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Autor: Eduardo Fagundes

  • Black Hat 2025 e o Futuro da Cibersegurança OT: Tendências e Ações para o Setor de Energia

    Black Hat 2025 e o Futuro da Cibersegurança OT: Tendências e Ações para o Setor de Energia

    Sumário Executivo

    O Black Hat USA 2025 consolidou-se como o ponto de convergência global para tendências emergentes em cibersegurança, e sua relevância para o setor de energia — especialmente nas operações de tecnologias operacionais (OT) — é incontestável. O evento reafirmou que, em um cenário de crescente interdependência entre sistemas de controle industrial, redes corporativas e cadeias de suprimentos digitais, a cibersegurança deixou de ser uma pauta técnica isolada para se tornar um eixo central de governança corporativa.

    A inteligência artificial como vetor dual foi um dos temas mais críticos. Modelos de linguagem avançados e IA generativa, como discutido em apresentações da SentinelOne, estão sendo aplicados tanto para defesa — com detecção preditiva de ameaças, análise de anomalias e resposta automatizada — quanto para ataque, incluindo desenvolvimento de malware com aprendizado por reforço. Em ambientes de OT, essa capacidade amplia o risco de intrusões em sistemas SCADA e redes de automação, expondo vulnerabilidades antes restritas a especialistas em cibercrime.

    A segurança de infraestruturas críticas e IoT foi abordada sob a perspectiva de proteger ativos que sustentam a operação contínua de geração, transmissão e distribuição de energia. As discussões reforçaram a necessidade de hardening de dispositivos, segmentação de redes e adoção de arquiteturas “zero trust” para minimizar o impacto de ataques em camadas mais sensíveis da operação.

    A gestão de identidade e acesso (IAM) foi tratada como elemento-chave para evitar incidentes originados por credenciais comprometidas, com ênfase em autenticação sem senha mesmo em sistemas legados, prevenção de movimentação lateral entre redes corporativas e OT, e treinamentos anti-phishing direcionados a operadores. A integração entre IAM e sistemas SCADA surge como medida estratégica para garantir rastreabilidade e controle de privilégios em tempo real.

    Ameaças avançadas e técnicas de ataque apresentadas no evento incluíram exploits de APIs críticas, como no caso do Azure Logic Apps, malware independente de sistema operacional e exploração de vulnerabilidades zero-day por grupos como CLOP e Akira. O aprendizado para o setor de energia é que a superfície de ataque vai além das estações de trabalho e servidores corporativos, alcançando APIs de monitoramento, gateways industriais e ativos conectados à nuvem.

    O seguro cibernético apareceu na agenda como mecanismo de mitigação financeira, mas a mensagem predominante foi que a contratação não substitui uma postura ativa de segurança. As seguradoras estão elevando critérios, exigindo comprovação de controles robustos e planos de resposta a incidentes para cobertura efetiva.

    As inovações em ferramentas de código aberto no Arsenal mostraram que soluções de segurança de alta qualidade estão cada vez mais acessíveis, com aplicações em segurança de nuvem, hacking ético e análise de código. No entanto, para ambientes críticos como OT, a adoção deve passar por avaliação rigorosa de riscos e integração segura às operações.

    O evento também inspirou a elaboração de um checklist para aplicações de missão crítica, cobrindo desde proteção de endpoints industriais e gestão de vulnerabilidades até auditoria de fornecedores e simulações regulares de incidentes. Esse checklist é uma base prática para orientar conselhos na cobrança de indicadores claros de segurança.

    Em síntese, três mensagens estratégicas se destacam para conselhos e alta gestão no setor de energia:

    1. Incorporar a cibersegurança OT à estratégia corporativa — com orçamento, métricas e governança equivalentes a outras funções críticas de negócios.
    2. Acelerar a capacitação técnica e a integração entre times de TI e OT, garantindo alinhamento total na resposta a incidentes e na adoção de novas tecnologias.
    3. Fortalecer a resiliência da cadeia de suprimentos digital e física, implementando processos de auditoria contínua e requisitos de segurança para parceiros e fornecedores.

    Empresas que tratam a cibersegurança de OT como fator estratégico não apenas protegem ativos e reputação, mas também ampliam a capacidade de inovar e explorar novas oportunidades de negócio com segurança. No cenário pós-Black Hat 2025, a diferença entre resiliência e vulnerabilidade estará diretamente ligada ao nível de engajamento e liderança exercido pelo conselho.

    Introdução ao Black Hat USA 2025 e Relevância para OT no Setor de Energia

    O Black Hat USA 2025 reafirmou-se como um dos fóruns mais influentes na definição da agenda global de cibersegurança, reunindo em Las Vegas alguns dos principais especialistas, pesquisadores e líderes corporativos para discutir ameaças emergentes e estratégias de defesa em um cenário cada vez mais complexo. Para o setor de energia, em especial para empresas que operam sistemas de tecnologia operacional (OT) como SCADA e ICS, os debates deste ano deixaram claro que a fronteira entre segurança digital e resiliência física já não existe. Os ataques cibernéticos contra infraestruturas críticas, antes vistos como eventos raros ou limitados a casos isolados, hoje compõem um risco sistêmico capaz de interromper serviços essenciais, gerar perdas financeiras substanciais e comprometer a confiança pública.

    A relevância do evento para executivos e conselhos de administração vai além do aspecto técnico. Ao reunir casos concretos e tendências confirmadas por especialistas de diferentes países, o Black Hat ofereceu uma leitura pragmática dos vetores de ataque mais prováveis para os próximos anos, além de sinalizar como tecnologias emergentes — em especial inteligência artificial e automação — estão sendo usadas de forma tanto defensiva quanto ofensiva. Essa perspectiva é vital para empresas de energia que precisam equilibrar investimentos em modernização de suas redes com medidas rigorosas de segurança cibernética, sob pressão crescente de órgãos reguladores e de clientes cada vez mais atentos à confiabilidade do fornecimento.

    As discussões reforçaram que a cibersegurança deve ser tratada como um componente central da estratégia corporativa, com impactos diretos sobre continuidade operacional, conformidade regulatória e competitividade de mercado. Ao integrar inteligência cibernética ao processo decisório, empresas do setor elétrico não apenas reduzem sua exposição a riscos, mas também fortalecem sua capacidade de inovar de forma segura. Nesse sentido, o Black Hat 2025 funcionou como um catalisador de conhecimento e um ponto de convergência para o diálogo entre a comunidade técnica e as lideranças responsáveis por direcionar o futuro das infraestruturas críticas.

    Visão Geral dos Principais Temas do Evento

    Os debates e pesquisas apresentados no Black Hat USA 2025 deixaram claro que o setor de energia está no epicentro de uma transformação no cenário de ameaças cibernéticas. Entre os temas mais recorrentes, a aplicação da inteligência artificial na ofensiva e na defesa ocupou papel central. Especialistas demonstraram como modelos de linguagem avançados e técnicas de aprendizado por reforço podem ser utilizados para automatizar desde a geração de código malicioso até a identificação de vulnerabilidades de alto impacto em redes de controle industrial. Para quem opera ambientes OT, essa evolução significa que ataques podem ganhar velocidade e precisão inéditas, explorando brechas específicas em protocolos industriais como Modbus/TCP ou DNP3, muitas vezes sem gerar ruído suficiente para acionar alertas convencionais. Ao mesmo tempo, a mesma tecnologia está sendo explorada de forma defensiva, com sistemas de monitoramento capazes de detectar padrões anômalos em tráfego de rede e comportamento de dispositivos, inclusive em segmentos isolados por air gaps, aplicando modelos treinados para reconhecer variações sutis que indicam movimentação lateral ou tentativas de exfiltração.

    Outro ponto técnico de destaque foi a análise de vulnerabilidades em APIs críticas, como as utilizadas para integração entre sistemas corporativos e plataformas de automação industrial. Pesquisas apresentadas expuseram que, mesmo em ambientes com segmentação física, APIs mal configuradas ou expostas via gateways inseguros podem servir como vetores de entrada para agentes de ameaça avançados. A demonstração de exploits contra ambientes de nuvem híbrida, simulando integrações entre Azure Logic Apps e plataformas ICS, chamou atenção pela similaridade com arquiteturas já presentes em utilities e operadores de geração distribuída. Essa convergência entre TI e OT cria um terreno fértil para ataques de movimento lateral, nos quais um comprometimento inicial em sistemas administrativos pode se transformar rapidamente em controle sobre ativos críticos, como relés de proteção ou sistemas de despacho.

    A segurança de dispositivos IoT e a resiliência de redes inteligentes também receberam atenção especial. Demonstrações práticas no Arsenal evidenciaram que muitos dispositivos de campo, como medidores inteligentes e sensores de subestação, ainda operam com firmware desatualizado e protocolos sem criptografia robusta, abrindo espaço para ataques de replay e injeção de comandos falsos. Para especialistas, ficou evidente que a proteção de endpoints em campo requer não apenas patches e atualizações, mas também monitoramento contínuo do comportamento elétrico e lógico dos equipamentos, correlacionando dados de operação com telemetria de segurança.

    Ao integrar essas discussões ao contexto do setor energético, o que emerge é um quadro de riscos que combina complexidade técnica com implicações estratégicas de alto nível. Os executivos presentes ao evento saíram com a percepção de que a resiliência cibernética não pode mais depender exclusivamente de firewalls e segmentação, mas deve incorporar capacidades avançadas de detecção e resposta, gestão de identidades com autenticação forte e controles específicos para cadeias de suprimento digitais. Já os profissionais técnicos encontraram no Black Hat 2025 não apenas a validação de que essas ameaças são reais, mas também um conjunto de ferramentas, metodologias e casos de uso que podem ser aplicados de imediato para elevar o patamar de segurança das infraestruturas críticas de energia.

    Segurança e Exploits de Inteligência Artificial (IA) em OT

    Entre os temas mais instigantes do Black Hat USA 2025, a utilização de inteligência artificial, especialmente modelos de linguagem avançados e IA generativa, ocupou um espaço de destaque. As apresentações revelaram um paradoxo inevitável: as mesmas tecnologias que fortalecem as defesas cibernéticas estão se tornando ferramentas poderosas para ofensivas sofisticadas. A SentinelOne apresentou análises que demonstram como LLMs podem ser treinados para auxiliar em inteligência de ameaças, correlacionando dados de múltiplas fontes e gerando respostas rápidas a incidentes. No entanto, os mesmos modelos, quando explorados de forma maliciosa, podem automatizar a criação de código de ataque, elaborar scripts de phishing altamente personalizados e até simular padrões legítimos de tráfego de rede para contornar sistemas de detecção. Essa dualidade, amplamente discutida nos briefings, deixou claro que a IA está se consolidando como um vetor de risco interno, não apenas externo, já que colaboradores ou prestadores de serviço com acesso privilegiado podem utilizá-la para explorar falhas de segurança sem necessariamente ter habilidades técnicas avançadas.

    Uma das demonstrações mais técnicas mostrou como algoritmos de aprendizado por reforço podem ser aplicados para desenvolver malware capaz de adaptar seu comportamento em tempo real, evitando detecção mesmo em ambientes OT com monitoramento constante. Em redes de controle industrial, onde protocolos como IEC 60870-5-104 ou DNP3 raramente são atualizados e muitas vezes carecem de autenticação robusta, esse tipo de ameaça representa um risco significativo. O malware apresentado aprendia a modular sua taxa de pacotes, ajustar comandos falsos para não disparar alarmes de inconsistência e até explorar sequências de comandos permitidas pelo sistema para atingir objetivos destrutivos sem levantar suspeitas imediatas.

    Para o setor de energia, as implicações são diretas e preocupantes. A adoção de IA defensiva em sistemas SCADA e ICS foi apresentada como um caminho inevitável, especialmente para detecção precoce de anomalias em fluxos de dados operacionais. Modelos treinados com históricos de operação podem identificar desvios sutis no perfil de carga, variações incomuns na frequência de comandos ou padrões temporais anômalos que, a olho nu, passariam despercebidos. Essa capacidade de análise preditiva, quando integrada a sistemas de resposta automatizada, pode interromper ataques antes que comprometam ativos críticos. No entanto, especialistas alertaram para a necessidade de proteger não apenas a camada operacional, mas também a cadeia de suprimentos de IA — incluindo datasets, modelos e pipelines de treinamento — que, se manipulados, podem gerar falsos positivos ou mascarar ataques reais.

    Estudos de caso apresentados no evento mostraram incidentes simulados em que a IA defensiva foi comprometida por dados envenenados, levando operadores a ignorar sinais reais de ataque. Esse cenário reforçou a importância de implementar validação cruzada de dados, monitoramento independente dos modelos e autenticação rigorosa para qualquer atualização de parâmetros. Para empresas do setor energético, as recomendações convergem para três eixos: investir em IA defensiva com capacidade de adaptação contínua, adotar estratégias de segurança para toda a cadeia de suprimentos de modelos e incorporar auditorias regulares para garantir que as ferramentas de proteção não se tornem, elas mesmas, superfícies de ataque.

    Segurança de Infraestruturas Críticas e IoT

    As discussões no Black Hat USA 2025 sobre ameaças avançadas e novas técnicas de ataque trouxeram um alerta claro para empresas que operam infraestruturas de energia: a sofisticação das campanhas cibernéticas está aumentando em ritmo acelerado, e a barreira entre ataques contra TI e OT está cada vez mais tênue. Um dos pontos mais comentados foi a exploração de APIs críticas como vetores de ataque, exemplificada por vulnerabilidades em integrações baseadas no Azure Logic Apps. Embora muitas organizações acreditem que a segmentação física de suas redes industriais seja suficiente para evitar intrusões, o evento mostrou que a interconexão com sistemas corporativos e plataformas em nuvem cria caminhos indiretos que podem ser explorados por agentes maliciosos. Nesses casos, uma credencial exposta ou um endpoint mal configurado pode abrir passagem para um ataque de movimento lateral, permitindo que o invasor transite de aplicações administrativas para ativos de controle industrial.

    A ameaça de grupos de ransomware como CLOP e Akira também foi amplamente discutida, com ênfase no uso crescente de exploits de dia zero para obter acesso inicial em ambientes híbridos. No contexto energético, a combinação de vulnerabilidades não corrigidas em ativos legados com métodos de persistência avançados cria condições para ataques duradouros e de difícil erradicação. Durante uma simulação apresentada no evento, pesquisadores mostraram como um invasor poderia comprometer um servidor de gestão de ativos corporativo, extrair mapas lógicos de rede e, a partir daí, lançar ataques coordenados contra controladores lógicos programáveis (PLCs) responsáveis pela operação de subestações.

    Outro aspecto técnico relevante foi a demonstração de ataques que exploram a movimentação lateral por meio de protocolos industriais e canais de comunicação autorizados. Ao invés de tentar romper diretamente firewalls ou sistemas de detecção, alguns grupos estão adotando táticas “living-off-the-land”, aproveitando-se de funcionalidades legítimas dos sistemas para executar comandos maliciosos. Em redes elétricas, isso pode incluir a manipulação de parâmetros de proteção, a alteração de setpoints ou a desativação temporária de alarmes. O desafio para os operadores é que essas ações muitas vezes não geram alertas imediatos, pois se enquadram dentro do comportamento esperado para determinados perfis de usuário ou dispositivos.

    As recomendações que emergem dessas análises convergem para a necessidade de uma abordagem em camadas, combinando segmentação rigorosa de redes, autenticação multifator para acesso a ambientes OT, monitoramento contínuo baseado em análise comportamental e exercícios regulares de simulação de ataque. Além disso, a colaboração entre equipes de TI e OT foi apontada como fator crítico: a resposta a incidentes precisa considerar a integração entre as duas áreas, não apenas para conter um ataque, mas para compreender o seu impacto operacional e regulatório. Para empresas do setor energético, isso significa adotar uma postura de vigilância constante e incorporar inteligência de ameaças atualizada nos processos de tomada de decisão, garantindo que vulnerabilidades emergentes sejam identificadas e tratadas antes que possam ser exploradas.

    Gestão de Identidade e Acesso (IAM) em OT

    No contexto das infraestruturas de energia, a gestão de identidade e acesso deixou de ser um tema restrito à área de TI para se tornar um elemento central da resiliência operacional. As discussões no Black Hat USA 2025 evidenciaram que, em ambientes OT, falhas nesse controle podem ser tão perigosas quanto vulnerabilidades de software, já que o comprometimento de credenciais pode permitir que um invasor execute ações críticas sem precisar explorar falhas técnicas. A transição para modelos de autenticação sem senha, ainda incipiente em sistemas legados, foi um dos pontos de maior interesse técnico. Muitos sistemas SCADA e ICS operam há décadas e não foram projetados para suportar autenticação moderna, criando um dilema: como implementar métodos seguros — como chaves criptográficas ou autenticação baseada em hardware tokens — sem interromper operações que não podem ter downtime prolongado. Pesquisas apresentadas no evento mostraram casos em que a introdução gradual de autenticação multifator em sistemas legados reduziu substancialmente a superfície de ataque, desde que acompanhada de testes de compatibilidade e redundância operacional.

    A prevenção da movimentação lateral dentro de redes energéticas também recebeu atenção especial. Ao contrário de ataques tradicionais que buscam explorar diretamente ativos críticos, muitos adversários agora se infiltram por sistemas periféricos e se deslocam internamente até alcançar equipamentos de controle. Essa tática é facilitada quando políticas de acesso não são estritamente segmentadas ou quando as credenciais de usuários e dispositivos têm privilégios excessivos. Demonstrações técnicas no Black Hat mostraram como o uso de “just-in-time access” — liberando permissões apenas no momento necessário e revogando-as automaticamente — pode mitigar de forma eficaz a escalada de privilégios em redes industriais.

    Outro ponto abordado foi o treinamento contra phishing direcionado a operadores de OT. Embora campanhas de conscientização sejam comuns no ambiente corporativo, o evento destacou que os profissionais que atuam diretamente em campo ou em salas de controle muitas vezes não recebem treinamentos adaptados à sua realidade operacional. Ataques de spear phishing voltados a esses perfis podem simular comunicações de manutenção, atualizações de firmware ou instruções de despacho, induzindo à instalação de malware ou à revelação de credenciais. Boas práticas incluem a criação de cenários de teste realistas e a inclusão do treinamento como parte do ciclo de auditorias de segurança.

    A integração entre plataformas de IAM e sistemas SCADA foi apresentada como uma medida de segurança corporativa cada vez mais necessária. Essa integração não se limita à autenticação inicial, mas estende-se ao monitoramento contínuo de sessões, à correlação de eventos de acesso com logs operacionais e à capacidade de interromper automaticamente uma conexão suspeita sem afetar usuários legítimos. Para o setor energético, isso significa criar um ecossistema de controle de acesso que seja dinâmico, adaptável e alinhado às exigências regulatórias, capaz de proteger ativos críticos sem comprometer a eficiência operacional. Ao final, a mensagem que emergiu do Black Hat é clara: no atual cenário de ameaças, a gestão de identidade e acesso em OT é tão estratégica quanto a proteção física das instalações, e deve ser tratada como um investimento prioritário no planejamento corporativo.

    Ameaças Avançadas e Técnicas de Ataque

    O Black Hat USA 2025 trouxe exemplos concretos de como a sofisticação das ameaças contra infraestruturas críticas está atingindo novos patamares, especialmente no uso de exploits direcionados a APIs críticas. Um dos casos que mais chamou atenção foi a exploração de vulnerabilidades em integrações baseadas no Azure Logic Apps, onde endpoints mal configurados ou expostos inadvertidamente permitiram a execução remota de código e a extração de credenciais. Esse tipo de ataque é particularmente preocupante para o setor de energia, que vem adotando cada vez mais modelos de nuvem híbrida para integrar sistemas corporativos e plataformas de automação industrial. Mesmo em ambientes com segmentação física de rede, uma API vulnerável pode funcionar como porta de entrada silenciosa para adversários avançados, contornando controles tradicionais e permitindo acesso indireto a ativos de OT.

    Outro ponto debatido foi o avanço de malware independente de sistema operacional, projetado para funcionar em múltiplas arquiteturas e protocolos. Essas ameaças, muitas vezes escritas em linguagens multiplataforma como Go ou Rust, podem se propagar por diferentes tipos de dispositivos, incluindo gateways industriais e controladores de automação. Em demonstrações no evento, foi possível observar como esse tipo de malware se integra de forma quase transparente a fluxos legítimos de comunicação, injetando pacotes maliciosos em protocolos como Modbus/TCP sem disparar alertas imediatos. Esse cenário evidencia que a defesa não pode depender apenas de assinaturas conhecidas, mas exige análise comportamental profunda e monitoramento contínuo de tráfego OT.

    A evolução do cibercrime também esteve em destaque, com grupos como CLOP e Akira demonstrando crescente capacidade de explorar vulnerabilidades zero-day para comprometer rapidamente redes híbridas. As campanhas analisadas mostraram uma tendência de ataques com múltiplas fases: obtenção de acesso inicial por phishing ou exploração de serviços expostos, movimentação lateral para descoberta de ativos e, por fim, implantação de ransomware adaptado ao ambiente-alvo. No caso das redes elétricas, a combinação de persistência avançada e conhecimento detalhado da arquitetura operacional pode permitir não apenas a criptografia de dados, mas também a manipulação direta de sistemas de controle, elevando o impacto do ataque a níveis operacionais e regulatórios.

    As contramedidas apresentadas no Black Hat reforçaram a importância de uma defesa em profundidade. A segmentação de rede, embora fundamental, precisa ser combinada com mecanismos de detecção ativa, como honeypots especializados em protocolos industriais, capazes de atrair e registrar tentativas de exploração sem colocar em risco os ativos reais. O monitoramento de tráfego OT também foi apontado como peça-chave, não apenas para identificar anomalias em tempo real, mas para construir perfis de comportamento que ajudem a prever padrões de ataque e detectar movimentos preparatórios antes que eles resultem em incidentes. Para o setor de energia, adotar essas estratégias não é mais uma questão de vantagem competitiva, mas de sobrevivência operacional em um ambiente onde as ameaças evoluem mais rápido que os ciclos tradicionais de atualização de segurança.

    Seguro Cibernético e Gestão de Riscos

    Embora não tenha sido um dos temas mais comentados nos canais públicos durante o Black Hat USA 2025, o seguro cibernético apareceu nas discussões técnicas e estratégicas como um componente cada vez mais crítico da gestão de riscos no setor de energia. As apresentações ressaltaram que a simples contratação de uma apólice não garante proteção efetiva, pois muitas seguradoras estão impondo requisitos técnicos rigorosos para conceder cobertura. Entre eles, destacam-se auditorias periódicas de segurança, comprovação de segmentação de redes OT e TI, uso de autenticação multifator em todos os acessos privilegiados e planos de resposta a incidentes testados regularmente. Em alguns casos, foi demonstrado que empresas com controles insuficientes podem ter indenizações reduzidas ou mesmo negadas após um incidente, sob alegação de não conformidade com as cláusulas contratuais.

    O setor energético enfrenta desafios adicionais, já que um incidente cibernético não se limita a danos a dados ou sistemas corporativos, mas pode afetar diretamente a operação de ativos críticos, com impactos regulatórios, financeiros e de imagem. Nesse contexto, calcular o valor adequado da cobertura exige um entendimento profundo das possíveis cadeias de eventos que um ataque poderia desencadear. Por exemplo, um ransomware que atinja um centro de despacho pode gerar custos de recuperação, multas por descumprimento de contratos de fornecimento e perdas decorrentes de interrupções no sistema elétrico, além de custos com comunicação pública e gestão de crise.

    No campo técnico, discutiu-se o uso de inteligência de ameaças para recalcular o perfil de risco de forma dinâmica, ajustando não apenas as medidas de mitigação, mas também os parâmetros da apólice. Essa abordagem prevê que, diante de um aumento no número de ataques direcionados a uma tecnologia específica — como um determinado modelo de PLC ou uma vulnerabilidade recém-divulgada em um protocolo industrial —, a empresa revise imediatamente seus controles e atualize as informações junto à seguradora, reduzindo a probabilidade de lacunas de cobertura.

    A mensagem central que emergiu das discussões é que o seguro cibernético não substitui a segurança preventiva, mas deve ser tratado como parte integrante de uma estratégia de resiliência corporativa. Para empresas do setor de energia, isso significa alinhar as exigências da apólice com o plano diretor de segurança OT, de modo que as práticas de mitigação exigidas pelo seguro fortaleçam, de fato, a capacidade de defesa. Essa integração, quando bem executada, transforma o seguro cibernético de um custo reativo em um instrumento ativo de gestão de risco, oferecendo à alta gestão e aos conselhos uma camada adicional de previsibilidade frente a um cenário de ameaças cada vez mais volátil.

    Inovações em Ferramentas de Código Aberto

    O Arsenal do Black Hat USA 2025, tradicional vitrine de ferramentas de código aberto, mostrou mais uma vez que a inovação na cibersegurança não se restringe a soluções proprietárias ou caras. Foram apresentadas mais de 115 demonstrações, abrangendo desde plataformas para segurança em nuvem até frameworks avançados para análise de código e hacking ético. No campo da proteção de ambientes industriais, chamou atenção a evolução de ferramentas open-source para testes de penetração em protocolos industriais, capazes de simular cenários de ataque contra Modbus, DNP3 e IEC 104 com realismo e controle granular, permitindo que equipes de segurança validem suas defesas sem comprometer a operação. Outro destaque foram soluções voltadas à segurança de arquiteturas híbridas e multi-nuvem, oferecendo módulos para varredura de configurações incorretas em serviços de armazenamento, autenticação e orquestração de contêineres — aspectos cada vez mais presentes em projetos de digitalização de ativos energéticos.

    Entre as inovações aplicáveis a redes energéticas, destacam-se ferramentas capazes de mapear relações de confiança e dependência entre dispositivos de campo e sistemas de controle, algo essencial para compreender os caminhos que um ataque poderia percorrer após um acesso inicial. Também ganharam espaço no Arsenal soluções de monitoramento passivo específicas para OT, projetadas para capturar e analisar tráfego industrial sem interferir na operação, identificando comandos não autorizados ou padrões de comunicação anômalos que podem indicar atividade maliciosa. Para empresas que operam subestações ou usinas com sistemas heterogêneos, a capacidade de integrar esses dados em um painel centralizado facilita não apenas a detecção, mas a correlação de eventos, acelerando respostas.

    No entanto, as apresentações reforçaram que a adoção de ferramentas open-source em ambientes críticos requer critérios rigorosos de avaliação. A flexibilidade e a transparência do código aberto oferecem vantagens significativas, mas também aumentam a responsabilidade das equipes de segurança na validação do software antes da implantação. Diretrizes discutidas no evento incluem a execução de análises de código independentes, a utilização de repositórios confiáveis com histórico ativo de manutenção, a implementação de ambientes de teste isolados antes da aplicação em produção e o monitoramento contínuo de atualizações e patches. Para o setor de energia, essa disciplina é vital: uma ferramenta mal configurada ou não auditada pode introduzir vulnerabilidades adicionais, anulando os benefícios esperados.

    O aprendizado que se extrai do Arsenal 2025 é claro: a comunidade de código aberto é uma fonte valiosa de soluções para desafios complexos, incluindo aqueles enfrentados por operadores de redes energéticas. Mas para colher seus benefícios de forma segura, é necessário combinar a adoção de inovações com um processo de governança robusto, que garanta que cada componente incorporado à arquitetura de defesa seja testado, validado e mantido de acordo com padrões compatíveis com a criticidade do setor elétrico.

    Checklist Estratégico para Aplicações de Missão Crítica no Setor Energético

    A partir dos temas e demonstrações discutidos no Black Hat USA 2025, fica evidente que a proteção de aplicações críticas em energia — como sistemas SCADA, plataformas de despacho e controladores de subestações — exige uma combinação de medidas técnicas, processuais e de governança. Esse checklist serve como referência prática para conselhos, executivos e equipes técnicas, unindo visão estratégica e execução operacional.

    Área de FocoAção RecomendadaAção RecomendadaReferência no Black Hat 2025
    Avaliação e Redução da Superfície de AtaqueMapear todas as interfaces e integrações externas (APIs, gateways, nuvem).Identificar e minimizar pontos de entrada para ataques.Exploits de APIs críticas, como Azure Logic Apps.

    Executar testes de penetração direcionados a protocolos industriais (Modbus/TCP, DNP3, IEC 104).Validar defesas contra ataques a sistemas OT.Demonstrações de exploração de protocolos industriais.

    Revisar permissões e configurações de serviços de orquestração e automação.Prevenir uso indevido de recursos administrativos.Casos de exploração via integrações mal configuradas.
    Gestão de Identidade e Acesso (IAM)Adotar autenticação multifator em todos os acessos administrativos.Reduzir risco de comprometimento por credenciais roubadas.Discussões sobre IAM em ambientes legados.

    Implementar autenticação sem senha com chaves criptográficas ou tokens físicos.Modernizar autenticação em sistemas críticos.Casos de uso apresentados no Business Hall.

    Aplicar privilégio mínimo e revisar acessos periodicamente.Limitar a movimentação lateral em redes OT.Práticas recomendadas em briefings técnicos.
    Monitoramento e Detecção AvançadaUtilizar análise comportamental e IA para monitorar tráfego OT.Detectar anomalias antes que causem impacto.IA para detecção de anomalias em SCADA.

    Implantar honeypots industriais para capturar técnicas de ataque.Coletar inteligência de ameaças sem risco operacional.Demonstrações de honeypots no Arsenal.

    Configurar alertas para alterações críticas (setpoints, lógica de controle).Prevenir manipulação maliciosa de parâmetros operacionais.Casos simulados de manipulação de ICS.
    Proteção da Cadeia de SuprimentosAuditar bibliotecas e componentes de terceiros.Garantir integridade do software crítico.Casos de backdoors em código open-source.

    Validar assinaturas digitais e usar repositórios internos confiáveis.Evitar injeção de código malicioso.Práticas recomendadas no AI Summit e Arsenal.

    Monitorar riscos de envenenamento de dados de IA.Manter confiabilidade de modelos defensivos.Estudos sobre manipulação de datasets.
    Resposta a Incidentes e Continuidade OperacionalTer plano específico de resposta a incidentes em OT.Reduzir tempo de resposta e impacto operacional.Sessões do CISO Summit sobre resiliência.

    Realizar exercícios de simulação com TI, OT e reguladores.Testar eficácia de processos e integração de equipes.Simulações apresentadas no ICS/OT Micro-Summit.

    Garantir seguro cibernético alinhado às práticas de segurança exigidas.Cobrir riscos financeiros e operacionais.Discussões sobre seguro e requisitos técnicos.
    Revisão Contínua e AuditoriaRealizar auditorias periódicas e verificar conformidade regulatória.Manter aderência a padrões de segurança e normas.Tendências de compliance apresentadas no Omdia Analyst Summit.

    Incorporar inteligência de ameaças atualizada nas políticas.Adaptar defesas a novas táticas de ataque.Briefings sobre evolução de ameaças.

    Ajustar processos conforme novas vulnerabilidades sejam descobertas.Garantir melhoria contínua da postura de segurança.Insights gerais do Black Hat 2025.

    Conclusão e Diretrizes para a nMentors Engenharia

    O Black Hat USA 2025 reforçou um ponto incontornável para o setor energético: a cibersegurança deixou de ser um assunto periférico ou restrito à área de TI e tornou-se um pilar de continuidade operacional, competitividade e conformidade regulatória. Ao longo de uma semana de discussões, demonstrações e análises, o evento expôs com clareza a rapidez com que as ameaças evoluem e como tecnologias emergentes — especialmente inteligência artificial — estão redesenhando o cenário de riscos.

    Para as empresas que operam aplicações e infraestruturas de missão crítica, a mensagem central é inequívoca: os mesmos avanços que fortalecem a defesa podem, se mal administrados, ampliar a superfície de ataque. Isso exige uma mudança de postura, na qual segurança não é tratada como uma barreira externa, mas como um componente integrado desde o desenho dos sistemas até sua operação diária. O risco não está apenas em vulnerabilidades técnicas, mas também em cadeias de suprimento não auditadas, configurações negligenciadas e modelos de IA desprotegidos contra manipulação.

    O evento também mostrou que a governança cibernética precisa acompanhar o mesmo ritmo da evolução técnica. Conselhos de administração e altas lideranças devem compreender que decisões sobre orçamento, adoção de tecnologias e parcerias estratégicas têm implicações diretas sobre a resiliência operacional. Incorporar práticas como as do checklist proposto neste artigo — inspirado em insights concretos do Black Hat — significa transformar diretrizes genéricas em ações mensuráveis e auditáveis, capazes de reduzir a probabilidade e o impacto de um incidente.

    Ao mesmo tempo, o Black Hat 2025 evidenciou que a colaboração entre áreas internas e externas é essencial. Iniciativas como os summits especializados e o Arsenal mostraram que a inovação em segurança não virá apenas de grandes fornecedores, mas também de startups, comunidades open-source e da troca de informações entre empresas e órgãos reguladores. Para o setor de energia, essa colaboração é mais do que recomendável: é um imperativo para manter a estabilidade de sistemas que sustentam a vida econômica e social.

    Por fim, a principal lição que pode ser extraída é que a cibersegurança de OT não é um destino, mas um processo contínuo de adaptação. As ameaças discutidas em Las Vegas neste ano, sejam elas exploits de APIs críticas, ransomware operando com zero-days ou ataques mediados por IA, são apenas a ponta de um cenário que continuará a se desenvolver. Organizações que internalizarem esse ritmo e estruturarem sua defesa como um ciclo permanente de avaliação, mitigação e inovação terão condições não apenas de resistir a ataques, mas de operar com confiança em um ambiente cada vez mais conectado e imprevisível.

  • Do Monopólio ao Fio Puro: O futuro da distribuição de energia no Brasil

    Do Monopólio ao Fio Puro: O futuro da distribuição de energia no Brasil

    O setor elétrico brasileiro está prestes a atravessar a maior transformação desde a reestruturação dos anos 1990. A abertura total do mercado livre de energia, combinada com a digitalização das redes, a descentralização da geração e a chegada de novas tecnologias, impõe um reposicionamento estratégico profundo para distribuidoras, comercializadoras, órgãos reguladores e agentes de mercado. O tradicional modelo de negócios baseado na concessão e na venda de energia a tarifa regulada está sendo substituído por um modelo orientado à infraestrutura, serviços e inteligência de rede.

    Este movimento, conhecido como “transição do monopólio ao fio puro”, exige uma visão clara sobre os novos papéis das distribuidoras, agora posicionadas como operadoras de redes de distribuição inteligentes (DSOs). Este modelo, já adotado em países como Reino Unido, Alemanha e Índia, separa as funções de comercialização e operação de rede, garantindo neutralidade no acesso e permitindo o florescimento de novos modelos de negócios baseados em eficiência energética, geração distribuída, armazenamento, mobilidade elétrica e soluções digitais.

    O que está mudando

    A Medida Provisória nº 1.300/2025, que integra a Reforma do Setor Elétrico e o programa “Luz do Povo”, antecipou formalmente o cronograma de abertura do mercado livre de energia elétrica. Conforme a nova norma, consumidores do Grupo B não residencial poderão migrar a partir de 1º de agosto de 2026, enquanto o acesso será estendido ao segmento residencial em dezembro de 2027. Esse movimento representa uma mudança estrutural: mais de 70 milhões de unidades consumidoras terão liberdade para escolher seus fornecedores. Em paralelo, as distribuidoras perderão a exclusividade na comercialização e passarão a ser remuneradas exclusivamente pelo uso da rede — atuando sob o modelo de “fio puro”, com foco na operação da infraestrutura técnica em regime de neutralidade elétrica.

    Essa nova realidade exige:

    • Modelos tarifários eficientes, que garantam remuneração adequada pela infraestrutura.
    • Plataformas digitais capazes de integrar medição, controle e precificação em tempo real.
    • Estratégias para concorrer na prestação de serviços energéticos, como armazenamento, gestão de demanda, qualidade de energia e suporte a DERs (Distributed Energy Resources).

    O papel das distribuidoras no novo modelo

    O novo contexto não elimina o papel das distribuidoras — mas o transforma. Elas deixam de ser operadoras de energia para se tornarem gestoras de infraestrutura e dados, com responsabilidades ampliadas na coordenação de recursos distribuídos, confiabilidade da rede e atendimento ao consumidor final.

    Para isso, é essencial investir em:

    • Sistemas de automação e controle (como SCADA, ADMS e DERMS) que ofereçam visibilidade total da rede.
    • Cultura digital e requalificação de equipes, com foco em analytics, cibersegurança e inteligência operacional.
    • Parcerias estratégicas com startups e provedores de tecnologia, para acelerar a inovação.

    Distribuidoras que não se adaptarem podem perder espaço para novos players — como agregadores de demanda, provedores de energia como serviço e plataformas de gestão descentralizada.

    Oportunidades para comercializadoras, startups e integradores

    Com a quebra da exclusividade das distribuidoras, o mercado de energia se abre para novos agentes. Comercializadoras passam a atender milhões de novos clientes; integradores de energia solar, eólica e baterias podem operar como microconcessionárias virtuais; empresas de tecnologia podem fornecer plataformas para gestão de energia, billing, CRM e análise de perfil de consumo.

    Startups também ganham espaço com soluções de:

    • Eficiência energética baseada em dados (Big Data e IoT).
    • Aplicações com inteligência artificial para forecast e precificação.
    • Financiamento de projetos via blockchain e contratos inteligentes (smart contracts).
    • Mobilidade elétrica com integração tarifária.

    O ecossistema energético passa a ser multiplataforma, orientado por software e interconectado em tempo real.

    O desafio regulatório e os aprendizados internacionais

    A experiência internacional mostra que a transição para o fio puro não é apenas técnica — é política e institucional. Em países como Reino Unido (Ofgem), Alemanha (BNetzA) e Estados Unidos (Califórnia e Nova York), a implementação do modelo DSO exigiu:

    • Definição clara das atribuições do operador de rede.
    • Transparência na formação de tarifas.
    • Mecanismos de coordenação entre distribuição e transmissão.
    • Políticas de proteção ao consumidor e à segurança energética.

    No Brasil, o papel da ANEEL e do MME será fundamental para garantir uma regulação equilibrada, que permita a modernização sem comprometer a universalização do serviço.

    O que sua empresa deve fazer agora

    As mudanças são inevitáveis. A questão é: sua empresa está pronta?

    Para distribuidoras, comercializadoras, empresas de engenharia e fornecedores de tecnologia, este é o momento de agir estrategicamente. Algumas ações recomendadas:

    1. Mapear os impactos organizacionais e operacionais da abertura do mercado.
    2. Revisar o modelo de negócios, considerando cenários com e sem base regulada.
    3. Investir em capacitação de lideranças e times técnicos para lidar com o novo ambiente.
    4. Avaliar parcerias com empresas de tecnologia, integradores e agentes de mercado.
    5. Desenhar novos serviços para o consumidor final, com foco em valor agregado e experiência.

    Ignorar essas mudanças pode significar perda de relevância, receitas e competitividade em poucos anos.


    Um convite à ação: o e-book “Do Monopólio ao Fio Puro”

    Para apoiar essa transição, disponibilizamos gratuitamente o e-book “Do Monopólio ao Fio Puro: Novos Modelos de Negócio para Distribuidoras de Energia”, uma análise estratégica e didática sobre o novo momento do setor elétrico brasileiro. O material apresenta:

    • Conceitos essenciais da separação entre rede e fornecimento;
    • Análise das experiências internacionais e seus resultados;
    • Desafios tecnológicos, regulatórios e organizacionais;
    • Propostas de ação para empresas do setor.

    Mais que um estudo, o e-book é uma ferramenta prática para orientar decisões estratégicas e formar times prontos para atuar na nova era do setor elétrico.


    Se você é gestor, técnico ou executivo do setor de energia, este é o momento de assumir o protagonismo na transição energética brasileira. Não espere a nova regra chegar. Antecipe-se.

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  • Cidades Inteligentes e Inclusivas: Estratégias para uma Infraestrutura Urbana Justa e Sustentável

    Cidades Inteligentes e Inclusivas: Estratégias para uma Infraestrutura Urbana Justa e Sustentável

    A crise climática, a urbanização desigual e o avanço das tecnologias digitais estão redefinindo o papel das cidades no século XXI. Diante desse novo contexto, o conceito de cidade inteligente precisa ser revisto. O modelo tradicional, centrado em eficiência operacional e tecnologia de vigilância, já não responde aos desafios sociais e ambientais mais urgentes. O imperativo agora é outro: construir cidades que sejam simultaneamente conectadas, inclusivas e capazes de traduzir inovação em justiça urbana.

    Este briefing sintetiza os principais pontos do artigo Smart Cities Inclusivas e Inteligentes, de Eduardo M. Fagundes, e oferece um roteiro de ação para conselhos administrativos, gestores públicos e lideranças corporativas. O objetivo é reposicionar a tecnologia como ferramenta de equidade, fortalecer mecanismos de governança ética e ampliar o protagonismo da sociedade civil na formulação de soluções urbanas.

    Redefinindo o Conceito de Cidade Inteligente

    As smart cities convencionais priorizam sensores, automação e eficiência algorítmica. Porém, essa abordagem tende a ignorar a complexidade social e as desigualdades territoriais. Neste novo paradigma, a cidade inteligente é vista como uma infraestrutura sociotécnica viva — um ecossistema que integra dados, pessoas, energia e políticas públicas em um processo contínuo de aprendizado e transformação.

    A cidade do futuro será tão conectada quanto participativa. A inteligência urbana não está apenas nos dados, mas na capacidade de traduzi-los em decisões que promovam bem-estar, pertencimento e justiça.

    Tecnologia com Finalidade Pública

    Energia renovável, inteligência artificial e moedas digitais não são apenas recursos técnicos. São plataformas de direito e redistribuição. O uso de microgeração distribuída e sistemas agrivoltaicos urbanos pode ser um instrumento eficaz contra a pobreza energética. A moeda social digital surge como complemento estratégico, permitindo que o consumo consciente de energia gere créditos para educação, saúde ou alimentação.

    A inteligência artificial, quando empregada de forma ética e localizada, pode operar como mediadora entre dados de consumo, mobilidade e saúde — sem abrir mão da privacidade ou da autonomia cidadã.

    Governança e Financiamento para a Nova Cidade

    As Parcerias Público-Privadas-Comunitárias (PPPPs) surgem como modelo avançado de financiamento e operação de infraestrutura urbana. Elas exigem contratos bem estruturados, métricas de sustentabilidade e mecanismos de prestação de contas transparentes. O briefing apresenta referências internacionais e propõe caminhos viáveis para o Brasil, incluindo o uso de programas nacionais (como PPI e ANEEL) e fundos climáticos multilaterais.

    Soberania Digital e Infraestrutura Modular

    Edge datacenters geridos por consórcios públicos e comunitários representam uma alternativa viável para reduzir a latência de serviços urbanos essenciais — como saneamento, iluminação e mobilidade — ao mesmo tempo que fortalecem a soberania digital e descentralizam a gestão dos dados.

    Educação e Cidadania Ativa como Infraestruturas Estratégicas

    Sem educação crítica e letramento digital, a infraestrutura tecnológica se converte em exclusão. Com base na teoria das capacidades de Amartya Sen, o briefing defende políticas públicas que incorporem a formação continuada, o uso de gamificação e a participação cidadã como eixos estruturantes da cidade digital.

    Bem-Estar como Pilar de Planejamento

    A cidade inteligente também precisa cuidar. Plataformas de IA integradas a dados de saúde urbana permitem antecipar riscos e direcionar políticas públicas mais eficazes. A experiência do projeto europeu URBANAGE é apresentada como referência para o desenvolvimento de cidades mais amigáveis ao envelhecimento e ao cuidado coletivo.

    Governança Digital Participativa

    A cidade do futuro exige dados abertos, algoritmos auditáveis e moedas sociais integradas a políticas públicas. Este modelo reforça a confiança, amplia a transparência e transforma os dados urbanos em bens comuns a serviço do coletivo.

    Propostas Estratégicas Replicáveis

    O briefing encerra com três propostas estruturantes que articulam tecnologia, participação e desenvolvimento local:

    • Redes agrivoltaicas com IA e moedas sociais em territórios vulneráveis;
    • Edge datacenters com governança pública-comunitária;
    • Observatórios urbanos com inteligência artificial para monitoramento das metas ESG.

    Essas iniciativas demonstram que é possível alinhar tecnologia de ponta com inclusão social, desde que haja coordenação estratégica entre Estado, empresas, universidades e sociedade civil.

    Conclusão: O Papel dos Conselhos e Líderes Estratégicos

    Repensar a cidade não é tarefa técnica: é missão estratégica. Exige dos conselheiros, engenheiros e gestores públicos um novo tipo de liderança — comprometida com o bem comum, aberta à inovação ética e disposta a atuar como ponte entre a inteligência técnica e os direitos sociais.

    Ao superar a visão limitada da tecnologia como solução mágica, damos espaço para uma inteligência urbana com propósito. Cidades verdadeiramente inteligentes serão aquelas capazes de acolher, cuidar e incluir — com todos e para todos.

    Referência base:

    Smart Cities Inclusivas e Inteligentes – Artigo Completo

  • Smart Cities Inclusivas e Inteligentes

    Smart Cities Inclusivas e Inteligentes

    Introdução

    O conceito de “cidade inteligente” tem se consolidado nas últimas décadas como um eixo estruturante das agendas urbanas globais. Amplamente disseminado por organismos multilaterais, planos nacionais de desenvolvimento e iniciativas privadas, ele representa uma promessa de transformação profunda: cidades mais eficientes, seguras, sustentáveis e conectadas por meio de tecnologias digitais de ponta. No entanto, à medida que o termo se difunde, torna-se igualmente necessário submetê-lo à crítica e à ressignificação.

    Este estudo parte da premissa de que a inteligência urbana não pode ser reduzida à capacidade de sensores, algoritmos e plataformas. Pelo contrário, propõe-se a investigar em que medida as tecnologias digitais podem — ou não — ser colocadas a serviço de uma cidade inclusiva, democrática e comprometida com o bem-estar coletivo. Para isso, assume como base analítica a noção de que a cidade é uma infraestrutura sociotécnica viva, onde inovação tecnológica e inovação social devem caminhar lado a lado.

    Uma Agenda Ampliada: Justiça Urbana, Energia e Inteligência Distribuída

    A partir dessa visão expandida, o presente artigo estrutura-se em torno de sete eixos principais:

    • Justiça urbana e inclusão digital, com base na crítica aos modelos top-down e na valorização da participação cidadã em escala territorial;
    • Energia renovável como direito, incluindo o papel da microgeração, da agricultura solar (agrivoltaica) e das moedas digitais como ferramentas redistributivas;
    • Governança ESG por meio de PPPs e modelos híbridos, com destaque para os fatores críticos de sucesso e as lições internacionais aplicáveis ao contexto brasileiro;
    • Infraestruturas digitais descentralizadas, como Edge Datacenters e sistemas de IA distribuída, voltados à soberania informacional e à autonomia regional;
    • Educação e cidadania ativa como alicerces da inteligência urbana, inclusive no enfrentamento das exclusões digitais e na formação de capacidades locais;
    • Saúde conectada como dimensão estrutural da cidade inteligente, ancorada em dados territoriais e na integração com outras políticas públicas;
    • Governança algorítmica e moedas sociais digitais, explorando novas formas de participação e accountability em ambientes urbanos cada vez mais orientados por dados.

    Da Crítica à Proposição: Um Roteiro Estratégico

    Mais do que um mapeamento teórico, este estudo visa oferecer um roteiro estratégico para a concepção de políticas públicas, programas de inovação e projetos urbanos orientados à equidade. Com isso, busca responder a uma questão central: quais são as condições técnicas, institucionais e sociais para que a cidade inteligente seja também uma cidade justa?

    A resposta a essa pergunta exige a superação de visões tecnodeterministas e a construção de abordagens integradas, intersetoriais e ancoradas no território. Isso implica reconhecer que a inteligência urbana é antes de tudo uma construção coletiva, que depende tanto de redes de fibra ótica quanto de redes de solidariedade, tanto de algoritmos quanto de valores, tanto de datacenters quanto de centros comunitários.

    Com isso, pretende-se contribuir para o debate contemporâneo sobre o futuro das cidades, oferecendo insumos técnicos, estratégicos e éticos para os que se dedicam a pensar e construir territórios verdadeiramente inteligentes.

    Abstract

    This paper explores the emerging paradigm of inclusive and intelligent smart cities, integrating advanced digital technologies with a deep commitment to social equity, sustainability, and participatory governance. Grounded in a socio-technical systems approach, the study critically examines the limitations of top-down urban digitalization and advocates for a people-centered model of innovation. Drawing from recent academic contributions, it highlights the relevance of renewable energy as a right, the strategic role of social digital currencies in redistributive policies, and the transformative potential of artificial intelligence and edge computing in decentralized urban infrastructures.

    Special attention is given to the governance architectures that enable cross-sector collaboration, including new public-private-community partnerships (PPPPs) and ESG-aligned financing models. The research also addresses key domains such as digital education, health data platforms, and algorithmic accountability, framing them as essential pillars for digital citizenship and urban sovereignty.

    The paper concludes by proposing a set of strategic initiatives — including agrivoltaic-energy networks, modular edge datacenters, and AI-based observatories — designed to guide future smart city projects in Latin America and beyond. By positioning the city as a laboratory of complex and contextualized solutions, this work contributes to rethinking urban intelligence not as a technological fetish, but as a collective social endeavor.

    Da Cidade Conectada à Cidade Inclusiva

    O conceito de smart city evoluiu significativamente nas últimas duas décadas, saindo de uma concepção predominantemente tecnológica e funcional — centrada na eficiência e na conectividade — para um campo de disputas sociais, éticas e políticas. Este capítulo propõe uma transição conceitual e estratégica: da cidade conectada, marcada por infraestrutura e sensores, à cidade inclusiva, que considera a diversidade de seus habitantes, a justiça territorial e a centralidade da participação cidadã. O ponto de partida é uma crítica fundamentada aos modelos de urbanismo digital top-down, com base em evidências da literatura recente.

    A crítica aos modelos top-down de urbanismo digital

    Boa parte dos projetos de cidades inteligentes implementados globalmente nos últimos anos tem adotado uma abordagem vertical, centrada em grandes players de tecnologia, com forte ênfase em controle, monitoramento e eficiência operacional. Esta lógica top-down privilegia uma racionalidade instrumental, muitas vezes distante das realidades sociais e territoriais das comunidades locais.

    Colding, Nilsson e Sjöberg (2024), no artigo Smart Cities for All?, questionam a validade de estratégias que não levam em conta as “capacidades de conversão” de diferentes grupos sociais — conceito derivado da abordagem das capacidades de Amartya Sen. Segundo os autores, a desigualdade digital se manifesta não apenas no acesso, mas também na apropriação significativa das tecnologias. A cidade inteligente, portanto, corre o risco de reforçar desigualdades estruturais se não incorporar mecanismos explícitos de inclusão ativa.

    A digitalização, em vez de ser uma alavanca de equidade, pode se tornar um vetor de exclusão — especialmente quando combinada a sistemas automatizados de decisões públicas que carecem de transparência, accountability e diversidade de dados. A gestão de algoritmos por autoridades públicas sem controle social é um risco real, e a literatura tem alertado para a reprodução de vieses no desenho de serviços urbanos, desde segurança até saúde e educação.

    A cidade como infraestrutura sociotécnica viva

    Diante dessa crítica, propõe-se uma visão alternativa: pensar a cidade não apenas como um território físico ou um sistema de redes técnicas, mas como uma infraestrutura sociotécnica viva. Isto significa entender a cidade como um organismo em constante retroalimentação entre pessoas, máquinas, dados, normas e culturas. Essa perspectiva exige abordagens integradas, sensíveis ao território e abertas à pluralidade de agentes e saberes.

    O conceito de infraestrutura sociotécnica viva propõe que sensores, algoritmos e plataformas digitais devem ser concebidos como extensões das capacidades humanas e não substitutos. Ao invés de invisibilizar o papel das pessoas na produção da cidade, o projeto de uma cidade inteligente inclusiva deve tornar visíveis os fluxos de poder, as decisões automatizadas e os processos de exclusão implícitos.

    Nesse sentido, Katmada, Katsavounidou e Kakderi (2023), ao explorarem o conceito de Platform Urbanism for Sustainability, argumentam que as plataformas digitais podem ser redesenhadas como instrumentos de escuta, deliberação e cocriação de políticas urbanas. A transição para plataformas inclusivas envolve, por exemplo, códigos abertos, participação deliberativa em tempo real e garantias de representatividade de grupos tradicionalmente marginalizados — como mulheres, idosos, pessoas com deficiência e populações racializadas.

    Inclusão, territorialidade e justiça urbana digital

    A construção de uma cidade realmente inteligente deve ser inseparável de três eixos: inclusão, territorialidade e justiça digital. Inclusão significa mais do que ofertar acesso técnico à internet; envolve reconhecer os diferentes modos de vida e traduzir a complexidade social em arquiteturas digitais acessíveis, compreensíveis e úteis. Territorialidade refere-se à valorização de saberes locais e de formas comunitárias de gestão dos bens comuns — desde a energia até os dados. Justiça digital é o princípio orientador: garantir que os processos algorítmicos, as decisões automatizadas e os sistemas digitais respeitem os direitos humanos, promovam a equidade e operem com ética.

    Essa tríade exige um redesenho institucional. Não basta adaptar legislações para o digital. É preciso criar novos espaços institucionais e regulatórios que permitam o controle social sobre plataformas, a auditoria de algoritmos e o uso democrático dos dados públicos. Isso inclui desde mecanismos de escuta ativa (como consultas públicas digitais), até a criação de conselhos de governança digital com participação paritária da sociedade civil.

    As experiências analisadas por Katmada et al. (2023) em cidades como Londres, Bengaluru e Kampala demonstram que iniciativas locais de cocriação — como laboratórios vivos (living labs), assembleias digitais e urbanismo tático com suporte digital — têm maior potencial de impacto quando construídas com mediação territorial. Esse tipo de mediação garante que a tecnologia se adapte ao lugar, e não o contrário.

    Considerações parciais

    O deslocamento da “cidade conectada” para a “cidade inclusiva” não é apenas semântico, mas político e estrutural. Supõe uma inflexão teórica e prática: da primazia da técnica para a centralidade das pessoas. As referências analisadas neste capítulo demonstram que a tecnologia, em si, não garante inclusão — mas pode ser uma poderosa aliada quando submetida a processos democráticos, territoriais e éticos.

    Ao incorporar o conceito de cidade como infraestrutura sociotécnica viva, abrimos espaço para pensar projetos urbanos em que sensores e algoritmos estejam a serviço da equidade — e não apenas da eficiência. A seguir, veremos como a energia renovável, distribuída de forma inteligente e aliada a moedas sociais, pode se tornar uma dessas infraestruturas distributivas de justiça urbana.

    Energia Renovável como Direito e Plataforma de Equidade

    A transição energética não pode ser pensada apenas como substituição de fontes fósseis por renováveis. Ela deve ser compreendida como um projeto de reestruturação social e econômica das cidades, principalmente em contextos de vulnerabilidade. A energia, além de insumo técnico, é vetor de cidadania e dignidade. Quando distribuída de forma justa e inteligente, torna-se uma infraestrutura de equidade. Este capítulo explora como iniciativas de geração renovável descentralizada, associadas a moedas sociais e tecnologias digitais, podem transformar territórios marcados pela exclusão em plataformas de justiça energética.

    Agrivoltaico e microgeração em zonas vulneráveis

    A descentralização da matriz energética, impulsionada pela microgeração distribuída e pela queda dos custos de tecnologias fotovoltaicas, abre novas possibilidades para a inclusão energética de populações historicamente à margem do sistema. Entre essas possibilidades, destaca-se o modelo agrivoltaico, que combina produção de alimentos e geração de energia solar no mesmo espaço, com alta aplicabilidade em periferias urbanas, zonas periurbanas e assentamentos produtivos.

    Mais do que otimizar o uso da terra, o agrivoltaico permite a criação de ecossistemas produtivos energizados, que reduzem a vulnerabilidade socioambiental, fortalecem a segurança alimentar e promovem renda local. Quando aliado a modelos cooperativos e circuitos curtos de comercialização, esse modelo se torna um instrumento eficaz de desenvolvimento sustentável. Em regiões de baixo IDH ou de alta instabilidade climática, a implantação de microusinas solares pode garantir resiliência elétrica para escolas, postos de saúde, centros comunitários e moradias.

    O desafio, no entanto, está menos na viabilidade técnica e mais na engenharia institucional e financeira. A implementação de microgeração em zonas vulneráveis requer mecanismos de financiamento inclusivos, marcos regulatórios sensíveis ao território e participação ativa das comunidades. Aqui, entram em cena instrumentos inovadores como as moedas sociais digitais.

    Moeda social como ferramenta de redistribuição energética

    Inspirado no modelo do Greencoin Project (2023), o uso de moedas sociais atreladas à produção e ao consumo de energia limpa é uma estratégia promissora para reverter desigualdades energéticas e estimular comportamentos pró-ambientais. Essas moedas podem ser distribuídas com base em métricas de economia de energia, participação comunitária, produção agrícola associada à energia renovável ou mesmo pela adesão a práticas de consumo consciente.

    Diferente de políticas compensatórias unidirecionais, a moeda social permite a construção de um circuito econômico local, no qual os ganhos gerados pela energia renovável permanecem no território. Ao serem utilizadas em comércios locais, transporte público, eventos culturais ou serviços públicos digitais, essas moedas estimulam a economia circular, promovem o pertencimento comunitário e fortalecem a autonomia cidadã.

    No contexto brasileiro, onde há experiências consolidadas de moedas sociais como o Banco Palmas, associar esse instrumento à infraestrutura energética pode representar uma inflexão na lógica da pobreza energética. A energia, nesse modelo, deixa de ser um custo para o consumidor e passa a ser um ativo comunitário.

    O papel da inteligência artificial na gestão da geração e do consumo

    A complexidade da gestão descentralizada da energia, especialmente em comunidades com múltiplos perfis de consumo, torna o uso da inteligência artificial (IA) um fator estratégico. Algoritmos de aprendizado de máquina podem ser empregados para prever padrões de demanda, otimizar o uso dos sistemas fotovoltaicos, ajustar a distribuição dos créditos em moeda social e alertar famílias sobre picos de consumo ou riscos de interrupção.

    Além disso, a IA pode ser utilizada para criar modelos preditivos de impacto social, associando dados de consumo energético com indicadores educacionais, de saúde e de renda. Isso permite uma gestão integrada, na qual a energia não é apenas um insumo técnico, mas um indicador da dinâmica socioeconômica local.

    A IA também facilita a governança do sistema, permitindo que os próprios moradores visualizem seus dados de consumo, tomem decisões informadas e participem ativamente da gestão energética. Sistemas amigáveis de visualização, integrados a aplicativos simples, reforçam a transparência e o empoderamento comunitário.

    Considerações parciais

    A energia, quando pensada como direito e não como mercadoria, abre caminhos para a transformação profunda das cidades. Modelos como o agrivoltaico, combinados a moedas sociais e suportados por inteligência artificial, permitem a criação de plataformas locais de equidade. O caso de São Sebastião é um exemplo concreto de como inovação tecnológica e justiça social podem caminhar juntas, desde que ancoradas em desenho institucional participativo, sensibilidade territorial e compromisso ético com o futuro urbano.

    Na próxima seção, exploraremos como a lógica ESG pode ser expandida para além das métricas corporativas, tornando-se um verdadeiro eixo de governança compartilhada entre governos, empresas e comunidades.

    ESG e PPP: Novas Arquiteturas de Governança para Cidades Inteligentes

    À medida que o paradigma das cidades inteligentes se consolida como vetor central das políticas urbanas contemporâneas, torna-se inevitável o enfrentamento de um desafio estrutural: como financiar, operacionalizar e sustentar soluções urbanas complexas em um ambiente marcado por restrições fiscais, desigualdades territoriais e pressões ambientais? Este capítulo analisa o papel das Parcerias Público-Privadas (PPPs) — e sua evolução para arranjos mais amplos, como as Parcerias Público-Privadas-Populares (PPPPs) — como instrumento de governança e viabilização financeira de projetos urbanos integrados ao conceito de ESG (ambiental, social e governança).

    Inspirando-se na literatura internacional recente (Mirzaee et al., 2022; Quan & Solheim, 2023), discutiremos como a articulação entre diferentes atores — Estado, mercado e sociedade civil — pode permitir uma arquitetura institucional mais resiliente, inclusiva e estratégica para a implementação de soluções de cidade inteligente no contexto brasileiro.

    PPP e PPPP como modelo de financiamento urbano inteligente

    As PPPs têm sido amplamente utilizadas em infraestrutura tradicional — como saneamento, transporte e iluminação pública — e agora se expandem para soluções mais sofisticadas, como redes de sensores, datacenters de borda (edge computing), plataformas de mobilidade integrada, projetos de eficiência energética e sistemas de segurança baseados em inteligência artificial.

    No contexto das smart cities, essa forma contratual apresenta vantagens importantes: viabiliza a introdução de capital privado em projetos de alta complexidade técnica e longa maturação, permite a gestão de riscos compartilhados e induz a modernização dos serviços públicos. No entanto, a transposição pura e simples dos modelos tradicionais de PPP para o campo das tecnologias urbanas tem se mostrado insuficiente. Isso ocorre porque os projetos de cidade inteligente demandam mais do que infraestrutura física: requerem interoperabilidade digital, sensibilidade social, engajamento comunitário e capacidade de adaptação contínua.

    É nesse ponto que ganha relevância o conceito de PPPP – Parceria Público-Privada-Popular, que amplia o escopo da parceria para incluir a sociedade civil organizada como ator legítimo na concepção, implementação e monitoramento dos projetos. Quan & Solheim (2023) defendem que as PPPPs podem ser a chave para compatibilizar inovação tecnológica com justiça territorial, promovendo uma cidade digital inclusiva e responsiva às necessidades reais da população.

    Fatores críticos de sucesso: contrato, colaboração e sustentabilidade

    O sucesso das parcerias em projetos de cidades inteligentes está diretamente relacionado a três pilares: estrutura contratual clara, mecanismos colaborativos robustos e compromissos explícitos com a sustentabilidade.

    1. Contrato: A literatura destaca que contratos de PPP voltados para soluções urbanas digitais devem incorporar cláusulas específicas sobre segurança de dados, atualização tecnológica, governança algorítmica e continuidade dos serviços digitais em caso de encerramento da parceria. Conforme Almarri & Boussabaine (2023), o desenho contratual deve ser suficientemente flexível para acomodar inovações emergentes, mas também suficientemente robusto para garantir responsabilidade, transparência e performance.
    2. Colaboração: A lógica adversarial tradicional de contratos público-privados deve dar lugar a arranjos colaborativos baseados em metas compartilhadas, fluxos de informação contínuos e instâncias de governança conjunta. A literatura recente sugere que fóruns de co-gestão com representantes do setor público, empresas operadoras e organizações da sociedade civil melhoram a governança dos projetos e reduzem os riscos políticos e técnicos.
    3. Sustentabilidade: Projetos urbanos inovadores só serão legítimos se incorporarem indicadores ESG desde sua concepção. Isso significa que os impactos ambientais devem ser monitorados em tempo real; os benefícios sociais, mensurados por indicadores de equidade e inclusão; e a governança, auditada por órgãos independentes com participação multissetorial. A integração entre plataformas tecnológicas e instrumentos de ESG dinâmico é uma fronteira importante do novo urbanismo digital.

    Experiência internacional e implicações para o Brasil

    Diversas cidades no mundo têm experimentado modelos híbridos de governança para estruturar soluções de cidade inteligente com base em PPPs ou PPPPs. A cidade de Barcelona, por exemplo, adotou uma abordagem centrada na soberania digital, criando uma política pública para limitar o poder das grandes plataformas e garantir que os dados coletados em serviços urbanos sejam de propriedade pública. Já Copenhague tem integrado PPPs com metas ambientais estritas, vinculando a concessão de serviços urbanos inteligentes à redução de emissões e à melhoria da qualidade de vida em bairros vulneráveis.

    Singapura, por sua vez, aposta em PPPs fortemente ancoradas em metas de eficiência e inovação, com uso intensivo de IA, sensores e plataformas de predição urbana. Em todos os casos, nota-se a crescente institucionalização de métricas ESG como condição de elegibilidade e monitoramento das parcerias.

    No Brasil, o desafio é duplo: além de criar condições legais e operacionais para que PPPs avancem em áreas tecnológicas, é preciso assegurar que essas parcerias estejam conectadas a objetivos públicos legítimos e socialmente pactuados. A ausência de uma política nacional de cidades inteligentes com foco em equidade dificulta a replicação de modelos internacionais. No entanto, há oportunidades concretas em programas como o Pró-Cidades, os editais de P&D regulados pela ANEEL, e os acordos de cooperação entre municípios e empresas de tecnologia.

    Considerações parciais

    As parcerias para cidades inteligentes precisam ir além da lógica instrumental da delegação de serviços. Devem ser concebidas como instrumentos de transformação urbana orientados por valores públicos, onde a tecnologia é um meio — e não o fim. A maturidade contratual, a capacidade de gestão compartilhada e o enraizamento territorial são os elementos que definem o sucesso ou o fracasso dessas iniciativas. Incorporar os princípios ESG e valorizar a participação da sociedade civil não é apenas uma boa prática — é um imperativo ético e estratégico para que o projeto de cidade inteligente não seja excludente, opaco ou frágil.

    No próximo capítulo, analisaremos como a inteligência artificial e os edge datacenters moldam a infraestrutura invisível das cidades digitais, seus riscos e potencial transformador.

    Edge Computing, Inteligência Artificial e Soberania Urbana

    À medida que as cidades evoluem para estruturas cada vez mais conectadas e orientadas por dados, a capacidade de tomar decisões em tempo real, de forma segura e autônoma, tornou-se um dos pilares da nova governança urbana. Este capítulo explora como a combinação entre edge computing e inteligência artificial distribuída está moldando uma nova infraestrutura técnica e institucional para as cidades inteligentes — uma infraestrutura que não apenas processa dados, mas reforça a soberania digital e o desenvolvimento regional.

    Com base nas contribuições recentes de Henderson (2024) e Biswas (2024), discutiremos o papel estratégico dos edge datacenters na redução da latência, no controle local dos dados e na operação de sistemas urbanos críticos. Mais do que uma opção tecnológica, o edge computing representa uma decisão política e territorial sobre onde, como e por quem os dados urbanos serão processados e convertidos em ação.

    A importância dos Edge Datacenters e da IA distribuída

    Tradicionalmente, as cidades que implementaram sistemas inteligentes basearam-se em arquiteturas centralizadas de computação em nuvem. Contudo, essa abordagem mostra-se limitada quando se trata de aplicações que exigem respostas imediatas, resiliência em contextos adversos ou governança territorializada dos dados.

    É nesse contexto que os edge datacenters emergem como solução técnica e estratégica. Eles são centros de processamento de dados localizados fisicamente mais próximos dos dispositivos e sensores — como câmeras, medidores inteligentes, semáforos e estações ambientais — permitindo uma redução significativa na latência e maior confiabilidade dos sistemas urbanos.

    Segundo Henderson (2024), o edge computing, ao ser combinado com algoritmos de IA embarcados, permite que a própria borda da rede tome decisões rápidas e contextuais, sem a necessidade de comunicação constante com centros de dados distantes. Isso é especialmente relevante para sistemas que operam em situações críticas, como controle de tráfego, resposta a emergências, monitoramento ambiental e gestão de cargas energéticas.

    Além disso, Biswas (2024) argumenta que a inteligência artificial distribuída — operando em dispositivos ou clusters locais — amplia a eficiência energética dos sistemas, reduz custos operacionais e permite o treinamento de modelos com dados locais sensíveis, respeitando requisitos de privacidade e conformidade regulatória.

    Redução de latência, segurança de dados e autonomia local

    Três benefícios centrais decorrem da adoção do edge computing e da IA distribuída em ambientes urbanos:

    1. Redução de latência: Sistemas de mobilidade autônoma, iluminação adaptativa e controle de saneamento inteligente dependem de respostas em milissegundos. A latência causada por infraestruturas centralizadas compromete a eficácia desses sistemas. Edge datacenters reduzem drasticamente o tempo entre a coleta do dado e a ação correspondente.
    2. Segurança e privacidade de dados: Processar dados no próprio território da cidade — ou mesmo dentro de bairros ou equipamentos públicos — minimiza os riscos de interceptação, espionagem e vazamentos. Além disso, facilita o cumprimento de legislações locais de proteção de dados, fortalecendo a confiança institucional dos cidadãos.
    3. Autonomia e soberania digital local: Ao descentralizar o poder computacional, o edge computing empodera governos locais, comunidades e empresas regionais, criando um ecossistema urbano menos dependente de infraestruturas externas ou concentradas em poucos provedores globais. Isso favorece a governança territorial dos dados e incentiva cadeias produtivas locais de inovação.

    Aplicações concretas: mobilidade, energia, saneamento e iluminação pública

    A tecnologia de borda não é apenas uma promessa — já está sendo aplicada em diversas frentes de política urbana inteligente:

    • Mobilidade urbana: Semáforos inteligentes conectados a sensores de fluxo e algoritmos de IA permitem o ajuste dinâmico da malha viária. Em cidades com edge computing, esse ajuste ocorre em tempo real, mesmo sem conexão com a nuvem central.
    • Energia e geração distribuída: Sistemas de microgeração solar, como os estudados em São Sebastião, podem utilizar IA local para prever geração, modular o consumo e redirecionar excedentes. Edge datacenters integrados à rede elétrica contribuem para a operação segura e eficiente de microgrids.
    • Saneamento básico: Em locais com infraestrutura precária, sensores conectados a plataformas locais permitem alertas imediatos sobre vazamentos, entupimentos ou contaminações. Isso acelera a resposta e reduz desperdícios.
    • Iluminação pública adaptativa: A integração entre sensores de presença, luminárias LED e edge computing permite que a cidade ilumine de forma responsiva, reduzindo o consumo energético sem comprometer a segurança.

    Soberania digital e desenvolvimento regional

    O debate sobre edge computing e IA distribuída não se limita à engenharia ou à ciência da computação. Ele nos obriga a pensar sobre quem detém o poder sobre os dados, onde as decisões são tomadas e quem se beneficia da digitalização do urbano.

    Ao implantar datacenters locais, formar profissionais regionais e criar protocolos próprios de uso e compartilhamento de dados, as cidades passam a construir sua soberania digital. Isso significa que podem decidir, de forma autônoma e transparente, como a inteligência territorial será empregada para gerar bem-estar, inclusão e desenvolvimento sustentável.

    A presença de edge datacenters em regiões periféricas ou cidades médias também cria novas oportunidades de desenvolvimento regional, estimulando a descentralização da infraestrutura digital, atraindo investimentos e fortalecendo os ecossistemas locais de inovação. O Brasil, com sua imensa diversidade territorial, pode se beneficiar enormemente dessa abordagem se articular incentivos públicos, regulação clara e alianças estratégicas com universidades e setor produtivo.

    Considerações parciais

    A consolidação do edge computing e da IA distribuída como parte da infraestrutura urbana representa um salto qualitativo na gestão das cidades. Mais do que otimizar sistemas, essas tecnologias inauguram uma nova lógica territorial: dados e decisões no lugar onde as vidas acontecem. Essa descentralização técnica precisa vir acompanhada de descentralização política, garantindo que os avanços tecnológicos sirvam à equidade urbana, à participação cidadã e à construção de um projeto coletivo de cidade inteligente.

    No próximo capítulo, aprofundaremos o papel da educação e da inclusão digital como base estruturante de qualquer projeto de cidade inteligente comprometido com o bem comum.

    Educação, Inclusão Digital e Cidadania Ativa

    A consolidação de cidades inteligentes depende, de forma decisiva, do papel da educação como vetor estruturante de cidadania, inclusão digital e justiça urbana. Em um contexto marcado por automação, plataformas e algoritmos, a capacidade de compreender e interagir criticamente com sistemas digitais passa a ser um requisito central da vida urbana. Não se trata apenas de garantir conectividade, mas de construir sujeitos urbanos ativos, capazes de participar, deliberar e transformar.

    Este capítulo investiga como a educação pode ser mobilizada como infraestrutura estratégica da inteligência urbana, articulando-se a políticas de inclusão digital e participação cidadã. Discutem-se ainda os modelos de engajamento público nas smart cities, com base em estudos recentes, e propõe-se o referencial de Amartya Sen como matriz teórica para repensar a equidade em cidades digitalizadas.

    Educação como infraestrutura da cidade inteligente

    Ao se reconhecer a cidade como uma infraestrutura sociotécnica viva, é necessário expandir o conceito de educação: ela deixa de ser um serviço isolado e passa a ser fundamento da inteligência coletiva urbana. Em vez de apenas formar mão de obra para a economia digital, a educação deve capacitar os cidadãos para:

    • Decifrar sistemas algorítmicos: compreender o funcionamento de dispositivos inteligentes, aplicativos urbanos e plataformas de decisão automatizada.
    • Interagir com dados e indicadores urbanos: desenvolver letramento em dados, interpretação de dashboards e engajamento em plataformas participativas.
    • Reivindicar direitos digitais e urbanísticos: atuar de forma crítica frente a decisões públicas mediadas por tecnologia.

    Essa perspectiva exige uma alfabetização digital crítica e contínua, associada a práticas pedagógicas que conectem o cotidiano urbano aos conteúdos educacionais — superando o modelo meramente técnico-instrumental de formação digital.

    Modelos de participação cidadã nas cidades inteligentes

    Segundo pesquisa de Jang (Jang Seok-Gil, 2025), há ao menos três níveis de participação cidadã nas cidades inteligentes, cada um exigindo competências educacionais distintas:

    1. Participação funcional: uso de canais digitais para acessar serviços urbanos (como aplicativos de transporte ou iluminação pública). É a forma mais básica de envolvimento.
    2. Participação deliberativa: envolve cidadãos em consultas, plataformas de governança ou fóruns urbanos. Exige habilidades argumentativas, compreensão de políticas públicas e leitura crítica de dados.
    3. Participação co-criativa: ocorre quando cidadãos, coletivos e instituições colaboram ativamente no design e implementação de soluções urbanas digitais — por exemplo, em hackathons, laboratórios urbanos, observatórios de dados ou projetos de ciência cidadã.

    À medida que as cidades inteligentes adotam arquiteturas mais distribuídas e orientadas a dados, a participação co-criativa ganha relevância estratégica. Porém, ela só é viável se houver base educacional robusta, territorializada e sensível às múltiplas realidades sociais.

    A abordagem de Amartya Sen: capacidades para a cidadania digital

    A teoria das capacidades, desenvolvida por Amartya Sen, oferece um referencial valioso para avaliar o grau de inclusão efetiva nas cidades inteligentes. Ao invés de mensurar apenas a posse de bens (como acesso à internet ou dispositivos), essa abordagem considera as liberdades reais que os indivíduos têm para viver a vida que valorizam.

    Aplicada ao contexto urbano digital, essa teoria leva a reflexões como:

    • Um cidadão que tem acesso à tecnologia, mas não a compreende ou não se sente seguro para usá-la, não está efetivamente incluído.
    • Uma cidade com alto índice de cobertura de Wi-Fi público não será justa se os grupos vulneráveis não conseguirem se apropriar dessa rede para fins educacionais, profissionais ou cívicos.
    • A diversidade de capacidades urbanas deve ser reconhecida — pessoas em situação de rua, idosos, migrantes, pessoas com deficiência e jovens têm diferentes necessidades e formas de relação com a cidade digital.

    No artigo Smart Cities for All? (Colding et al., 2024), os autores apontam que muitas iniciativas de smart cities reproduzem injustiças estruturais ao presumirem um sujeito urbano padrão — hiperconectado, alfabetizado digitalmente, economicamente ativo. Ao fazer isso, deixam à margem amplas camadas da população.

    A aplicação da teoria de Sen, nesse contexto, exige políticas públicas orientadas não apenas à provisão de infraestrutura, mas também à formação de capacidades distribuídas e emancipatórias. Educação e inclusão digital tornam-se, portanto, dimensões interdependentes de justiça urbana digital.

    Considerações parciais

    O avanço das cidades inteligentes impõe uma reconfiguração profunda das políticas educacionais. Em vez de adaptar escolas a novas tecnologias, trata-se de posicionar a educação como infraestrutura de cidadania digital, capaz de sustentar a participação crítica e criativa dos sujeitos na vida urbana.

    Modelos de participação mais sofisticados exigem investimento constante em alfabetização digital crítica, letramento em dados e formação para o engajamento público. Nesse cenário, a teoria das capacidades oferece um norte ético: cidades são inteligentes quando ampliam as possibilidades reais de vida digna, participação e liberdade.

    Saúde Urbana Conectada: Bem-Estar como Pilar de Planejamento

    Historicamente, o planejamento urbano relegou o bem-estar populacional a uma função secundária, muitas vezes limitada à oferta reativa de serviços de saúde. Com o avanço das cidades inteligentes, no entanto, consolida-se uma mudança de paradigma: a saúde passa a ser concebida como infraestrutura estratégica, integrada a sistemas urbanos de dados, mobilidade, energia e educação.

    Este capítulo analisa como tecnologias de monitoramento, inteligência artificial (IA) e plataformas integradas estão transformando o conceito de saúde urbana. Com base em experiências internacionais e novas arquiteturas digitais, discute-se o papel da prevenção, da personalização dos cuidados e da intersetorialidade como pilares de uma cidade saudável e inclusiva.

    Dados de saúde e IA para triagem e prevenção

    O uso de tecnologias de sensoriamento e análise preditiva está reformulando a forma como os territórios gerenciam riscos sanitários, epidemias e o próprio cotidiano do cuidado. A captação de dados em tempo real — oriundos de dispositivos vestíveis, prontuários eletrônicos, sensores ambientais e dados de mobilidade — permite identificar padrões e antecipar demandas antes que se tornem crises.

    A inteligência artificial (IA), aplicada à saúde urbana, atua principalmente em três eixos:

    • Triagem inteligente: algoritmos identificam sintomas precoces e padrões de risco, priorizando atendimentos com base em urgência, histórico clínico e dados georreferenciados.
    • Prevenção personalizada: modelos preditivos recomendam ações preventivas individualizadas, levando em conta condições ambientais locais e perfis biomédicos.
    • Gestão territorial da saúde: mapas de calor, dashboards interativos e plataformas integradas facilitam o planejamento de campanhas de vacinação, gestão de insumos e distribuição de recursos.

    Essa abordagem permite uma mudança do modelo curativo para o modelo preventivo, mais eficiente, menos oneroso e socialmente justo. A coleta ética, segura e anonimizada dos dados, no entanto, permanece como um dos principais desafios normativos e operacionais.

    URBANAGE e o urbanismo do envelhecimento

    Um exemplo paradigmático da articulação entre tecnologia e bem-estar é o projeto europeu URBANAGE, destacado por Tupasela et al. (2023). A iniciativa visa tornar as cidades mais amigáveis ao envelhecimento, reconhecendo que a longevidade é um vetor central da urbanização contemporânea.

    As principais estratégias do URBANAGE incluem:

    • Mapeamento de barreiras urbanas por meio de crowdsourcing e sensores geoespaciais, identificando obstáculos à mobilidade de idosos.
    • Análise preditiva de acessibilidade, cruzando dados de saúde, mobilidade e infraestrutura para orientar intervenções urbanas.
    • Modelagem de cenários de envelhecimento saudável, usando simulações digitais para avaliar os impactos de decisões urbanísticas em populações idosas.

    O projeto amplia o conceito de “cidade inteligente” ao substituir a lógica da eficiência pela lógica do cuidado, valorizando a escuta dos usuários e a adaptação territorial às demandas do ciclo de vida.

    Ao articular tecnologias com sensibilidade social, o URBANAGE propõe um urbanismo do envelhecimento — uma abordagem que deve inspirar políticas urbanas em países de rápido envelhecimento populacional como o Brasil.

    Plataformas intersetoriais: saúde, educação e energia

    Cidades verdadeiramente inteligentes são aquelas que integram seus sistemas em plataformas transversais, rompendo os silos tradicionais das políticas públicas. A saúde urbana, nesse contexto, não se isola: ela se interconecta com a educação, a habitação, a energia e a mobilidade.

    Alguns exemplos dessa integração:

    • Educação e saúde: programas de educação em saúde mediados por IA e plataformas digitais, com foco em prevenção, saúde mental e nutrição escolar.
    • Energia e saúde: uso de dados de consumo energético domiciliar como proxy para monitoramento de bem-estar — por exemplo, identificação de quedas de energia em residências de idosos, o que pode sinalizar risco de isolamento ou vulnerabilidade.
    • Ambientes urbanos responsivos: sistemas de iluminação e ventilação automatizados em escolas e hospitais, programados para reduzir doenças respiratórias e melhorar o conforto térmico.

    Essa intersetorialidade digital exige interoperabilidade técnica, segurança de dados e governança compartilhada. Mais do que apenas integrar sistemas, é necessário repensar os próprios modos de produção das políticas urbanas, com foco na experiência do cidadão e na qualidade de vida como critério central de planejamento.

    Considerações parciais

    A saúde urbana conectada inaugura um novo horizonte de planejamento, no qual o bem-estar da população se torna princípio organizador da infraestrutura digital e territorial. A combinação de dados, IA e plataformas colaborativas permite decisões mais precisas, políticas mais justas e cidades mais humanas.

    Para que essa transformação se consolide, é necessário adotar abordagens que valorizem a diversidade das experiências urbanas, priorizem os grupos vulneráveis e reconheçam a saúde não apenas como ausência de doença, mas como condição plena de dignidade, mobilidade e pertencimento.

    Moeda Social, Dados e Governança Digital Participativa

    As cidades do século XXI enfrentam um desafio duplo: ampliar a participação cidadã nos processos decisórios e, simultaneamente, garantir que os benefícios das inovações tecnológicas não aprofundem desigualdades preexistentes. Neste contexto, moedas sociais digitais e governança algorítmica ética despontam como caminhos promissores para uma urbanização mais justa, inclusiva e transparente.

    Este capítulo analisa o papel das moedas digitais locais como instrumentos de redistribuição territorializada de valor e catalisadores de engajamento social. Ao lado disso, discute-se o uso ético dos dados e dos algoritmos em plataformas de decisão urbana, com ênfase na autonomia comunitária, soberania informacional e justiça digital.

    Moedas sociais digitais e redistribuição urbana

    As moedas sociais digitais, concebidas para circular dentro de territórios delimitados — bairros, cidades ou regiões —, não apenas promovem economias locais resilientes como podem ser integradas a estratégias públicas de eficiência energética, alimentação, educação e saúde preventiva.

    Diferentemente das criptomoedas tradicionais, cujo foco é a descentralização financeira global, as moedas sociais digitais operam dentro de arquiteturas comunitárias e em sintonia com objetivos sociais pactuados, tais como:

    • Fomento ao comércio de bairro e cadeias curtas de produção;
    • Valorização de comportamentos sustentáveis, como reciclagem ou economia de energia;
    • Estímulo à participação cidadã por meio de gamificação e recompensas digitais;
    • Apoio à circulação de saberes, serviços e competências entre vizinhos.

    Neste modelo, a infraestrutura digital torna-se um mecanismo de política pública redistributiva, promovendo vínculos, pertencimento e autonomia local. A governança da moeda — inclusive seus critérios de emissão e conversão — deve ser co-criada com a comunidade, evitando verticalizações tecnocráticas.

    Algoritmos e dados como bens comuns urbanos

    A integração entre moedas sociais digitais e plataformas inteligentes de gestão requer transparência algorítmica, proteção de dados pessoais e responsabilidade sobre os impactos das decisões automatizadas.

    Inspirando-se em Morozov e Bria (2023), defende-se a reapropriação dos dados urbanos como bem comum, uma vez que são fruto da interação coletiva entre cidadãos e suas infraestruturas. A opacidade algorítmica não apenas ameaça a privacidade individual, mas compromete a soberania decisória local, ao transferir controle a plataformas proprietárias ou interesses comerciais alheios ao território.

    Assim, políticas públicas que envolvem moedas sociais e dados devem observar os seguintes princípios:

    • Algoritmos auditáveis: códigos e modelos de decisão devem ser verificáveis por pares e avaliados quanto a vieses discriminatórios;
    • Participação ampliada: comunidades devem ter voz nas decisões sobre coleta, uso e finalidades dos dados;
    • Finalidade pública explícita: os sistemas devem ter objetivos alinhados a agendas sociais pactuadas e verificáveis;
    • Dados interoperáveis e abertos: respeitados os critérios de anonimização, os dados devem circular entre setores e plataformas para gerar valor público.

    A ética algorítmica territorializada requer que as tecnologias sirvam aos projetos coletivos das comunidades, e não apenas aos objetivos de eficiência ou inovação por si só.

    Potencial de replicação e desafios institucionais

    A experiência de integração entre moedas sociais digitais, metas de sustentabilidade e políticas educativas, já documentada em contextos diversos, revela potencial de escalabilidade e replicabilidade em múltiplas cidades brasileiras, especialmente aquelas que enfrentam déficits simultâneos de inclusão econômica, digital e energética.

    Contudo, a replicação bem-sucedida exige:

    • Infraestrutura digital acessível e descentralizada, com conectividade adequada e dispositivos inclusivos;
    • Capacitação comunitária e apoio técnico, para que os cidadãos compreendam os mecanismos digitais e se apropriem da moeda como ferramenta;
    • Ambiente normativo seguro, que reconheça juridicamente essas moedas e seus usos, evitando inseguranças regulatórias;
    • Modelos de governança colaborativa, que integrem atores públicos, universidades, empresas locais e organizações comunitárias.

    É nesse sentido que a moeda digital, em sua versão social, deixa de ser apenas um meio de troca e passa a ser uma linguagem de confiança territorial. Sua função pedagógica, simbólica e participativa reconfigura as relações entre cidadãos e governo, entre dados e decisões, entre inovação e equidade.

    Considerações parciais

    A construção de uma cidade inteligente verdadeiramente inclusiva passa pela democratização de seus circuitos econômicos e decisórios. Moedas sociais digitais, aliadas a uma governança ética dos dados, podem materializar essa ambição, desde que ancoradas em práticas participativas, tecnologias abertas e compromissos públicos claros.

    Ao invés de apenas medirem comportamentos, essas ferramentas devem cultivar vínculos, fortalecer direitos e ampliar capacidades. O desafio, portanto, é traduzir o potencial técnico em pactos políticos locais, que devolvam à cidade sua vocação essencial: ser um projeto coletivo de futuro.

    Perspectivas Estratégicas: Projetos Futuros e Diretrizes para Ação

    Ao final de uma análise ampla sobre cidades inteligentes, emerge a necessidade de traduzir conceitos em projetos concretos que respondam simultaneamente aos desafios da desigualdade, da transição energética e da transformação digital. Este capítulo apresenta propostas integradas de ação — articulando tecnologias emergentes, modelos de governança e mecanismos de financiamento — e delineia o papel da nMentors como articuladora estratégica para implementação, apoio técnico e formação de consórcios.

    Projeto de Rede Agrivoltaica com Inteligência Artificial e Moeda Digital

    As periferias urbanas concentram uma parcela expressiva da vulnerabilidade social e energética das cidades brasileiras. Uma resposta inovadora reside na criação de redes agrivoltaicas urbanas, que combinam produção de alimentos e geração de energia solar em espaços subutilizados — telhados públicos, terrenos baldios ou áreas de risco requalificadas.

    A proposta consiste em:

    • Implantar microusinas agrivoltaicas urbanas com dupla finalidade: alimentar hortas comunitárias e gerar excedente energético para redistribuição via moeda social digital;
    • Integrar plataformas de IA para gestão automatizada da geração, consumo e distribuição dos créditos energéticos entre beneficiários locais;
    • Usar a moeda digital como instrumento de compensação e engajamento, recompensando práticas sustentáveis (redução de consumo, reciclagem, educação ambiental) com saldo energético convertido em acesso a bens e serviços.

    Esse modelo visa não apenas democratizar o acesso à energia e alimentação, mas gerar novas capacidades econômicas nos territórios, com protagonismo comunitário e governança colaborativa.

    Infraestrutura Modular de Edge Datacenters com Gestão Público-Comunitária

    A crescente demanda por processamento de dados em tempo real e autonomia local requer soluções de infraestrutura computacional distribuída. Propõe-se, nesse sentido, o desenvolvimento de Edge Datacenters modulares, de baixo custo, energia limpa e operados sob modelos híbridos de gestão público-comunitária.

    Esses datacenters:

    • Suportariam aplicações de mobilidade, saúde, saneamento, segurança e iluminação pública inteligente;
    • Garantiriam soberania digital territorial, ao manter dados sensíveis dentro dos limites da cidade ou do bairro;
    • Serviriam como nó estratégico de conectividade e inteligência urbana, permitindo inclusive a operação de moedas sociais, sistemas educacionais e redes energéticas locais.

    A governança da infraestrutura pode seguir o modelo de consórcios, envolvendo entes públicos, universidades, empresas de tecnologia e lideranças comunitárias, com apoio técnico de consultorias especializadas.

    Observatórios de Políticas Públicas com IA e Metas ESG

    A ausência de instrumentos sistemáticos de monitoramento e avaliação de políticas públicas urbanas compromete a accountability e dificulta o aprendizado institucional. Como resposta, propõe-se a criação de Observatórios Urbanos de Políticas Públicas com IA, operando de forma independente ou em parceria com órgãos públicos.

    Esses observatórios atuariam em três frentes:

    • Coleta contínua de dados estruturados e não estruturados, a partir de sensores urbanos, sistemas públicos e participação cidadã;
    • Análise preditiva e identificação de correlações, com apoio de algoritmos auditáveis orientados por metas ESG (ambientais, sociais e de governança);
    • Produção de relatórios públicos e recomendações táticas, com dashboards acessíveis para gestores e comunidades.

    Ao associar transparência, inteligência e engajamento, os observatórios se tornariam ferramentas críticas para pactuar, monitorar e adaptar as metas de cidades sustentáveis.

    Mecanismos de Financiamento para Cidades Inteligentes Inclusivas

    A viabilidade dos projetos propostos depende da ativação de mecanismos diversificados de financiamento, que combinem recursos públicos, privados e multilaterais. Algumas possibilidades concretas incluem:

    • Chamada de P&D ANEEL, especialmente voltadas à eficiência energética, cidades sustentáveis e inclusão digital;
    • Projetos estruturantes via Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), com potencial de concessão ou PPP (Parceria Público-Privada) para infraestrutura urbana;
    • Bancos multilaterais e fundos climáticos (BID, BNDES Fundo Clima, Climate Investment Funds), com foco em cidades resilientes, redução de carbono e inclusão social;
    • Fundos filantrópicos e venture philanthropy, que priorizam projetos com impacto mensurável em justiça climática e equidade digital.

    Para capturar esses recursos, é fundamental apresentar propostas maduras, sustentadas por evidências, com plano de negócios robusto e metas sociais verificáveis.

    Conclusão

    As reflexões apresentadas ao longo deste estudo apontam para uma compreensão ampliada do conceito de cidades inteligentes. Mais do que territórios tecnificados por sensores e algoritmos, as smart cities devem ser concebidas como ambientes vivos de produção coletiva de soluções complexas — onde inovação tecnológica e justiça social caminham juntas. Nesta conclusão, retomamos os principais aprendizados e reforçamos os compromissos estratégicos que se impõem aos atores que protagonizam essa transformação.

    A Cidade como Infraestrutura Sociotécnica de Inovação Social

    A cidade contemporânea configura-se como um laboratório distribuído de experimentações sociais, tecnológicas e políticas. Essa condição exige o abandono da visão reducionista que enxerga a cidade apenas como espaço físico a ser gerenciado por softwares e big data. Pelo contrário, é preciso reconhecer a cidade como uma infraestrutura sociotécnica viva, capaz de gerar conhecimento, promover inclusão e catalisar mudanças estruturais quando tecnologias são colocadas a serviço do bem comum.

    Ao considerar os diversos temas analisados — energia, saúde, educação, moedas sociais, IA, governança e infraestrutura — fica evidente que as soluções verdadeiramente transformadoras são aquelas enraizadas no território, participativas em sua concepção e transparentes em sua operação.

    Necessidade de superar o enfoque reducionista e tecnodeterminista com inteligência social aplicada.

    Necessidade de transcender o deslumbramento com soluções puramente tecnológicas e avançar para abordagens centradas nas pessoas e no território. Este estudo reitera que inteligência urbana não é apenas digital, mas socialmente situada. Dados, algoritmos e plataformas precisam ser moldados por valores como equidade, solidariedade, sustentabilidade e pluralismo cultural.

    Nesse sentido, o verdadeiro diferencial de uma cidade inteligente reside na capacidade de aplicar inteligência social — sensível ao território, co-criada com seus habitantes e ancorada em propósitos coletivos. A inteligência das cidades é, antes de tudo, a inteligência dos seus cidadãos, conectada por estruturas abertas e inclusivas.

    Ação Intersetorial como Fundamento da Nova Arquitetura Urbana

    A concretização de projetos transformadores exige a articulação permanente entre Estado, setor privado, universidades e sociedade civil organizada. Nenhum dos desafios analisados — da pobreza energética ao envelhecimento populacional, da exclusão digital à soberania informacional — poderá ser enfrentado por um único setor isoladamente.

    Assim, este estudo reforça a necessidade de modelos de governança intersetoriais, adaptativos e baseados na confiança. As experiências internacionais com Parcerias Público-Privadas e os arranjos emergentes no Brasil indicam o caminho: co-responsabilização, transparência e inovação institucional como pilares de uma nova era do urbanismo digital inclusivo.

    Chamado à Responsabilidade Técnica e Ética

    Por fim, este trabalho é também um chamado à responsabilidade técnica e ética dos engenheiros, gestores públicos, conselheiros e líderes empresariais. Em um momento em que o desenho de algoritmos, contratos e infraestruturas definirá os contornos das próximas décadas, não é mais possível atuar de forma neutra ou apenas reativa.

    É preciso assumir um papel ativo na construção de uma cidade inteligente que não seja apenas eficiente, mas justa; não apenas conectada, mas plural; não apenas resiliente, mas inspiradora. O compromisso com a inovação deve caminhar lado a lado com o compromisso com as pessoas e o planeta.

    Como afirmado ao longo desta análise, o futuro das cidades não está dado: ele será fruto das escolhas técnicas, políticas e humanas que fizermos hoje. E é neste horizonte que se inscrevem as responsabilidades e oportunidades que cabem à geração atual de profissionais públicos e privados.

    Glossário

    TermoDefiniçãoTema Principal
    AgrivoltaicoCombinação de geração solar fotovoltaica com produção agrícola no mesmo terreno.Energia e Sustentabilidade
    Cidades InteligentesCentros urbanos que usam tecnologias e dados para melhorar a gestão urbana e o bem-estar da população.Planejamento Urbano
    Cidade como Infraestrutura SociotécnicaVisão da cidade como sistema vivo de interações técnicas, sociais e políticas.Teoria Urbana
    Cidadania AtivaParticipação direta dos cidadãos na formulação e fiscalização de políticas públicas.Inclusão e Governança
    Desigualdade EnergéticaAcesso desigual à energia limpa e acessível entre diferentes grupos sociais.Justiça Energética
    Edge ComputingProcessamento de dados próximo à fonte, reduzindo latência e aumentando autonomia local.Tecnologia da Informação
    ESGCritérios ambientais, sociais e de governança aplicados à gestão pública e privada.Sustentabilidade
    Fatores Críticos de Sucesso (PPP)Elementos como clareza contratual, colaboração e alinhamento com objetivos sociais em parcerias público-privadas.Governança
    Governança AlgorítmicaDecisões mediadas por sistemas automatizados com implicações éticas e sociais.Ética Digital
    Governança Digital ParticipativaArranjos tecnológicos e institucionais que permitem a participação cidadã via plataformas.Democracia Digital
    IA DistribuídaInteligência artificial embarcada em dispositivos periféricos urbanos.Inteligência Artificial
    Inclusão DigitalAcesso equitativo a tecnologias, conectividade e letramento digital.Educação e Cidadania
    Infraestruturas ModularesSoluções técnicas escaláveis, adaptáveis e de baixo custo para contextos locais.Tecnologia Urbana
    Justiça DigitalUso ético e equitativo da tecnologia para reduzir desigualdades sociais.Direitos e Inclusão
    Microgeração DistribuídaProdução local de energia renovável, próxima ao ponto de consumo.Energia
    Moeda Social DigitalMoeda alternativa com circulação local e foco em inclusão, economia solidária e participação.Economia e Governança
    PPP / PPPPModelos de parceria entre Estado, empresas e sociedade para financiamento e operação de infraestruturas.Financiamento Urbano
    Plataformas UrbanasSistemas digitais que organizam fluxos urbanos como transporte, energia e serviços.Urbanismo Digital
    Soberania DigitalCapacidade local de controlar dados e infraestrutura digital crítica.Autonomia Tecnológica
    Tecnologia com PropósitoInovação tecnológica orientada a finalidades sociais e ambientais claras.Ética Tecnológica
    Urbanismo de PlataformaModelo urbano mediado por plataformas digitais privadas ou públicas, exigindo nova regulação.Economia de Plataforma
    Urbanismo InclusivoPlanejamento que prioriza equidade territorial, justiça social e inovação cidadã.Inclusão Social

    Referências Bibliográficas

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