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Autor: Eduardo Fagundes

  • Agrivoltaicos como Solução para Mitigar os Impactos das Secas na Produção de Néctar e Polinização

    Agrivoltaicos como Solução para Mitigar os Impactos das Secas na Produção de Néctar e Polinização

    As mudanças climáticas, intensificadas por secas severas, representam uma ameaça significativa à agricultura, especialmente para culturas dependentes de polinização cruzada, como a abobrinha (Cucurbita pepo). Um estudo pioneiro conduzido por Maria Luisa Frigero e colaboradores, publicado em 2025 na Scientific Reports com apoio da FAPESP, revelou que secas moderadas (redução de 30% nas chuvas) diminuem o valor calórico do néctar de abobrinhas em 34%, enquanto secas extremas (redução de 80%) podem reduzir esse valor em até 95%, comprometendo a alimentação de polinizadores como abelhas e, consequentemente, a reprodução das plantas (Frigero et al., 2025).

    Este artigo propõe sistemas agrivoltaicos — a integração de painéis solares fotovoltaicos com agricultura — como uma estratégia inovadora para mitigar esses impactos. Baseado em estudos internacionais recentes, o texto destaca como os agrivoltaicos regulam microclimas, aumentam a eficiência hídrica e promovem habitats para polinizadores, oferecendo benefícios diretos à produção de néctar e à resiliência agrícola. Propomos uma agenda de pesquisa para investigadores brasileiros, inspirada no estudo da FAPESP, que explore os agrivoltaicos em contextos tropicais, com foco na abobrinha e outras culturas dependentes de polinização, visando contribuir para a segurança alimentar e energética no Brasil.

    Introdução

    As mudanças climáticas têm intensificado eventos extremos, como secas severas, que afetam a produção agrícola e os ecossistemas. O relatório Drought Hotspots Around the World 2023-2025 da UNCCD (2025) destaca que os padrões climáticos de 2023 e 2024 consolidaram um cenário de secas recordes, impactando tanto regiões vulneráveis quanto desenvolvidas. No Brasil, essas mudanças ameaçam a agricultura, um pilar econômico, especialmente em culturas que dependem de polinizadores, como a abobrinha (Cucurbita pepo). Um estudo conduzido pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e apoiado pela FAPESP demonstrou que uma redução de 30% nas chuvas pode diminuir em 34% o valor calórico do néctar, enquanto secas extremas (80% de redução) praticamente eliminam esse recurso, prejudicando abelhas e a reprodução das plantas (Frigero et al., 2025).

    Nesse contexto, os sistemas agrivoltaicos emergem como uma solução promissora, combinando a geração de energia solar com a produção agrícola em uma mesma área de terra. Esses sistemas oferecem benefícios múltiplos, como a regulação do microclima, a redução do estresse hídrico e o suporte à biodiversidade, incluindo polinizadores. Este artigo revisa as vantagens dos agrivoltaicos com base em estudos internacionais recentes, conectando-as aos desafios identificados no estudo da FAPESP, e propõe uma agenda de pesquisa para investigadores brasileiros, visando incentivar estudos que avaliem o potencial dos agrivoltaicos em culturas dependentes de polinização no Brasil.

    Benefícios dos Sistemas Agrivoltaicos

    Regulação do Microclima e Eficiência Hídrica

    Os sistemas agrivoltaicos criam um microclima favorável às culturas ao reduzir a evapotranspiração e a temperatura do solo. Barron-Gafford et al. (2019) demonstraram que a sombra dos painéis solares em regiões áridas, como o Arizona, reduz a evaporação do solo em cerca de 15%, mantendo a umidade em níveis até 65% superiores em comparação com áreas sem sombra. Esse efeito é particularmente relevante para o contexto do estudo da FAPESP, que identificou que a redução de chuvas compromete a produção de néctar em abobrinhas. A retenção de umidade pode minimizar o estresse hídrico, preservando a capacidade das plantas de produzir néctar com maior valor calórico.

    Além disso, Wu et al. (2025) observaram, em um estudo de modelagem na China, que painéis solares aumentam a umidade relativa do ar em até 35,8% em áreas sombreadas, criando condições mais estáveis para o crescimento vegetal. Essa regulação microclimática é crucial em cenários de seca extrema, como os descritos no relatório da UNCCD, onde a disponibilidade de água é severamente limitada. Para culturas como a abobrinha, que exigem irrigação regular, os agrivoltaicos podem reduzir a demanda hídrica, mantendo a produção de flores e néctar.

    Suporte à Biodiversidade e Polinizadores

    A integração de habitats para polinizadores em sistemas agrivoltaicos é uma vantagem significativa. Graham et al. (2018) investigaram um sistema agrivoltaico em Oregon e constataram que a sombra parcial dos painéis solares atrasa a floração e aumenta a abundância floral no final da temporada, beneficiando polinizadores como abelhas. Esse efeito pode contrabalançar a redução de néctar observada no estudo da FAPESP, onde a ausência de néctar afasta polinizadores, comprometendo a polinização cruzada.

    Ludzwevei et al. (2025) propuseram estratégias de manejo, como o plantio de espécies nativas sob os painéis, que aumentam a biodiversidade e atraem polinizadores. Em experimentos na França, Lechvieu et al. (2024) observaram maior frequência de visitas de polinizadores em áreas agrivoltaicas bem geridas, sugerindo que o manejo adequado pode mitigar os impactos negativos das secas na interação planta-polinizador. Esses achados são promissores para o Brasil, onde a biodiversidade de polinizadores é rica, mas ameaçada por mudanças climáticas.

    Aumento da Produtividade Agrícola e Resiliência

    Os agrivoltaicos também melhoram a produtividade agrícola em condições adversas. Barron-Gafford et al. (2025) relataram que culturas cultivadas sob painéis solares em regiões áridas apresentaram igual ou maior rendimento devido à redução do estresse hídrico e da depressão fotossintética ao meio-dia. Para a abobrinha, que sofre com a redução de néctar em condições de seca, esses sistemas podem garantir a produção de flores viáveis, essenciais para a polinização cruzada.

    Jung et al. (2024) destacaram que os agrivoltaicos aumentam a resiliência de culturas hortícolas em zonas semiáridas, reduzindo a evapotranspiração e melhorando a eficiência do uso da água. Esses benefícios são diretamente aplicáveis ao contexto brasileiro, onde secas cada vez mais frequentes, como as relatadas pela UNCCD, ameaçam a produção agrícola.

    Benefícios Socioeconômicos e Energéticos

    Além dos benefícios agrícolas, os agrivoltaicos promovem a geração de energia renovável, reduzindo a dependência de fontes fósseis. Semeraro et al. (2023) estimaram que cobrir 1% das áreas agrícolas com sistemas agrivoltaicos poderia gerar 944 GW de energia solar na Europa, ao mesmo tempo em que protege cultivos contra secas. No Brasil, com alta irradiação solar, os agrivoltaicos podem ser uma solução para aumentar a segurança energética rural, ao mesmo tempo em que protegem culturas como a abobrinha.

    Knapp e Sturchio (2024) introduziram o conceito de ecovoltaicos, que combina energia solar com conservação ecológica, sugerindo que esses sistemas podem contribuir para a restauração de terras degradadas, um objetivo alinhado com as metas da UNCCD de restaurar 1,5 bilhão de hectares até 2030. Para agricultores brasileiros, isso representa uma oportunidade de diversificar a renda e aumentar a resiliência econômica frente às mudanças climáticas.

    Conexão com o Estudo da FAPESP

    O estudo da FAPESP, conduzido por Frigero et al. (2025), revelou que secas moderadas (30% de redução nas chuvas) e extremas (80% de redução) diminuem drasticamente o valor calórico do néctar de abobrinhas, impactando polinizadores e a reprodução da planta. Os agrivoltaicos oferecem uma solução direta para esses desafios:

    • Mitigação do Estresse Hídrico: A redução da evaporação e a manutenção da umidade do solo, conforme observado por Barron-Gafford et al. (2019) e Wu et al. (2025), podem preservar a produção de néctar em condições de seca.
    • Suporte aos Polinizadores: A criação de habitats sob os painéis, como sugerido por Ludzwevei et al. (2025), pode aumentar a presença de abelhas, garantindo a polinização cruzada mesmo em cenários adversos.
    • Resiliência Agrícola: A proteção contra o calor excessivo e a melhoria da fotossíntese, conforme descrito por Barron-Gafford et al. (2025), podem manter a produção de flores viáveis, essenciais para a frutificação da abobrinha.

    Esses benefícios são particularmente relevantes para o Brasil, onde a agricultura é vulnerável às secas, e a polinização cruzada é crucial para culturas como abobrinha, melancia e melão.

    Proposta de Pesquisa

    Dada a relevância dos agrivoltaicos, propomos uma agenda de pesquisa para investigadores brasileiros, inspirada no estudo da FAPESP, com os seguintes objetivos:

    1. Avaliar o Impacto dos Agrivoltaicos na Produção de Néctar: Realizar experimentos em estufas e campos abertos em regiões tropicais, como São Paulo, para testar como a sombra dos painéis solares afeta a quantidade e o valor calórico do néctar em abobrinhas e outras culturas dependentes de polinização cruzada.
    2. Estudar o Comportamento de Polinizadores: Analisar o comportamento de abelhas em sistemas agrivoltaicos, investigando se a sombra parcial e a presença de plantas nativas aumentam a frequência de visitas, como sugerido por Lechvieu et al. (2024).
    3. Otimizar Configurações de Painéis: Testar diferentes configurações de painéis solares (e.g., altura, espaçamento, painéis seletivos) para equilibrar a necessidade de luz da abobrinha com os benefícios da sombra, conforme proposto por Semeraro et al. (2023).
    4. Avaliar Benefícios Socioeconômicos: Estudar o impacto dos agrivoltaicos na renda de pequenos agricultores brasileiros, considerando a geração de energia e a redução de custos com irrigação.
    5. Integrar com Restauração Ecológica: Explorar como os agrivoltaicos podem contribuir para a restauração de terras degradadas no Brasil, alinhando-se com as metas da UNCCD.

    Essa agenda deve ser conduzida em colaboração com instituições como a Unesp, Embrapa e universidades internacionais, utilizando metodologias experimentais semelhantes às do estudo da FAPESP, mas adaptadas para incluir painéis solares. Financiamentos da FAPESP, CNPq e programas internacionais, como os da União Europeia, podem viabilizar esses estudos.

    Desafios e Considerações

    Embora promissores, os agrivoltaicos apresentam desafios. A sombra excessiva pode reduzir a fotossíntese em culturas como a abobrinha, que requer luz intensa, exigindo configurações otimizadas de painéis (Jung et al., 2024). Além disso, os custos iniciais de instalação são altos, o que pode limitar a adoção por pequenos agricultores sem incentivos governamentais. Finalmente, a falta de estudos específicos sobre abobrinha em sistemas agrivoltaicos no Brasil destaca a necessidade de pesquisas locais para validar os benefícios observados em outros contextos.

    Conclusão

    Os sistemas agrivoltaicos oferecem uma solução inovadora para os desafios impostos pelas secas às culturas dependentes de polinização cruzada, como a abobrinha, conforme evidenciado pelo estudo da FAPESP. A regulação do microclima, a eficiência hídrica, o suporte aos polinizadores e os benefícios socioeconômicos tornam os agrivoltaicos uma ferramenta promissora para a agricultura sustentável no Brasil. A agenda de pesquisa proposta incentiva investigadores a explorar esses sistemas em contextos tropicais, contribuindo para a segurança alimentar, energética e ecológica. Com base em estudos como os de Barron-Gafford et al. (2019, 2025), Graham et al. (2018) e Ludzwevei et al. (2025), os agrivoltaicos podem transformar a agricultura brasileira, enfrentando os desafios climáticos descritos pela UNCCD.

    Referências

    BARRON-GAFFORD, G. A.; PAVAO-ZUCKERMAN, M. A.; MINOR, R. L.; SUTTER, L. F.; BARNETT-MORENO, I.; BLACKETT, D. T.; THOMPSON, M.; DIMOND, K.; GERLAK, A. K.; NABHAN, G. P. Agrivoltaics provide mutual benefits across the food-energy-water nexus in drylands. Nature Sustainability, v. 2, p. 848-855, 2019. DOI: 10.1038/s41893-019-0364-5.

    BARRON-GAFFORD, G. A.; MURPHY, P.; SALAZAR, A.; LEPLEY, K.; ROSINI, N.; BARNETT-MORENO, I.; MACKNICK, J. E. Agrivoltaics as a climate-smart and resilient solution for midday depression in photosynthesis in dryland regions. npj Sustainable Agriculture, v. 3, p. 32, 2025. DOI: 10.1088/342464-025-00773-1.

    FRIGERO, M. L.; GUIMARÃES, E.; BOARO, C.; GALETTO, L.; TUNES, P. Extreme events induced by climate change alter nectar offer to pollinators in cross pollination-dependent crops. Scientific Reports, v. 15, 2025. DOI: 10.1038/s41598-025-94565-2.

    GRAHAM, M.; ATES, S.; MELATHOPOULOS, A. P.; MOLDENKE, A. R.; DEBANO, S. J.; BEST, L. R.; HIGGINS, C. W. Partial shading by solar panels delays bloom, increases floral abundance during the late-season for pollinators in a dryland, agrivoltaic ecosystem. PLOS ONE, v. 13, p. e0203256, 2018. DOI: 10.1371/journal.pone.0203256.

    JUNG, D.; SCHÖNBERGER, F.; SPERA, F. Effects of Agrivoltaics on the Microclimate in Horticulture: Enhancing Resilience of Agriculture in Semi-Arid Zones. [S.l.]: [s.n.], 2024. DOI: 10.5283/sagripv.v3i.1033.

    KNAPP, A. K.; STURCHIO, M. A. Ecovoltaics in an increasingly water-limited world: An ecological perspective. One Earth, v. 7, p. 1705-1712, 2024. DOI: 10.1016/j.oneear.2024.09.003.

    LECHVIEU, A.; BIENVENU, L.; ISSELIN-NONDEDEU, F.; BISCHOFF, A.; GROS, R.; SCHATZ, B. Effects of solar panels and management on pollinators and their interactions with plants in Southern French solar parks. [S.l.]: [s.n.], 2024.

    LUDZWEVEI, A.; PATERSON, J.; WYDRA, K.; PUMP, C.; MÜLLER, K.; MILLER, Y. Enhancing ecosystem services and biodiversity in agrivoltaics through habitat-enhancing strategies. Renewable and Sustainable Energy Reviews, v. 212, p. 115380, 2025. DOI: 10.1016/j.rser.2025.115380.

    SEMERARO, T.; SCARANO, A.; LEGGIERI, A.; CALISI, A.; DE CAROLI, M. Impact of Climate Change on Agroecosystems and Potential Adaptation Strategies. Plants, People, Planet, v. 5, p. 650-661, 2023. DOI: 10.1002/ppp3.10371.

    SEMERARO, T.; SCARANO, A.; SANTINO, A.; EMMANUEL, R.; LENUCCI, M. An innovative approach to combine solar photovoltaic gardens with agricultural production and ecosystem services. [S.l.]: [s.n.], 2025.

    WU, C.; LIU, H.; YU, Y.; ZHAO, W.; LIU, J.; YU, H.; YETEMEN, O. Ecohydrological effects of photovoltaic solar farms on soil microclimates and moisture regimes in arid Northwest China: A modeling study. [S.l.]: [s.n.], 2025.

  • Pontos Críticos para Consultorias em Energia: Lições de um Setor em Constante Transformação

    O setor elétrico brasileiro segue marcado por forte dinamismo regulatório e pressão sobre tarifas, subsídios e encargos. Para consultorias em energia, isso exige uma postura estratégica e técnica rigorosa na estruturação de contratos e projetos de engenharia para seus clientes.

    Monitoramento Contínuo das Regras do Jogo

    O arcabouço legal e regulatório muda com frequência — leis, medidas provisórias, resoluções da ANEEL e portarias ministeriais impactam diretamente tarifas, contratos e incentivos. Consultorias precisam manter radar ativo sobre mudanças normativas para garantir a conformidade regulatória e proteger os clientes de riscos contratuais e jurídicos futuros.

    Subsídios e Encargos: O Custo Invisível

    Encargos como CDE, Proinfa, CCC e subsídios cruzados representam frações significativas da tarifa final. Ao desenhar contratos ou projetos, é essencial avaliar o impacto real desses custos para cada perfil de consumo e identificar oportunidades de economia — como adesão a programas tarifários, gestão por demanda ou uso estratégico de geração própria.

    Contratos Claros, Sem Surpresas

    Diante de um mercado com distorções e riscos latentes, a redação contratual deve priorizar transparência, prevendo cláusulas de repactuação, rediscussão de encargos e reajustes. A clareza sobre responsabilidades em caso de mudanças externas é a principal defesa contra litígios e prejuízos inesperados.

    Avaliação de Riscos Regulatórios

    Projetos e investimentos em energia devem incorporar uma análise estruturada de riscos regulatórios. Mudanças como o fim de subsídios à GD, revisão de tarifas de uso (TUSD) e alterações no mercado livre podem inviabilizar negócios. Cenários prospectivos e salvaguardas contratuais são ferramentas essenciais para mitigar impactos.

    Eficiência Técnica com Responsabilidade

    Nem toda novidade tecnológica traz resultados efetivos. A consultoria deve atuar como filtro técnico, recomendando soluções embasadas em dados, medições reais e projeções econômicas sólidas. Evitar modismos e garantir eficiência comprovada é uma marca de qualidade.

    Educação do Cliente como Ativo Estratégico

    Boa parte dos clientes empresariais não compreende as engrenagens do setor elétrico. É papel da consultoria traduzir a complexidade em decisões compreensíveis, promovendo alfabetização energética mínima e criando confiança mútua.

    Consultorias que combinam visão regulatória, conhecimento técnico e contratos claros não oferecem apenas serviços; elas proporcionam aos seus clientes segurança jurídica, previsibilidade econômica e sustentabilidade.

  • Briefing: “AI and the Paradox of Trust” – Yuval Noah Harari

    Data e Contexto: 24 de março de 2025, China Development Forum, Pequim.
    Título: AI and the Paradox of Trust.
    Duração: Aproximadamente 14 minutos.
    Link: AI and the Paradox of Trust | Yuval Noah Harari

    Resumo: Yuval Noah Harari aborda três questões centrais sobre inteligência artificial (IA): sua definição, seus perigos e como a humanidade pode prosperar na era da IA. Ele define IA como um agente autônomo, não apenas automação, destacando sua capacidade de aprender, decidir e criar, como exemplificado pelo AlphaGo. Harari alerta para o “paradoxo da confiança”: humanos desconfiam uns dos outros, mas confiam em IAs superinteligentes, o que considera um erro. Ele enfatiza que a cooperação humana é essencial para controlar a IA, usando a metáfora da respiração para ilustrar a interdependência global. A palestra é um apelo filosófico por maior confiança entre humanos para evitar que a IA domine a humanidade.

    Pontos Principais:

    1. O que é IA?
      • IA é um agente com capacidade de aprender, decidir e criar autonomamente, distinta de automação. Exemplo: uma máquina de café que prevê preferências e inventa bebidas é IA, ao contrário de uma que segue instruções fixas.
      • A IA é uma inteligência “alienígena”, não humana ou orgânica, capaz de criar estratégias inéditas, como o AlphaGo, que em 2016 derrotou o campeão de Go, Lee Sedol, com táticas nunca vistas em milhares de anos de cultura do jogo.
    2. Quais os perigos da IA?
      • A IA é imprevisível e não confiável devido à sua natureza alienígena, podendo mudar objetivos e estratégias autonomamente.
      • O “paradoxo da confiança”: líderes de IA reconhecem riscos, mas aceleram o desenvolvimento por medo de que competidores “implacáveis” venham a dominar, enquanto confiam nas IAs que criam, apesar de desconfiarem de outros humanos.
      • Riscos incluem a criação de novas estratégias militares, financeiras, armas, moedas, ideologias ou religiões, com consequências imprevisíveis.
    3. Como a humanidade pode prosperar na era da IA?
      • A solução é construir mais confiança entre humanos para controlar a IA coletivamente. Divisão e desconfiança tornam a humanidade vulnerável.
      • Harari usa a metáfora da respiração: assim como o corpo depende da troca com o ambiente, nações dependem da cooperação global. Ele cita a China como exemplo, que deu (Confúcio, chá, pólvora) e recebeu (Buda, Marx, futebol, computadores) contribuições culturais.
      • Humanos dominam o planeta por cooperar em larga escala, uma habilidade desenvolvida ao longo de milênios, essencial para enfrentar a IA.
      • Alerta: a crise de confiança global e o foco em medo e dor históricos enfraquecem a humanidade, tornando-a presa fácil para uma IA descontrolada.

    Pontos Controversos:

    1. Visão Alarmista sobre a IA:
      • Crítica: Harari é acusado de alarmismo ao comparar a IA a uma “invasão alienígena”, exagerando riscos em detrimento de benefícios, como avanços em medicina e combate às mudanças climáticas. Otimistas tecnológicos (e.g., Yann LeCun) veem a IA como uma evolução controlável, não uma ameaça existencial.
      • Contraponto: A metáfora destaca a imprevisibilidade da IA, reforçando a necessidade de cautela, alinhada com alertas de organizações como o Future of Life Institute.
    2. Paradoxo da Confiança e Competição Global:
      • Crítica: A generalização de que líderes confiam cegamente em IAs é questionada, já que empresas como OpenAI e xAI investem em segurança.
      • Contraponto: A corrida por IA, impulsionada por desconfiança geopolítica (e.g., EUA vs. China), confirma o alerta de Harari sobre a pressão para priorizar velocidade sobre segurança.
    3. Cooperação Humana como Solução:
      • Crítica: A proposta de maior confiança global é vista como utópica, dado o atual clima de tensões geopolíticas (e.g., disputas comerciais entre EUA e China).
      • Contraponto: Harari baseia-se na história de cooperação humana (e.g., nações modernas, comércio global) para argumentar que é possível, embora desafiador.
    4. Comparação com o Go e o Mercado Financeiro:
      • Destaque: Harari compara a vitória do AlphaGo, com estratégias “alienígenas”, ao potencial da IA para criar táticas financeiras disruptivas, como novos modelos de investimento ou moedas.
      • Crítica: Alguns veem isso como exagero, já que o mercado financeiro já usa algoritmos avançados, e as inovações da IA podem ser apenas incrementais.
      • Contraponto: A imprevisibilidade das estratégias de IA pode levar a crises financeiras (e.g., flash crashes) ou desigualdades, reforçando a necessidade de regulamentação.
    5. Falta de Soluções Práticas:
      • Crítica: Harari foca em reflexões filosóficas, mas não oferece diretrizes concretas para regulamentar IA ou implementar cooperação global.
      • Contraponto: Seu papel é provocar debate ético, deixando soluções práticas para especialistas em tecnologia e política.
    6. Contexto Político da Palestra:
      • Crítica: Realizada na China, a palestra pode ser vista como sensível por abordar confiança global em um contexto de críticas internacionais à transparência chinesa.
      • Contraponto: Harari usa exemplos positivos da China (e.g., Confúcio, pólvora) para engajar o público local, promovendo diálogo inclusivo.

    Conclusão: A palestra de Harari é uma reflexão profunda sobre os desafios éticos e sociais da IA, com uma mensagem clara: a confiança humana é crucial para controlar a IA. Sua comparação entre o AlphaGo e o mercado financeiro ilustra o potencial disruptivo da IA, mas também atrai críticas por alarmismo. As controvérsias refletem tensões entre otimismo tecnológico, pragmatismo político e preocupações éticas, destacando a relevância do debate. A palestra, disponível em YouTube (47.607 visualizações até 7 de julho de 2025), é um convite à reflexão sobre o futuro da humanidade na era da IA.

  • A Curva do Pato e o Curtailment no Brasil

    A Curva do Pato e o Curtailment no Brasil

    A chamada Curva do Pato representa uma distorção no perfil de carga líquida dos sistemas elétricos com alta penetração solar. Ela ocorre quando, ao meio-dia, a geração solar ultrapassa a demanda local, obrigando o operador do sistema a reduzir a produção para evitar sobrecarga. No final da tarde, o oposto acontece: a geração solar desaparece rapidamente, ao mesmo tempo em que a demanda cresce com o retorno das pessoas para casa, exigindo rampas rápidas de geração térmica. O Brasil já vive esse fenômeno. Segundo a EPE (2024), o país registrou mais de 2 GW médios de curtailment solar — ou seja, energia gerada e não aproveitada — com destaque para o Nordeste. Isso é resultado de um conjunto de fatores: crescimento acelerado da geração distribuída sem planejamento integrado, atrasos na expansão da rede de transmissão e ausência de instrumentos de flexibilidade como baterias e resposta da demanda.

    A Curva do Pato foi observada pela primeira vez em 2013, na Califórnia, pelo operador CAISO, e hoje é documentada em diversas regiões com forte presença de energia solar. No período da manhã, a carga sobe gradualmente e a geração solar entra aos poucos. Ao meio-dia, a produção atinge seu pico, reduzindo drasticamente a carga líquida — essa é a “barriga do pato”. Já no fim da tarde, a solar cai e a demanda sobe, formando o “pescoço do pato”, uma rampa que pressiona o sistema a responder rapidamente. Isso gera dois riscos principais: excesso de geração, que pode causar instabilidade e obrigar o desligamento de usinas, e a necessidade de rampas rápidas de potência firme, que elevam os custos operacionais e as emissões.

    Gráfico: Stephen Osborne, MBA

    No Brasil, o curtailment está associado diretamente a falhas de planejamento e coordenação. A geração distribuída, especialmente a solar, avançou de forma descentralizada e descoordenada em relação à capacidade da rede, principalmente em áreas do semiárido nordestino. Paralelamente, grandes usinas contratadas em leilões aguardam conexão por conta de atrasos em obras de transmissão. Além disso, a flexibilidade operacional do sistema é limitada, uma vez que o Brasil ainda depende de hidrelétricas e térmicas que não conseguem responder com agilidade às variações bruscas de carga. Soma-se a isso a ausência de baterias e de um modelo de precificação horária, que permitiria deslocar o consumo para horários mais solares ou remunerar a geração conforme sua contribuição sistêmica.

    O impacto é mensurável. A EPE estima perdas superiores a 2 GW médios nos momentos de pico solar. O ONS e a CCEE alertam para a saturação de pontos críticos na rede, comprometendo a confiabilidade e a expansão da geração renovável. Para enfrentar esse cenário, estão em curso algumas iniciativas: propostas de sinal locacional e tarifa horária, leilões com reserva de capacidade incluindo armazenamento, estudos para usinas reversíveis, projetos-piloto de resposta da demanda e o mapeamento de áreas congestionadas.

    As implicações são estratégicas. A flexibilidade passa a ser um ativo central no novo modelo energético. O sucesso da matriz solar não depende apenas da geração, mas da capacidade do sistema de absorver e integrar essa energia com inteligência. Isso exige planejamento integrado, digitalização da rede e sinalização econômica adequada. Também abre espaço para novos modelos de negócio: baterias, gestão de carga, agregadores de demanda e ativos virtuais podem desempenhar papel relevante, desde que os sinais de mercado sejam compatíveis com essa nova realidade.

    A Curva do Pato, portanto, já não é uma abstração no Brasil. O curtailment solar é uma realidade que compromete eficiência, competitividade e a própria transição energética. As soluções estão disponíveis, mas exigem coordenação entre planejamento, regulação e inovação. Armazenamento, redes preparadas e precificação correta são peças-chave para garantir um futuro energético limpo, resiliente e funcional.

    Próximos passos: acompanhar a evolução dos estudos regulatórios da ANEEL, os pilotos do ONS com baterias como serviço ancilar e os leilões de capacidade com armazenamento.

    Fontes: EPE (2024), ONS, CCEE, CAISO, REE, China NEA, IEA