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Autor: Eduardo Fagundes

  • Rodovias Autônomas e o Futuro da Infraestrutura: Lições da Experiência Chinesa e Desafios Globais

    Rodovias Autônomas e o Futuro da Infraestrutura: Lições da Experiência Chinesa e Desafios Globais

    Sumário Executivo

    A construção de rodovias sempre foi um reflexo da capacidade de uma sociedade de organizar seu território e sustentar seu desenvolvimento. Hoje, vivemos um ponto de inflexão. Se no passado a inovação estava na introdução do asfalto moderno ou das máquinas de compactação, agora a transformação vem da inteligência artificial, da robótica e das redes digitais.

    O caso da China, que recapeou 158 quilômetros de uma rodovia estratégica sem presença humana em campo, simboliza essa mudança de era. Pela primeira vez, máquinas autônomas assumiram integralmente um projeto rodoviário em escala real, operando com precisão, eficiência e segurança. Essa realização não é apenas um marco técnico, mas também um alerta: o futuro da infraestrutura será cada vez mais moldado pela automação e pela gestão baseada em dados.

    Os impactos são claros. A produtividade cresce porque as máquinas trabalham 24 horas por dia sem pausas. Os custos se reduzem pela eliminação de despesas associadas à mão de obra presencial. A qualidade aumenta com a aplicação uniforme das camadas de asfalto e a redução de retrabalhos. E a segurança se amplia, pois a ausência de trabalhadores em campo praticamente elimina os riscos de acidentes.

    Mas a inovação também traz dilemas. A substituição de empregos tradicionais desafia sociedades a criarem novos papéis, como operadores remotos, supervisores de sistemas de IA e engenheiros de dados. Surgem riscos de concentração tecnológica em poucos fornecedores e a necessidade de marcos regulatórios que acompanhem a velocidade das mudanças. Ao mesmo tempo, abre-se a oportunidade de repensar a engenharia como ciência de integração, em que o conhecimento clássico se une a plataformas digitais, sensores e algoritmos.

    Nos próximos vinte anos, três cenários são possíveis. No primeiro, a automação parcial segue como realidade predominante, com máquinas inteligentes ainda supervisionadas por operadores. No segundo, a automação plena se consolida em países ou empresas com maior capacidade de investimento. No terceiro, mais visionário, as rodovias tornam-se infraestruturas auto-regenerativas, monitoradas por gêmeos digitais e reparadas por frotas de robôs e drones de forma preditiva.

    A lição que fica é clara: as rodovias autônomas são um marco civilizatório. Elas nos obrigam a repensar não apenas como construímos estradas, mas como equilibramos eficiência e inclusão, inovação e ética, máquinas inteligentes e protagonismo humano. O futuro da infraestrutura dependerá da nossa capacidade de transformar essa tecnologia em um instrumento de progresso sustentável, seguro e compartilhado.

    Introdução: O marco da rodovia autônoma no século XXI

    Desde que os primeiros impérios começaram a organizar seus territórios, as estradas se tornaram símbolos de integração, poder e desenvolvimento. Os romanos deixaram seu legado com vias capazes de resistir a séculos de uso, enquanto no século XIX a Revolução Industrial trouxe máquinas a vapor para auxiliar no nivelamento e na compactação do solo. Já no século XX, o advento do asfalto moderno e a popularização dos automóveis deram origem às grandes autoestradas que moldaram economias e transformaram a mobilidade em todo o planeta.

    Ao longo dessa trajetória, cada salto tecnológico na construção rodoviária esteve associado a uma ideia central: fazer mais, em menos tempo, com maior durabilidade e segurança. Se antes o desafio era pavimentar quilômetros de estradas em países em processo de industrialização, hoje a pressão é diferente: manter, modernizar e expandir infraestruturas em um contexto de custos elevados, escassez de mão de obra e necessidade de reduzir impactos ambientais.

    Nas últimas décadas, a digitalização e a automação começaram a penetrar no setor. Tecnologias como sistemas de compactação inteligente (IC), uso de GNSS e satélites de alta precisão para controle de máquinas, drones para monitoramento e modelagem BIM/Digital Twin abriram caminho para uma nova lógica de projeto e execução. A construção rodoviária, tradicionalmente manual e dependente da experiência empírica, passou a ser influenciada por dados em tempo real, algoritmos e equipamentos semiautônomos.

    É nesse contexto de transformação gradual que surge um feito capaz de reposicionar a discussão: a execução de um trecho rodoviário inteiramente realizada por máquinas autônomas, guiadas por inteligência artificial, sem trabalhadores humanos no local. Trata-se de uma inovação que não apenas representa ganhos de eficiência, mas que coloca em xeque o papel do trabalho humano no canteiro de obras.

    O caso chinês da reabilitação de 158 km de rodovia, realizado com robôs, drones e sistemas de automação avançada, não é apenas um exemplo isolado. Ele deve ser entendido como síntese de um movimento global que tende a redefinir os rumos da infraestrutura no século XXI. Mais do que um marco técnico, é um sinal de que estamos diante de um novo paradigma em que a engenharia civil se torna, cada vez mais, uma ciência de sistemas inteligentes e integrados.

    Panorama global de automação na construção civil e rodoviária

    A automação na construção civil vem se desenvolvendo de forma incremental em diferentes partes do mundo. O Japão, pioneiro na integração de robótica em obras de infraestrutura, já testava, desde os anos 1990, rolos compactadores dotados de sensores e algoritmos de controle, voltados a reduzir a dependência da mão de obra humana e a garantir maior precisão em ambientes controlados (SIVAGNANASUNTHARAM et al., 2023). Esse movimento foi motivado pela escassez de trabalhadores e pela busca por maior padronização em grandes projetos.

    Nos Estados Unidos, a trajetória se consolidou a partir de projetos-piloto de compactação inteligente (IC) coordenados pela Federal Highway Administration (FHWA). A IC introduziu o uso de valores de medição (ICMVs) para avaliar, em tempo real, a qualidade da compactação. Estudos realizados em estados como Oklahoma demonstraram ganhos de uniformidade e redução de retrabalho, embora ainda houvesse desafios em correlacionar ICMVs diretamente com a densidade atingida no campo (CONGRESS et al., 2021 ; VON QUINTUS et al., 2023). Além disso, a literatura mostra que muitos Departamentos Estaduais de Transportes (DOTs) vêm incorporando tecnologias como paver-mounted thermal profiling e sistemas dielétricos para complementar as medições (VON QUINTUS et al., 2023).

    Na Europa, fabricantes como a BOMAG têm liderado a fronteira experimental com o desenvolvimento de rolos autônomos em regime de testes, capazes de operar de forma coordenada e comunicativa em canteiros de obras. Estudos relatam que a cooperação entre múltiplos rolos, guiados por algoritmos de trajetória colaborativa, pode aumentar significativamente a eficiência do processo e reduzir falhas de compactação (DECKER et al., 2025). Ensaios realizados na Alemanha exploraram protocolos de comunicação sem fio e estratégias de coordenação conhecidas como “move forward and backward together”, indicando avanços consistentes em direção a operações totalmente autônomas (ROPERTZ et al., 2018).

    Apesar desses progressos, a maior parte das aplicações no Ocidente ainda permanece em estágio de automação parcial. Pavimentadoras e compactadores são equipados com GNSS, sensores térmicos e softwares de coleta de dados, mas continuam fortemente dependentes da supervisão humana (ZHANG et al., 2019). Os drones para monitoramento de qualidade e a integração com plataformas BIM/Digital Twin já aparecem em alguns contratos de concessão e em projetos de pesquisa, mas seu uso ainda é fragmentado e pouco sistemático (RANJBAR et al., 2022).

    Nesse contexto, o diferencial da China ganha destaque. O país rompeu com a lógica de avanços graduais e realizou um salto qualitativo ao executar 158 km de recapeamento rodoviário sem operadores em campo. A centralização política, a capacidade de mobilização em escala nacional e a ousadia em converter avanços laboratoriais em empreendimentos reais colocam a experiência chinesa em um patamar singular. Mais do que um piloto, trata-se de um ensaio de política pública em larga escala, no qual a automação não apenas apoia, mas estrutura todo o processo construtivo (ZHANG et al., 2023).

    Tecnologias empregadas no projeto

    O marco tecnológico que colocou a China no centro do debate global sobre automação na construção civil ocorreu na rodovia Pequim–Hong Kong–Macau, uma das mais estratégicas do país, utilizada tanto para transporte de cargas quanto de passageiros em um dos corredores econômicos mais importantes da Ásia. O projeto consistiu em recapear 158 quilômetros de extensão sem a presença física de trabalhadores em campo, apoiando-se integralmente em máquinas autônomas, drones, sensores e sistemas de inteligência artificial.

    A ousadia do empreendimento não está apenas na distância percorrida, mas no fato de ter funcionado como um projeto de demonstração em larga escala, sinalizando ao mundo que a China é capaz de levar tecnologias que até então se restringiam a pilotos acadêmicos ou a canteiros controlados para uma aplicação real, em infraestrutura de alto impacto. Diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos ou na Europa, onde a automação tem avançado em projetos fragmentados e de caráter experimental (SIVAGNANASUNTHARAM et al., 2023 ; CONGRESS et al., 2021), a China decidiu apostar em uma implementação plena e centralizada, resultado da integração entre universidades, fabricantes de equipamentos e órgãos de infraestrutura.

    Essa iniciativa foi viabilizada pela convergência de cinco pilares tecnológicos principais:

    • Sistemas de pavimentação autônomos – O destaque foi a utilização do modelo SAP200C-10, uma pavimentadora capaz de aplicar camadas de asfalto com alta precisão em passadas únicas. O equipamento é operado de forma autônoma, seguindo rotas pré-definidas e corrigindo desvios em tempo real a partir de algoritmos de controle. Estudos anteriores já haviam demonstrado a viabilidade de retrofitar pavimentadoras e rolos convencionais com sistemas de automação baseados em trajetória predefinida e sensores de posicionamento (DECKER et al., 2025).
    • Compactadores robóticos sincronizados – A configuração utilizada, descrita como 1+3+3+3, reuniu uma pavimentadora seguida por grupos de três rolos compactadores que operam em sincronia. Essa abordagem deriva de pesquisas em coordenação multi-robôs, que exploram algoritmos colaborativos para definir a trajetória e o tempo de atuação de cada máquina de modo a evitar sobreposição ou falhas de compactação (ROPERTZ et al., 2018).
    • Drones para mapeamento e monitoramento – Durante a execução, drones equipados com câmeras de alta resolução e sensores LiDAR foram responsáveis por mapear continuamente a superfície, alimentando os sistemas centrais com informações atualizadas. Os dados coletados eram integrados a algoritmos de visão computacional que permitiam identificar irregularidades e ajustar os parâmetros de pavimentação e compactação em tempo real (RANJBAR et al., 2022 ; PEDDINTI et al., 2024). Além disso, o uso do sistema Beidou de navegação por satélite garantiu posicionamento de alta precisão, fundamental para alinhar as máquinas e validar os resultados (ZHANG et al., 2023).
    • Inteligência Artificial aplicada à logística da obra – O gerenciamento do projeto foi apoiado por algoritmos de IA capazes de realizar planejamento dinâmico, reprogramando rotas e recursos de acordo com variações de temperatura do asfalto, condições ambientais ou eventuais falhas nos equipamentos. Essa lógica já vem sendo estudada em aplicações de compactação inteligente, onde a IA auxilia a interpretar dados de sensores e a correlacioná-los com resultados de densidade e desempenho (CHEN et al., 2021).
    • Redes de comunicação e sensores – Todo o ecossistema foi interligado por redes de baixa latência, que permitiram a coordenação entre máquinas e drones, além de sistemas redundantes de comunicação para garantir confiabilidade em ambientes de alto tráfego. Experimentos europeus já haviam mostrado a importância da comunicação digital robusta entre rolos e pavimentadoras autônomas (ROPERTZ et al., 2018), mas a China avançou ao incorporar esse conceito em escala de dezenas de quilômetros, integrando sensores térmicos, GNSS e sistemas de segurança baseados em cercas eletrônicas virtuais (ZHENG et al., 2021).

    Assim, o projeto chinês se consolidou não apenas como um caso pioneiro, mas como a primeira demonstração prática de um canteiro de obras rodoviárias verdadeiramente autônomo, sustentado pela fusão de tecnologias que até então apareciam de forma isolada em diferentes partes do mundo.

    Arquitetura de segurança e confiabilidade

    Em qualquer sistema autônomo, sobretudo em operações de grande escala como a pavimentação rodoviária, a segurança operacional é o ponto central de legitimidade. A confiança pública, a aceitação regulatória e a viabilidade técnica só se consolidam quando há garantias robustas de que máquinas inteligentes não representam riscos ao ambiente ou às pessoas. No caso chinês, a arquitetura de segurança foi concebida de forma a criar camadas de proteção redundantes, alinhadas com o princípio de que cada função crítica deveria contar com mecanismos de monitoramento e resposta múltiplos.

    Cercas virtuais e barreiras de segurança eletrônicas foram utilizadas para delimitar o espaço de operação dos equipamentos. Baseadas em tecnologias de geofencing apoiadas no sistema de navegação Beidou, essas barreiras estabeleciam perímetros digitais que, em caso de violação, disparavam alertas imediatos e acionavam procedimentos automáticos de parada. Estudos recentes demonstram que a aplicação de cercas eletrônicas em obras de infraestrutura é viável para controlar riscos e reduzir interferências externas, garantindo maior previsibilidade das operações (ZHENG et al., 2021).

    Além disso, os equipamentos eram equipados com sistemas de parada de emergência e redundância operacional, permitindo que falhas críticas em sensores ou algoritmos não resultassem em acidentes. A redundância foi projetada em múltiplos níveis: redundância de sinal (GNSS e inercial), de comunicação (redes paralelas de baixa latência) e de controle (possibilidade de intervenção humana remota). Essa abordagem está em linha com recomendações internacionais sobre automação de compactadores e pavimentadoras, que destacam a necessidade de duplicação de sistemas críticos em ambientes não estruturados (ROPERTZ et al., 2018).

    Outro componente fundamental foi a detecção de obstáculos e resposta a riscos ambientais. Sensores LiDAR, câmeras de visão estereoscópica e algoritmos de visão computacional foram integrados para reconhecer objetos inesperados na via — desde barreiras físicas até variações de temperatura do asfalto. Estudos aplicados em drones para monitoramento de pavimentos mostram que a integração de múltiplos sensores melhora significativamente a capacidade de segmentar superfícies, identificar anomalias e acionar correções em tempo real (RANJBAR et al., 2022).

    Por fim, o sistema previa protocolos de fallback, ou seja, regras claras para a intervenção humana remota em situações de risco ou anomalias persistentes. Nessas condições, engenheiros em centros de controle podiam assumir manualmente a supervisão das máquinas, redefinindo rotas ou ordenando a paralisação da operação. Essa prática, descrita em pesquisas sobre cooperação entre múltiplos rolos autônomos, garante que mesmo em um canteiro automatizado exista um “último recurso humano” capaz de evitar consequências graves (DECKER et al., 2025).

    A soma dessas estratégias resultou em um sistema não apenas eficiente, mas também confiável e seguro, capaz de demonstrar que a automação em obras rodoviárias pode ser aplicada em larga escala sem comprometer padrões de segurança. Ao contrário, a integração de cercas digitais, redundâncias e fallback humano estabelece um patamar de proteção que dificilmente seria replicado por operações convencionais, historicamente mais expostas a acidentes de trabalho.

    Como se constrói hoje no Brasil, EUA e Europa

    O avanço chinês não pode ser analisado de forma isolada. Para compreender seu real significado, é necessário observar como se constrói e se automatiza atualmente em outras partes do mundo. O contraste entre os modelos revela o quanto a China optou por uma estratégia disruptiva, enquanto Brasil, Estados Unidos e Europa seguem trajetórias mais graduais e conservadoras.

    Brasil – A realidade brasileira ainda é marcada pelo predomínio de processos manuais e semi-mecanizados. Usinas móveis de asfalto alimentam pavimentadoras convencionais, seguidas por rolos compactadores conduzidos por operadores humanos. Embora o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) venha estimulando a digitalização, o uso de sistemas de nivelamento por GPS e de drones para inspeção permanece restrito a projetos-piloto e a iniciativas de concessionárias privadas (SANTOS, 2024 ; PEREIRA, 2022). A literatura nacional aponta gargalos significativos: falta de padronização, baixo investimento em tecnologias digitais e carência de mão de obra especializada em automação (CABRAL MELO; RUSCHEL, 2023). Em outras palavras, há um abismo entre a prática predominante e a perspectiva de um canteiro totalmente automatizado.

    Estados Unidos – No cenário norte-americano, fabricantes como Caterpillar e Komatsu já oferecem máquinas semi-autônomas, muitas vezes operadas por controle remoto ou equipadas com sistemas de nivelamento automatizado. É comum o uso intensivo de GPS e LiDAR para topografia e controle de qualidade (CONGRESS et al., 2021). Apesar disso, os canteiros continuam fortemente dependentes da atuação humana, e os pilotos de obras autônomas se concentram em estradas rurais e ambientes controlados, com fins experimentais. A estratégia norte-americana se apoia fortemente em programas federais conduzidos pelo DOT e pela FHWA, que incentivam a digitalização da infraestrutura por meio da adoção de BIM e digital twins (VON QUINTUS et al., 2023). A literatura mostra avanços na correlação entre compactação inteligente e desempenho de pavimentos (ZHANG et al., 2019), mas ainda em contexto de pesquisa aplicada, e não de aplicação plena em larga escala.

    Europa – Países como Alemanha, Suécia, Noruega e Reino Unido se destacam pelo esforço em integrar máquinas automatizadas com plataformas BIM. A construção rodoviária europeia tem apostado na criação de digital twins de rodovias e na instalação de sensores IoT voltados à manutenção preditiva, o que permite antecipar falhas e otimizar investimentos públicos (CONSILVIO et al., 2022 ; LIU et al., 2025). Já existem pilotos de compactação autônoma e pavimentadoras com controle remoto, conduzidos por fabricantes e institutos de pesquisa (DECKER et al., 2025). No entanto, as limitações regulatórias e culturais são significativas: normas trabalhistas rígidas e a tradição de valorização da mão de obra humana dificultam a substituição total por sistemas autônomos (ROPERTZ et al., 2018).

    Assim, observa-se que o Ocidente avança em direção à automação por meio de incrementos graduais, testando tecnologias em ambientes restritos, enquanto o Brasil ainda enfrenta barreiras estruturais de digitalização. O contraste com o caso chinês é evidente: enquanto Japão, EUA e Europa experimentam, e o Brasil engatinha, a China saltou diretamente para a aplicação plena em escala, reposicionando os termos do debate sobre o futuro da construção rodoviária.

    Impactos operacionais

    O maior argumento em favor da automação plena em obras rodoviárias está nos impactos operacionais observados em campo. O projeto chinês, ao eliminar a presença física de trabalhadores no canteiro, demonstrou um conjunto de ganhos que dificilmente poderiam ser alcançados por métodos tradicionais.

    O primeiro deles é a produtividade contínua. Enquanto equipes humanas precisam lidar com pausas, turnos e limitações físicas, as máquinas autônomas são capazes de operar 24 horas por dia, sete dias por semana, com interrupções mínimas apenas para manutenção preventiva. Pesquisas em compactação inteligente já apontavam que o uso de algoritmos de controle pode otimizar o número de passagens dos rolos, ajustando em tempo real o padrão de operação e evitando sobre ou sub-compactação (HU et al., 2018). A experiência chinesa validou essa hipótese em escala inédita, mostrando que a continuidade do trabalho gera não apenas maior velocidade de entrega, mas também redução drástica no tempo total de execução.

    Outro ponto relevante é a redução de custos operacionais. Ao prescindir de mão de obra presencial em grande escala, a operação elimina despesas diretas com trabalhadores em campo e diminui custos indiretos, como seguros contra acidentes e logística de alojamento. Estudos norte-americanos já destacavam o potencial de tecnologias como paver-mounted thermal profiling e sensores dielétricos para ampliar a eficiência do processo de aceitação de obras (VON QUINTUS et al., 2023). A aplicação chinesa levou esse raciocínio adiante, ao transformar tais ganhos incrementais em economias sistêmicas.

    A precisão milimétrica na aplicação de camadas de asfalto foi outro diferencial. Equipamentos como o SAP200C-10 e os rolos sincronizados em configuração 1+3+3+3 trabalharam em regime de coordenação algorítmica, garantindo uniformidade de espessura e densidade. A literatura demonstra que, quando múltiplos rolos operam de forma cooperativa sob planejamento de trajetória, a variação nos resultados é drasticamente reduzida (DECKER et al., 2025). Esse aspecto não apenas aumenta a vida útil do pavimento, mas também reduz custos de manutenção ao longo do ciclo de vida da rodovia.

    Por fim, a automação plena resultou em redução de falhas, retrabalhos e acidentes. Em métodos convencionais, o controle de qualidade é feito por meio de testes pontuais e ensaios destrutivos, que muitas vezes não capturam a variabilidade da obra. Com a automação, sensores embutidos nos rolos e drones de monitoramento garantem cobertura total e em tempo real, diminuindo a probabilidade de erros não detectados (ZHANG et al., 2019). Além disso, a ausência de trabalhadores no canteiro elimina a exposição humana a riscos físicos, de calor e de tráfego — uma das principais causas de acidentes em obras viárias (SIVAGNANASUNTHARAM et al., 2023).

    Em síntese, os impactos operacionais do projeto chinês podem ser resumidos em quatro grandes ganhos: velocidade, economia, qualidade e segurança. Juntos, eles desenham um cenário em que a automação não é apenas uma promessa, mas uma alternativa concreta para transformar a produtividade da infraestrutura rodoviária em escala global.

    Implicações socioeconômicas

    O impacto da automação rodoviária vai além da engenharia. A substituição de trabalhadores por sistemas inteligentes tem efeitos profundos sobre a organização do trabalho, os mercados e até mesmo a geopolítica das infraestruturas. O projeto chinês, ao realizar 158 quilômetros de recapeamento sem operadores humanos, tornou explícita uma questão que antes estava restrita a debates teóricos: o que acontece com os empregos na construção civil tradicional quando máquinas autônomas assumem o canteiro de obras?

    O primeiro efeito é o deslocamento de postos de trabalho manuais. A pavimentação e a compactação historicamente absorveram mão de obra de baixa e média qualificação, sendo setores estratégicos para a inclusão de trabalhadores em economias emergentes. Ao eliminar essa camada, a automação tende a reduzir oportunidades em áreas já vulneráveis. Estudos recentes sobre compactação inteligente apontam que a digitalização diminui a dependência de inspeções manuais e testes destrutivos, deslocando a função humana da execução para a supervisão (SIVAGNANASUNTHARAM et al., 2023 ; HU et al., 2018).

    Por outro lado, surgem novos papéis humanos. Operadores de rolos e pavimentadoras deixam de estar fisicamente no campo e passam a atuar como operadores remotos, acompanhando sistemas em centrais de comando. Engenheiros de obra se transformam em supervisores de IA, calibrando algoritmos e interpretando alertas emitidos pelos equipamentos. Além disso, cresce a demanda por engenheiros de dados, capazes de lidar com a volumetria de informações geradas por drones, sensores de compactação e plataformas digitais de gêmeos digitais. Pesquisas sobre BIM e Digital Twin em rodovias já destacam essa mudança, em que o valor do trabalho não está mais na execução física, mas no gerenciamento da informação (LIU et al., 2025 ; CONSILVIO et al., 2022).

    Os efeitos também alcançam o setor de transporte, logística e manutenção. Com pavimentos mais uniformes e duráveis, há uma tendência de redução de custos logísticos a longo prazo, dado que estradas de melhor qualidade diminuem tempo de viagem e desgaste de veículos. Ao mesmo tempo, a digitalização cria condições para um modelo de manutenção preditiva, em que falhas são detectadas antes de se transformarem em buracos ou trincas graves, o que pode alterar toda a cadeia de serviços associada à conservação viária (ZHANG et al., 2023).

    Por fim, há os riscos de concentração tecnológica e dependência de fornecedores de IA. A automação plena exige integração entre algoritmos, sensores, satélites, drones e máquinas pesadas — tecnologias que estão concentradas em poucos fabricantes globais. Isso pode gerar dependência de soluções proprietárias, restringindo a autonomia de países que não desenvolvem suas próprias plataformas. Trabalhos recentes sobre cooperação de rolos autônomos chamam atenção para a necessidade de protocolos abertos e interoperáveis, sob pena de criar monopólios tecnológicos em áreas críticas da infraestrutura (DECKER et al., 2025).

    Assim, as implicações socioeconômicas da rodovia autônoma não se limitam à engenharia. Elas tocam o coração da política pública, da gestão de trabalho e da soberania tecnológica. O desafio, portanto, não está apenas em adotar máquinas mais inteligentes, mas em redefinir a relação entre sociedade, tecnologia e infraestrutura.

    Convergências tecnológicas: IA, IoT, Big Data e 5G

    A inovação chinesa vai muito além da mecanização de processos de pavimentação. Ela revela o início de uma nova era em que a rodovia se transforma em uma verdadeira plataforma digital, integrando inteligência artificial (IA), internet das coisas (IoT), big data e redes de comunicação de altíssima velocidade. O pavimento deixa de ser apenas uma camada física de asfalto e passa a ser um sistema ciberfísico, permanentemente monitorado, analisado e otimizado.

    A noção de rodovia como plataforma está diretamente relacionada ao uso de sensores embarcados, drones e satélites capazes de coletar dados contínuos sobre temperatura, vibração, densidade e deformações. Esses dados, quando tratados por algoritmos de IA, são capazes de identificar padrões invisíveis a olho nu, antecipando falhas e otimizando decisões operacionais. Trabalhos recentes demonstram que a integração de sistemas inteligentes de compactação com plataformas geoespaciais e BIM permite criar réplicas digitais da infraestrutura, abrindo caminho para o conceito de Digital Twin rodoviário (LIU et al., 2025 ; CONSILVIO et al., 2022).

    Um desdobramento natural desse processo é a integração futura com veículos autônomos. Se as estradas forem capazes de comunicar em tempo real sua condição estrutural, variações de aderência ou eventuais falhas, os veículos poderão ajustar automaticamente seu comportamento. Isso cria uma camada adicional de segurança e eficiência para sistemas de mobilidade baseados em automação. Pesquisas já destacam que a cooperação entre máquinas rodoviárias autônomas e sistemas de transporte inteligentes é uma tendência inevitável para a próxima década (DECKER et al., 2025 ; ROPERTZ et al., 2018).

    A digitalização também transforma os dados em um ativo estratégico. A coleta massiva e contínua de telemetria gera bancos de dados capazes de alimentar modelos preditivos de manutenção, identificando com antecedência regiões da rodovia que apresentam risco de fissuras ou recalques. Estudos recentes em monitoramento digital de pavimentos indicam que a integração de IoT, Beidou e 5G pode viabilizar sistemas de alerta precoce, reduzindo custos de conservação e aumentando a vida útil da infraestrutura (ZHANG et al., 2023).

    Assim, a convergência entre IA, IoT, big data e 5G redefine o papel da rodovia no século XXI. De infraestrutura passiva, ela se transforma em plataforma inteligente, conectada a veículos, cidades e sistemas de logística. O que se desenha não é apenas uma nova forma de construir, mas um novo modelo de gestão da mobilidade, no qual cada quilômetro pavimentado é também um nó em uma rede de dados estratégicos para economia e sociedade.

    Lições aprendidas e próximos passos

    O caso chinês não deve ser lido apenas como uma conquista tecnológica isolada, mas como um ensaio sobre o futuro das infraestruturas. Ao realizar 158 km de recapeamento sem mão de obra presencial, a China mostrou que a automação em larga escala é viável não apenas em ambiente experimental, mas em projetos reais de impacto econômico e logístico. Esse feito oferece ao mundo um conjunto de lições que merecem atenção cuidadosa.

    A primeira delas é a questão da escalabilidade para outros países. Embora os resultados chineses sejam impressionantes, sua replicação em diferentes contextos enfrenta barreiras relevantes. Em países como Brasil ou nações da União Europeia, a fragmentação institucional e a diversidade de concessionárias dificultam a aplicação centralizada de soluções tecnológicas. Além disso, a heterogeneidade das rodovias, muitas vezes em condições precárias, exige adaptações para que algoritmos de trajetória e compactação operem de forma eficiente. A literatura sobre compactação inteligente mostra que resultados consistentes dependem de calibração contínua e de infraestrutura de suporte em satélites, redes de comunicação e gestão de dados (HU et al., 2018 ; SIVAGNANASUNTHARAM et al., 2023).

    Outro ponto crítico são os obstáculos regulatórios e culturais. Enquanto a China pôde avançar de forma centralizada, em países ocidentais há legislações trabalhistas rígidas, que dificultam a substituição de operadores humanos, e marcos regulatórios que ainda não contemplam a responsabilidade legal em caso de falhas de máquinas autônomas. A literatura europeia enfatiza que a adoção de rolos autônomos exige protocolos claros de comunicação, redundância e supervisão humana, justamente para responder a esse desafio normativo (ROPERTZ et al., 2018).

    No plano ético, emerge a questão central: até onde vamos automatizar?. Se a eliminação do trabalho manual reduz acidentes e aumenta a produtividade, ela também exclui oportunidades de emprego em larga escala. A discussão não é apenas técnica, mas moral e política: é legítimo substituir integralmente trabalhadores em nome da eficiência? Pesquisas recentes sobre inteligência artificial aplicada a pavimentos destacam que os ganhos em uniformidade e vida útil devem ser ponderados diante de implicações sociais e da necessidade de criar novos papéis profissionais (XU et al., 2020 ; CONSILVIO et al., 2022).

    Por fim, há o papel da engenharia clássica nesse cenário. Longe de ser descartada, a prática tradicional continua indispensável. É ela que fornece os parâmetros de desempenho, os métodos de ensaio, as normas de dimensionamento e a experiência acumulada em séculos de construção. O futuro das estradas autônomas não é um abandono da engenharia civil, mas sua evolução: uma disciplina que se abre à integração com ciência de dados, robótica e sistemas ciberfísicos. Em outras palavras, a engenharia clássica permanece como a espinha dorsal do julgamento técnico, agora complementada por ferramentas digitais que expandem sua capacidade de ação (LIU et al., 2025).

    As lições chinesas, portanto, apontam para um horizonte de oportunidades e dilemas. Se bem conduzida, a automação pode inaugurar uma era de estradas mais seguras, duráveis e inteligentes. Mas sua adoção em escala global exigirá sensibilidade regulatória, prudência ética e a valorização da engenharia como disciplina orientadora das decisões.

    Conclusão e visão de futuro

    A experiência chinesa de recapeamento de 158 quilômetros sem mão de obra presencial tornou-se um símbolo de uma nova era da infraestrutura. Se no passado as grandes estradas representavam a capacidade de uma nação em organizar seu território e expandir sua economia, hoje elas se transformam em vitrines de integração entre engenharia civil, inteligência artificial, robótica e redes digitais. A rodovia autônoma da China não é apenas uma conquista técnica, mas uma declaração de que o futuro das obras viárias será moldado pela automação em larga escala e pela gestão baseada em dados.

    Contudo, esse futuro exige cautela. O desafio não está somente em perseguir a eficiência máxima, mas em encontrar o equilíbrio com a preservação do protagonismo humano. Engenheiros, técnicos e operadores deixam de ser mão de obra direta no campo para assumirem funções mais estratégicas: programadores de trajetórias, supervisores de IA, analistas de dados e gestores de sistemas complexos. A literatura em compactação inteligente e digital twins reforça que o valor humano não desaparece, mas se desloca para níveis de decisão e integração que algoritmos sozinhos não conseguem ocupar (CONSILVIO et al., 2022 ; LIU et al., 2025).

    Olhando para os próximos vinte anos, é possível projetar três cenários prospectivos. O primeiro, de automação parcial, já visível hoje em Brasil, EUA e Europa, onde sensores e sistemas inteligentes convivem com operadores humanos. O segundo, de automação plena, tende a se consolidar em países com forte coordenação estatal ou em contratos privados de grande porte, nos quais a redução de custos e a produtividade contínua justificam o investimento. O terceiro, mais visionário, é o da infraestrutura auto-regenerativa, em que estradas serão monitoradas em tempo real por gêmeos digitais, capazes de identificar microfissuras, enviar drones de reparo e coordenar frotas de máquinas autônomas para intervenções preventivas. Pesquisas recentes já apontam para esse horizonte, sugerindo que a combinação de IA, IoT e manutenção preditiva pode transformar completamente a forma como entendemos a durabilidade e a sustentabilidade das rodovias (ZHANG et al., 2023 ; SIVAGNANASUNTHARAM et al., 2023).

    Em síntese, a rodovia autônoma chinesa é mais do que um experimento: é um marco civilizatório. Ela nos obriga a repensar não apenas como construímos estradas, mas também como organizamos trabalho, tecnologia e sociedade. O futuro da infraestrutura dependerá da capacidade de conciliar inovação com ética, eficiência com inclusão, e máquinas inteligentes com a sabedoria humana acumulada pela engenharia clássica.

    Referências

    CABRAL MELO, S. M.; RUSCHEL, R. C. Análise crítica de cronograma de projeto de concessão rodoviária com base em BIM. Simpósio Brasileiro de Tecnologia da Informação e Comunicação na Construção, v. 4, p. 1-10, 2023. DOI: 10.46421/sbtic.v4i00.2611.

    CHEN, B.; YU, X.; DONG, F.; ZHENG, C.; DING, G.; WU, W. Compaction Quality Evaluation of Asphalt Pavement Based on Intelligent Compaction Technology. Journal of Construction Engineering and Management, ASCE, v. 147, n. 9, p. 04021099, 2021. DOI: 10.1061/(ASCE)CO.1943-7862.0002115.

    CONSILVIO, A.; HERNÁNDEZ, J. S.; CHEN, W.; BRILAKIS, I.; BARTOCCINI, L.; DI GENNARO, F.; VAN WELIE, M. Towards a digital twin-based intelligent decision support for road maintenance. Journal of Road Engineering, v. 2, n. 4, p. 348-356, 2022. DOI: 10.1016/j.jreng.2022.12.001.

    CONGRESS, S. S. C.; PUPPALA, A. J.; KHAN, M. A.; BISWAS, N.; KUMAR, P. Application of Intelligent Compaction (IC) as a Quality Control Tool: An Oklahoma Experience. In: Challenges and Innovations in Geomechanics. Cham: Springer, 2021. p. 268-276. DOI: 10.1007/978-3-030-64514-4_22.

    DECKER, P.; WU, D.; ZHONG, S.; LEONG, M. I.; LI, Y.; TIAN, B.; LIU, C.; DU, Y. A cooperative methodology for multi-roller automation in pavement construction considering trajectory planning and collaborative operation. Computer-Aided Civil and Infrastructure Engineering, v. 40, n. 4, p. 523-541, 2025. DOI: 10.1111/mice.13347.

    HU, W.; SHU, X.; JIA, X.; HUANG, B. Geostatistical analysis of intelligent compaction measurements for asphalt pavement compaction. Automation in Construction, v. 89, p. 162-169, 2018. DOI: 10.1016/j.autcon.2018.01.012.

    LIU, Z.; HUANG, H.; WANG, Y. Automated framework for asphalt pavement design and analysis by integrating BIM and FEM. Automation in Construction, v. 171, p. 105991, 2025. DOI: 10.1016/j.autcon.2025.105991.

    PEDDINTI, P. R. T.; PUPPALA, H.; KIM, B. Pavement Monitoring Using Unmanned Aerial Vehicles: An Overview. Sustainability, v. 16, n. 5, p. 2207, 2024. DOI: 10.3390/su16052207.

    PEREIRA, J. S. Plataforma BIM: uso obrigatório e aplicação na infraestrutura de transportes. Ouro Preto: Universidade Federal de Ouro Preto, 2022. Disponível em: http://www.monografias.ufop.br/handle/35400000/4903. Acesso em: 31 ago. 2025.

    RANJBAR, H.; FORSYTHE, P.; FINI, A. A. F.; MAGHREBI, M.; WALLER, T. S. Addressing practical challenge of using autopilot drone for asphalt surface monitoring: Road detection, segmentation, and following. Results in Engineering, v. 18, p. 101130, 2023. DOI: 10.1016/j.rineng.2023.101130.

    ROPERTZ, T.; WOLF, P.; BERNS, K.; HIRTH, J.; DECKER, P. Cooperation and Communication of Autonomous Tandem Rollers in Street Construction Scenarios. In: Commercial Vehicle Technology 2018. Wiesbaden: Springer Fachmedien, 2018. p. 25-36. DOI: 10.1007/978-3-658-21300-8_3.

    SANTOS, A. C. S. Análise do uso do BIM nas obras de infraestrutura de transporte no Brasil. Maceió: Universidade Federal de Alagoas, 2024. Disponível em: http://www.repositorio.ufal.br/jspui/handle/123456789/16472. Acesso em: 31 ago. 2025.

    SIVAGNANASUNTHARAM, S.; SOUNTHARARAJAH, A.; GHORBANI, J.; BODIN, D.; KODIKARA, J. A state-of-the-art review of compaction control test methods and intelligent compaction technology for asphalt pavements. Construction and Building Materials, v. 393, p. 132031, 2023. DOI: 10.1016/j.conbuildmat.2023.132031.

    VON QUINTUS, H.; NABIZADEH, H.; HAND, A. J.; HAJJ, E. A Practice for including Intelligent Construction Equipment in Quality Assurance Programs. Reno: University of Nevada, 2023. (FHWA-HIF-23-007). Disponível em: https://rosap.ntl.bts.gov/view/dot/75217. Acesso em: 31 ago. 2025.

    XU, Q.; CHANG, G. K.; WANG, D.; CORREIA, A. G.; NAZARIAN, S. The pioneer of intelligent construction—An overview of the development of intelligent compaction. Journal of Road Engineering, v. 2, n. 4, p. 348-356, 2022. DOI: 10.1016/j.jreng.2022.12.001.

    ZHANG, W.; KHAN, A. R.; YOON, S.; LEE, J.; ZHANG, R.; ZENG, K. Investigation of the correlations between the field pavement in-place density and the intelligent compaction measure value (ICMV) of asphalt layers. Construction and Building Materials, v. 229, p. 116876, 2019. DOI: 10.1016/j.conbuildmat.2019.116876.

    ZHANG, J.; ZHU, Z.; LIU, H.; ZUO, J.; KE, Y.; PHILBIN, S. P.; ZHOU, Z.; FENG, Y.; NI, Q. System Framework for Digital Monitoring of the Construction of Asphalt Concrete Pavement Based on IoT, BeiDou Navigation System, and 5G Technology. Buildings, v. 13, n. 2, p. 503, 2023. DOI: 10.3390/buildings13020503.

    ZHENG, C.; ZHANG, C.; LIU, Q.; CHEN, B.; YE, M.; MA, S. Analysis on application scheme of electronic fence technology in power grid infrastructure project based on Beidou Navigation Positioning Technology. Journal of Physics: Conference Series, v. 1871, p. 012065, 2021. DOI: 10.1088/1742-6596/1871/1/012065.

    Glossário de Termos

    Asfalto – Material betuminoso utilizado na pavimentação de rodovias, formado por agregados minerais e ligantes derivados do petróleo.

    Automação parcial – Situação em que máquinas possuem sensores e sistemas de apoio (GNSS, LiDAR, termômetros) mas ainda dependem da supervisão e operação humana.

    Automação plena – Modelo em que equipamentos funcionam de forma totalmente autônoma, com intervenção humana apenas em situações de emergência ou supervisão remota.

    Beidou – Sistema chinês de navegação por satélite (equivalente ao GPS e ao Galileo), utilizado para fornecer posicionamento de alta precisão a máquinas autônomas.

    BIM (Building Information Modeling) – Metodologia de modelagem da informação da construção, que permite representar digitalmente todas as fases de um projeto, desde o planejamento até a operação.

    Canteiro de obras digital – Conceito em que todos os equipamentos, sensores e processos de uma obra civil são interconectados e monitorados em tempo real por meio de plataformas digitais.

    Compactação inteligente (IC) – Tecnologia que equipa rolos compactadores com sensores e sistemas de monitoramento para avaliar em tempo real a densidade e a uniformidade do pavimento.

    Compaction Meter Value (CMV) / Intelligent Compaction Measurement Values (ICMVs) – Indicadores numéricos gerados por sensores instalados em rolos compactadores, que permitem estimar o grau de compactação da camada asfáltica ou do solo.

    Configuração 1+3+3+3 – Estratégia de operação autônoma utilizada no projeto chinês, na qual uma pavimentadora é seguida por três blocos de compactadores que trabalham de forma sincronizada.

    Digital Twin (Gêmeo Digital) – Réplica digital de um ativo físico, utilizada para monitorar em tempo real seu desempenho, prever falhas e planejar manutenções.

    Drones/UAVs (Unmanned Aerial Vehicles) – Veículos aéreos não tripulados utilizados para mapear superfícies, monitorar qualidade de obras e realizar inspeções visuais ou com sensores embarcados.

    Geofencing (Cerca eletrônica) – Tecnologia que cria barreiras virtuais baseadas em coordenadas geográficas, utilizada para limitar o espaço de atuação de equipamentos autônomos.

    GNSS (Global Navigation Satellite System) – Conjunto de sistemas globais de navegação por satélite, incluindo GPS (EUA), Galileo (UE), GLONASS (Rússia) e Beidou (China).

    Infraestrutura auto-regenerativa – Conceito prospectivo em que estradas seriam monitoradas por gêmeos digitais capazes de identificar defeitos e acionar máquinas autônomas de reparo sem intervenção humana.

    IoT (Internet of Things) – Rede de dispositivos físicos conectados à internet que coletam e compartilham dados em tempo real, aplicável a sensores de pavimentos e máquinas.

    LiDAR (Light Detection and Ranging) – Sensor óptico que usa pulsos de laser para medir distâncias e criar mapas tridimensionais de superfícies e obstáculos.

    Logística de obra inteligente – Uso de algoritmos de IA para planejar dinamicamente rotas, alocação de máquinas e recursos em um canteiro automatizado.

    Manutenção preditiva – Estratégia de conservação baseada na previsão de falhas a partir de dados de sensores, evitando que defeitos se tornem problemas graves.

    Paver (Pavimentadora) – Equipamento utilizado para aplicar camadas de asfalto de forma contínua e nivelada sobre a superfície da via.

    SAP200C-10 – Modelo de pavimentadora autônoma utilizada no projeto chinês, capaz de aplicar camadas de asfalto com alta precisão em uma única passada.

    Telemetria – Coleta e transmissão remota de dados de desempenho e condições de equipamentos e infraestruturas, permitindo monitoramento e análise em tempo real.

    Trajetória colaborativa – Estratégia de controle em que múltiplas máquinas autônomas operam de forma coordenada para otimizar eficiência e reduzir falhas no processo de compactação.

    Veta – Software utilizado para análise de dados de compactação inteligente, desenvolvido em cooperação com a FHWA nos Estados Unidos, aplicado em validação e QA/QC de pavimentos.

  • IA e o Futuro do Trabalho dos Jovens

    IA e o Futuro do Trabalho dos Jovens

    Introdução

    O mundo do trabalho está mudando mais rápido do que nunca. A inteligência artificial deixou de ser promessa futurista para se tornar realidade cotidiana em empresas de todos os setores. Ao mesmo tempo, jovens que estão ingressando no mercado já não enxergam a carteira assinada como destino inevitável. Eles buscam flexibilidade, autonomia e oportunidades globais — um contraste direto com o modelo tradicional de emprego que marcou o século XX.

    Durante décadas, o emprego formal foi sinônimo de conquista. Garantiu estabilidade, segurança social e um caminho previsível de ascensão profissional. Mas esse paradigma, que fez sentido na era industrial, não consegue mais responder às transformações trazidas pela digitalização, pela economia de plataformas e, agora, pela inteligência artificial.

    Esse artigo analisa por que o emprego formal está se tornando insuficiente, quais são os riscos de insistir em preservar apenas esse modelo e como empresas, escolas e governos podem se preparar para um novo pacto social. Mais do que uma ameaça, trata-se de uma oportunidade histórica para repensar o trabalho, equilibrando inovação, dignidade e futuro.

    O legado da carteira assinada no Brasil

    A carteira assinada se consolidou como um marco civilizatório no Brasil. Foi ela que garantiu estabilidade, previdência e benefícios trabalhistas em um país que, durante o século XX, ainda convivia com altos índices de informalidade. Representou não apenas um contrato, mas um símbolo de dignidade e inclusão social.

    Esse modelo ajudou a estruturar a sociedade brasileira, permitindo que milhões de famílias construíssem planos de longo prazo: comprar uma casa, investir na educação dos filhos e até sonhar com uma aposentadoria. A CLT, criada em 1943, foi um passo histórico para equilibrar relações de poder entre patrões e empregados. Mas a mesma estrutura que deu sustentação no passado hoje mostra sinais claros de esgotamento diante das transformações tecnológicas.

    Por que esse modelo se esgota com a inteligência artificial

    A inteligência artificial é uma força de transformação comparável à eletrificação ou à internet. Ela automatiza tarefas antes exclusivas de humanos, redistribui papéis e acelera a criação de novos modelos de negócio. Nesse cenário, o paradigma da estabilidade contratual perde espaço.

    As manchetes insistem em medir quantos empregos formais serão destruídos pela IA. Mas essa conta não captura o movimento mais profundo: a fragmentação do trabalho em atividades distribuídas, muitas vezes executadas sob demanda ou mediadas por plataformas digitais.

    Jovens já não sonham com a carteira assinada

    As novas gerações cresceram conectadas e sabem que o emprego fixo não é a única via de prosperidade. Para muitos, a carteira assinada é até sinônimo de limitação: horários rígidos, crescimento lento e falta de autonomia.

    • Eles buscam flexibilidade de tempo e lugar, escolhendo projetos alinhados ao seu estilo de vida.
    • Valorizam propósito e impacto, preferindo empresas ou causas que dialoguem com suas crenças pessoais.
    • Aproveitam a globalização digital, atuando em projetos internacionais sem sair de casa.

    O sonho não é estabilidade no mesmo formato dos pais, mas mobilidade e autonomia, mesmo que isso implique riscos.

    Empresas ainda presas à lógica do passado

    Apesar da transformação em curso, muitas empresas seguem operando sob a lógica da era industrial. Os processos seletivos continuam repletos de frases como “precisamos de alguém que vista a camisa” ou “que tenha sangue nos olhos”.

    A dissonância com os jovens profissionais

    Esse discurso de lealdade quase absoluta colide com a realidade. A juventude atual não se vê como “empregada vitalícia”, mas como parceira de projetos. Para eles, o engajamento não se mede pela permanência, mas pela contribuição concreta que podem oferecer em determinado ciclo.

    Essa dissonância gera ruídos: as empresas querem estabilidade, mas não oferecem reciprocidade — reduzem equipes, terceirizam processos, contratam temporários. O jovem percebe essa contradição e responde com pragmatismo: engaja-se enquanto fizer sentido, mas não cria laços inquebráveis.

    Educação ainda forma para empregos formais

    A escola brasileira, em todos os níveis, ainda prepara jovens para uma lógica linear: estude, forme-se, consiga um emprego formal e siga carreira.

    O descompasso entre ensino e mercado

    Esse modelo gera um hiato entre expectativa e realidade. O mercado já exige competências como:

    • empreendedorismo digital, para transformar ideias em negócios viáveis;
    • gestão de múltiplos projetos, em vez de carreiras lineares;
    • uso estratégico da IA, como ferramenta de produtividade e criatividade.

    Enquanto isso, as universidades continuam entregando currículos padronizados e avaliações que valorizam memorização mais do que pensamento crítico. Essa desconexão torna a transição para o novo paradigma ainda mais desafiadora para os jovens.

    Atividades que permanecerão no modelo clássico

    Nem todas as funções podem ser absorvidas pela lógica flexível ou automatizada. Existem setores em que a presença humana e o vínculo formal ainda são indispensáveis.

    Setores que continuarão formais

    • Saúde: enfermeiras, médicos e equipes hospitalares precisam de estabilidade para garantir continuidade no atendimento e treinamento constante.
    • Infraestruturas críticas: operadores de energia, metrô e telecomunicações carregam responsabilidades de segurança, exigindo protocolos e contratos estáveis.
    • Serviços essenciais: logística básica, saneamento e manutenção industrial demandam confiança institucional e mão de obra dedicada.

    Essas áreas mostram que o futuro será híbrido: parte flexível e digital, parte tradicional e formal, sempre em função da natureza do trabalho.

    Riscos de insistir em preservar apenas o modelo antigo

    Manter a obsessão pela carteira assinada como única medida de dignidade pode ter efeitos colaterais.

    Precarização invisível: milhões de trabalhadores já atuam sem direitos, mas permanecem fora das estatísticas porque não se encaixam no regime formal.

    • Concentração de riqueza: a IA aumenta a produtividade das big techs, mas sem mecanismos de redistribuição os ganhos não chegam à base da pirâmide.
    • Defasagem regulatória: legislações antigas não cobrem freelancers digitais, criadores de conteúdo, motoristas de apps ou programadores de IA que trabalham por projeto.

    Esses riscos não podem ser ignorados, sob pena de gerar novas desigualdades e exclusão social.

    Caminhos estratégicos para o novo pacto social

    O desafio não é abolir o emprego formal, mas reconhecer sua limitação e complementar com novas soluções. Algumas direções são inevitáveis:

    • Benefícios portáteis: saúde, previdência e seguro que acompanhem a pessoa, independentemente do vínculo.
    • Educação contínua: um sistema que ensine não apenas conteúdos, mas também como aprender de forma permanente.
    • Fomento ao empreendedorismo jovem: acesso a crédito, mentorias e incubadoras para transformar ideias em negócios.
    • Segurança social inovadora: novas formas de proteção, como renda mínima ou seguros para múltiplas atividades.
    • Empresas visionárias: adoção da IA não só para cortar custos, mas para criar mercados, produtos e novas oportunidades de trabalho.

    Esses caminhos não eliminam o passado, mas constroem uma ponte para o futuro.

    Conclusão: o futuro do trabalho é híbrido

    O emprego formal foi um pilar essencial no século XX, mas não será suficiente no século XXI. O futuro do trabalho dos jovens será híbrido, misturando empregos estáveis em setores críticos com trabalhos flexíveis, digitais e globais.

    O desafio não está em salvar a carteira assinada, mas em garantir que cada jovem encontre oportunidades de prosperar em qualquer formato de trabalho. Isso exige um novo pacto social, capaz de valorizar o legado histórico, mas também de criar soluções para um mundo em que a inteligência artificial redefine continuamente o que significa trabalhar.

  • Intersolar South America 2025 São Paulo análise e perspectivas

    Intersolar South America 2025 São Paulo análise e perspectivas

    A Intersolar South America 2025, realizada em São Paulo entre 26 e 28 de agosto, confirmou seu status como o maior evento de energia solar da América Latina. Reunindo mais de 670 expositores e um público superior a 60 mil visitantes, a feira consolidou-se como vitrine estratégica para lançamentos tecnológicos, debates regulatórios, novos modelos de financiamento e reflexões sobre o futuro da transição energética no Brasil.

    Nos pavilhões de exposição, ficou evidente a amplitude da cadeia solar representada: fabricantes internacionais de módulos e inversores, distribuidoras nacionais com forte presença no fornecimento para instaladores, instituições financeiras oferecendo linhas de crédito específicas, fintechs emergentes e empresas de operação e manutenção. A participação de startups, porém, foi tímida, sinalizando que o setor ainda privilegia players já estabelecidos.

    O público predominante nos corredores era composto por instaladores e empresas ligadas à micro e minigeração distribuída (MMGD). Esse perfil confirma a centralidade da GD no setor brasileiro, que já superou a marca de 6 milhões de conexões. O interesse principal desses visitantes estava em condições comerciais competitivas, disponibilidade imediata de produtos e proximidade com distribuidores. Essa dinâmica mostra a força da Intersolar como espaço de negócios para o varejo solar, especialmente no segmento residencial e comercial de menor porte.

    A feira também deixou clara a comoditização tecnológica. Módulos, inversores e acessórios apresentavam apenas incrementos marginais de eficiência e design. Nesse cenário, a diferenciação competitiva não está mais restrita à tecnologia em si, mas à capacidade de oferecer:

    • inteligência de mercado, antecipando demandas e ajustando estoques;
    • força de vendas consultiva, capaz de apoiar instaladores com soluções completas;
    • plataformas de e-commerce integradas à logística eficiente, que garantem agilidade na entrega;
    • disponibilidade imediata de estoque, condição muitas vezes decisiva para o fechamento de projetos.

    Essa realidade impõe uma distinção clara nas estratégias de mercado. Enquanto a microgeração residencial e comercial exige escala, preços competitivos e suporte ágil, os projetos de grande porte e usinas centralizadas demandam uma abordagem consultiva, com propostas personalizadas, engenharia aplicada e integração com tecnologias como BESS e usinas híbridas.

    O congresso técnico complementou a feira ao trazer debates fundamentais para o futuro do setor. Temas persistentes como curtailment — a limitação de geração devido a restrições da rede — e lacunas regulatórias foram amplamente discutidos, reforçando a necessidade de atualização das normas. Ao mesmo tempo, emergiram com força as discussões sobre armazenamento em baterias (BESS). A tarifação do fio em sistemas com armazenamento foi apontada como ponto crítico: deve a tarifa ser cobrada uma ou duas vezes, no carregamento e no despacho? O consenso é de que a cobrança dupla inviabilizaria modelos de negócio. Casos de viabilidade econômica mostraram que, em contextos específicos, o BESS já pode apresentar payback competitivo, sobretudo quando combinado com serviços ancilares.

    Outro destaque foram as soluções atrás do medidor, voltadas para consumidores que desejam maior autonomia energética. As palestras enfatizaram baterias residenciais e comerciais, integração solar + eólica em pequena escala, softwares de gestão inteligente de consumo e os modelos de usinas virtuais de energia (VPPs), em que múltiplos sistemas descentralizados se conectam digitalmente para oferecer serviços à rede. Essas soluções reforçam a transformação do consumidor em prosumidor — produtor e consumidor de energia.

    O tema do financiamento também ganhou espaço com os estudos de caso do IFC (International Finance Corporation). Foram apresentados modelos inovadores de capitalização do setor:

    • securitização com a SolAgora Brasil, que amplia liquidez para integradores;
    • investimento na fintech Solfácil, democratizando o crédito digital para sistemas solares residenciais;
    • linha de crédito com o Banco BV, destinada a PMEs e pequenos instaladores.

    Essas iniciativas mostram que a expansão da energia solar não depende apenas da tecnologia, mas de um ecossistema financeiro robusto que garanta escala e previsibilidade.

    Os painéis da ABSOLAR, por sua vez, apontaram a desaceleração no crescimento da GD em 2025 e criticaram concessionárias por negar projetos sob alegação de inversão de fluxo, mesmo em cenários tecnicamente viáveis. Também foi destacada a necessidade urgente de ajustes na Lei nº 14.300/2022, principalmente em relação às usinas associadas e aos sistemas híbridos. Outro ponto inspirador foi a apresentação de modelos de integração entre energia solar e hidrogênio verde, reforçando o potencial do Brasil para liderar soluções híbridas de descarbonização.

    Um dos debates mais inovadores do congresso foi sobre o campo brasileiro como protagonista da transição energética. O agronegócio começa a se consolidar como vetor estratégico, unindo produção agrícola e geração limpa. A adoção de sistemas agrovoltaicos, híbridos e redes inteligentes rurais abre caminho para novas fontes de renda e competitividade internacional. No horizonte próximo, já se vislumbram máquinas agrícolas elétricas e autônomas, usinas virtuais rurais e data centers movidos a energia solar e eólica. Essa integração pode transformar o Brasil em potência agroenergética, exportando não apenas alimentos, mas também energia e créditos de carbono.

    Minha percepção pessoal ao final da Intersolar 2025 é clara: a feira foi uma vitrine de massa impressionante, mas ainda marcada pela comoditização e pela competição predatória. Diferenciar-se nesse mercado exige muito mais do que módulos ou inversores; depende de inteligência de mercado, logística de excelência, força de vendas qualificada e inovação em modelos de negócio. Além disso, ficou evidente que o futuro do setor brasileiro será determinado pela capacidade de alinhar quatro pilares: inovação tecnológica, regulação clara, financiamento acessível e integração com o agronegócio.

    Se bem estruturado, esse conjunto pode transformar a energia solar em um verdadeiro motor de desenvolvimento sustentável e consolidar o Brasil como referência global na transição energética.

  • Intersolar 2025 em São Paulo: Desafios, Tendências e Reflexões sobre o Futuro da Energia Solar no Brasil

    Intersolar 2025 em São Paulo: Desafios, Tendências e Reflexões sobre o Futuro da Energia Solar no Brasil

    Introdução

    A Intersolar South America 2025, realizada no Expo Center Norte, em São Paulo, de 26 a 28 de agosto, reafirmou sua posição como o maior evento técnico-comercial de energia solar da América Latina. Integrada à plataforma The smarter E South America, a feira e o congresso reuniram mais de 670 expositores e atraíram um público superior a 60 mil visitantes, consolidando-se como espaço estratégico para lançamentos tecnológicos, debates regulatórios, captação de investimentos e fechamento de negócios.

    Nos pavilhões de exposição, a diversidade da cadeia solar esteve plenamente representada: fabricantes internacionais de módulos e inversores, distribuidores nacionais que concentram o fornecimento para instaladores, bancos e fintechs com linhas de crédito específicas para geração distribuída, além de empresas especializadas em operação e manutenção. Observou-se, contudo, a baixa presença de startups, o que sugere que o mercado, em sua fase atual de maturidade, privilegia players já estabelecidos, ainda que permaneça espaço para inovações disruptivas.

    O fluxo intenso de visitantes pelos corredores — majoritariamente instaladores e prestadores de serviços de O&M — reforçou a percepção de que a micro e minigeração distribuída (MMGD) continua sendo a espinha dorsal do setor. Com mais de 6 milhões de sistemas já instalados no Brasil, essa base crescente alimenta a demanda por equipamentos e serviços, mas também acentua a pressão competitiva entre fornecedores. A análise técnica dos produtos apresentados evidenciou um quadro de comoditização: módulos e inversores semelhantes em funcionalidades, com variações pontuais de eficiência ou design. Nesse contexto, a diferenciação passa a depender de logística, disponibilidade de estoque, preços competitivos e plataformas digitais de relacionamento com o cliente, elementos que definem a agilidade de resposta ao mercado.

    No âmbito do congresso técnico, as palestras ampliaram a compreensão do cenário setorial e complementaram a experiência da feira. Os debates trouxeram tanto questões recorrentes — como o curtailment e as dificuldades regulatórias persistentes — quanto temas emergentes, em especial a crescente atenção aos sistemas de armazenamento em baterias (BESS) e às usinas híbridas. Discussões específicas abordaram o dilema regulatório da tarifação do fio em sistemas com baterias, os desafios da integração de fontes (solar, eólica e armazenamento) e a necessidade de maior clareza normativa para viabilizar novos projetos.

    As apresentações do IFC mostraram o papel do financiamento internacional no suporte a fintechs solares, distribuidores e instituições financeiras brasileiras, com destaque para operações de securitização e linhas de crédito dedicadas à expansão da geração distribuída. Já os painéis da ABSOLAR trouxeram diagnósticos críticos: a desaceleração no ritmo de crescimento da potência instalada em 2025, as barreiras impostas pelas distribuidoras na aprovação de projetos por conta da inversão de fluxo, além de uma agenda propositiva para integração de energia solar com hidrogênio verde.

    Panorama da Feira

    A Intersolar South America 2025 apresentou um retrato fiel do estágio atual da indústria solar brasileira e latino-americana. A feira foi marcada pela amplitude de expositores, pela predominância de tecnologias já consolidadas e pela ausência de diferenciações significativas entre os principais fornecedores.

    Perfil dos Expositores

    O mapeamento dos pavilhões mostrou a forte presença de distribuidoras nacionais, que atuam como intermediárias estratégicas entre fabricantes internacionais e instaladores locais. Também estavam presentes:

    • Fabricantes globais de módulos e inversores, majoritariamente asiáticos, com portfólio padronizado;
    • Fornecedores de estruturas, cabos, conectores e acessórios, compondo o chamado Balance of System (BoS);
    • Instituições financeiras e bancos de desenvolvimento, ofertando linhas de crédito específicas para micro e minigeração;
    • Fintechs emergentes, ainda em número reduzido, mas relevantes para ampliar o acesso a financiamento;
    • Empresas de O&M (operação e manutenção), buscando parcerias comerciais em um mercado de pós-venda em expansão.

    A presença de startups foi residual, revelando que a Intersolar ainda não se consolidou como espaço de inovação disruptiva, mas sim como arena para players já estabelecidos competirem em escala.

    Perfil dos Visitantes

    Pelas observações realizadas durante a feira, constatou-se que o público predominante nos corredores era composto por instaladores e empresas de pequeno e médio porte ligados à micro e minigeração distribuída (MMGD). Esse perfil está em consonância com a atual configuração do setor elétrico brasileiro, que já ultrapassou a marca de 6 milhões de conexões de geração distribuída, consolidando a GD como eixo central do crescimento do mercado solar nacional.

    A presença massiva desses atores sugere que o objetivo principal dos visitantes foi buscar melhores condições comerciais, disponibilidade imediata de produtos e estabelecer relacionamento direto com distribuidores. Essa dinâmica reforça o caráter da Intersolar como espaço prioritário para negócios voltados ao segmento residencial e comercial de menor porte.

    Do ponto de vista estratégico, esse perfil de visitantes indica que as empresas expositoras devem priorizar políticas comerciais agressivas, logística eficiente e atendimento regionalizado como fatores determinantes para fidelizar instaladores e empresas de MMGD, ao mesmo tempo em que desenvolvem abordagens consultivas e diferenciadas para os projetos de maior escala.

    Commoditização Tecnológica

    A análise técnica dos estandes mostrou que os produtos expostos convergiam para padrões muito semelhantes. Módulos fotovoltaicos, inversores e acessórios apresentavam incrementos marginais de eficiência, novos formatos de encapsulamento ou leves diferenciais de design, mas, em essência, tratava-se de um mercado altamente comoditizado.

    Essa homogeneidade evidencia que a diferenciação competitiva não ocorre mais apenas pela tecnologia — salvo exceções em segmentos como BESS ou soluções digitais de monitoramento. Na prática, a vantagem competitiva passa a depender de fatores como:

    • Inteligência de mercado (capacidade de antecipar tendências e ajustar estoques);
    • Força de vendas consultiva, com presença regional e proximidade com instaladores;
    • E-commerce integrado a logística eficiente, garantindo entregas rápidas e disponibilidade contínua;
    • Competitividade em preço e condições de pagamento, muitas vezes determinante para fechar negócios com consumidores residenciais e PMEs.

    Papel Estratégico das Distribuidoras

    Nesse cenário, as distribuidoras assumem um papel central no ecossistema solar. Elas não apenas conectam fabricantes internacionais ao mercado local, mas também oferecem pacotes completos de equipamentos, acessórios e suporte técnico. A disputa entre distribuidoras se mostrou intensa, o que sugere um modelo de competição regional, apoiado em representantes de vendas e na rede de instaladores que, pela internet, comparam preços e condições antes de definir fornecedores.

    A percepção geral é de que a disputa no segmento de MMGD é duríssima: com margens estreitas, a sobrevivência depende da escala, da eficiência operacional e da fidelização de instaladores locais.

    Estratégias Competitivas

    A análise do ambiente observado na Intersolar South America 2025 evidencia que o setor solar no Brasil atingiu um estágio de maturidade tecnológica em que os principais componentes (módulos, inversores, cabos e acessórios) se encontram em processo acelerado de comoditização. Neste cenário, a competição deixa de estar centrada em atributos técnicos e passa a se desenrolar em torno de eficiência operacional, modelo de negócios e relacionamento com o cliente. Trata-se de um mercado de margens estreitas, no qual a sobrevivência e o crescimento sustentável dependem de estratégias sofisticadas de gestão e diferenciação.

    Competição em um Mercado de Margens Estreitas

    O ambiente competitivo da GD no Brasil apresenta características muito próximas a mercados maduros de varejo tecnológico:

    • Baixa diferenciação de produto, que força a disputa direta por preço;
    • Alta sensibilidade do consumidor final às condições de pagamento e prazos de entrega;
    • Grande pulverização de players regionais, com atuação descentralizada;
    • Pressão de escala, que favorece distribuidores de maior porte capazes de negociar volumes maiores com fabricantes.

    Nesse contexto, competir significa equilibrar rentabilidade e escala. Empresas que não alcançam volume de vendas suficiente tendem a enfrentar forte pressão financeira, enquanto aquelas que se diferenciam em serviços e agilidade conseguem mitigar a erosão das margens.

    Inteligência de Mercado

    O uso de ferramentas avançadas de inteligência de mercado emerge como fator crítico de sucesso. A análise de dados de consumo, a previsão de tendências regulatórias e a monitoração do comportamento de preços em tempo real permitem:

    • Antecipar demandas regionais, ajustando estoques de acordo com sazonalidades climáticas e perfis de consumo;
    • Avaliar concorrência e margens, otimizando o mix de produtos;
    • Apoiar decisões de precificação dinâmica, aumentando a competitividade sem comprometer a rentabilidade;
    • Monitorar riscos regulatórios, especialmente em um setor sujeito a mudanças frequentes nas regras de GD.

    Ferramentas digitais de CRM, business intelligence e plataformas de dados setoriais tornam-se instrumentos indispensáveis para orientar a tomada de decisão.

    Força de Vendas Consultiva

    A percepção obtida na feira reforça que o perfil predominante dos visitantes eram instaladores e empresas de O&M, que buscam parceiros confiáveis e suporte próximo. Isso exige que as distribuidoras e fornecedores adotem uma força de vendas consultiva, capaz de:

    • Assessorar integradores na especificação técnica de projetos, orientando sobre compatibilidade e boas práticas;
    • Oferecer pacotes completos de soluções (módulos + inversores + estruturas + acessórios);
    • Construir relacionamento regionalizado, com representantes locais que gerem confiança;
    • Treinar e capacitar instaladores, criando fidelização por meio de valor agregado.

    Esse modelo difere do simples atendimento comercial, transformando o vendedor em um consultor técnico-comercial.

    E-commerce e Logística Eficiente

    Outro elemento crítico é a digitalização do processo de vendas. Plataformas de e-commerce integradas a sistemas de gestão de estoque e logística são fundamentais para garantir:

    • Disponibilidade em tempo real, com atualização de preços e prazos;
    • Experiência fluida de compra, comparável a marketplaces consolidados;
    • Agilidade na entrega, fator decisivo para instaladores que trabalham sob pressão de prazos;
    • Redução de custos operacionais, automatizando etapas do processo comercial.

    A logística ágil e confiável se converte em diferencial competitivo direto: quem garante entrega rápida e consistente conquista a preferência de instaladores e empresas de GD, ainda que com preços ligeiramente superiores aos concorrentes.

    Disponibilidade de Estoque

    No mercado solar, a disponibilidade imediata de produtos é determinante. Muitas vezes, a decisão de compra não depende apenas do preço, mas da garantia de entrega imediata para não comprometer o cronograma de instalação. A falta de estoque pode significar a perda definitiva de um cliente. Por isso, distribuidoras que conseguem gerir estoques de forma eficiente e descentralizada, inclusive em centros de distribuição regionais, aumentam sua competitividade e reduzem custos de transporte.

    Diferenciação de Abordagem: Microgeração Residencial x Grandes Usinas

    As estratégias de mercado variam significativamente de acordo com o perfil do cliente:

    Microgeração Residencial e Comercial

    • Alta sensibilidade a preço, prazo e disponibilidade.
    • Decisão rápida, geralmente tomada pelo instalador em conjunto com o consumidor final.
    • Importância de canais digitais (e-commerce, catálogos online, suporte técnico remoto).
    • Estratégia recomendada: foco em escala, logística, promoções, facilidades de pagamento e suporte imediato.

    Grandes Usinas e Projetos Centralizados

    • Processo de decisão mais longo, envolvendo due diligence técnica e financeira.
    • Necessidade de propostas personalizadas, com ênfase em confiabilidade, garantia de longo prazo e serviços pós-venda.
    • Valorização de relacionamentos institucionais e consultivos, em que a confiança e a reputação do fornecedor são determinantes.
    • Estratégia recomendada: abordagem de vendas corporativas, com engenheiros de aplicação, customização de soluções e integração de tecnologias como BESS e usinas híbridas.

    Essa distinção reforça que o mercado solar brasileiro é segmentado em duas lógicas complementares: o varejo massificado da GD, altamente competitivo, e os projetos de grande escala, que demandam expertise técnica e relacionamento institucional.

    Destaques do Congresso

    O congresso técnico da Intersolar South America 2025 complementou de forma estratégica a experiência da feira, oferecendo um espaço para debates regulatórios, análises econômicas e apresentações de estudos de caso. A qualidade das palestras e a diversidade dos temas reforçaram a percepção de que o setor fotovoltaico brasileiro, embora em franca expansão, ainda enfrenta gargalos estruturais que precisam ser resolvidos para sustentar o crescimento de longo prazo.

    Temas Persistentes: Curtailment e Regulação

    Um dos pontos mais recorrentes no congresso foi o curtailment, ou seja, a limitação da geração de usinas solares em determinados momentos devido a restrições da rede elétrica. O problema, já discutido em edições anteriores, voltou com força em 2025, pois:

    • O avanço acelerado da geração renovável pressiona a infraestrutura de transmissão, que não tem se expandido no mesmo ritmo;
    • A ausência de mecanismos de compensação claros para os geradores cria insegurança jurídica e econômica;
    • Projetos de médio e grande porte, especialmente no Nordeste, enfrentam incertezas quanto à viabilidade operacional diante dessas restrições.

    No campo regulatório, também se destacou a falta de clareza normativa em pontos críticos, como a compensação de energia em sistemas híbridos, a definição de tarifas de uso da rede e a aprovação de projetos de geração distribuída por parte das concessionárias. Foram relatados casos de recusa de conexão por inversão de fluxo, prática considerada excessiva e prejudicial à expansão do setor. Essa fragilidade regulatória gera desalinhamento entre a velocidade da inovação tecnológica e a atualização das normas.

    Temas em Ascensão: BESS e Usinas Híbridas

    Se, por um lado, curtailment e regulação são temas recorrentes, por outro, o congresso de 2025 mostrou o fortalecimento das discussões em torno dos sistemas de armazenamento em baterias (BESS). O BESS foi tratado não apenas como solução tecnológica, mas como elemento-chave para a segurança energética, a integração de fontes renováveis e a viabilidade de novos modelos de negócio.

    Dentre os pontos debatidos:

    • Tarifação do fio em sistemas com BESS: a grande questão foi se a tarifa deve ser cobrada uma única vez, no momento do carregamento, ou em duas instâncias — quando a bateria é carregada e novamente quando a energia é despachada. A duplicidade tarifária é vista como um risco regulatório que pode inviabilizar modelos de negócios de armazenamento.
    • Usinas híbridas: a combinação de solar, eólica e BESS foi apresentada como tendência global já em fase de implementação no Brasil. Vários empreendimentos em construção ou comissionamento foram citados, mas ainda pairam dúvidas sobre como esses sistemas serão tratados regulatoriamente (contratos de conexão, despacho centralizado e garantias de suprimento).
    • Casos de viabilidade econômica: alguns estudos apresentados demonstraram que, em determinados contextos — como sistemas isolados ou em regiões com tarifas elevadas — o BESS já apresenta payback competitivo, sobretudo quando combinado a serviços ancilares (regulação de frequência, estabilidade de tensão, arbitragem de preços).

    O consenso nas discussões foi de que o BESS não é apenas um complemento, mas um novo vetor da matriz elétrica, capaz de redefinir o papel das renováveis na segurança do sistema.

    Soluções Atrás do Medidor

    Outro ponto de destaque no congresso foi a ênfase em soluções “atrás do medidor” (behind the meter), voltadas principalmente para consumidores residenciais, comerciais e industriais que buscam autonomia energética, redução de custos e proteção contra oscilações tarifárias.

    As principais menções incluíram:

    • Armazenamento doméstico e comercial: baterias de pequena e média escala, integradas a inversores híbridos, tornando-se cada vez mais acessíveis.
    • Integração solar + eólica em microescala: a complementaridade das fontes foi apontada como alternativa interessante para regiões com regimes de vento estáveis.
    • Gestão inteligente de energia: uso de softwares e sistemas IoT para otimizar consumo, carregamento de baterias e integração com veículos elétricos.
    • Novos modelos de negócio: agregadores que combinam múltiplos sistemas atrás do medidor em usinas virtuais de energia (VPPs), capazes de ofertar serviços à rede.

    Essas soluções representam um movimento de descentralização do poder energético, em que consumidores deixam de ser apenas agentes passivos e passam a atuar como prosumidores — produtores e consumidores de energia. Essa tendência abre espaço para fintechs, startups de tecnologia e integradores que consigam estruturar modelos escaláveis de atendimento ao consumidor final.

    Síntese Estratégica

    Os debates do congresso podem ser resumidos em três grandes blocos:

    1. Problemas recorrentes não resolvidos: curtailment e lacunas regulatórias continuam a limitar a previsibilidade do setor.
    2. Vetores emergentes de transformação: BESS e usinas híbridas despontam como soluções estruturantes para o futuro energético do Brasil.
    3. Novos modelos atrás do medidor: descentralização, autonomia e inteligência digital transformam consumidores em protagonistas do sistema.

    Em síntese, o congresso da Intersolar 2025 deixou claro que o Brasil vive um ponto de inflexão: já consolidou sua liderança regional em energia solar, mas precisa alinhar regulação, infraestrutura e inovação para que a próxima fase de expansão seja sustentável e integrada com a transição energética global.

    Painéis do Congresso e Estudos de Caso

    Além das discussões gerais sobre curtailment, BESS e soluções atrás do medidor, alguns painéis específicos do congresso trouxeram análises mais profundas sobre os desafios regulatórios da geração distribuída e sobre as estratégias de financiamento para expansão do setor solar no Brasil.

    Estudos de Caso do IFC

    O International Finance Corporation (IFC) apresentou experiências relevantes que ilustram como o capital internacional tem atuado para viabilizar a expansão da energia solar no país:

    • Securitização com a SolAgora Brasil: o IFC destacou a importância da criação de veículos financeiros que transformam fluxos futuros de receitas em títulos negociáveis, ampliando o acesso de investidores institucionais ao setor solar. Esse modelo, aplicado via SolAgora, ajuda a mitigar riscos e aumenta a liquidez para distribuidoras e integradores.
    • Investimento na fintech Solfácil: foi apresentada a experiência de aporte de capital de risco em fintechs voltadas ao financiamento de sistemas fotovoltaicos residenciais e comerciais. O caso da Solfácil exemplifica como o crédito digital pode democratizar o acesso à geração própria, oferecendo soluções rápidas e escaláveis para consumidores finais.
    • Linha de crédito ao Banco BV: o IFC reforçou sua parceria com instituições financeiras nacionais, como o Banco BV, ampliando a oferta de crédito para PMEs e pequenos projetos de geração distribuída. Essa iniciativa busca reduzir barreiras de financiamento para instaladores e empresas de menor porte, que são essenciais na expansão capilar do setor.

    Em síntese, os estudos do IFC evidenciaram que a injeção de capital internacional não se limita a grandes projetos centralizados, mas atua também no fortalecimento da cadeia de valor da micro e minigeração, garantindo escala, liquidez e inovação financeira.

    Painéis Técnicos e Regulatórios

    Paralelamente, os painéis conduzidos por entidades setoriais, como a ABSOLAR, trouxeram diagnósticos importantes sobre o ambiente regulatório e os desafios da geração distribuída:

    • Desaceleração do crescimento da GD em 2025: dados apresentados mostraram uma redução no ritmo de adições de potência instalada em relação aos anos anteriores. O fenômeno foi atribuído a fatores como incertezas regulatórias, mudanças no modelo de compensação de créditos e dificuldades de conexão em algumas distribuidoras.
    • Críticas às concessionárias: houve fortes manifestações contra práticas de concessionárias que vêm reprovando projetos sob o argumento de inversão de fluxo, mesmo em cenários tecnicamente gerenciáveis. Essa barreira representa um obstáculo à expansão de novos projetos e gera insegurança jurídica para investidores e instaladores.
    • Debate regulatório: os especialistas destacaram a necessidade urgente de ajustes na Lei nº 14.300/2022, sobretudo na definição de regras para usinas associadas, tarifação do fio em sistemas híbridos e mecanismos de compensação em redes sobrecarregadas.
    • Modelo FV + Hidrogênio Verde: foi apresentado um projeto de integração solar-fotovoltaica com produção de hidrogênio verde, destacando o potencial de complementaridade entre as tecnologias. Essa abordagem, ainda incipiente no Brasil, pode posicionar o país como líder em soluções híbridas para descarbonização de setores industriais intensivos em energia.

    Síntese Estratégica

    A combinação dos estudos de caso do IFC e dos painéis técnicos da ABSOLAR reforça duas mensagens centrais do congresso:

    1. Financiamento é vetor crítico de expansão: a entrada de capital internacional, seja via securitização, fintechs ou linhas de crédito estruturadas, cria condições para que o setor continue crescendo mesmo em um ambiente de margens estreitas.

    2. Regulação é gargalo estrutural: a falta de clareza normativa e as práticas restritivas das distribuidoras comprometem a previsibilidade do setor, ameaçando o ritmo de expansão da GD.

    Esses dois eixos — capital e regulação — foram apresentados como determinantes para o futuro da energia solar no Brasil, ao lado do avanço tecnológico e da adoção crescente de BESS e modelos híbridos.

    O Campo como Fronteira da Transição Energética

    A discussão sobre o campo brasileiro dentro do contexto energético transcende o simples uso da energia solar como complemento à atividade agrícola. Ela aponta para um reposicionamento estrutural do setor rural como protagonista da transição energética, não apenas como consumidor de eletricidade, mas como gerador ativo, gestor de recursos e agente de descarbonização. O Brasil, com sua vocação agrícola e abundância de recursos naturais, encontra-se diante de uma oportunidade única: transformar fazendas em verdadeiras fazendas sustentáveis, combinando alimentos, fibras, proteínas e energia limpa.

    O Campo e a Energia: da Produção Agrícola à Geração Sustentável

    Tradicionalmente, o campo foi visto como motor de produção agrícola, associado à segurança alimentar e às exportações. Porém, a inserção das renováveis, especialmente a solar fotovoltaica, muda essa lógica. Hoje, propriedades rurais podem não apenas reduzir custos energéticos, mas também se tornar polos exportadores de energia para a rede.

    Esse movimento é viabilizado por fatores estruturais:

    • Alta disponibilidade de terra em áreas de baixa competição agrícola,
    • Irradiação solar privilegiada,
    • Expansão da GD em zonas rurais, muitas vezes em locais onde a rede elétrica é mais frágil, mas com alto potencial de produção energética.

    Essa transição faz com que a agricultura e a geração de energia passem a caminhar juntas, inaugurando uma nova era em que o campo se torna um pilar da matriz energética brasileira.

    Desafios: Barreiras à Expansão da Energia no Campo

    Apesar do enorme potencial, a transição energética no campo enfrenta obstáculos que precisam ser equacionados:

    1. Uso da terra – O dilema entre destinar áreas à produção de alimentos ou à geração de energia exige soluções conciliatórias, como os sistemas agrovoltaicos. O debate sobre “food vs. fuel” ganha nova dimensão no Brasil.
    2. Conexão à rede – As limitações da infraestrutura elétrica rural são recorrentes. Muitas propriedades não dispõem de subestações próximas ou de linhas robustas para escoar excedentes, o que restringe a integração com o sistema interligado.
    3. Mão de obra qualificada – A escassez de técnicos treinados em energias renováveis em áreas remotas compromete a manutenção de sistemas híbridos e digitais.
    4. Mudanças climáticas – Secas, enchentes e eventos extremos afetam tanto a produção agrícola quanto a estabilidade da geração renovável, impondo maior demanda por resiliência energética.
    5. Pressão por sustentabilidade – Cadeias globais de exportação cobram redução de emissões e rastreabilidade. Energia limpa se torna um pré-requisito competitivo para a agroindústria brasileira.

    Esses desafios não inviabilizam o processo, mas exigem políticas públicas consistentes, incentivos financeiros e inovação tecnológica para viabilizar a transição rural-energética em larga escala.

    Transformação: Novos Modelos em Curso no Campo

    Apesar das barreiras, diversas soluções já estão sendo testadas ou implementadas:

    • Agrovoltaico: painéis instalados acima de culturas agrícolas, que além de gerar energia reduzem evaporação, protegem plantações do excesso de sol e otimizam o uso do solo.
    • Sistemas híbridos: combinação de solar, eólica e biomassa em propriedades rurais, criando maior independência energética e menor exposição a apagões.
    • Gestão de energia e dados: digitalização com sensores, IoT e inteligência artificial, que permitem ao agricultor otimizar irrigação, refrigeração e uso de máquinas, reduzindo custos e aumentando produtividade.
    • Redes rurais inteligentes (smart grids locais): microrredes que integram geração, armazenamento e consumo em escala comunitária, fornecendo backup em momentos críticos.

    Esses modelos revelam que o campo está se tornando laboratório de inovação energética, em que a tecnologia vai além de reduzir custos e passa a gerar novas fontes de renda e competitividade global.

    Novo Horizonte: A Agricultura 4.0 Integrada à Energia

    O futuro já começa a ser desenhado no campo brasileiro. As tecnologias apresentadas em estudos e painéis da Intersolar apontam para cenários como:

    • Máquinas agrícolas elétricas e autônomas, que reduzem emissões e aumentam a precisão das operações.
    • Usinas virtuais de energia (VPPs), conectando digitalmente fazendas em diferentes regiões para negociar energia de forma integrada no mercado.
    • Data centers rurais movidos a energia solar e eólica local, oferecendo serviços de processamento de dados e blockchain aplicados à rastreabilidade agroalimentar.
    • Pegada de carbono como ativo competitivo, em que produtores rurais certificam emissões reduzidas para acessar mercados premium na exportação de commodities agrícolas.

    Esse “novo horizonte” aponta para a integração definitiva entre agricultura 4.0 e energia 4.0, em que o campo brasileiro não apenas alimenta o mundo, mas também se torna exportador líquido de energia limpa e dados.

    Visão de Futuro: O Brasil como Potência Agroenergética

    O Brasil tem condições únicas para assumir o papel de potência agroenergética global. O país já lidera em eficiência agrícola e possui uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo. A integração de fotovoltaica, eólica, hidrogênio verde (H₂V) e baterias (BESS) ao agronegócio criaria um ecossistema sustentável, resiliente e competitivo.

    Essa convergência pode redefinir o posicionamento do Brasil nos mercados internacionais:

    • Exportando não apenas alimentos e energia elétrica, mas também créditos de carbono certificados;
    • Liderando cadeias produtivas globais em que rastreabilidade energética e ambiental se tornam exigências normativas;
    • Transformando o campo em plataforma de inovação para startups, investidores e grandes players globais interessados em integrar energia e agroindústria.

    O futuro do setor não está apenas nos corredores da Intersolar ou nos debates sobre regulação urbana, mas também na capacidade de transformar o campo brasileiro em símbolo de transição energética justa, produtiva e sustentável.

    Percepção Pessoal e Crítica

    Participar da Intersolar South America 2025 foi, ao mesmo tempo, uma experiência estimulante e provocativa. A magnitude do evento impressiona: corredores repletos, estandes bem estruturados e centenas de empresas disputando a atenção de visitantes. Porém, ao percorrer os pavilhões, minha percepção pessoal — ainda que apoiada em uma análise crítica — foi a de que a feira, apesar de ser a maior vitrine do setor, permanece dominada por produtos comoditizados.

    Módulos, inversores e acessórios se repetem em diferentes marcas, com variações mínimas de eficiência ou design. Isso me levou à conclusão de que a disputa central já não se dá pela diferenciação tecnológica, mas por fatores como preço, disponibilidade de estoque e eficiência logística. Essa constatação reforça o diagnóstico de um mercado em que a competição predatória é regra: margens estreitas, múltiplos players e pouca capacidade de fidelização apenas pelo produto em si.

    Nesse ambiente, diferenciar-se exige muito mais do que tecnologia. É necessário investir em inteligência de mercado, canais digitais sólidos, logística de excelência e força de vendas consultiva, que saiba compreender as dores do cliente e agregar valor além do equipamento. Sem isso, a tendência é que muitos atores fiquem pelo caminho, incapazes de sustentar operação em um setor de alta volatilidade.

    Outro ponto que me chamou a atenção foi a relevância crescente da regulação e do financiamento como pilares estruturais. As palestras e os painéis deixaram claro que não basta termos tecnologia disponível: se o ambiente regulatório não oferecer clareza e previsibilidade, e se os mecanismos de crédito não estiverem amplamente acessíveis, o crescimento será instável e concentrado em poucos grupos. Esse é, a meu ver, o maior risco do setor: um dinamismo tecnológico convivendo com entraves regulatórios e financeiros que freiam seu pleno potencial.

    Por fim, saio da Intersolar 2025 com a convicção de que o futuro da energia solar no Brasil dependerá da capacidade de equilibrar escala com inovação, integrando tecnologias emergentes como BESS e hidrogênio verde ao mercado já estabelecido da GD, e de criar um arcabouço regulatório sólido que garanta segurança jurídica e operacional. Só assim será possível transformar essa vitrine de massa em um motor sustentável de desenvolvimento econômico, social e ambiental.

    Conclusão e Reflexões

    A Intersolar South America 2025 evidenciou, mais uma vez, a centralidade do setor solar na transição energética brasileira e latino-americana. A feira consolidou-se como vitrine de massa, reunindo centenas de expositores e dezenas de milhares de visitantes, mas também deixou transparecer um traço estrutural: a comoditização tecnológica. Produtos semelhantes, margens estreitas e competição por preço moldam o ambiente de negócios, colocando à prova a resiliência das empresas e sua capacidade de diferenciação.

    Ao mesmo tempo, os debates do congresso reafirmaram que os grandes desafios do setor vão além do hardware. Curtailment, incertezas regulatórias e barreiras de conexão continuam a comprometer a previsibilidade dos investimentos, enquanto temas emergentes como BESS, usinas híbridas e soluções atrás do medidor despontam como vetores de transformação. Nessa equação, a regulação clara e moderna, somada a mecanismos de financiamento robustos, será determinante para destravar o potencial de crescimento.

    Os estudos de caso do IFC reforçaram a importância do capital internacional para irrigar toda a cadeia, desde grandes usinas até fintechs e pequenos instaladores, mostrando que a expansão da energia solar depende de inovação não apenas tecnológica, mas também financeira e institucional.

    O olhar para o campo brasileiro amplia essa visão. O agronegócio, ao incorporar energia limpa em seus processos, tem a chance de transformar o Brasil em potência agroenergética, unindo produção agrícola, geração elétrica e descarbonização das cadeias de valor. Esse movimento aponta para um futuro em que fazendas sustentáveis produzirão não apenas alimentos e fibras, mas também energia, dados e créditos de carbono.

    Em síntese, a Intersolar 2025 confirmou que o setor solar brasileiro vive um ponto de inflexão. O país possui escala, recursos naturais e know-how para liderar a transição energética global. No entanto, para que isso se concretize, será necessário alinhar quatro pilares estratégicos:

    1. Inovação tecnológica, com integração de BESS, usinas híbridas e soluções digitais;
    2. Regulação clara e previsível, capaz de reduzir barreiras e incentivar novos modelos de negócio;
    3. Financiamento diversificado, combinando capital internacional, bancos nacionais e fintechs;
    4. Integração com o agronegócio, tornando o campo vetor de sustentabilidade e competitividade internacional.

    Esse conjunto de fatores definirá se o Brasil será apenas um grande mercado consumidor de tecnologia importada ou se conseguirá se consolidar como líder global em energia solar e soluções integradas de transição energética.