Os relatos e apresentações do Gartner IT Symposium/Xpo 2025, realizado em Orlando, trouxeram uma ampla visão sobre o futuro da tecnologia corporativa, com especial ênfase na inteligência artificial, soberania digital e evolução do papel das lideranças de TI.
Esses conteúdos, embora ricos em diagnósticos e previsões, suscitam reflexões importantes — algumas em plena convergência com nossa visão, outras que merecem questionamento crítico e contextualização mais pragmática.
A seguir, apresentamos uma análise estruturada sob a ótica da governança executiva e do realismo estratégico, abordando tanto os acertos das tendências apontadas quanto as lacunas e desafios subjacentes que ainda precisam ser enfrentados para que as organizações atinjam maturidade digital sustentável.
A Reconfiguração do Papel do CIO: de Guardião Operacional a Orquestrador Estratégico
O modelo clássico de CIO, concebido na era dos grandes sistemas corporativos e da estabilidade operacional, encontra-se no limite de sua eficácia.
Historicamente, o CIO foi o guardião da infraestrutura, da segurança e da confiabilidade dos sistemas empresariais — com foco em continuidade, governança e eficiência. No entanto, esse papel está cada vez mais distante das dinâmicas atuais de inovação, impulsionadas por ciclos curtos de aprendizado e tecnologias cognitivas de rápida evolução.
Na economia da inteligência, o CIO precisa migrar de executor para orquestrador estratégico, atuando como integrador de plataformas, dados e riscos. O novo paradigma corporativo exige um profissional capaz de coordenar múltiplos fluxos de inovação simultâneos, harmonizando legados, nuvens e camadas de inteligência distribuídas.
Esse deslocamento estrutural demanda um modelo de liderança dual:
- CIO, responsável pela coerência arquitetônica e integração sistêmica;
- CAIO (Chief AI Officer), incumbido da inovação cognitiva e da governança de modelos e dados.
Embora tal divisão represente evolução natural, ela é politicamente sensível — especialmente em fóruns dedicados ao público de CIOs. Ainda assim, os conselhos mais avançados já tratam a tecnologia não como área, mas como dimensão estratégica de orquestração corporativa.
A Ascensão do Chief AI Officer: Arquitetura de Poder na Era Cognitiva
O surgimento do Chief AI Officer é um movimento inevitável na reconfiguração do poder institucional dentro das empresas.
Enquanto o CIO continua responsável por sistemas, o CAIO assume o papel de arquiteto cognitivo: supervisiona modelos de IA, políticas de uso ético, experimentação responsável e integração da inteligência aos processos de negócio.
Empresas em setores de alta complexidade — finanças, energia, saúde, infraestrutura — já adotam o modelo de dupla liderança, em que o CAIO reporta diretamente ao CEO ou ao comitê de estratégia, e não ao CIO. Essa estrutura assegura que a IA não se torne refém de paradigmas operacionais e mantenha seu papel de vetor de inovação.
Subordinar o Head de IA a um CIO centrado em sistemas legados representa risco de compressão da inovação e perda de agilidade.
O CAIO, ao contrário, é um papel de natureza transversal: articula estratégia, engenharia e regulação, atuando como ponte entre a tecnologia e o valor de negócio. Trata-se de uma função que traduz a inteligência algorítmica em vantagem competitiva e assegura que o uso da IA respeite princípios éticos e institucionais.
Soberania Digital e Geopatriation: o Dilema da Dependência Global
O Gartner introduziu o termo Geopatriation para definir a tendência de repatriar dados e workloads a infraestruturas locais. Contudo, essa ideia é, em grande parte, ilusória.
A localização física dos dados não garante autonomia operacional. A verdadeira soberania digital depende de autonomia arquitetônica e contratual, não apenas de geografia.
Mesmo com dados armazenados em território nacional, as empresas permanecem dependentes de provedores globais que controlam o código, as APIs, o suporte e o ciclo de atualização. O resultado é uma soberania aparente: os dados estão no país, mas o poder sobre eles continua externo.
A solução está em plataformas neutras e multicloud interoperáveis, com camadas de abstração que permitam migração, reversibilidade e auditoria. Essa visão implica política industrial, padrões abertos e incentivos à formação de ecossistemas locais de computação soberana.
O desafio é institucional, não técnico — e requer liderança pública e privada para reequilibrar o poder entre provedores globais e as nações que dependem deles.
TrustOps e o Papel dos Provedores: Segurança como Serviço de Confiança
A cibersegurança corporativa está sendo redesenhada.
O que antes era uma função interna de controle e monitoramento evolui para um modelo em que a segurança se torna um serviço de confiança contínua — o TrustOps.
Os grandes provedores agora oferecem, dentro de suas plataformas, mecanismos de Confidential Computing, attestation de IA, rastreabilidade de dados e assinaturas de proveniência digital. Na prática, a segurança é integrada ao contrato de serviço: a confiança é garantida por auditoria técnica, jurídica e automatizada.
Essa abordagem resolve parte da complexidade operacional, mas cria nova dependência.
Sem padrões abertos, o cliente fica preso ao ecossistema do provedor. Por isso, o avanço da segurança como serviço deve ser acompanhado da criação de camadas de interoperabilidade e de certificação neutra, assegurando shared accountability entre cliente e fornecedor.
O futuro da segurança corporativa é federado: confiança distribuída, auditoria contínua e interoperabilidade garantida por governança multilateral.
Multiagent Systems: Do Hype à Produtividade Real
Entre as tendências destacadas pelo Gartner, os sistemas multiagentes merecem leitura mais pragmática.
Essas arquiteturas já não são promessas: estão em operação em setores como finanças, seguros, logística e atendimento ao cliente.
Agentes autônomos de software realizam reconciliações, respondem a consultas complexas e monitoram fluxos em tempo real com precisão e velocidade incomparáveis.
O desafio agora é regulatório e ético, não técnico.
Quando um agente toma uma decisão errada, quem é o responsável jurídico?
A legislação ainda não cobre esse nível de autonomia.
Empresas maduras estão, portanto, adotando o modelo de autonomia supervisionada, em que cada agente opera dentro de fronteiras lógicas auditáveis, com rastreabilidade e responsabilização humana explícita.
A próxima etapa será a orquestração entre múltiplos agentes, conectando cadeias de decisão autônoma em processos complexos, sempre com camada de controle humano.
O ganho de produtividade é real — mas o custo reputacional de falhas exige prudência institucional.
Capital Humano e Integração Cognitiva: o Novo Gargalo da Transformação
O fator humano é, hoje, o principal gargalo da integração da IA nas empresas.
A maioria dos colaboradores utiliza ferramentas de IA sem compreender sua lógica interna.
O resultado é uma relação de dependência mecânica: o profissional executa, mas não raciocina.
Para que a IA gere valor sustentável, o usuário deve se tornar co-pensador, não apenas operador.
Isso exige formação lógica e cognitiva, capaz de estruturar problemas, formular hipóteses e avaliar inferências algorítmicas.
O upskilling técnico isolado — uso de copilotos, prompts e assistentes — é insuficiente.
O novo diferencial competitivo está no raciocínio sistêmico e causal, aplicável à resolução de problemas de negócio com apoio da IA.
As organizações que priorizarem programas de AI Literacy estratégica — combinando lógica aplicada, design de processos e ética algorítmica — formarão uma geração de profissionais que entenderá a IA como extensão de sua própria inteligência.
Essa fusão cognitiva é o verdadeiro salto de produtividade do próximo ciclo empresarial.
Governança e Orquestração: Estrutura Corporativa da Era Pós-TI
A governança corporativa vive uma inflexão estrutural.
A tecnologia deixou de ser área e passou a ser camada de orquestração sobre todos os fluxos de negócio.
Em vez de centralizar decisões, a nova governança distribui responsabilidades, criando uma rede de liderança digital integrada.
Surge, nesse contexto, o conceito de Enterprise Intelligence Board — uma instância que conecta estratégia, risco, compliance, inovação e ética algorítmica.
Sua missão é garantir coerência institucional no uso da inteligência artificial, preservando tanto a eficiência operacional quanto a integridade ética e reputacional da empresa.
A métrica de maturidade corporativa não é o número de projetos de IA implantados, mas a capacidade da organização de pensar com a IA.
Governança, portanto, não é controle; é alinhamento cognitivo.
Os conselhos que compreenderem isso liderarão a transição para a era pós-TI com mais solidez e legitimidade.
Conclusão Executiva: Realismo Estratégico e Próximos Passos
O Gartner IT Symposium/Xpo 2025 reafirmou que a IA é inevitável, mas ainda não é bem governada.
As tendências apresentadas são valiosas, mas precisam ser reinterpretadas sob o prisma da maturidade institucional, evitando a armadilha do entusiasmo acrítico.
O que está em jogo não é apenas tecnologia — é arquitetura de poder, soberania e raciocínio humano.
A liderança que entender a IA como transformação estrutural, e não apenas como ferramenta, criará organizações realmente inteligentes.
Três prioridades estratégicas para os próximos 12 meses:
- Reestruturação organizacional — elevar o papel do CAIO ao mesmo nível hierárquico do CIO, com mandato sobre ética, dados e inovação;
- Soberania tecnológica — desenhar e negociar modelos multicloud interoperáveis com cláusulas de reversibilidade e governança soberana;
- Formação cognitiva — implantar programas de raciocínio lógico e modelagem aplicada à IA em todos os níveis de decisão.
A inteligência artificial redefine fronteiras, mas também redefine responsabilidades.
Não é uma agenda técnica; é uma agenda de liderança, ética e visão de longo prazo.
A governança que compreender esse princípio não apenas sobreviverá à disrupção — ela a conduzirá.
Checklist de Maturidade Organizacional na Era Cognitiva
Você está pronto para competir na nova fronteira digital?
O avanço da inteligência artificial e das plataformas cognitivas redefine o papel das lideranças, a estrutura das organizações e os parâmetros de soberania tecnológica. Para apoiar essa transição, elaboramos um checklist de autoavaliação que permite medir o grau de prontidão da sua empresa frente às tendências discutidas no Gartner IT Symposium/Xpo 2025. Trata-se de um instrumento prático de reflexão executiva, voltado a identificar o estágio de maturidade em liderança, soberania digital, segurança, operação inteligente, capital humano e governança corporativa.
Excelente estratégia — o checklist de maturidade funciona como “ponte de engajamento” entre o conteúdo reflexivo do briefing e a ação prática no site, reforçando autoridade intelectual e gerando tráfego qualificado.
Segue uma proposta inicial do Checklist de Maturidade Organizacional na Era Cognitiva, alinhado ao briefing e formatado para atrair o leitor da newsletter e do LinkedIn:
Checklist: sua organização está preparada para a era cognitiva?
Avalie cada item em uma escala de 1 a 5 (1 = incipiente / 5 = plenamente incorporado).
1. Estrutura e Liderança
- ( ) Existe clareza entre as funções de CIO e CAIO, com papéis complementares e não sobrepostos.
- ( ) A liderança de IA tem autonomia estratégica e participa das decisões de negócio.
- ( ) O conselho de administração acompanha temas de tecnologia como pauta recorrente de governança.
2. Soberania Digital e Arquitetura
- ( ) A empresa adota arquitetura multicloud interoperável, com plano de reversibilidade definido.
- ( ) Dados críticos estão sob políticas claras de localização, propriedade e jurisdição.
- ( ) Há monitoramento ativo da dependência de provedores globais e de riscos geopolíticos associados.
3. Segurança e Confiança
- ( ) A cibersegurança está integrada aos contratos com provedores (modelo TrustOps).
- ( ) Há padrões de digital provenance e attestation aplicados a dados e modelos de IA.
- ( ) A gestão de riscos considera a confiabilidade dos algoritmos e não apenas a infraestrutura.
4. Operação Inteligente
- ( ) Processos críticos já incorporam multiagents com supervisão humana definida.
- ( ) Há métricas para medir o impacto real da automação cognitiva em produtividade e qualidade.
- ( ) A organização possui diretrizes para o uso ético e responsável de agentes autônomos.
5. Capital Humano e Competências
- ( ) A empresa investe em programas de AI Literacy voltados a raciocínio lógico e modelagem.
- ( ) Profissionais de diferentes áreas compreendem o funcionamento básico da IA e suas limitações.
- ( ) A cultura corporativa estimula a experimentação e o pensamento sistêmico.
6. Governança e Orquestração
- ( ) Existe um comitê ou board de inteligência empresarial com visão transversal de estratégia, risco e ética.
- ( ) As políticas de IA estão documentadas, auditáveis e revisadas periodicamente.
- ( ) A maturidade organizacional é avaliada continuamente, com indicadores de absorção cognitiva.
Interpretação:
- 0–20 pontos: Fase inicial — o uso de IA é pontual e dependente de iniciativas isoladas.
- 21–30 pontos: Fase de estruturação — a organização tem visão estratégica, mas carece de coerência operacional.
- 31–40 pontos: Fase avançada — IA integrada, mas ainda com riscos de dependência externa e gaps humanos.
- 41–50 pontos: Fase cognitiva — a inteligência artificial é parte orgânica da governança e da estratégia corporativa.
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