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Além do Veículo: A Nova Equação da Logística Descarbonizada no Brasil

O mercado de logística brasileiro atravessa, neste final de 2025, um momento de ruptura. Nos últimos dois anos, saímos da fase de “pilotos de marketing” — onde empresas compravam dois ou três caminhões elétricos para estampar em relatórios de sustentabilidade — para a fase de escala operacional massiva.

Enquanto as manchetes da imprensa de negócios celebram a chegada de grandes volumes de frotas comerciais elétricas, impulsionadas por estratégias agressivas de players como a divisão Ford Pro, os gestores de infraestrutura e de Centros de Distribuição (CDs) encaram uma realidade física implacável: a “parede” da infraestrutura elétrica.

A eletrificação da frota deixou de ser um debate sobre a autonomia das baterias ou a capacidade de carga dos veículos. Essas barreiras tecnológicas caíram e o TCO (Total Cost of Ownership) já se provou favorável. O verdadeiro gargalo, aquele que tira o sono dos diretores de operações, agora reside na “Última Milha da Energia”: como abastecer 50, 100 ou 200 vans simultaneamente em um galpão projetado há dez anos apenas para iluminar estoques, rodar sistemas de TI e carregar empilhadeiras?

Este artigo propõe um mergulho na engenharia financeira e elétrica necessária para sustentar essa transição, desmistificando medos infundados e apontando onde está o verdadeiro dinheiro na mesa.

1. A Mudança do Tabuleiro: O Caso Ford e o “Asset-Light”

Para entender a magnitude do desafio, precisamos primeiro analisar a mudança na estratégia das montadoras que operam no Brasil. A Ford é o exemplo desse movimento de “Pragmatismo Radical”.

Ao redefinir sua atuação no país, abandonando a produção local de veículos de passeio para focar na importação e em serviços (modelo Asset-Light), a empresa transformou a Ford Pro em sua ponta de lança. A estratégia não é mais vender “metal” (o chassi e a carroceria); é vender “uptime” (tempo de atividade) e produtividade operacional.

Para a Ford e seus concorrentes, o veículo comercial elétrico, como a E-Transit, é um device conectado. O lucro migrou da venda do carro para a venda do ecossistema: software de telemetria, gestão de carregamento e manutenção preditiva.

No entanto, essa promessa de eficiência colide frontalmente com a realidade das redes de distribuição urbanas no Brasil. Quando um gestor decide eletrificar sua frota de Last Mile, ele inadvertidamente transforma seu CD em uma indústria eletrointensiva. A demanda de energia deixa de ser uma linha reta e previsível para se tornar um pico violento no final do dia. E é aqui que a infraestrutura tradicional falha.

2. O Paradoxo da Abundância e o Gargalo da Distribuição

Existe um temor difuso no mercado de que a eletrificação em massa causará um colapso na geração de energia ou encarecerá as tarifas. É preciso desconstruir esse mito com dados atualizados do setor elétrico.

O Mito da Escassez e a Realidade da Gestão

Esqueça a velha noção de escassez de geração. O cenário energético brasileiro de 2025 é marcado por uma nova dinâmica: a “abundância intermitente”. Durante a madrugada — horário nobre para a recarga de frotas comerciais — o Sistema Interligado Nacional (SIN) frequentemente lida com um excesso de oferta de fontes renováveis, especialmente eólica, chegando ao ponto de haver cortes forçados de geração (curtailment) no Nordeste por falta de consumo imediato para absorvê-la.

O Operador Nacional do Sistema (ONS) tem lidado com curtailment (redução intencional)de turbinas eólicas justamente porque o vento sopra forte quando o país dorme. Portanto, carregar frotas à noite não é um fardo para o sistema; é, na verdade, uma solução sistêmica que aproveita uma energia que, de outra forma, seria desperdiçada.

O verdadeiro desafio para o gestor de frota, portanto, não está na disponibilidade de energia no país, mas na física da distribuição local. O gargalo é a infraestrutura da “última milha”. A questão crítica deixa de ser a geração e passa a ser a capacidade de conexão: como transportar essa energia abundante da rede de Alta Tensão para dentro do seu galpão em Média ou Baixa Tensão sem sobrecarregar transformadores, sem provocar afundamentos de tensão e, crucialmente, sem detonar o orçamento operacional.

3. A Matemática Cruel da Demanda Contratada

Vamos ilustrar o problema com um cenário realista de um CD metropolitano típico em São Paulo ou Rio de Janeiro.

Imagine um galpão logístico que opera com uma demanda contratada de 75 kW, suficiente para sua operação administrativa e de triagem. O gestor decide adquirir 20 vans elétricas para a frota. Cada van carrega a uma potência de 11 kW em corrente alternada (AC).

Se todas as vans chegarem da rota às 18h00 e forem conectadas simultaneamente (“dumb charging”), a demanda instantânea saltará de 75 kW para quase 300 kW.

Isso gera três consequências imediatas e desastrosas:

  1. A Multa de Ultrapassagem: A concessionária de energia aplicará multas severas por ultrapassagem de demanda contratada (muitas vezes 2x ou 3x o valor da tarifa normal) sobre o excedente.
  2. O “Capex Cliff” (Abismo de Investimento): Para legalizar essa nova carga, a empresa precisará solicitar um aumento de carga. A concessionária exigirá uma nova subestação, troca de transformadores e, possivelmente, reforço da rede da rua. O custo pode facilmente ultrapassar R$ 500.000,00, com prazos de obra de 180 a 360 dias.
  3. A Tarifa de Ponta: O horário de chegada da frota (18h-21h) coincide com o Horário de Ponta, onde o kWh é infinitamente mais caro no mercado cativo.

Muitos projetos de eletrificação morrem nessa planilha. O veículo se paga, mas a infraestrutura para “abastecê-lo” destroi o ROI (Return on Investment).

4. A Solução: O CD como Microrrede Autossuficiente

A resposta para esse impasse financeiro e técnico não está em esperar a boa vontade da concessionária, mas em transformar o próprio ativo imobiliário. Estamos vendo a consolidação de uma “Tríade de Ouro” para infraestrutura de recarga: Solar + BESS + Frota.

Esta abordagem converte o Centro de Distribuição em uma Microgrid (Microrrede) inteligente. Vamos dissecar os componentes:

A. O Teto como Ativo (Geração Solar)

Os Centros de Distribuição possuem uma característica arquitetônica valiosa: milhares de metros quadrados de telhados desobstruídos. No Brasil, isso equivale a uma usina solar adormecida.

Ao instalar geração fotovoltaica no telhado, a energia torna-se um insumo de custo marginal próximo a zero. No entanto, existe um descasamento temporal: o sol gera ao meio-dia, mas a frota carrega à noite. Sem armazenamento, essa energia seria injetada na rede, gerando créditos que, após a Lei 14.300, sofrem desvalorização pelo pagamento do “Fio B”.

Para dimensionar o tamanho dessa oportunidade, basta olhar para os gigantes do e-commerce e logística que operam no Brasil. Players como Mercado LivreAmazonMagalu e grandes operadores logísticos gerenciam Centros de Distribuição cujas áreas de cobertura frequentemente superam os 50.000 m², com mega-hubs ultrapassando a marca de 100.000 m² de telhado plano e desobstruído. Essas imensas superfícies industriais não são apenas coberturas; são, na prática, usinas solares de múltiplos megawatts em potencial, aguardando apenas a integração correta para passarem de custo fixo a ativo gerador de energia limpa.

B. A Bateria como Infraestrutura (BESS)

Aqui entra o Battery Energy Storage System (BESS). O BESS não é apenas uma “bateria grande”; ele é uma infraestrutura virtual. Ele atua como um pulmão (“buffer”) entre a rede e a frota.

Durante o dia, o BESS armazena a energia solar excedente (que seria injetada na rede com deságio). Durante a madrugada, ele complementa a carga puxando energia da rede em horários de tarifa superreduzida.

C. O Despacho Inteligente (Peak Shaving)

O software de gestão da microrrede monitora o consumo em tempo real. Quando a frota retorna ao CD às 18h — horário de ponta — o sistema isola ou reduz drasticamente a entrada de energia da concessionária. As vans são carregadas pela energia estocada nas baterias.

Isso realiza o chamado Peak Shaving (corte de pico). O CD “engana” a rede elétrica, mantendo uma curva de consumo plana e baixa aos olhos da concessionária, enquanto entrega alta potência para os carregadores rápidos dentro do pátio. Isso elimina a necessidade de obras civis pesadas e contratos de demanda exorbitantes.

5. Resiliência: O Seguro Contra o Apagão

Além da matemática financeira, há um imperativo estratégico: a continuidade de negócios.

Com as mudanças climáticas intensificando tempestades e ventanias nas metrópoles brasileiras, a estabilidade da rede elétrica urbana degradou-se. Para uma empresa de logística Just-in-Time ou de e-commerce, ficar uma noite sem energia significa uma frota parada no dia seguinte e milhões em prejuízo por entregas não realizadas.

Um CD equipado com Solar e BESS possui autonomia. Em caso de queda da rede da concessionária, a microrrede entra em modo de “ilhamento” (islanding). A operação continua, os servidores permanecem ligados e, o mais importante, os veículos são carregados. O BESS deixa de ser apenas um redutor de custos e torna-se um seguro operacional contra o caos urbano.

6. O Novo Papel do Gestor de Frota

Essa transformação exige uma mudança de mindset. O gestor de frota do futuro (ou melhor, de hoje) não gerencia apenas pneus, combustível e motoristas. Ele precisa entender de curva de carga, mercado livre de energia e arbitragem tarifária.

Empresas que tratarem a compra da frota elétrica isoladamente do projeto elétrico do CD enfrentarão custos ocultos devastadores. O Capex mal planejado na infraestrutura é o assassino silencioso da eletrificação.

Por outro lado, as empresas que integrarem geração, armazenamento e consumo criarão uma vantagem competitiva de longo prazo. Elas travarão seu custo de energia (protegendo-se da inflação energética), garantirão resiliência contra apagões e cumprirão suas metas ESG com emissão zero real, do poço à roda.

A revolução é elétrica, mas a vitória, inequivocamente, é estratégica.


Como podemos ajudar

Na nMentors Engenharia percebemos no dia a dia de projetos que a barreira para a eletrificação raramente é a vontade do cliente, mas sim a complexidade técnica de integrar novas cargas em redes antigas.

Entendemos que cada CD possui um “DNA elétrico” único. Apoiamos gestores de logística, infraestrutura e sustentabilidade em três pilares críticos para garantir que a conta feche:

1. Estudos de Viabilidade Técnica e Econômica (EVTE) Avançados

Não entregamos apenas orçamentos. Realizamos uma análise profunda do perfil de carga da sua frota atual e futura. Simulamos cenários financeiros para a integração de Solar e BESS, calculando o ROI real, a redução de OpEx e o Payback do sistema. Nosso objetivo é responder: “Vale a pena investir em baterias ou pagar a obra da concessionária?”

2. Projeto de Infraestrutura de Recarga e Microgrids

Desenvolvemos o projeto executivo completo (Full Engineering). Dimensionamos não apenas os carregadores, mas toda a proteção elétrica, o sistema de armazenamento e a usina solar, garantindo a interoperabilidade dos sistemas. Focamos em segurança (normas NR-10 e internacionais) e em escalabilidade, para que sua infraestrutura cresça junto com sua frota.

3. Consultoria Regulatória e Estratégica (Energy Intelligence)

O mercado de energia é complexo. Ajudamos sua empresa a navegar pelas regras da ANEEL, a migrar para o Mercado Livre de Energia (se vantajoso) e a identificar oportunidades de incentivos fiscais e linhas de financiamento verde. Estruturamos modelos de negócio inovadores, como Energy-as-a-Service, onde conectamos sua empresa a investidores que podem financiar a infraestrutura em troca de contratos de performance.

Não deixe que a infraestrutura seja o freio de mão da sua expansão.

Transforme seu desafio energético em um ativo estratégico de alta rentabilidade. Acesse www.nMentors.com.br e agende uma conversa técnica com nossos especialistas em mobilidade elétrica e sistemas de potência.

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