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Autor: Eduardo Fagundes

  • InfoTarifa Agosto 2025 e o Futuro dos Investimentos em Energia

    InfoTarifa Agosto 2025 e o Futuro dos Investimentos em Energia

    Energia, Regulação e Estratégia: Caminhos para Conselhos e Investidores

    Introdução

    Para apoiar conselheiros e investidores na leitura do atual quadro do setor elétrico, este artigo propõe uma análise prospectiva que vai além da fotografia apresentada pelo relatório InfoTarifa da ANEEL. O documento mostrou que o custo da energia no Brasil está subindo acima da inflação, pressionado por encargos crescentes e insegurança regulatória. Essa realidade exige não apenas acompanhamento técnico, mas sobretudo decisões estratégicas de médio e longo prazo.

    Nosso objetivo aqui é oferecer um guia estruturado para tomada de decisão, construído a partir de quatro cenários prospectivos. Cada cenário foi elaborado com base em tendências evidenciadas no relatório — como o aumento da CDE, a descotização das usinas da Eletrobras, a volatilidade das bandeiras tarifárias e as incertezas em torno do PIS/COFINS. Ao projetar futuros alternativos, buscamos evidenciar os riscos e oportunidades que podem emergir, além de indicar ações práticas que conselhos e investidores podem implementar dentro das empresas.

    Essa abordagem prospectiva é essencial porque permite compreender que os desdobramentos do setor elétrico não se limitam à política tarifária ou ao movimento de curto prazo. O que está em jogo é a capacidade de planejamento e posicionamento estratégico diante de um ambiente marcado por pressões regulatórias, transição energética e mudanças tecnológicas aceleradas.

    Ao longo deste artigo, cada cenário é descrito em sua lógica interna e acompanhado de recomendações concretas — que vão desde medidas defensivas, como investimentos em eficiência energética e postergação de grandes CAPEX, até iniciativas ofensivas, como o financiamento de novos modelos de negócio em armazenamento e hidrogênio verde. Assim, o leitor encontrará não apenas hipóteses de futuro, mas também um mapa de navegação estratégico para transformar riscos em oportunidades de crescimento e posicionamento competitivo.

    Diagnóstico do InfoTarifa Agosto 2025

    O relatório InfoTarifa de agosto de 2025 da ANEEL registrou que o setor elétrico brasileiro atravessa um momento de forte pressão tarifária. O efeito médio projetado para o ano foi de 6,3%, superando os principais índices de inflação — IPCA (5,1%) e IGP-M (1,3%). A principal causa apontada foi o crescimento da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que alcançou R$ 49,2 bilhões, valor 32% maior que em 2024 e R$ 8,6 bilhões acima da previsão inicial.

    O relatório detalha que esse aumento está relacionado aos subsídios cruzados — voltados para a micro e minigeração distribuída, a tarifa social, as fontes incentivadas e os combustíveis fósseis. Também se destacam a pressão da descotização das usinas da Eletrobras e o acionamento das bandeiras tarifárias vermelhas. Medidas compensatórias, como o Bônus de Itaipu, com a devolução de R$ 937 milhões a consumidores residenciais e rurais, foram classificadas como insuficientes diante da magnitude da alta.

    Outro ponto apresentado é a insegurança jurídica, com destaque para o debate sobre a devolução do PIS/COFINS, ainda em análise pelo STF. O relatório indica que a indefinição em torno desse tema amplia a instabilidade sobre a formação das tarifas.

    Por fim, o InfoTarifa ressalta que a Medida Provisória nº 1.300/2025 representa um movimento relevante, ao ampliar a Tarifa Social, abrir o mercado livre a todos os consumidores e revisar os encargos setoriais. O documento observa que essas medidas marcam uma mudança estrutural no setor, mas ainda em fase de implementação.

    Cenários Prospectivos

    O relatório InfoTarifa Agosto 2025 revelou que o setor elétrico brasileiro entrou em uma fase marcada por tarifas mais altas, maior peso de encargos setoriais, insegurança jurídica e transformações regulatórias em andamento. Esse conjunto de fatores não desenha apenas um desafio imediato para consumidores e empresas de energia, mas abre diferentes trajetórias para o futuro próximo. O que está em jogo não é somente a política tarifária de um ano específico, mas a capacidade do país de oferecer previsibilidade, atrair investimentos e garantir competitividade às cadeias produtivas e digitais.

    A análise prospectiva é essencial porque permite enxergar o setor como um campo de múltiplos futuros possíveis. As variáveis apontadas pelo relatório — crescimento da CDE, descotização das usinas da Eletrobras, acionamento das bandeiras tarifárias, indefinições tributárias e implementação da MP nº 1.300/2025 — são as bases que sustentam a construção de quatro cenários alternativos. Cada um deles projeta como a interação entre regulação, inovação tecnológica, segurança jurídica e comportamento dos consumidores pode redesenhar o setor elétrico até o fim da década.

    Nesse contexto, os datacenters assumem papel central. Como grandes consumidores de energia e infraestrutura crítica da economia digital, eles não apenas sentem o impacto direto das tarifas, mas também podem se tornar catalisadores da modernização. O Programa Nacional de Datacenters, ao prever incentivos para esse setor, adiciona uma nova camada estratégica à análise: a expansão da infraestrutura digital dependerá diretamente da solidez regulatória e da disponibilidade de energia limpa, competitiva e previsível.

    Assim, os cenários prospectivos aqui apresentados não são exercícios de imaginação. São mapas de decisão que permitem a conselheiros, investidores, empresas de energia e grandes consumidores — incluindo os datacenters — avaliar riscos, antecipar movimentos e identificar oportunidades de crescimento. Cada cenário combina descrição, ações práticas que podem ser adotadas dentro das empresas e oportunidades de negócio que se abrem em contextos tão distintos.

    Cenário A – Estagnação Cara

    Neste cenário, as condições atuais se prolongam sem avanços significativos. O orçamento da CDE continua crescendo ano após ano, alimentado por subsídios cruzados para micro e minigeração, tarifa social e fontes incentivadas. A descotização das usinas da Eletrobras pressiona os custos da geração, enquanto as bandeiras tarifárias permanecem acionadas em função da baixa hidraulicidade e do uso mais intenso de termelétricas. Paralelamente, a indefinição sobre o PIS/COFINS no STF mantém o setor em um ambiente de insegurança jurídica permanente.

    O efeito combinado é um setor caro, pesado em encargos e sem estímulos claros à inovação. Grandes consumidores enfrentam margens cada vez mais comprimidas, e investidores recuam, priorizando ativos já amortizados ou projetos de baixo risco. A previsibilidade é mínima, e cada ciclo tarifário gera novas surpresas.

    Ações práticas nas empresas:

    • Intensificar programas de eficiência energética e automação para reduzir consumo específico.
    • Postergar grandes investimentos de expansão ou diversificação até maior clareza regulatória.
    • Utilizar contratos curtos ou de média duração no mercado livre apenas como instrumentos de hedge.
    • Revisar continuamente provisões jurídicas e contingências tributárias.
    • Reduzir exposição em ativos que dependam fortemente de subsídios.

    Oportunidades:

    • Investimentos em autoprodução solar/eólica onshore, como blindagem de custos no longo prazo.
    • Projetos de biomassa em cadeias regionais, aproveitando sinergias locais.
    • Serviços de consultoria em eficiência energética para terceiros, transformando aprendizado interno em fonte de receita.

    Cenário B – Ajuste Controlado

    Nesse cenário, a MP nº 1.300/2025 avança de forma consistente, promovendo ajustes graduais. O mercado livre se amplia, os subsídios cruzados começam a ser reduzidos e os encargos passam a ter maior previsibilidade. As revisões da CDE e dos encargos setoriais criam uma base mais transparente, ainda que sem mudanças disruptivas.

    O ambiente permite a empresas e investidores algum grau de confiança para planejar no médio prazo. Os consumidores encontram no mercado livre e em PPAs instrumentos sólidos de previsibilidade. Investidores priorizam ativos convencionais (solar e eólica onshore), mas começam a ensaiar movimentos em híbridos e contratos estruturados.

    Ações práticas nas empresas:

    • Migrar gradualmente para o mercado livre, com PPAs de médio e longo prazo.
    • Estruturar consórcios de autoprodução entre grandes consumidores, incluindo datacenters, diluindo custos.
    • Incorporar planejamento energético estratégico ao planejamento corporativo.
    • Expandir áreas internas de gestão de portfólio de energia.
    • Integrar energia às políticas de ESG e sustentabilidade corporativa.

    Oportunidades:

    • Consolidação de ativos estáveis em solar e eólica, incluindo o abastecimento de datacenters.
    • Criação de serviços de gestão energética e comercialização para novos entrantes no mercado livre.
    • Parcerias com investidores interessados em retornos previsíveis.
    • Desenvolvimento de projetos híbridos simples (solar + storage em escala limitada).

    Cenário C – Inovação Caótica

    Aqui, o governo acelera incentivos a novas tecnologias, como BESS, hidrogênio verde e biomassa. Contudo, a regulação permanece fragmentada, sem arcabouço jurídico sólido. Projetos surgem em clusters industriais, corredores logísticos e hubs regionais, mas sofrem com instabilidade regulatória, mudanças abruptas em incentivos e judicialização frequente.

    O resultado é um ambiente de dinamismo tecnológico, mas de alto risco. Investidores com maior tolerância à volatilidade podem obter ganhos expressivos, enquanto empresas avessas ao risco permanecem retraídas. Consumidores dispostos a investir em inovação encontram vantagens, mas carregam elevada exposição regulatória.

    Ações práticas nas empresas:

    • Priorizar projetos-piloto em clusters industriais ou parcerias com governos locais, que incluam datacenters como consumidores-âncora. 
    • Estruturar contratos com cláusulas de adaptação regulatória.
    • Criar comitês internos de regulação e inovação para monitorar riscos em tempo real.
    • Diversificar portfólio: manter ativos convencionais enquanto aposta seletivamente em inovação.
    • Desenvolver capacidades internas em captação de fundos de inovação nacionais e internacionais.

    Oportunidades:

    • Datacenters como catalisadores de inovação, testando BESS, cogeração com biomassa e integração com H₂V.
    • Retornos elevados em projetos pioneiros de BESS e H₂V.
    • Acesso a fundos de inovação, capital de risco e financiamentos multilaterais.
    • Inserção em cadeias de biomassa e biogás como complemento firme às renováveis.
    • Posicionamento de marca como agente inovador e de vanguarda.

    Cenário D – Transformação Estratégica

    Neste cenário, o Brasil adota um modelo regulatório moderno, inspirado em práticas internacionais. As tarifas passam a ser horárias e locacionais, o mercado livre é universalizado e os incentivos para inovação são claros e estáveis. Investidores internacionais veem o Brasil como destino estratégico de capital em energia limpa.

    Empresas de energia ampliam portfólios, incorporando baterias, hidrogênio e projetos híbridos em larga escala. Grandes consumidores deixam de ser passivos: tornam-se protagonistas, negociando PPAs sofisticados, investindo em autoprodução e participando de programas de resposta da demanda. O país se posiciona como hub exportador de energia limpa e hidrogênio verde.

    Ações práticas nas empresas:

    • Escalar investimentos em BESS, H₂V e híbridos em grande porte.
    • Reestruturar modelos de negócio para capturar receitas em serviços ancilares e mercados de capacidade.
    • Estabelecer parcerias público-privadas em transmissão e integração de sistemas.
    • Capacitar conselhos e executivos em finanças energéticas, digitalização e governança de risco.
    • Integrar energia à estratégia central de competitividade, e não apenas à gestão de custos.

    Oportunidades:

    • Datacenters como âncora da transição energética, articulando PPAs e storage em escala.
    • Atrair capital internacional em grande escala.
    • Tornar o Brasil hub global de energia limpa e exportador de H₂V.
    • Explorar novos mercados baseados em flexibilidade e inovação digital.
    • Consolidar imagem de liderança em transição energética.

    Quadro-Síntese – Ações Estratégicas por Cenário

    CenárioDescriçãoAções Práticas nas EmpresasOportunidades
    A – Estagnação CaraCrescimento contínuo da CDE, manutenção de subsídios cruzados, descotização das usinas da Eletrobras e insegurança jurídica (PIS/COFINS). Tarifas seguem em alta e imprevisíveis.– Intensificar eficiência energética e automação.
    – Postergar ou escalonar CAPEX de novos projetos.
    – Firmar contratos curtos de hedge no mercado livre
    – Provisionar riscos tributários e regulatórios.
    – Datacenters: adiar expansão e investir em otimização do consumo.
    – Autoprodução solar/eólica onshore para redução de custos.
    – Projetos regionais de biomassa. Serviços de consultoria em eficiência energética, incluindo para datacenters.
    B – Ajuste ControladoAvanço gradual da MP 1.300/2025, revisão de subsídios cruzados e ampliação do mercado livre com previsibilidade, mas foco em tecnologias maduras.– Migrar gradualmente para o mercado livre, com PPAs de médio/longo prazo.
    – Formar consórcios de autoprodução (incluindo datacenters).
    – Incorporar planejamento energético estratégico.
    – Ampliar gestão de portfólio de energia.
    – Datacenters: firmar PPAs renováveis para atrair clientes globais.
    – Expansão de ativos solares e eólicos maduros.
    – Serviços de gestão energética digitalizada. – “Green datacenters” certificados como diferencial competitivo.
    C – Inovação CaóticaIncentivos aceleram BESS, H₂V e biomassa, mas sem regulação clara. Projetos avançam em clusters e hubs, sob risco de instabilidade e judicialização.– Priorizar projetos-piloto em clusters industriais.
    – Estruturar contratos flexíveis com cláusulas de adaptação.
    – Criar comitês internos de monitoramento regulatório.
    – Balancear portfólio entre ativos convencionais e inovadores.
    – Datacenters: testar modelos inovadores de abastecimento (BESS, cogeração, H₂V).
    – Retornos elevados em projetos pioneiros de BESS e H₂V.
    – Acesso a fundos de inovação e capital de risco.
    – Datacenters como catalisadores de inovação energética, oferecendo infraestrutura resiliente.
    D – Transformação EstratégicaRegulação clara, mercado livre universalizado, tarifas horárias e locacionais. Incentivos estáveis atraem capital internacional e viabilizam tecnologias emergentes.– Investir em BESS, H₂V e projetos híbridos em grande escala.
    – Estruturar modelos de negócio para capturar serviços ancilares e mercados de capacidade.
    – Estabelecer PPPs em transmissão e integração regional.
    – Capacitar conselhos em finanças energéticas e digitalização.
    – Datacenters: operar como âncoras energéticas, integrando PPAs híbridos e storage.
    – Brasil como hub global de energia limpa e H₂V. Atração de capital internacional em larga escala.
    – Novos mercados baseados em flexibilidade e inovação digital.
    – Datacenters como infraestrutura estratégica da economia digital, competitivos globalmente.

    Conclusão

    O InfoTarifa Agosto 2025 evidencia que o setor elétrico brasileiro vive um ponto de inflexão. O aumento do efeito médio das tarifas, impulsionado pelo crescimento da CDE, pela descotização das usinas da Eletrobras e pela instabilidade jurídica em torno de encargos e tributos, mostra que a energia deixou de ser apenas um insumo: ela se transformou em uma variável estratégica para a competitividade das empresas e para a atração de investimentos.

    Os quatro cenários prospectivos apresentados demonstram que o futuro do setor não está pré-determinado, mas dependerá das escolhas regulatórias, da capacidade de oferecer segurança jurídica e da forma como empresas e consumidores — incluindo os datacenters — se posicionarem. Na estagnação cara, prevalece a lógica de defesa; no ajuste controlado, a prioridade é a blindagem de custos; na inovação caótica, surgem retornos altos, mas em ambiente de risco; e na transformação estratégica, o Brasil pode se consolidar como hub global de energia limpa e infraestrutura digital.

    Para conselhos e investidores, a mensagem central é inequívoca: sem regulação clara e previsibilidade jurídica, não haverá capital novo disposto a financiar a transição energética e digital. Mas, ao mesmo tempo, existem caminhos de ação prática dentro das empresas — desde investimentos em eficiência e autoprodução até a exploração de modelos híbridos e armazenamento em larga escala.

    O Programa Nacional de Datacenters adiciona um componente decisivo a este quadro. Como grandes consumidores e infraestrutura crítica da economia digital, os datacenters podem acelerar a demanda por energia renovável e resiliente, funcionando como catalisadores da modernização do setor. Para isso, é essencial que estejam inseridos em um ambiente regulatório sólido, capaz de dar suporte a contratos de longo prazo e estimular a inovação.

    Assim, a leitura é clara: os riscos são grandes, mas as oportunidades também. Cabe às lideranças empresariais e institucionais pressionar por regulação estável, adotar medidas práticas de mitigação e se preparar para transformar a pressão tarifária em vantagem competitiva. O futuro do setor elétrico brasileiro — e da própria infraestrutura digital do país — será moldado pela capacidade de alinhar segurança jurídica, inovação tecnológica e estratégia empresarial.

  • Usinas Hidrelétricas Reversíveis: como garantir energia firme no Brasil renovável

    Usinas Hidrelétricas Reversíveis: como garantir energia firme no Brasil renovável

    O Brasil se encontra em um momento decisivo da transição energética. Nas últimas duas décadas, a expansão da energia eólica e solar trouxe ganhos inquestionáveis para a matriz elétrica, tornando o país uma referência global em geração renovável. Entretanto, essas fontes carregam um desafio estrutural: a intermitência. O vento sopra quando quer, o sol brilha apenas durante o dia, e o consumo raramente acompanha esse ritmo.

    Esse desencontro entre produção e demanda gera desperdícios crescentes de energia renovável, conhecidos como curtailment. O Operador Nacional do Sistema (ONS) já reporta casos recorrentes de corte de geração no Nordeste, onde o excedente de vento e sol não consegue ser escoado para outras regiões por falta de capacidade de transmissão. O paradoxo é evidente: enquanto o país investe pesado em novas usinas renováveis, parte da energia produzida nunca chega ao consumidor final.

    É nesse contexto que emergem as Usinas Hidrelétricas Reversíveis (UHRs) como solução estratégica. Mais do que ativos de geração, as UHRs são infraestruturas críticas de armazenamento de energia em larga escala, capazes de transformar excedentes intermitentes em energia firme e confiável.

    O que são as UHRs?

    Uma Usina Hidrelétrica Reversível funciona com dois reservatórios em cotas diferentes. Quando há sobra de energia na rede — como ao meio-dia solar ou em madrugadas de vento intenso — essa energia é usada para bombear água do reservatório inferior para o superior. Nos horários de pico, a água é turbinada de volta, produzindo eletricidade.

    Na prática, trata-se de uma “bateria hídrica”: eficiente (70%–80%), robusta (vida útil superior a 60 anos) e comprovada (representa 96% do armazenamento de energia do mundo). Ao contrário das baterias químicas, que se degradam em 10–15 anos, uma UHR permanece produtiva por décadas, com custos operacionais relativamente baixos ao longo de seu ciclo de vida.

    Potencial do Brasil

    Estudos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) já mapearam 21 GW de potencial em locais identificados no estado do Rio de Janeiro, equivalentes a cerca de 20% da capacidade instalada do país. A ferramenta GeoUHR, desenvolvida pela própria EPE, mostra que esse número pode crescer ainda mais em regiões como São Paulo, Minas Gerais e Sul do Brasil — áreas com relevo acidentado e próximas aos maiores centros de consumo.

    Além de novos projetos, também existem oportunidades de modernização de ativos existentes. Em Furnas, estudos mostraram que uma usina reversível aumentaria a flexibilidade do sistema e poderia reduzir significativamente o curtailment de renováveis. Em São Paulo, pesquisas da USP avaliaram a conversão da histórica Usina Henry Borden em um sistema híbrido reversível, associado a solar fotovoltaica flutuante, com ganhos de receita e eficiência no ciclo de 20 anos.

    Exemplos internacionais

    No cenário global, UHRs já desempenham papel estratégico:

    • China: expandiu fortemente a capacidade de armazenamento reversível para equilibrar a integração massiva de solar e eólica.
    • Alemanha: discute UHRs como reforço à transição energética, especialmente em regiões de elevada penetração eólica.
    • Espanha e Portugal: utilizam arranjos híbridos, combinando UHRs com solar flutuante e eólica em corredores de transmissão críticos.

    Esses exemplos mostram que a adoção das UHRs não é uma aposta experimental, mas uma decisão já consolidada em países líderes da transição energética.

    Comparativo com baterias (BESS)

    Investidores costumam comparar UHRs com sistemas de baterias em larga escala (BESS). De fato, as baterias têm vantagens: são rápidas de implantar (meses, contra anos de uma UHR), modulares e com retorno financeiro mais imediato. No entanto, a duração de armazenamento é limitada (2 a 6 horas) e a vida útil curta (10 a 15 anos).

    As UHRs, por outro lado, armazenam energia por períodos mais longos (8 a 12 horas ou até ciclos sazonais), têm vida útil de até 80 anos e baixo risco tecnológico. O CAPEX inicial é maior e o payback mais longo, mas o custo nivelado de armazenamento (LCOS) é menor em horizontes de 30–50 anos. Em termos estratégicos:

    • BESS são ideais para resposta rápida e serviços ancilares imediatos.
    • UHRs são estruturais, oferecendo estabilidade sistêmica e energia firme de longa duração.

    O futuro, portanto, não é escolher entre UHR ou BESS, mas combinar as duas tecnologias em arranjos híbridos.

    CritérioUsinas Hidrelétricas Reversíveis (UHR)Baterias em Larga Escala (BESS)
    Maturidade tecnológicaTecnologia centenária; responde por 96% da capacidade global de armazenamentoEm expansão acelerada; dependente da evolução das baterias de íon-lítio
    Escala típicaCentenas de MW a vários GWkW a centenas de MW (modular)
    Duração de armazenamento8–12h, podendo chegar a ciclos sazonais2–6h, ideal para arbitragem de curto prazo
    Tempo de implantaçãoLongo (5–10 anos, devido a licenciamento e obras civis)Curto (meses a poucos anos)
    Vida útil60–80 anos, com manutenção adequada10–15 anos, exigindo substituições
    CAPEX inicialElevado, mas diluído no longo prazo (baixo LCOS em 30–50 anos)Médio, em queda, mas com custos de reposição recorrentes
    PaybackLongo (10–15 anos)Curto (3–7 anos)
    Risco tecnológicoBaixíssimo (tecnologia consolidada)Médio (dependência da cadeia de suprimentos e degradação das células)
    Serviços ancilaresFrequência, tensão, inércia, black-startFrequência e tensão (resposta ultrarrápida)
    Perfil estratégicoAtivo estruturante de longa duraçãoSolução ágil para resposta rápida
    Narrativa ESGSustentabilidade de longo prazo, multipropósito (água, piscicultura, irrigação)Sustentabilidade de curto prazo, mas com pegada de mineração (lítio, cobalto)

    Oportunidades estratégicas para o Brasil

    As UHRs podem criar valor em várias frentes:

    1. Reduzir curtailment no Nordeste: absorvendo excedentes eólicos e solares e liberando energia nos horários de maior demanda.
    2. Apoiar PPAs de longo prazo: data centers e indústrias eletrointensivas buscam contratos 100% renováveis, mas também firmes. UHRs oferecem a estabilidade necessária.
    3. Reforçar corredores de transmissão: atuando como nós de flexibilidade, evitam congestionamentos e aumentam a confiabilidade dos fluxos regionais.
    4. Projetos multipropósito: além da energia, UHRs podem servir para irrigação, piscicultura e abastecimento humano, ampliando a aceitação social e facilitando financiamento ESG.

    Estratégia para investidores e conselhos

    Para conselhos de administração, três pontos devem estar no centro da análise:

    • Horizonte temporal: avaliar a combinação entre retornos rápidos (BESS) e resiliência de longo prazo (UHRs).
    • Gestão de risco regulatório e ambiental: acompanhar ajustes da ANEEL e MME, além de planejar o licenciamento socioambiental desde o início.
    • Valorização ESG: projetos multipropósito tendem a atrair financiamentos de bancos multilaterais e fundos de infraestrutura com critérios verdes.

    Modelos de negócio possíveis incluem PPPs, projetos de P&D regulado pela ANEEL, e contratos âncora com grandes consumidores.

    Conclusão estratégica

    As UHRs são mais do que usinas: são infraestruturas críticas para a segurança energética brasileira. Representam a solução estrutural para enfrentar a intermitência e o curtailment, garantindo energia firme para o crescimento sustentável.

    Para investidores e conselhos, o desafio é agir agora. Apoiar projetos-piloto, engajar no debate regulatório e estruturar contratos de longo prazo com grandes consumidores pode garantir não apenas retorno financeiro, mas também protagonismo em um setor que terá no armazenamento a sua nova fronteira de valor.

    👉 Leia o artigo completo com análise aprofundada em:

  • Energia Firme para um Futuro Intermitente: Oportunidades e Desafios das Usinas Hidrelétricas Reversíveis

    Energia Firme para um Futuro Intermitente: Oportunidades e Desafios das Usinas Hidrelétricas Reversíveis

    Sumário Executivo

    O Brasil avança rapidamente na transição energética. A expansão da energia solar e eólica trouxe ganhos de sustentabilidade e competitividade, mas também novos desafios: a intermitência da geração e o aumento do curtailment, ou seja, o desperdício de energia renovável por falta de capacidade de armazenamento ou escoamento. Hoje, excedentes de vento e sol são produzidos no Nordeste e não chegam ao consumidor final. Esse quadro ameaça a atratividade de investimentos em renováveis e reduz a eficiência do sistema elétrico.

    As Usinas Hidrelétricas Reversíveis (UHRs) surgem como resposta estratégica a esse dilema. Mais do que ativos de geração, são infraestruturas críticas de armazenamento de energia em grande escala. Funcionam como “baterias hídricas”: bombeiam água para um reservatório superior quando há sobra de energia e turbina essa água em momentos de maior demanda. Trata-se da tecnologia de armazenamento mais madura do mundo, representando 96% da capacidade global instalada. Com eficiência entre 70% e 80% e vida útil superior a 60 anos, as UHRs oferecem previsibilidade e resiliência que poucos ativos conseguem entregar.

    O Brasil tem potencial expressivo. A EPE já identificou 21 GW em locais promissores no Rio de Janeiro e em São Paulo, equivalentes a quase 20% da capacidade instalada do país. Estudos de viabilidade em Furnas e Henry Borden mostram que é possível modernizar ativos existentes e integrá-los a fontes como solar flutuante, ampliando ganhos econômicos e ambientais. Apesar disso, não há projetos em implantação. Os entraves ainda residem no ambiente regulatório: enquadramento incerto (geração ou carga), risco de bitributação (TUSD, TUST, ICMS) e ausência de mecanismos de remuneração por capacidade e serviços ancilares.

    Do ponto de vista estratégico, as UHRs interessam a diferentes perfis de investidores: geradoras tradicionais que buscam diversificação, fundos de infraestrutura que valorizam estabilidade de longo prazo, big techs e indústrias eletrointensivas que necessitam de contratos renováveis firmes, além de bancos multilaterais com agendas climáticas. Para conselhos de administração, três dimensões devem guiar a análise: o equilíbrio entre retorno e resiliência de longo prazo, a gestão de riscos regulatórios e ambientais e a valorização de atributos ESG e usos multipropósito da água, como irrigação, piscicultura e abastecimento humano.

    Os próximos passos estão claros: apoiar projetos-piloto, engajar-se em ajustes regulatórios e estruturar contratos de longo prazo com grandes consumidores. Quem se antecipar poderá capturar não apenas retorno financeiro, mas também liderança em uma agenda que redefinirá o futuro da energia no Brasil.

    Introdução

    O Brasil é, historicamente, um dos países mais bem posicionados no cenário global de energia limpa. A matriz elétrica brasileira já é predominantemente renovável, sustentada principalmente por grandes usinas hidrelétricas com reservatórios de regularização. Esse modelo garantiu, por décadas, segurança de suprimento e preços competitivos. Entretanto, o cenário atual está em plena transformação.

    Nos últimos dez anos, assistimos a uma expansão acelerada das fontes eólica e solar fotovoltaica, que já respondem por mais de 15% da matriz elétrica nacional, segundo dados da EPE e do ONS . Essa trajetória é irreversível, pois o custo dessas tecnologias caiu drasticamente e o Brasil possui abundância de recursos naturais. No entanto, o crescimento dessas fontes traz consigo um desafio estrutural: a intermitência da geração.

    Fontes intermitentes, como a solar e a eólica, dependem de condições climáticas e, portanto, não podem ser despachadas sob demanda. O sol produz energia durante o dia, mas não à noite; o vento sopra em determinados períodos, muitas vezes fora dos horários de maior consumo. Essa falta de alinhamento entre oferta e demanda pressiona a operação do Sistema Interligado Nacional (SIN).

    O resultado prático é o curtailment: energia renovável sendo desperdiçada. Na região Nordeste, por exemplo, já existem períodos em que a geração eólica excede a capacidade de transmissão para os centros de carga, obrigando o Operador Nacional do Sistema (ONS) a reduzir a produção dessas usinas . Trata-se de um paradoxo: ao mesmo tempo em que o país investe em fontes limpas, uma parte significativa dessa energia não chega ao consumidor final.

    É nesse contexto que as Usinas Hidrelétricas Reversíveis (UHRs) ganham relevância. Reconhecidas internacionalmente como a forma mais madura e escalável de armazenamento de energia — representando 96% da capacidade de armazenamento instalada no mundo  — as UHRs funcionam como verdadeiras “baterias hídricas”. Durante os momentos de sobra de energia (como ao meio-dia solar ou durante madrugadas de vento intenso), a eletricidade é usada para bombear água para um reservatório superior. Quando a demanda cresce, essa água é liberada, gerando energia firme e confiável.

    Segundo o Roadmap da EPE (2025), as UHRs no Brasil poderiam assumir papel central na transição energética, reduzindo curtailment, fornecendo flexibilidade ao sistema e garantindo a inserção segura de renováveis variáveis . Apesar disso, não há ainda projetos em construção no país, em grande parte devido a barreiras regulatórias, econômicas e ambientais que analisaremos nos próximos capítulos.

    Este artigo, portanto, tem um propósito claro: orientar investidores e conselhos de administração na avaliação de investimentos em UHRs no Brasil. Não se trata apenas de uma análise técnica, mas de um guia estratégico, que combina fundamentos de engenharia, regulação e finanças, de modo a oferecer uma visão completa para a tomada de decisão.

    Resumo

    • A matriz elétrica brasileira é predominantemente renovável, mas o avanço de solar e eólica aumenta a intermitência.
    • O curtailment já ocorre no Nordeste, com desperdício de energia limpa.
    • As UHRs são a solução de armazenamento mais madura do mundo, podendo transformar excedentes intermitentes em energia firme.
    • O objetivo deste artigo é orientar investidores e conselhos sobre oportunidades e riscos das UHRs no Brasil.

    Call to Action

    Para investidores e conselheiros, o desafio é claro: o Brasil não precisa apenas de mais geração renovável, mas de armazenamento estratégico. Avaliar UHRs hoje significa estar um passo à frente, transformando desperdício em valor, risco em oportunidade e intermitência em resiliência.

    Fontes Intermitentes e o Desafio do Curtailment

    A transição energética global é marcada pela ascensão das fontes intermitentes de geração de eletricidade, principalmente a solar fotovoltaica e a eólica. Diferentemente das usinas hidrelétricas convencionais ou das térmicas, essas fontes não podem ser acionadas sob demanda. Sua produção depende de condições naturais — radiação solar e intensidade do vento — que variam de hora em hora, de dia para dia e de estação para estação.

    Definição de intermitência

    A intermitência caracteriza-se pela variabilidade e imprevisibilidade da geração. Ainda que os avanços em modelagem climática e previsão tenham aumentado a confiabilidade das estimativas, a produção efetiva de uma usina solar ou eólica pode mudar abruptamente em questão de minutos. Isso impõe ao operador do sistema elétrico um desafio crescente: equilibrar oferta e demanda em tempo real.

    • Solar fotovoltaica: gera somente durante o dia, com pico de produção próximo ao meio-dia. Nuvens passageiras ou mudanças sazonais podem reduzir a produção rapidamente.
    • Eólica: embora apresente fator de capacidade elevado no Brasil (em torno de 50% no Nordeste), depende da velocidade e constância dos ventos. Em muitos casos, os ventos sopram com maior intensidade à noite, quando a demanda de energia é menor.

    O problema central é o desalinhamento da curva de geração intermitente com a curva de consumo. O pico de demanda elétrica no Brasil costuma ocorrer no início da noite, justamente quando a energia solar já não está disponível e a eólica pode não ser suficiente para suprir o sistema.

    Conceito de curtailment

    Quando o sistema elétrico não consegue absorver toda a energia renovável produzida, seja por falta de demanda, por limitações de transmissão ou por questões de estabilidade da rede, ocorre o chamado curtailment. Nesse cenário, o operador determina a redução da produção de usinas solares e eólicas, mesmo quando há condições de geração.

    O curtailment é uma contradição evidente: energia limpa e de baixo custo é produzida, mas não chega ao consumidor final. O resultado é duplamente negativo:

    • Econômico: os geradores deixam de auferir receita, comprometendo a atratividade de novos investimentos.
    • Ambiental: perde-se a oportunidade de substituir geração fóssil, reduzindo o impacto positivo da matriz renovável.

    Impactos econômicos

    Do ponto de vista de investidores e conselhos de administração, o curtailment representa um risco direto ao fluxo de caixa de projetos de energia renovável. A perda de receita associada à indisponibilidade de escoamento pode afetar o retorno esperado e aumentar a percepção de risco regulatório e sistêmico. Além disso, o excesso de geração não utilizada pressiona a precificação no mercado de curto prazo, reduzindo o valor marginal da energia.

    O contexto brasileiro: o caso do Nordeste

    O Brasil já começa a vivenciar esse fenômeno em escala relevante. O Nordeste, região com o maior potencial eólico e solar do país, tem registrado excedentes de geração renovável em determinados períodos. O Operador Nacional do Sistema (ONS) tem recorrido ao despacho de restrição para limitar a produção de usinas eólicas e solares, em função da capacidade limitada de transmissão para outras regiões do país.

    Esse gargalo é emblemático: ao mesmo tempo em que o Brasil busca expandir a matriz limpa, enfrenta a contradição de desperdiçar energia renovável por falta de capacidade de armazenamento ou de infraestrutura de transmissão. É nesse ponto que entram as soluções de armazenamento de energia de longa duração, como as Usinas Hidrelétricas Reversíveis (UHRs), capazes de transformar excedentes intermitentes em energia firme e disponível sob demanda.

    Resumo

    • Intermitência: geração solar e eólica depende de fatores climáticos e não acompanha a curva de consumo.
    • Curtailment: ocorre quando o sistema não consegue absorver toda a energia gerada, gerando perdas econômicas e ambientais.
    • Impacto no Brasil: o Nordeste já vive restrições, com excedentes renováveis e limites de transmissão.
    • Mensagem-chave: o curtailment não é um problema futuro, mas uma realidade presente, que exige soluções estruturais de armazenamento.

    Call to Action

    Para investidores e conselhos, compreender o impacto da intermitência e do curtailment é essencial. Projetos de energia renovável só terão sustentabilidade financeira se acompanhados de estratégias de armazenamento. As UHRs surgem como oportunidade de transformar esse risco em diferencial competitivo.

    O Papel das Usinas Hidrelétricas Reversíveis (UHR)

    As Usinas Hidrelétricas Reversíveis (UHR), também chamadas de Pumped Storage Hydropower (PSH), representam a espinha dorsal do armazenamento de energia em grande escala no mundo. Mais do que uma alternativa tecnológica, elas são consideradas uma peça-chave na transição energética porque aliam maturidade comprovada, vida útil longa e capacidade única de equilibrar um sistema cada vez mais dominado por fontes intermitentes. Segundo a literatura recente, cerca de 96% da capacidade de potência instalada em armazenamento no mundo está concentrada nas UHRs.

    Como funcionam as UHRs

    O princípio é engenhosamente simples. Uma UHR funciona com dois reservatórios localizados em cotas distintas. Quando há excesso de energia elétrica disponível no sistema — tipicamente ao meio-dia solar ou durante madrugadas de ventos fortes — essa energia é usada para bombear água do reservatório inferior para o superior. Nos momentos em que a demanda cresce e os preços sobem, a água retorna para o reservatório inferior por meio de turbinas, gerando eletricidade.

    Esse ciclo de bombeamento e turbinamento transforma a UHR em uma espécie de “bateria hídrica”, armazenando energia elétrica na forma de energia potencial gravitacional. A eficiência do processo, conhecida como round-trip efficiency, fica entre 70% e 80%, e a vida útil das instalações pode ultrapassar 60 anos, algo que confere às UHRs um caráter de ativo estrutural de longo prazo .

    Diferentes arranjos e tipologias

    As UHRs podem assumir configurações distintas:

    • Circuito aberto: aproveitam rios ou reservatórios naturais já existentes.
    • Circuito fechado (off-river): utilizam reservatórios artificiais isolados, o que minimiza impactos ambientais e facilita o licenciamento.
    • Arranjos híbridos: associam-se a usinas hidrelétricas convencionais, reforçando a flexibilidade de empreendimentos já em operação.

    Estudos recentes ressaltam que o futuro da expansão está nos sistemas fechados off-river, pois eles evitam conflitos com o uso múltiplo da água, reduzem impactos em ecossistemas e oferecem maior liberdade de localização .

    Contribuições sistêmicas

    Mais do que armazenar energia, as UHRs oferecem ao sistema elétrico um conjunto de serviços de alto valor estratégico:

    • Armazenamento de longa duração: com capacidade de operar em ciclos diários, semanais e até sazonais, algo inviável para baterias de lítio.
    • Integração de renováveis: absorvem os excedentes solares e eólicos que, de outra forma, seriam desperdiçados por curtailment.
    • Serviços ancilares: fornecem regulação de frequência, controle de tensão e reserva girante, funções antes garantidas por térmicas fósseis.
    • Segurança energética: aumentam a resiliência do sistema diante de choques de demanda ou falhas de geração.

    Não por acaso, países com alta penetração de renováveis intermitentes já se apoiam fortemente nas UHRs. A China, por exemplo, expandiu agressivamente essa tecnologia para dar estabilidade à sua rede, enquanto na Europa há projetos integrando UHRs a parques solares e eólicos em regime híbrido .

    Comparação estratégica com outras tecnologias

    As baterias de íon-lítio (BESS) ganharam protagonismo nos últimos anos devido à queda de preços e à rapidez de instalação. Elas são ideais para ciclos curtos, entre 2 e 6 horas. Porém, quando se trata de armazenamento de longa duração — 8 a 12 horas ou até sazonais — as UHRs permanecem imbatíveis em custo e robustez.

    Enquanto as baterias exigem reposição periódica (10–15 anos), as UHRs entregam operação estável por mais de meio século. Em análises de custo nivelado de armazenamento (LCOS) em horizontes de 30 a 50 anos, a UHR figura como a solução mais competitiva . Essa diferença de horizonte é crucial para conselhos de administração: baterias atendem a estratégias de curto prazo, mas UHRs estruturam o futuro energético de longo prazo.

    Resumo

    • UHRs concentram quase toda a capacidade global de armazenamento, com eficiência de 70–80% e vida útil superior a 60 anos.
    • Funcionam como “baterias hídricas”, armazenando energia em reservatórios superiores para devolvê-la em momentos de maior valor.
    • Possuem diferentes tipologias, com destaque para sistemas off-river, ambientalmente mais adequados.
    • Fornecem serviços críticos de segurança e flexibilidade, comparáveis aos das térmicas, mas em formato renovável.
    • São mais competitivas que baterias em ciclos longos, sendo ativos estruturais para quem investe com horizonte de décadas.

    Call to Action

    Para investidores e conselhos, o recado é claro: as UHRs não são apenas mais uma tecnologia, mas uma infraestrutura estratégica. São elas que podem transformar excedentes renováveis em energia firme, dar estabilidade ao sistema e garantir valor de longo prazo. Ignorar esse potencial pode significar perder espaço em um mercado que caminha para depender cada vez mais de armazenamento em larga escala.

    Condições Técnicas de Viabilidade

    As Usinas Hidrelétricas Reversíveis (UHRs), embora tecnicamente maduras, exigem um conjunto específico de condições para se tornarem viáveis. Para investidores e conselhos de administração, compreender esses fatores é essencial: não basta avaliar apenas a rentabilidade financeira, é preciso entender se o projeto é factível do ponto de vista topográfico, ambiental e de integração com o sistema elétrico.

    Requisitos topográficos

    O primeiro fator crítico é a topografia. Uma UHR só pode ser construída em locais onde haja:

    • Desnível (head) significativo entre dois pontos, garantindo altura suficiente para turbinar a água;
    • Reservatórios próximos o bastante para reduzir o custo com túneis e adutoras;
    • Geologia favorável, evitando infiltrações e instabilidades de terreno.

    Estudos indicam que, quanto maior o desnível natural, menor o CAPEX relativo por MWh armazenado. Isso explica por que regiões montanhosas ou com vales profundos são candidatas naturais para implantação de UHRs .

    Ferramentas de inventário: o GeoUHR da EPE

    Para avaliar o potencial das usinas hidrelétricas reversíveis, a EPE desenvolveu a ferramenta GeoUHR, um plugin para ArcGIS que cruza informações topográficas, de uso da terra, rede de transmissão e restrições ambientais. A primeira aplicação prática ocorreu no estado do Rio de Janeiro, onde foram identificados 15 sítios potenciais para implantação de UHRs .

    Os resultados são expressivos:

    • Potência instalada total estimada: aproximadamente 21 GW.
    • Energia armazenável total: cerca de 63 GWh.

    Locais identificados no estado do Rio de Janeiro

    De acordo com a EPE, entre os principais pontos mapeados no inventário estão regiões com relevos favoráveis, proximidade da rede de transmissão e relativa distância de áreas ambientalmente sensíveis. Alguns exemplos destacados incluem:

    • Serra da Mantiqueira (RJ-SP-MG): aproveitamento de desníveis naturais e proximidade com o sistema de Furnas.
    • Região Serrana do Rio de Janeiro: áreas de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, com altitudes superiores a 1.000 metros.
    • Vale do Paraíba Fluminense: regiões próximas à divisa com São Paulo, com topografia acidentada e conexão próxima a linhas de transmissão de alta tensão.
    • Entorno da Serra do Mar: potenciais aproveitamentos em áreas já impactadas por reservatórios de abastecimento e antigos projetos hidrelétricos.

    O relatório também recomenda priorizar locais fora de unidades de conservação integral, explorando áreas já modificadas pela ação humana, como pedreiras desativadas, reservatórios existentes ou áreas industriais.

    Expansão para outros estados

    Embora o estudo inicial tenha se concentrado no Rio de Janeiro, a própria EPE indica que a metodologia pode ser replicada em São Paulo, Minas Gerais e regiões do Sul, todas com grande potencial de desnível topográfico e infraestrutura elétrica próxima .

    Integração com solar flutuante e eólica

    Uma das tendências mais promissoras é a hibridização das UHRs com outras fontes renováveis:

    • Solar flutuante: a instalação de painéis sobre os reservatórios traz benefícios duplos — aumenta a geração renovável disponível para o bombeamento e reduz a evaporação da água, ampliando a eficiência do sistema .
    • Eólica: complementaridade natural, sobretudo no Nordeste. O vento noturno pode alimentar o bombeamento, enquanto a água armazenada garante geração firme em horários de pico.

    Essas sinergias não apenas elevam a produtividade do sistema, mas também reforçam a narrativa ESG, tão valorizada por investidores institucionais.

    Comparação com BESS e H₂

    Ao avaliar condições de viabilidade, é inevitável comparar as UHRs com outras tecnologias de armazenamento:

    CritérioUHRBESS (baterias de lítio)H₂ (hidrogênio verde)
    Duração típica8–12 horas (até sazonal)2–6 horasDias a semanas (com reconversão)
    CAPEX inicialAlto (infraestrutura civil)Médio, em quedaMuito alto (eletrólise + célula)
    PaybackLongo (10–15 anos)Curto (3–7 anos)Muito longo (>15 anos)
    Vida útil> 60 anos10–15 anos20–30 anos (dependente da tecnologia)
    Risco tecnológicoBaixo (tecnologia madura)Médio (degradação de células)Alto (custos e eficiência incertos)
    Escala de projetoCentenas de MW a GWModular, de kW a centenas de MWGrande porte, ainda experimental

    Essa comparação mostra claramente que as UHRs se posicionam como solução estrutural de longo prazo, enquanto os BESS são mais adequados para respostas rápidas e o hidrogênio ainda enfrenta incertezas tecnológicas e econômicas .

    Resumo

    • UHRs dependem de condições topográficas favoráveis (desnível, proximidade e geologia).
    • O GeoUHR da EPE já identificou potenciais de grande escala no Brasil, principalmente no Sudeste.
    • Integração híbrida com solar flutuante e eólica aumenta a atratividade técnica e financeira.
    • Frente a BESS e H₂, as UHRs se destacam pela durabilidade, escala e maturidade tecnológica, embora exijam CAPEX inicial elevado e payback mais longo.

    Call to Action

    A identificação de 21 GW potenciais no RJ é significativa. Para efeito de comparação, isso representa quase 20% da capacidade instalada atual de todo o sistema elétrico brasileiro. Esse dado mostra que o país não carece de oportunidades técnicas para desenvolver UHRs — o desafio está em transformar esse potencial em projetos concretos, superando entraves regulatórios e ambientais.

    Desafios Regulatórios e de Mercado

    Apesar do enorme potencial técnico identificado para as Usinas Hidrelétricas Reversíveis (UHRs) no Brasil, essa tecnologia ainda não saiu do papel. A explicação está menos nos aspectos de engenharia — maduros e consolidados — e mais nas barreiras regulatórias e econômicas que historicamente impediram sua viabilização.

    Histórico: ausência de sinal econômico e regulatório claro

    Durante décadas, o Brasil não teve uma política definida para o armazenamento de energia. O Sistema Interligado Nacional (SIN) contou com a flexibilidade natural de seus grandes reservatórios, que funcionaram como “baterias hídricas” de longo prazo. Isso reduziu a urgência por tecnologias como as UHRs. Somado a isso, os sinais de preço da energia eram semanais e depois diários, o que não favorecia modelos de negócios baseados em arbitragem de preços. Sem volatilidade suficiente, não havia incentivo para investir em armazenamento .

    Problemas de enquadramento: geração ou carga?

    Outro entrave fundamental é regulatório: uma UHR pode ser vista ao mesmo tempo como geração (quando turbina) e carga (quando bombeia). Essa ambiguidade de enquadramento gera insegurança jurídica para investidores. Sem clareza, surgem dúvidas sobre a incidência de encargos, tributos e até sobre a elegibilidade da tecnologia em leilões de energia .

    Barreiras tarifárias (TUST/TUSD/ICMS)

    As UHRs enfrentam risco de bitributação. Durante o bombeamento, podem ser tarifadas como consumidoras (pagando TUSD/TUST e ICMS). Na geração, são novamente tarifadas como geradoras. Essa duplicidade inviabiliza a competitividade frente a outras soluções. A ausência de uma regra clara sobre como cobrar pelo uso da rede e pelos tributos cria um ambiente de alto risco regulatório .

    Avanços recentes: Nota Técnica EPE (2019), Roadmap UHR (2025) e debates ANEEL/MME

    Nos últimos anos, houve progresso. A Nota Técnica EPE-DEE-NT-006/2019 foi um marco ao mapear o potencial de UHRs no Rio de Janeiro, utilizando a ferramenta GeoUHR para identificar sítios tecnicamente promissores . Esse trabalho abriu caminho para discussões mais estruturadas sobre a inserção das UHRs no planejamento energético.

    Em 2025, a EPE publicou o Caderno de Estudos – Roadmap Usinas Hidrelétricas Reversíveis, que detalha as barreiras técnicas, econômicas e regulatórias e propõe caminhos para superar esses entraves . O estudo reconhece a necessidade de mecanismos específicos de remuneração e de um marco regulatório adaptado à realidade do armazenamento.

    Paralelamente, a ANEEL iniciou debates sobre a regulamentação do armazenamento de energia, enquanto o MME promoveu workshops e consultas públicas sobre a viabilidade das UHRs como parte da transição energética . Esses movimentos indicam que o tema finalmente entrou na agenda do setor.

    Perspectivas de remuneração: mercado de capacidade e serviços ancilares

    A perspectiva de viabilização das UHRs no Brasil passa por sua inclusão em novos mecanismos de remuneração:

    • Mercado de capacidade: além de vender energia, as UHRs poderiam ser remuneradas pela garantia de potência firme, assegurando estabilidade ao SIN.
    • Serviços ancilares: frequência, tensão, reserva girante e black-start são serviços valiosos que as UHRs podem fornecer, mas que ainda não possuem remuneração adequada.
    • P&D e pilotos regulatórios: iniciativas regulatórias experimentais, como as aplicadas em baterias (BESS), poderiam ser replicadas para UHRs, reduzindo risco e atraindo capital privado.

    Esses avanços mostram que o Brasil começa a construir as bases para destravar investimentos em UHRs, mas ainda há um longo caminho a percorrer até que as barreiras tarifárias e jurídicas sejam plenamente resolvidas.

    Resumo

    • Ausência histórica de sinal econômico e regulatório impediu o avanço das UHRs.
    • Ambiguidade de enquadramento como geração ou carga gera insegurança jurídica.
    • Barreiras tarifárias (TUSD, TUST e ICMS) criam risco de bitributação.
    • Avanços recentes: Nota Técnica EPE (2019), Roadmap UHR (2025), debates ANEEL/MME.
    • Perspectivas: remuneração via mercado de capacidade e serviços ancilares é o caminho para viabilizar projetos.

    Call to Action

    Para investidores e conselhos de administração, o recado é claro: o ambiente regulatório é hoje o maior risco e, ao mesmo tempo, a maior oportunidade. Monitorar os desdobramentos da ANEEL, da EPE e do MME será crucial para antecipar movimentos. Apoiar pilotos e projetos de demonstração pode garantir posição de vantagem quando o mercado de capacidade e a remuneração por serviços ancilares se tornarem realidade.

    Desafios Ambientais e Sociais

    A viabilidade das Usinas Hidrelétricas Reversíveis (UHRs) no Brasil não depende apenas de engenharia e economia. Questões ambientais e sociais estão no centro do debate e podem ser tanto barreiras como oportunidades de diferenciação. Projetos mal planejados enfrentam atrasos, judicializações e custos adicionais, enquanto projetos concebidos com visão multipropósito e sustentabilidade podem conquistar licenciamento mais rápido e apoio da sociedade.

    Complexidade do licenciamento ambiental

    O processo de licenciamento ambiental no Brasil é reconhecidamente rigoroso. Para UHRs, a complexidade é ainda maior por dois motivos:

    1. Alterações hidrológicas: o ciclo de bombeamento e turbinamento implica em variações diárias no nível dos reservatórios, algo pouco usual em hidrelétricas convencionais.
    2. Uso de novos reservatórios: em projetos greenfield, a criação de reservatórios artificiais exige avaliação de impacto sobre flora, fauna e comunidades locais.

    A experiência internacional mostra que sistemas off-river (circuito fechado), que não utilizam rios naturais, tendem a ter licenciamento mais simples, pois reduzem o risco de afetar ecossistemas fluviais .

    Impactos em ecossistemas aquáticos

    Entre os principais impactos ambientais das UHRs, destacam-se:

    • Oscilações do nível da água: variações diárias podem afetar margens, solos e habitats ripários.
    • Oxigenação e qualidade da água: mudanças na estratificação térmica podem comprometer a qualidade, exigindo monitoramento constante.
    • Biodiversidade aquática: ciclos de bombeamento podem interferir na fauna e flora aquática, com riscos à migração de peixes e a outros organismos .

    Estudos apontam que esses impactos podem ser mitigados com planejamento adequado de operação, escolha de espécies resistentes e introdução de passagens para a fauna aquática.

    Estratégias de mitigação

    Para reduzir riscos ambientais e acelerar a aprovação regulatória, algumas estratégias são recomendadas:

    • Reservatórios artificiais fechados: minimizam contato com ecossistemas naturais e reduzem conflitos sobre o uso da água.
    • Uso de áreas já impactadas: pedreiras desativadas, reservatórios de abastecimento ou áreas industriais degradadas são candidatas promissoras.
    • Monitoramento e gestão adaptativa: programas de medição de oxigênio, qualidade da água e biodiversidade, com ajustes operacionais em tempo real .

    Essas medidas não apenas facilitam o licenciamento, como também podem atrair financiamento verde, já que projetos com estratégias claras de mitigação se alinham melhor a critérios ESG.

    Potencial multipropósito

    Uma UHR pode ir além de sua função energética. Seus reservatórios podem ser planejados como ativos multipropósito:

    • Irrigação agrícola: armazenando água para períodos secos, fortalecendo cadeias produtivas locais.
    • Piscicultura e aquicultura: uso dos reservatórios para criação de espécies adaptadas.
    • Abastecimento humano: integração com sistemas de fornecimento de água potável em regiões com déficit hídrico.

    Esses usos complementares aumentam a aceitação social dos projetos, pois geram benefícios diretos para comunidades vizinhas .

    Aceitação social como diferencial competitivo

    Projetos hidrelétricos no Brasil têm histórico de resistência social. Entretanto, UHRs, quando planejadas de forma inclusiva, podem reverter essa tendência. A chave é:

    • Engajamento comunitário precoce: ouvir preocupações desde a fase de estudos.
    • Transparência: disponibilizar dados ambientais em tempo real.
    • Benefícios tangíveis: empregos locais, acesso à água e projetos sociais associados.

    Para investidores e conselhos de administração, a aceitação social deve ser tratada como fator estratégico de risco e retorno. Projetos com legitimidade social tendem a evitar litígios e destravar financiamentos, especialmente junto a bancos multilaterais.

    Resumo

    • O licenciamento ambiental é complexo e requer atenção especial às variações de nível e ao impacto em ecossistemas aquáticos.
    • Estratégias como reservatórios artificiais, uso de áreas já impactadas e monitoramento adaptativo reduzem riscos.
    • O potencial multipropósito amplia os benefícios sociais, incluindo irrigação, piscicultura e abastecimento humano.
    • A aceitação social não é um detalhe: é diferencial competitivo para destravar projetos e atrair capital ESG.

    Call to Action

    Para investidores e conselhos, o recado é claro: a agenda ambiental e social deve ser tratada como eixo central de qualquer UHR. Projetos que ignorem esse aspecto enfrentarão resistência e atrasos; projetos que o incorporarem poderão se tornar referência em sustentabilidade, inovação e retorno seguro.

    Perspectivas no Brasil

    O Brasil reúne condições privilegiadas para o desenvolvimento de Usinas Hidrelétricas Reversíveis (UHRs). O país dispõe de abundância hídrica, relevo acidentado em diversas regiões e experiência consolidada em engenharia hidrelétrica. Além disso, enfrenta hoje o paradoxo da expansão acelerada de fontes intermitentes, que convivem com episódios crescentes de curtailment no Nordeste. Essas características tornam as UHRs não apenas uma opção técnica, mas uma oportunidade estratégica de transformação do sistema elétrico brasileiro .

    Inventário da EPE: Rio de Janeiro e São Paulo

    A Nota Técnica EPE-DEE-NT-006/2019 aplicou a ferramenta GeoUHR para mapear potenciais locais de implantação de UHRs no estado do Rio de Janeiro. O estudo identificou 15 sítios com potência instalada estimada de 21 GW e energia armazenável total de 63 GWh . Trata-se de um valor expressivo: corresponde a quase 20% da capacidade instalada de todo o parque gerador brasileiro em 2024.

    A própria EPE destacou que essa metodologia é replicável em São Paulo e Minas Gerais, estados com topografia montanhosa e proximidade dos principais centros de carga. Essa característica amplia a atratividade, já que UHRs localizadas nessas regiões podem fornecer energia firme diretamente onde há maior consumo, reduzindo perdas de transmissão .

    Estudos de Furnas e Henry Borden

    Além dos inventários geográficos, estudos acadêmicos recentes vêm avaliando a conversão de usinas existentes para operação reversível:

    • UHE Furnas: análises de viabilidade econômico-financeira mostraram que a inserção de uma UHR no reservatório permitiria maior flexibilidade de operação do sistema, viabilizando o armazenamento de excedentes de renováveis e o fornecimento de energia no pico da demanda .
    • Henry Borden (SP): pesquisa da Universidade de São Paulo modelou a transformação da usina em um sistema reversível híbrido, associado a solar fotovoltaica flutuante. Os resultados indicaram ganhos significativos de receita e estabilidade em um horizonte de 20 anos, maximizando o uso de recursos hídricos e solares na região .

    Esses dois exemplos ilustram como o Brasil pode combinar modernização de ativos existentes com novos projetos reversíveis, reduzindo custos de implantação e acelerando resultados.

    Situação atual

    Apesar do potencial técnico identificado, o país ainda não possui nenhuma UHR em construção. As barreiras regulatórias, tarifárias e ambientais continuam sendo os principais obstáculos, conforme discutido no capítulo anterior. Entretanto, a agenda política e institucional vem avançando:

    • A EPE publicou em 2025 o Roadmap de Usinas Hidrelétricas Reversíveis, documento que consolida barreiras e caminhos para inserção dessa tecnologia .
    • A ANEEL intensificou os debates sobre a regulação do armazenamento de energia e iniciou estudos de impacto regulatório (AIR) específicos.
    • O MME promoveu workshops e seminários para avaliar a viabilidade de UHRs na transição energética brasileira .

    Esses movimentos reforçam que o tema entrou de vez na pauta de planejamento do setor elétrico.

    Oportunidades estratégicas

    O potencial de implantação de UHRs no Brasil pode ser explorado em três frentes prioritárias:

    1. Redução de curtailment no Nordeste: A região já enfrenta excedentes de geração eólica e solar, sobretudo por gargalos de transmissão. UHRs poderiam absorver essa energia e devolvê-la em horários de maior demanda, evitando desperdícios e melhorando o retorno dos investimentos em renováveis .
    2. Apoio a PPAs de datacenters e indústrias eletrointensivas: Empresas globais de tecnologia e grupos industriais buscam contratos de energia renovável firme e de longo prazo. A combinação solar/eólica + UHR garante a confiabilidade necessária para esses PPAs, tornando-os atrativos para consumidores estratégicos como data centers (Google, Microsoft, AWS) e indústrias eletrointensivas (Vale, Gerdau, Alcoa).
    3. Reforço sistêmico nos corredores de transmissão: Localizadas próximas a linhas de transmissão estratégicas, as UHRs poderiam funcionar como nós de flexibilidade, reduzindo congestionamentos, estabilizando fluxos e ampliando a segurança do intercâmbio entre regiões .

    Resumo

    • A EPE identificou 21 GW de potenciais UHRs no Rio de Janeiro, com metodologia replicável em São Paulo.
    • Estudos de Furnas e Henry Borden comprovam viabilidade técnica e ganhos econômicos da conversão de usinas existentes.
    • Não há projetos em implantação, mas a agenda regulatória avança com a EPE (Roadmap 2025), ANEEL e MME.
    • As UHRs oferecem oportunidades concretas: reduzir curtailment no Nordeste, dar suporte a PPAs firmes e reforçar corredores de transmissão.

    Call to Action

    Para conselhos e investidores, o Brasil é um mercado em formação para UHRs. O potencial técnico já está comprovado e os debates regulatórios estão maduros. Entrar cedo, seja em projetos-piloto ou em consórcios híbridos com solar e eólica, pode garantir não apenas retorno financeiro, mas também posição estratégica em um setor que terá no armazenamento sua nova fronteira de valor.

    Comparativo Estratégico: UHR x BESS

    Ao avaliar investimentos em armazenamento de energia, conselhos de administração e investidores precisam comparar as principais alternativas disponíveis. Hoje, duas tecnologias se destacam: as Usinas Hidrelétricas Reversíveis (UHRs) e os sistemas de baterias em larga escala (BESS, Battery Energy Storage Systems). Ambas têm papéis relevantes, mas características muito distintas em termos de horizonte de investimento, escala, risco tecnológico e perfil de retorno.

    BESS: agilidade e modularidade

    Os BESS se tornaram a solução mais difundida de armazenamento no curto prazo. A queda expressiva nos custos das baterias de íon-lítio — impulsionada pelo mercado automotivo — permitiu que essa tecnologia se expandisse rapidamente para aplicações em rede elétrica.

    Seus principais atributos são:

    • Modularidade: podem ser instalados em pequenas ou grandes escalas, próximos à carga, às usinas ou em subestações.
    • Rapidez: tempo de implantação de meses, contra anos para uma UHR.
    • Resposta imediata: oferecem serviços ancilares de frequência e tensão em milissegundos.
    • Payback curto: em alguns casos entre 3 e 7 anos, dependendo dos sinais de preço e de contratos firmados.
    • Limitação de duração: os BESS são mais adequados para armazenar energia por 2 a 6 horas, sendo pouco competitivos para períodos mais longos .

    No entanto, há fragilidades importantes: a vida útil é limitada (10–15 anos), os custos de reposição são significativos e os riscos relacionados à cadeia de suprimentos (lítio, cobalto) ainda são elevados.

    UHR: ativos estruturantes de longa duração

    As UHRs representam uma solução de escala muito maior, com características que as diferenciam profundamente dos BESS:

    • Armazenamento de longa duração: típicos 8 a 12 horas, podendo chegar a ciclos semanais ou sazonais.
    • Vida útil centenária: projetos podem operar por 60–80 anos com manutenção adequada.
    • Baixo risco tecnológico: é a forma de armazenamento mais madura do mundo, representando 96% da capacidade global instalada .
    • Economia de escala: quanto maior o empreendimento, menor o custo nivelado de armazenamento (Levelized Cost of Storage – LCOS) ao longo da vida útil.
    • Serviços ancilares: oferecem regulação de frequência, tensão, inércia e capacidade de partida a frio (black-start).

    O trade-off é que exigem CAPEX inicial elevado e prazos longos de licenciamento e construção. O retorno financeiro vem em horizontes mais extensos, mas com estabilidade incomparável.

    Cenário de complementaridade

    Longe de serem concorrentes diretos, BESS e UHR devem ser vistos como complementares:

    • BESS: ideais para resposta ultrarrápida, estabilidade de frequência e arbitragem em períodos curtos (2–6h). Funcionam como amortecedores imediatos do sistema.
    • UHRs: oferecem a espinha dorsal da segurança energética, garantindo energia firme em picos prolongados ou períodos de escassez. São ativos estruturais de longa duração.

    Essa complementaridade já é reconhecida internacionalmente, onde se testam arranjos híbridos: UHRs fornecendo a base de armazenamento e BESS atuando em sinergia para serviços de curto prazo .

    Comparativo Estratégico: UHR x BESS

    CritérioUsinas Hidrelétricas Reversíveis (UHR)Baterias em Larga Escala (BESS)
    Maturidade tecnológicaTecnologia centenária; responde por 96% da capacidade global de armazenamentoEm expansão acelerada; dependente da evolução das baterias de íon-lítio
    Escala típicaCentenas de MW a vários GWkW a centenas de MW (modular)
    Duração de armazenamento8–12h, podendo chegar a ciclos sazonais2–6h, ideal para arbitragem de curto prazo
    Tempo de implantaçãoLongo (5–10 anos, devido a licenciamento e obras civis)Curto (meses a poucos anos)
    Vida útil60–80 anos, com manutenção adequada10–15 anos, exigindo substituições
    CAPEX inicialElevado, mas diluído no longo prazo (baixo LCOS em 30–50 anos)Médio, em queda, mas com custos de reposição recorrentes
    PaybackLongo (10–15 anos)Curto (3–7 anos)
    Risco tecnológicoBaixíssimo (tecnologia consolidada)Médio (dependência da cadeia de suprimentos e degradação das células)
    Serviços ancilaresFrequência, tensão, inércia, black-startFrequência e tensão (resposta ultrarrápida)
    Perfil estratégicoAtivo estruturante de longa duraçãoSolução ágil para resposta rápida
    Narrativa ESGSustentabilidade de longo prazo, multipropósito (água, piscicultura, irrigação)Sustentabilidade de curto prazo, mas com pegada de mineração (lítio, cobalto)

    Resumo

    • BESS: rápidos de implantar, modulares, com payback curto; limitados a 2–6h e vida útil de 10–15 anos.
    • UHRs: ativos estruturantes, armazenam 8–12h (ou mais), vida útil de até 80 anos e LCOS competitivo em horizontes longos.
    • Complementaridade: BESS garantem resposta rápida; UHRs asseguram estabilidade estrutural e energia firme.

    Call to Action

    Para investidores e conselhos de administração, a escolha não é “BESS ou UHR”, mas como combinar as duas tecnologias em portfólios de longo prazo. Os BESS oferecem retorno rápido e flexibilidade imediata, enquanto as UHRs constroem a base de resiliência do sistema elétrico por décadas. Projetos híbridos podem ser o caminho mais inteligente para capturar valor hoje e garantir estabilidade amanhã.

    Estratégia para Investidores e Conselhos

    As Usinas Hidrelétricas Reversíveis (UHRs) não devem ser vistas apenas como projetos de geração de energia, mas como infraestruturas estratégicas de armazenamento que redefinem o futuro da matriz elétrica brasileira. A avaliação por parte de investidores e conselhos de administração precisa ir além da análise financeira convencional, incorporando fatores regulatórios, ambientais, sociais e de governança corporativa (ESG).

    Perfis de investidores potenciais

    O cenário de UHRs no Brasil abre espaço para uma diversidade de perfis de investidores:

    • Geradoras tradicionais: Eletrobras, Copel, Cemig, Neoenergia e Engie têm histórico em hidrelétricas e poderiam liderar projetos reversíveis, aproveitando sinergias operacionais e expertise em licenciamento.
    • Fundos de infraestrutura: nacionais (BTG, Pátria, Vinci) e internacionais buscam ativos estáveis, com horizonte de décadas, onde UHRs podem se tornar portfólio resiliente.
    • Big techs: empresas como Google, Microsoft e AWS têm compromissos de neutralidade climática e buscam contratos de energia renovável firme; podem atuar como âncoras de demanda em PPAs híbridos (solar/eólica + UHR).
    • Indústrias eletrointensivas: Vale, Gerdau, Alcoa e Braskem necessitam de contratos estáveis de longo prazo e poderiam se beneficiar de UHRs para garantir previsibilidade de custos.
    • Multilaterais e bancos de desenvolvimento: BNDES, BID, CAF e Banco Mundial priorizam financiamentos em projetos alinhados ao clima e à segurança hídrica, aumentando a atratividade de UHRs multipropósito.

    Questões-chave para conselhos de administração

    Na avaliação de investimentos em UHRs, conselhos devem considerar três dimensões críticas:

    1. Horizonte de retorno vs. resiliência de longo prazo
    • UHRs têm payback mais longo (10–15 anos), mas garantem operação estável por até 80 anos.
    • A decisão deve equilibrar retorno imediato (BESS) e legado de resiliência estrutural (UHR).
    1. Gestão de risco regulatório e ambiental
    • Incertezas sobre enquadramento regulatório, tarifação (TUSD/TUST/ICMS) e licenciamento ambiental podem atrasar ou inviabilizar projetos.
    • Conselhos devem exigir análises de sensibilidade e stress tests regulatórios antes da aprovação de aportes.
    1. Valorização ESG e multipropósito hídrico
    • Projetos multipropósito (irrigação, piscicultura, abastecimento humano) aumentam a aceitação social e facilitam financiamento verde.
    • Incorporar externalidades positivas é decisivo para atrair capital ESG e reduzir custo de funding.

    Modelos de negócio possíveis

    Para viabilizar UHRs no Brasil, será necessário explorar arranjos institucionais inovadores:

    • Parcerias público-privadas (PPPs): compartilhamento de riscos de CAPEX elevado e licenciamento, com garantias de remuneração por capacidade.
    • Projetos de P&D regulados pela ANEEL: podem servir como pilotos de UHR, criando segurança tecnológica e regulatória antes de grandes investimentos.
    • Contratos com âncoras de consumo (PPAs): data centers e eletrointensivas podem assumir compromissos de longo prazo, garantindo receita firme para os projetos.
    • Financiamento híbrido: combinação de fundos de infraestrutura, capital corporativo e multilaterais, atrelado a compromissos de sustentabilidade.

    Resumo

    • Investidores potenciais incluem geradoras tradicionais, fundos, big techs, indústrias eletrointensivas e multilaterais.
    • Questões-chave para conselhos: equilibrar horizonte de retorno com resiliência, gerir riscos regulatórios e ambientais, e valorizar atributos ESG.
    • Modelos de negócio: PPPs, P&D regulado, contratos com âncoras de consumo e financiamento híbrido.

    Call to Action

    Para conselhos e investidores, a estratégia vencedora será aquela que enxergar as UHRs como ativos estruturantes. Mais do que retorno financeiro, esses projetos oferecem segurança energética, valorização ESG e resiliência de longo prazo. O momento é de se posicionar em consórcios, apoiar pilotos regulatórios e negociar PPAs com grandes consumidores — quem entrar primeiro capturará as maiores vantagens competitivas.

    Conclusão

    As Usinas Hidrelétricas Reversíveis (UHRs) não devem ser compreendidas apenas como uma opção adicional de geração de energia. Elas constituem infraestruturas críticas para a segurança energética do Brasil, capazes de sustentar a transição para uma matriz mais limpa e intermitente.

    Num cenário de expansão acelerada da solar e eólica, o país já enfrenta desafios de intermitência e curtailment. Energia renovável é produzida em excesso em determinados horários, mas não chega ao consumidor final por limitações de transmissão ou falta de armazenamento. As UHRs oferecem uma solução estrutural para esse dilema: absorver excedentes quando a geração supera a demanda e devolver energia firme nos momentos críticos.

    Para investidores e conselhos de administração, trata-se de uma oportunidade singular. Diferentemente de tecnologias emergentes, as UHRs apresentam baixo risco tecnológico, vida útil centenária e competitividade em horizontes de longo prazo. Embora o payback inicial seja mais extenso, os benefícios estratégicos incluem estabilidade, previsibilidade e valorização ESG — atributos cada vez mais valorizados no mercado de capitais.

    O caminho à frente envolve três movimentos fundamentais:

    1. Projetos-piloto: testar modelos de UHR em escala reduzida para reduzir incertezas técnicas e regulatórias.
    2. Ajustes regulatórios: resolver a ambiguidade de enquadramento (geração ou carga), corrigir a bitributação (TUSD/TUST/ICMS) e criar mecanismos de remuneração por capacidade e serviços ancilares.
    3. Integração com grandes consumidores: estruturar contratos de longo prazo (PPAs) com data centers e indústrias eletrointensivas, que demandam energia renovável firme e podem ser âncoras de investimento.

    Mensagem Final

    As UHRs não são apenas uma resposta ao presente, mas um investimento estratégico no futuro da energia brasileira. São elas que podem transformar desperdício em valor, risco em oportunidade e intermitência em resiliência.

    Call to Action

    Para conselhos e investidores, o momento é de antecipação. Apoiar pilotos, engajar no debate regulatório e firmar parcerias com grandes consumidores é garantir não apenas retorno financeiro, mas também protagonismo na transição energética.

  • O efeito OXXO e os riscos para o mercado livre de energia no Brasil

    O efeito OXXO e os riscos para o mercado livre de energia no Brasil

    Introdução

    A notícia da saída da Raízen da operação OXXO no Brasil acendeu um alerta que vai muito além do varejo de conveniência. Mais do que uma transação empresarial, esse episódio se transformou em um símbolo do chamado Custo Brasil e dos limites de replicar modelos globais em um mercado de complexidades próprias. OXXO, um fenômeno consolidado no México, não encontrou a mesma receptividade em território brasileiro. A lição é direta: escala, capital e prestígio não substituem adaptação cultural, proximidade com o consumidor e sensibilidade regulatória.

    Esse alerta é particularmente relevante no momento em que o setor elétrico brasileiro se prepara para um novo ciclo de abertura: a entrada dos consumidores de baixa tensão no mercado livre de energia. O risco é claro: repetir no setor elétrico o descompasso vivido pelo OXXO, importando soluções sem tropicalização, pode gerar frustração e instabilidade.

    O caso OXXO como metáfora para a energia

    OXXO nasceu em 1978, em Monterrey, e se transformou em um império do varejo de conveniência com mais de 20 mil lojas no México e milhares em outros países latino-americanos. No Brasil, a entrada foi marcada por uma promessa ousada: abrir uma loja por dia, em parceria com a Raízen, aproveitando sinergias com a rede de postos Shell.

    No entanto, o modelo esbarrou em barreiras estruturais e culturais. A logística encarecida, a burocracia municipal, a concorrência com padarias e mercadinhos locais e a informalidade acabaram corroendo a proposta de valor. A saída da Raízen, em 2025, não deve ser lida como um fracasso absoluto, mas como um movimento estratégico de foco em seu core business. A FEMSA segue acreditando no projeto, mas a mensagem ficou clara: a realidade brasileira exige adaptações profundas.

    Esse recado ecoa no setor elétrico. Assim como os consumidores brasileiros preferiram o comércio de bairro ao modelo padronizado do OXXO, eles podem resistir à migração para o mercado livre se não perceberem benefícios claros, simplicidade na adesão e confiança no processo.

    O horizonte da baixa tensão no mercado livre

    Desde os anos 1990, o Brasil vem liberalizando gradualmente seu mercado de energia, começando pelos grandes consumidores. Em 2024, a abertura alcançou todos os consumidores de alta e média tensão, fazendo com que a participação do mercado livre chegasse a cerca de 44% do consumo nacional. O próximo passo é inevitável: incluir residências e pequenos negócios a partir de 2026, em um processo escalonado que deve se estender até 2028.

    Essa transição, porém, não é apenas regulatória. Ela representa uma mudança cultural. A energia, tradicionalmente percebida como um serviço universal e regulado, passará a ser vista como um produto de escolha. Isso exigirá dos consumidores novos hábitos e dos agentes de mercado novas formas de comunicação, atendimento e diferenciação.

    O alerta OXXO aplicado à energia

    A experiência do OXXO mostra que não basta replicar o que deu certo em outros mercados. A padronização absoluta, que no México foi um trunfo, no Brasil se mostrou distante das preferências locais. No setor elétrico, o risco é idêntico: trazer modelos de Portugal, Texas ou Espanha sem ajustes pode resultar em baixa adesão e até em crises de credibilidade.

    Outro ponto crucial é o Custo Brasil. A complexidade tributária, a informalidade e a burocracia são fatores que podem corroer margens, atrasar processos e desestimular a concorrência. Se não forem enfrentados, podem inviabilizar a própria sustentabilidade do mercado livre em baixa tensão.

    Além disso, a armadilha da expansão acelerada sem tropicalização também deve ser evitada. Comercializadores que busquem conquistar milhões de clientes residenciais rapidamente, sem estrutura adequada de atendimento, garantias financeiras ou comunicação clara, correm o risco de repetir o desfecho da OXXO: presença física sem rentabilidade.

    Cenários possíveis para 2025–2035

    Ao projetar a próxima década, três cenários se destacam. No otimista, o Brasil equilibra velocidade e prudência, constrói confiança regulatória e oferece diversidade de produtos, transformando-se em referência global. No intermediário, a migração ocorre, mas de forma parcial e concentrada em nichos, sem democratização plena. Já no pessimista, a falta de preparo leva a inadimplência em massa, concentração excessiva e retrocessos regulatórios.

    O que determinará o caminho? Fatores críticos como regulação responsiva, gestão de riscos de inadimplência, educação energética, diversidade de players e inovação em serviços integrados.

    Recomendações estratégicas por stakeholder

    O sucesso da abertura dependerá de uma orquestração entre todos os atores:

    • Reguladores precisam dar segurança, simplificar contratos, expandir sandboxes e oferecer proteção contra inadimplência.
    • Distribuidoras devem se reposicionar como gestoras de rede e explorar novos modelos de negócio, em vez de resistirem à mudança.
    • Comercializadores e novos entrantes precisam construir confiança, inovar em pacotes de valor e explorar nichos de forma escalável.
    • Investidores e conselhos de administração devem ter capital paciente, visão de longo prazo e atenção às especificidades brasileiras.

    Conclusão: o chamado à ação

    O caso OXXO não é um fracasso terminal, mas um alerta contundente. Mostra que o Brasil não é terreno fértil para cópias automáticas de modelos globais. Exige tropicalização, resiliência e visão estratégica.

    A abertura do mercado livre de energia em baixa tensão precisa aprender com esse episódio. Se ignorar o comportamento do consumidor, a complexidade regulatória e a necessidade de confiança, corre o risco de se transformar em um novo “efeito OXXO”. Se, ao contrário, enfrentar esses desafios com pragmatismo e inovação, poderá se consolidar como um marco de modernização, inclusão e competitividade para o setor elétrico brasileiro.

    Artigo completo: O Alerta OXXO: Riscos e Lições para a Abertura do Mercado Livre de Energia na Baixa Tensão no Brasil