriPV como camada física para aumentar confiabilidade de bioinsumos Bioinsumos são soluções biológicas (inoculantes, biofertilizantes, biofungicidas, bioinseticidas, bioestimulantes) que podem reduzir dependência de químicos e apoiar metas de sustentabilidade. O problema é operacional: performance inconsistente em campo sob estresse térmico, radiação e déficit hídrico. A hipótese emergente é direta: ao estabilizar microclima, AgriPV pode elevar a sobrevivência e persistência de microrganismos e, portanto, aumentar a previsibilidade dos resultados. Esse ponto é particularmente relevante para o Cerrado e zonas de transição, onde o “software biológico” sofre com condições extremas.
  4. Biodiversidade como ativo operacional Com desenho intencional, a área sob e entre módulos pode ser manejada para favorecer serviços ecossistêmicos, como polinizadores. Isso exige governança e plano agronômico-ambiental, mas amplia a visão de AgriPV como paisagem multifuncional.

O gargalo brasileiro não é conceito. É certificação por evidência

A discussão sobre AgriPV no Brasil tende a oscilar entre entusiasmo e ceticismo. O que falta para sair desse binário é uma base de evidências auditáveis que permita certificar, com segurança, quais culturas e quais regiões realmente se beneficiam, sob quais parâmetros de projeto e operação.

Hoje, os principais gaps são estruturais:

  1. Falta de dados tropicais em escala de campo: Boa parte da literatura internacional foi gerada em ambientes temperados. Cerrado e Semiárido têm regimes de calor, vento, solo e água que exigem validação local. Sem séries temporais robustas, a decisão vira extrapolação.
  2. Falta de comparabilidade entre sítios: Sem padronização de KPIs (Key Performance Indicators, indicadores-chave de desempenho) e sem governança de dados, cada projeto vira um caso isolado. Isso impede metanálises e reduz a confiança de investidores e empresas.
  3. Insuficiência de experimentos multissítio e multi-safra: AgriPV interage com clima e solo. A variabilidade entre anos é parte do fenômeno. Sem multi-safra, corre-se o risco de capturar “um ano bom” ou “um ano ruim” e concluir errado.
  4. Falta de uma matriz de adequação por cultura e região: O Brasil precisa de uma agenda objetiva para responder: em quais culturas o sombreamento parcial reduz estresse sem penalizar produtividade? Em quais casos o trade-off é desfavorável? Quais desenhos físicos são recomendáveis para cada contexto? Sem essa matriz, a adoção tende a ser oportunista e vulnerável ao risco de pseudo-agrovoltaica.

O artigo acadêmico como “blueprint” da agenda de pesquisa aplicada

Para endereçar esse gap de forma estruturada, publicamos um artigo acadêmico no formato de Agenda de Pesquisa, com foco no Cerrado e Semiárido: AgriPV como Infraestrutura de Resiliência para Bioinsumos em Sistemas Tropicais. O papel desse paper não é “provar” o efeito com um estudo único. É definir o método, os mecanismos e a régua.

O que o paper entrega, em termos executivos:

  1. Modelo conceitual causal, com mediadores mensuráveis: O texto explicita como a infraestrutura AgriPV altera mediadores abióticos como VPD (Vapor Pressure Deficit, déficit de pressão de vapor), temperatura máxima de solo e potencial hídrico do solo, e como isso pode afetar a persistência de bioinsumos.
  2. Hipóteses falsificáveis, com hipótese nula e hipótese rival: O paper evita viés de confirmação ao formalizar H0 (hipótese nula) e uma hipótese rival ligada a risco fitossanitário (por exemplo, aumento de umidade relativa e molhamento foliar em certos desenhos), reconhecendo trade-offs.
  3. Protocolo experimental auditável e escalável: A proposta é multissítio e multi-safra, com delineamento estatístico robusto e análise por modelos mistos, visando replicabilidade e comparabilidade.
  4. KPIs formalizados com fórmulas: O paper incorpora LER (Land Equivalent Ratio, razão de equivalência de terra), WUE (Water Use Efficiency, eficiência do uso da água) e PR (Performance Ratio, razão de desempenho do sistema fotovoltaico), criando uma base para comparações consistentes.

Leitura recomendada: este paper é o ponto de partida para qualquer organização que queira agir com prudência técnica e ambição de escala, sem confundir narrativa com evidência.

O ponto que decide o sucesso: infraestrutura de pesquisa pronta para a ciência

Mesmo com um bom protocolo, existe um limitador prático que o Brasil ainda subestima: ciência de campo com integridade exige infraestrutura profissional. A maioria dos pesquisadores domina agronomia e biologia, mas não tem por obrigação dominar engenharia elétrica, automação, TI (Tecnologia da Informação) e OT (Operational Technology, tecnologia operacional), além de governança e cibersegurança. Sem isso, o experimento é vulnerável a falhas típicas:

  • sensores sem metrologia e calibração, gerando dados não comparáveis
  • telemetria instável e ausência de manutenção remota via IoT (Internet of Things, internet das coisas)
  • ausência de SCADA (Supervisory Control And Data Acquisition, supervisão e aquisição de dados) com auditoria e histórico operacional
  • Data Lake (repositório central de dados) sem versionamento e sem APIs (Application Programming Interface, interface de programação) para integração analítica
  • risco de integridade de dados e de operação por falta de segregação de redes, hardening e resposta a incidentes
  • ausência de QA/QC (Quality Assurance/Quality Control, garantia e controle de qualidade) como disciplina contínua

Em outras palavras: sem hardware, software e governança, a pesquisa em bioinsumos e AgriPV até acontece, mas tende a não gerar evidência “certificável” para escala comercial.

Referência discreta, porém prática

Para viabilizar sites de pesquisa “research-ready” no Brasil, faz sentido que universidades, institutos e empresas contem com integradores de engenharia especializados em AgriPV e infraestrutura digital de campo. Há poucos players com essa competência ponta a ponta. Um exemplo de empresa com foco nesse tipo de implantação é a nMentors (www.nMentors.com.br), atuando como implementadora de infraestrutura para pesquisa e operação em AgriPV.

Conclusão: a oportunidade existe, mas o caminho é método, dados e infraestrutura

O Brasil tem a escala agrícola, a pressão climática e o incentivo econômico para liderar a próxima onda de AgriPV. O que falta é um caminho padronizado para transformar potencial em evidência: uma agenda de pesquisa aplicada, com experimentos multissítio e multi-safra, KPIs consistentes e governança de dados. Sem isso, o setor se expõe a decisões erráticas e ao risco reputacional de implantações que não se sustentam tecnicamente.

Próximos passos recomendados

  1. Ler o artigo acadêmico (Agenda de Pesquisa) e entender o modelo causal, as hipóteses e o protocolo experimental
  2. Usar o paper como referência para estruturar projetos de pesquisa e pilotos empresariais com comparabilidade e auditoria
  3. Planejar a infraestrutura de campo como parte do método, não como acessório, incluindo instrumentação, dados, segurança e QA/QC

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