efagundes.com

Tech & Energy Think Tank

Think tank independente com foco em energia, tecnologia e tendências globais. Análises para apoiar decisões estratégicas com visão de impacto.

Assine a Newsletter no Linkedin

Autor: Eduardo Fagundes

  • IA e erosão cognitiva em engenharia: o papel da engenharia de prompt na qualidade dos projetos

    IA e erosão cognitiva em engenharia: o papel da engenharia de prompt na qualidade dos projetos

    Resumo

    A difusão acelerada de modelos de linguagem (Large Language Models – LLMs) e de sistemas de inteligência artificial generativa colocou engenheiros, professores e executivos diante de um dilema estratégico: como capturar ganhos de produtividade e qualidade sem provocar erosão cognitiva, isto é, o enfraquecimento gradual da capacidade de raciocínio independente, análise crítica e julgamento técnico. Evidências recentes em educação e interação humano–IA mostram que o uso indiscriminado de LLMs pode induzir offloading cognitivo, redução do engajamento mental e viés de automação, afetando diretamente a profundidade do aprendizado e a qualidade de decisões em contextos complexos (GEORGIOU, 2025; HONG; VATE-U-LAN; VIRIYAVEJAKUL, 2025; BULUT; BEITING-PARRISH, 2024; JIANG; WU; LEUNG, 2025).

    Ao mesmo tempo, a literatura sobre engenharia de prompt, metacognição e geração aumentada por recuperação (Retrieval-Augmented Generation – RAG) indica que é possível estruturar o uso da IA como alavanca cognitiva, e não como substituto de pensamento, sobretudo quando prompts são concebidos como uma espécie de back-of-the-envelope digital (rascunho de engenharia) e conectados a bases de conhecimento especializadas (CHEN et al., 2025; LEWIS et al., 2021; WANG et al., 2025; AWS, 2025; AUBERGINE, 2025; SILVA, 2025).

    Neste artigo, tomando como gatilho o debate público sobre “podridão cerebral” associada à sobrecarga de conteúdo superficial e ao uso acrítico de IA, analisamos o problema sob a perspectiva da engenharia. Resgatamos o papel histórico da régua de cálculo, das calculadoras, das ferramentas CAD/CAE e de ambientes estatísticos na formação da intuição numérica e da competência de modelagem em engenharia, discutindo como cada onda tecnológica redesenhou o balanço entre automação de tarefas e exigência de habilidades de alto nível (NADWORNY, 2014; LOCKLIN, 2021; THE EDUCATIONAL VALUE OF SLIDE RULES, 2025; ROMERO, [s.d.]; LIU; WANG; WANG, 2025). Em seguida, argumentamos que a engenharia de prompt pode ocupar hoje o lugar do back-of-the-envelope clássico (, estruturando hipóteses, limites, critérios de plausibilidade e checks de segurança antes da ação da IA. Por fim, mostramos como arquiteturas LLM+RAG e chatbots de engenharia, quando bem governados, podem transformar interações cotidianas em capital intelectual corporativo, mitigando a erosão cognitiva e ampliando a qualidade de projetos, decisões e processos de aprendizagem. O público-alvo inclui professores universitários, pesquisadores, engenheiros, executivos e conselheiros de administração interessados em alinhar IA, competência profissional e governança de risco em engenharia.

    1. Introdução

    A expressão “podridão cerebral” ganhou espaço no debate público para descrever o efeito cumulativo do consumo de conteúdo superficial e fragmentado, associado principalmente a redes sociais e, mais recentemente, ao uso acrítico de sistemas de inteligência artificial generativa. A matéria que motivou este artigo apresenta justamente esse cenário: jovens e adultos que terceirizam síntese, argumentação e escrita para algoritmos, exibindo menor atividade cerebral, menor retenção de conteúdo e dificuldade de reconstruir com as próprias palavras aquilo que “produziram” com auxílio de IA. No plano educacional, estudos já apontam quedas preocupantes em leitura, compreensão e vocabulário em segmentos relevantes da população estudantil, enquanto docentes e pesquisadores discutem o papel da IA entre ferramenta de apoio e atalho cognitivo perigoso.

    No campo da engenharia, o problema ganha contornos ainda mais sensíveis. De um lado, o Brasil convive com escassez crônica de engenheiros qualificados em diversas áreas, o que leva muitas organizações a enxergar a IA como solução rápida para déficits de capacidade analítica, documentação técnica e suporte a decisão. De outro, a natureza do trabalho de engenharia depende justamente da integridade cognitiva de profissionais: formulação de problemas, modelagem físico-matemática, avaliação de riscos, leitura crítica de normas e relatórios, entendimento de incertezas e trade-offs. Uma estratégia de adoção de IA que ignore essa dimensão cognitiva pode produzir o efeito inverso ao desejado: projetos mais frágeis, decisões menos fundamentadas e aumento de risco operacional e regulatório, ainda que embalados por relatórios impecáveis gerados por LLMs.

    Esse dilema não é completamente novo. Quando a régua de cálculo deu lugar às calculadoras eletrônicas, muitos educadores alertaram para a possível perda de intuição de ordem de grandeza e de habilidades de estimativa, mesmo reconhecendo os ganhos em velocidade e precisão numérica. Na sequência, a expansão de ferramentas CAD (Computer-Aided Design) e CAE (Computer-Aided Engineering) redesenhou o perfil de competência esperado do engenheiro, permitindo simulações sofisticadas, mas também trazendo o risco de modelos visualmente convincentes e conceitualmente equivocados quando faltam checagens de plausibilidade e senso físico (ROMERO, [s.d.]; LIU; WANG; WANG, 2025). A discussão atual sobre IA e erosão cognitiva se insere nessa mesma trajetória de tensão entre automação e julgamento.

    A diferença é que, com a IA generativa, não estamos apenas automatizando cálculos, desenhos ou simulações, mas também partes da formulação do problema, da argumentação e da documentação técnica. Isso eleva o risco de que a erosão cognitiva atinja camadas mais altas do raciocínio profissional. A pergunta central deixa de ser “podemos usar IA em engenharia?” e passa a ser “como usar IA de modo a preservar e ampliar a capacidade de pensar, decidir e aprender dos engenheiros?”.

    Neste contexto, propomos tratar a engenharia de prompt como uma disciplina estruturante, equivalente ao back-of-the-envelope na engenharia clássica: o momento em que o profissional enquadra o problema, explicita hipóteses, define limites e antecipa critérios de plausibilidade antes de acionar qualquer ferramenta avançada. Ao articular engenharia de prompt, práticas de metacognição e arquiteturas LLM+RAG conectadas ao acervo técnico das empresas, argumentamos que é possível transformar chatbots de engenharia em instrumentos de reforço cognitivo e de consolidação de capital intelectual, e não em vetores de erosão da competência técnica. As seções seguintes desenvolvem essa tese, combinando análise conceitual, referências acadêmicas e exemplos práticos, incluindo experiências com chatbots de apoio a estudantes de engenharia em projetos de eficiência energética.

    2. Declínio cognitivo, offloading e viés de automação

    Estudos empíricos recentes indicam que o uso acrítico de LLMs pode reduzir o esforço cognitivo e o engajamento mental em tarefas de escrita e resolução de problemas:

    • Experimentos com estudantes mostram que grupos assistidos por ChatGPT apresentam níveis mais baixos de engajamento cognitivo, interpretados como evidência de offloading de esforço mental para a IA (GEORGIOU, 2025).
    • Pesquisas quase-experimentais com “cognitive offload instruction” mostram, por outro lado, que quando a IA é usada para descarregar tarefas de baixa ordem (por exemplo, brainstorming ou ajustes superficiais de texto), enquanto o desenho argumentativo permanece com o aluno, é possível obter ganhos de pensamento crítico, desde que haja scaffolding pedagógico explícito (HONG; VATE-U-LAN; VIRIYAVEJAKUL, 2025).
    • Análises na área de avaliação educacional destacam riscos de viés de automação, em que professores e gestores tendem a aceitar sem contestação as saídas de sistemas de IA em processos de medição educacional, o que ameaça validade, transparência e equidade (BULUT; BEITING-PARRISH, 2024).
    • Pesquisas com EEG (Electroencephalography) sobre interação humano–LLM indicam que a forma de colaboração com IA altera padrões de atenção, carga cognitiva e tomada de decisão, reforçando a necessidade de projetar sistemas e práticas que mantenham o usuário em modo de raciocínio ativo (JIANG; WU; LEUNG, 2025).

    Em paralelo, artigos de divulgação científica e ensaios analíticos chamam atenção para o risco de a IA tornar-se um “GPS do pensamento”: altamente eficiente, mas suscetível a corroer a capacidade de síntese mental e de construção autônoma de argumentos se usada como substituto, e não complemento, da cognição humana (AI MAY BLUNT…, 2025; PENN, 2025; SEWAK, 2025).

    Para a engenharia, cujo núcleo é o raciocínio crítico sobre sistemas físicos, riscos, trade-offs e consequências, esse quadro exige uma resposta estruturada, que envolva desenho de processos, formação e governança de uso da IA.

    3. Linha do tempo dos artefatos de cálculo em engenharia

    A trajetória dos instrumentos de cálculo em engenharia oferece um referencial histórico útil para pensar a IA generativa e os riscos de erosão cognitiva.

    3.1. A régua de cálculo e a formação da intuição de ordem de grandeza

    A literatura sobre réguas de cálculo destaca que esses dispositivos analógicos, baseados em escalas logarítmicas, foram durante décadas o instrumento portátil padrão para cálculos de multiplicação, divisão e funções transcendentais em engenharia (SLIDE RULE SCALE, 2025).

    Figura 1 – Régua de Cálculo
    • Relatos históricos mostram que a régua de cálculo esteve presente em projetos críticos, incluindo o programa espacial que levou o homem à Lua, sendo destacada como “computing device that put a man on the moon” (NADWORNY, 2014).
    • Textos recentes defendem que o uso da régua de cálculo estimulava a percepção de ordens de grandeza, a verificação rápida de plausibilidade numérica e a intuição sobre escalas, justamente porque o instrumento não fornecia casas decimais exatas, exigindo estimativa mental (LOCKLIN, 2021; THE EDUCATIONAL VALUE OF SLIDE RULES, 2025).
    • No contexto da educação em engenharia contemporânea, iniciativas que reintroduzem a régua de cálculo em atividades de ensino reportam ganhos na compreensão histórica da profissão e na consciência sobre as limitações e pressupostos embutidos nas ferramentas digitais modernas (STOKES, 2025; SYPHERS, 2025; LINDSAY; WANKAT, 2012).

    3.2. Calculadoras, CAD (Computer-Aided Design) e CAE (Computer-Aided Engineering)

    A substituição da régua de cálculo pelas calculadoras eletrônicas, a partir dos anos 1970, aumentou a velocidade e a precisão dos cálculos, mas acentuou debates sobre possível perda de “number sense” e de habilidades de estimativa (THE EDUCATIONAL VALUE OF SLIDE RULES, 2025; LOCKLIN, 2021).

    Na fase seguinte, ferramentas de CAD e CAE transformaram profundamente o ciclo de projeto e análise:

    • Estudos sobre competências computacionais em cursos clássicos de engenharia apontam que a digitalização do setor AEC exige integração explícita de habilidades computacionais e de modelagem aos currículos, sob pena de um descompasso entre formação e prática (ROMERO, [s.d.]).
    • Pesquisas sobre requalificação e atualização de engenheiros indicam que programas de educação executiva eficazes combinam atualização técnica com desenvolvimento de competências não técnicas, como liderança, trabalho em equipe e resolução adaptativa de problemas (HAVERLAND, 2020).
    • Revisões sistemáticas sobre IA em educação em engenharia mostram um uso crescente de ambientes virtuais de experimento, tutores inteligentes, robôs educacionais e analítica de aprendizagem, com impactos significativos sobre modelos pedagógicos, mas também com desafios de equidade, ética e qualidade (LIU; WANG; WANG, 2025).

    3.3. Lições para a IA generativa

    O fio condutor dessa história não é a substituição do engenheiro por ferramentas, mas o reposicionamento das habilidades humanas. A cada nova geração de artefatos, o risco de “deskilling” em tarefas de baixa ordem convive com uma exigência maior de competências de alto nível: modelagem, julgamento, integração de conhecimento e coordenação em equipes complexas (ROMERO, [s.d.]; HAVERLAND, 2020).

    A IA generativa é mais um passo nesse caminho, com a diferença de que agora a automação atinge camadas superiores do raciocínio simbólico: linguagem, síntese, explicação e até esboços de modelagem.

    Tabela 1 – Evolução dos artefatos de cálculo e impactos cognitivos esperados

    Era / artefatoFunção principal no trabalho de engenhariaGanhos típicosRiscos cognitivos discutidos na literatura
    Régua de cálculoCálculo aproximado, ordens de grandezaIntuição de escala, estimativa rápida (NADWORNY, 2014; LOCKLIN, 2021)Dependência de aproximações; limitação de precisão
    Calculadora eletrônicaCálculo exato, numérico detalhadoVelocidade e precisão numéricaMenor foco em ordens de grandeza e estimativa mental (LOCKLIN, 2021)
    CAD/CAEModelagem geométrica e análise avançadaComplexidade de projeto, simulações ricas (ROMERO, [s.d.])“Síndrome do modelo bonito e errado” se faltar checagem física
    Ferramentas estatísticas e analíticasModelos probabilísticos, risco, confiabilidadeAnálises de incerteza e apoio à decisão“Estatística de botão” sem compreensão de pressupostos
    IA generativa (LLMs)Síntese textual, código, argumento, documentaçãoAceleração cognitiva, suporte à decisão (CHEN et al., 2025)Offloading cognitivo, viés de automação, perda de engajamento (GEORGIOU, 2025; HONG et al., 2025)

    4. Engenharia de prompt como “back-of-the-envelope digital”

    4.1. Da pergunta solta ao prompt estruturado

    Revisões recentes sobre engenharia de prompt mostram que a forma de estruturar a entrada para um LLM é decisiva para desempenho, robustez e alinhamento com objetivos do usuário. Técnicas como encadeamento de raciocínio, auto-consistência e geração de conhecimento são destacadas como mecanismos para melhorar a qualidade de respostas em tarefas complexas (CHEN et al., 2025).

    Guias práticos de mercado convergem na ideia de que prompts eficazes precisam explicitar contexto, objetivo, restrições, formato de saída e critérios de qualidade, tratando a interação com o modelo como parte de um processo de design, e não como simples pergunta–resposta (HOW TO USE PROMPT ENGINEERING…, 2025; GUIA DE ENGENHARIA PROMPT, 2025).

    Do ponto de vista cognitivo, isso aproxima a engenharia de prompt da lógica do back-of-the-envelope: antes de “rodar o modelo”, o engenheiro precisa organizar hipóteses, parâmetros, casos de teste e critérios de plausibilidade.

    4.2. Metacognição sintética: limites e oportunidades

    A literatura recente mostra que, embora LLMs alcancem desempenho de nível especialista em tarefas específicas, eles carecem de metacognição robusta: são pouco capazes de avaliar seus próprios limites de conhecimento, calibrar confiança ou indicar quando deveriam abster-se de responder (GRIOT et al., 2025).

    • Estudos com benchmarks específicos em medicina revelam que os modelos muitas vezes respondem com alta confiança mesmo quando a alternativa correta não está disponível, o que é particularmente crítico em domínios de risco (GRIOT et al., 2025).
    • Experimentos sobre vulnerabilidades metacognitivas sugerem que modelos avançados podem ser levados a contornar salvaguardas via argumentações lógicas cuidadosamente construídas, evidenciando a necessidade de defesas adicionais e de design de prompts com foco em segurança (SPIVACK, 2025).
    • Pesquisas em metacognitive prompting indicam que instruções que induzem o modelo a refletir sobre sua própria compreensão e incertezas podem melhorar desempenho em tarefas complexas de compreensão de linguagem natural, superando abordagens tradicionais de “chain-of-thought” em determinados cenários (METACOGNITIVE PROMPTING…, 2025).

    Esse conjunto de resultados indica que a engenharia de prompt não é apenas uma técnica de “melhor pergunta”, mas um mecanismo para injetar metacognição sintética na interação com LLMs, compensando parcialmente limitações estruturais desses modelos.

    4.3. Back-of-the-envelope e engenharia de prompt: analogia operacional

    A analogia entre o rascunho clássico de engenharia e a prática de engenharia de prompt pode ser sintetizada na tabela a seguir.

    Tabela 2 – Correspondência entre back-of-the-envelope clássico e engenharia de prompt

    Elemento do back-of-the-envelope clássicoEquivalente na engenharia de prompt
    Definir o problema físico e o domínio de aplicaçãoContextualizar o sistema, o cenário de uso e o objetivo do prompt
    Listar hipóteses simplificadoras explícitasIncluir premissas, limites e suposições diretamente no prompt
    Estimar ordens de grandeza e faixas plausíveisEspecificar ranges, condições de contorno e critérios de plausibilidade
    Planejar casos de verificação simplesSolicitar à IA cenários de teste, contraexemplos e checks de consistência
    Registrar raciocínio em rascunhosUsar prompts iterativos, com registro de hipóteses e revisões sucessivas

    Quando prompts são construídos desse modo, o engenheiro continua exercendo a função crítica de modelagem e validação, enquanto a IA acelera síntese, documentação e exploração de alternativas, em vez de substituir o raciocínio.

    5. LLM+RAG (Retrieval-Augmented Generation) e chatbots de engenharia

    5.1. Fundamentos de RAG em organizações de engenharia

    Modelos de geração aumentada por recuperação conectam LLMs a índices externos de conhecimento, permitindo que respostas sejam produzidas com base em documentos específicos, atualizados e auditáveis, em vez de depender exclusivamente do conhecimento paramétrico do modelo (LEWIS et al., 2021; AWS, 2025).

    • Arquiteturas RAG típicas realizam a vetorização de documentos, buscam trechos semanticamente relevantes para cada consulta e combinam esses trechos com o prompt do usuário para gerar respostas ancoradas em evidências (LEWIS et al., 2021).
    • Pesquisas no setor de engenharia de edificações mostram que estruturas de índice híbrido, combinando vetores, grafos de propriedades e palavras-chave, melhoram significativamente a capacidade do sistema em reconhecer riscos, erros e responder a consultas complexas ao longo do ciclo de vida de empreendimentos (WANG et al., 2025).
    • Estudos e relatórios de mercado descrevem ganhos expressivos em produtividade, redução de erros e ROI quando RAG é usado para conectar IA a bases proprietárias de conhecimento (AUBERGINE, 2025; STRATECHI, [s.d.]).
    • Análises específicas de soluções abertas, como DeepSeek, indicam que mesmo modelos enxutos podem suportar cenários de RAG, desde que exista curadoria adequada de fontes e desenho rigoroso de prompts e consultas (SILVA, 2025).

    5.2. Chatbots de engenharia como ativos de capital intelectual

    Ao acoplar LLM+RAG a repositórios internos (especificações, normas internas, relatórios de comissionamento, análises de falhas, lições aprendidas), organizações de engenharia podem transformar chatbots em interfaces ativas da sua “memória técnica” (AUBERGINE, 2025; WANG et al., 2025).

    A engenharia de prompt, nesse contexto, cumpre três funções estratégicas:

    • Governança cognitiva: prompts padronizados garantem que interações sigam roteiros que respeitam normas, limites de segurança e critérios de qualidade técnica.
    • Captura de conhecimento: boas sessões de interação, com hipóteses e decisões explicitadas, podem ser reindexadas no RAG, ampliando o acervo e reduzindo dependência de poucos especialistas.
    • Mitigação de riscos de offloading: ao exigir que o usuário forneça contexto, premissas e critérios de avaliação no próprio prompt, a organização reduz a probabilidade de uso “preguiçoso” da IA, alinhando-a à lógica de pensamento crítico (GEORGIOU, 2025; HONG et al., 2025).

    6. Agenda de ação por público-alvo

    6.1. Professores universitários e pesquisadores

    • Redesenhar disciplinas de projeto, modelagem e comunicação técnica para incluir explicitamente competências de engenharia de prompt e uso crítico de IA em atividades avaliativas (LIU; WANG; WANG, 2025; CHEN et al., 2025).
    • Usar cenários de “laboratório cognitivo” em que estudantes comparam soluções obtidas com e sem IA, analisando diferenças de engajamento, qualidade argumentativa e erros conceituais, em linha com os resultados sobre engajamento e offloading (GEORGIOU, 2025; HONG et al., 2025).
    • Estimular projetos de pesquisa que combinem métricas comportamentais e indicadores neurofisiológicos (como EEG) para entender melhor os efeitos da IA no raciocínio em tarefas de engenharia (JIANG; WU; LEUNG, 2025).

    6.2. Engenheiros em atuação e líderes técnicos

    • Adotar templates corporativos de prompts por domínio (projeto, operação, manutenção, confiabilidade, riscos), incorporando hipóteses padrão, parâmetros mínimos e checklists de plausibilidade (HOW TO USE PROMPT ENGINEERING…, 2025; GUIA DE ENGENHARIA PROMPT, 2025).
    • Posicionar a IA como apoio à análise, não como substituto de verificação, mantendo práticas de cálculo de ordem de grandeza, sanity checks e revisão por pares, numa lógica análoga à disciplina que outrora acompanhava o uso da régua de cálculo (NADWORNY, 2014; LOCKLIN, 2021).
    • Participar de programas continuados de reskilling que integrem IA, RAG e competências de liderança e colaboração em equipes multidisciplinares (HAVERLAND, 2020; DEFRANCO; NEILL; CLARIANA, 2011).

    6.3. Executivos e conselheiros de administração

    • Tratar LLM+RAG e chatbots de engenharia como investimentos em capital intelectual, não apenas em automação de tarefas, estabelecendo indicadores de valor como redução de erros, tempo de resposta técnica e reuso de lições aprendidas (WANG et al., 2025; STRATECHI, [s.d.]).
    • Exigir políticas claras de uso responsável de IA, com ênfase em mitigação de viés de automação, proteção de dados sensíveis e rastreabilidade das decisões em sistemas críticos (BULUT; BEITING-PARRISH, 2024; GRIOT et al., 2025).
    • Apoiar iniciativas de cultura organizacional que valorizem tanto a eficiência tecnológica quanto a preservação da capacidade analítica humana, inspirando-se em experiências históricas em que novas ferramentas aumentaram, e não substituíram, a engenharia de julgamento (NADWORNY, 2014; THE EDUCATIONAL VALUE OF SLIDE RULES, 2025).

    Tabela 3 – Gaps e oportunidades por público

    Público-alvoGap principal observado na literaturaOportunidades com engenharia de prompt e RAG
    Professores e pesquisadoresFalta de modelos consolidados para integrar IA sem perda de profundidade cognitiva (LIU; WANG; WANG, 2025; BULUT; BEITING-PARRISH, 2024)Currículos que combinem back-of-the-envelope, prompts estruturados e avaliação crítica de outputs de IA
    Engenheiros e líderes técnicosRisco de uso acrítico de LLMs, com offloading excessivo (GEORGIOU, 2025)Templates de prompts, guidelines de verificação e chatbots de engenharia integrados a RAG
    ExecutivosVisão de IA centrada apenas em automação operacionalTransformar IA em ativo de conhecimento reutilizável e em vantagem competitiva (WANG et al., 2025)
    ConselheirosLacuna de governança específica para IA em sistemas críticosFrameworks de risco que considerem metacognição limitada e viés de automação em decisões assistidas por IA (GRIOT et al., 2025; SPIVACK, 2025)

    7. Considerações finais

    A discussão contemporânea sobre “podridão cerebral” e declínio cognitivo não deve ser lida como um argumento contra IA em engenharia, mas como um alerta sobre desenho inadequado de práticas, processos e ferramentas. A evidência disponível sugere que:

    • o uso indiscriminado de LLMs pode de fato reduzir engajamento e esforço cognitivo em tarefas de escrita e solução de problemas, reforçando offloading e viés de automação (GEORGIOU, 2025; HONG et al., 2025; BULUT; BEITING-PARRISH, 2024);
    • a forma como estruturamos a interação – via engenharia de prompt, scaffolding e metacognitive prompting – é determinante para converter IA de ameaça em alavanca cognitiva (CHEN et al., 2025; METACOGNITIVE PROMPTING…, 2025);
    • arquiteturas LLM+RAG permitem transformar chatbots em “interfaces de memória técnica” das organizações, potencializando aprendizado organizacional e gestão de risco em engenharia (LEWIS et al., 2021; WANG et al., 2025; AUBERGINE, 2025; SILVA, 2025).

    Do mesmo modo que a régua de cálculo não diminuiu a engenharia, mas a levou à Lua, e que calculadoras, CAD e CAE ampliaram a fronteira do projetável, a IA generativa pode ser vista como uma extensão da capacidade humana, desde que acompanhada de disciplina cognitiva e de uma engenharia de prompt tratada como competência central da profissão.

    Para universidades, empresas e conselhos que desejam liderar essa transição, a mensagem é clara: é hora de tratar IA, RAG e engenharia de prompt não como moda tecnológica, mas como eixo estruturante de estratégias de formação, operação e governança em engenharia.

    8. Como podemos ajudar

    A partir desse arcabouço conceitual e da experiência acumulada em projetos de IA aplicada à engenharia, a equipe do Think Tank – efagundes.com – em parceria com a nMentors Engenharia, estruturou sua atuação em três frentes complementares: diagnóstico de processos, formação em engenharia de prompt e construção de chatbots de engenharia baseados em LLM (Large Language Model) e RAG (Retrieval-Augmented Generation).

    8.1. Análise de processos em empresas de engenharia

    Em organizações de engenharia, o ponto crítico não é apenas “ter IA”, mas encaixá-la nos ciclos reais de decisão, projeto e operação. A partir das evidências sobre RAG, gestão do conhecimento e competências em engenharia, o trabalho começa por um diagnóstico estruturado dos processos-chave (LEWIS et al., 2021; ROMERO, [s.d.]; LIU; WANG; WANG, 2025; SILVA, 2025; STRATECHI, [s.d.]).

    Principais entregáveis dessa etapa:

    • Mapeamento de fluxos de informação e decisão – projetos, operação, manutenção, confiabilidade, risco, P&D e interface com órgãos reguladores.
    • Identificação de pontos de dor e oportunidades para IA generativa e RAG – reaproveitamento de relatórios de campo, atas técnicas, especificações internas e lições aprendidas.
    • Definição de casos de uso priorizados – critérios de seleção combinando risco, impacto econômico, maturidade de dados e aderência regulatória.
    • Blueprint de “ciclos de raciocínio” – onde o back-of-the-envelope precisa ser preservado, onde a IA pode acelerar síntese e onde RAG pode reduzir erros de memória organizacional.

    Essa análise é a base para que executivos, áreas técnicas e conselhos de administração consigam tomar decisões de investimento em IA com clareza de retorno técnico, cognitivo e econômico.

    8.2. Treinamento em engenharia de prompt para engenheiros, docentes e gestores

    Com base na literatura sobre prompt engineering, metacognição e impactos cognitivos de LLMs, são desenvolvidas trilhas de formação que tratam a engenharia de prompt como competência técnica, não como truque de ferramenta (CHEN et al., 2025; METACOGNITIVE PROMPTING…, 2025; SPIVACK, 2025; GEORGIOU, 2025; HONG; VATE-U-LAN; VIRIYAVEJAKUL, 2025; JIANG; WU; LEUNG, 2025).

    Estrutura típica de programa:

    • Fundamentos – como funcionam LLMs e RAG, limitações, viés de automação e offloading cognitivo.
    • Engenharia de prompt como back-of-the-envelope – construção de prompts que explicitam hipóteses, parâmetros, critérios de plausibilidade e checks de segurança.
    • Metacognitive prompting e scaffolding – como induzir o modelo a explicitar incertezas, listar alternativas e confrontar hipóteses, em vez de apenas “responder”.
    • Laboratórios práticos por domínio – casos orientados em projeto, operação, manutenção, confiabilidade, risco, sustentabilidade e eficiência energética.
    • Diretrizes de uso responsável – políticas internas de “IA não substitui verificação”, alinhadas a boas práticas de medição, experimentação e governança.

    Esses programas podem ser configurados para universidades (disciplinas de graduação e pós em engenharia) e para academias corporativas, alinhando-se à agenda de reskilling e upskilling em engenharia já destacada na literatura (HAVERLAND, 2020; ROMERO, [s.d.]; LIU; WANG; WANG, 2025).

    8.3. Construção de chatbots de engenharia com LLM+RAG

    A terceira frente é o desenvolvimento de chatbots de engenharia personalizados, integrados às bases técnicas da organização (normas internas, manuais, relatórios, estudos de confiabilidade, documentos regulatórios), com arquitetura LLM+RAG e engenharia de prompt incorporada como camada de governança (LEWIS et al., 2021; AWS, 2025; AUBERGINE, 2025; WANG et al., 2025; SILVA, 2025).

    Componentes principais:

    • Arquitetura – integração via API com modelos generativos; uso de embeddings para indexar documentos técnicos; mecanismos de recuperação híbrida (vetores, grafos, palavras-chave); camadas de segurança e LGPD quando aplicável (AWS, 2025; SILVA, 2025).
    • Camada de engenharia de prompt – instruções customizadas para manter o chatbot dentro do escopo técnico, evitando extrapolações regulatórias; templates de prompts alinhados a padrões de projeto e operação da empresa (CHEN et al., 2025; GUIA DE ENGENHARIA PROMPT, 2025).
    • Governança de conhecimento – rotinas de curadoria, monitoração de desempenho, coleta de feedback e retraining/fine-tuning para garantir aderência contínua ao acervo técnico da organização (LEWIS et al., 2021; WANG et al., 2025; STRATECHI, [s.d.]).

    8.3.1. Experiência prática: chatbot de IA no projeto CPFL nas Universidades

    A experiência recente no projeto educacional de eficiência energética CPFL nas Universidades materializa esse modelo em um contexto de formação de engenheiros. Nesse projeto, a nMentors desenvolveu uma solução completa que combina curso intensivo em eficiência energética com um chatbot de IA integrado à plataforma de aprendizado.

    O programa é um piloto estratégico regulado pela ANEEL, voltado à formação de 100 estudantes de engenharia em práticas de eficiência energética, combinando módulos teóricos, forte ênfase prática e uso de um chatbot de IA como suporte contínuo ao aprendizado.

    A especificação técnica do chatbot detalha que:

    • o objetivo é apoiar estudantes de um curso de eficiência energética, oferecendo respostas automáticas a perguntas técnicas e assistência em quizzes e atividades práticas, com uso de IA generativa integrada a uma plataforma LMS;
    • o modelo utiliza embeddings e bases de conhecimento especializadas para responder a consultas complexas, referenciando manuais, normas de eficiência energética e conteúdos dos módulos do curso;
    • há integração via API com modelos generativos, fine-tuning com dados específicos de eficiência energética, e mecanismos de monitoramento contínuo, feedback, estatísticas de uso e melhoria incremental do desempenho da IA;
    • o chatbot é projetado para operar em conformidade com LGPD, com controle de limites de uso por aluno, relatórios de desempenho e customização visual alinhada ao ambiente educacional (Especificacao-ChatBot-IA-v1.pdf, doc. interno).

    Essa experiência ilustra, em escala real, a convergência entre:

    • engenharia de prompt (instruções customizadas, templates para dúvidas técnicas e apoio a quizzes);
    • RAG e embeddings (acesso contextual ao conteúdo dos módulos do curso e a documentos técnicos);
    • governança pedagógica e regulatória (conformidade com ANEEL, LGPD e objetivos formativos do programa).

    A mesma abordagem pode ser adaptada para contextos corporativos em engenharia de energia, infraestrutura, manufatura, óleo e gás, saneamento, transportes e outros setores intensivos em conhecimento técnico.

    8.4. Modelos de engajamento

    Em termos práticos, universidades, empresas e conselhos podem ser apoiados em três modelos de engajamento, que podem ser combinados:

    • Projetos de diagnóstico e roadmap – análise de processos, revisão de acervo técnico, identificação de casos de uso prioritários de IA generativa e RAG, definição de arquitetura de chatbot e de política de governança.
    • Programas de formação – trilhas modulares de engenharia de prompt para docentes, estudantes e equipes técnicas, com laboratórios práticos alinhados às ferramentas e fluxos da organização.
    • Construção e operação assistida de chatbots de engenharia – desenho, desenvolvimento e implantação de chatbots especializados, com transferência de conhecimento para equipes internas de TI e engenharia, e suporte de melhoria contínua.

    Esse conjunto de ofertas busca alinhar a adoção de IA à preservação e ampliação da cognição de engenheiros, transformando a engenharia de prompt em uma competência organizacional crítica e os chatbots em ativos de capital intelectual, e não apenas em mais uma ferramenta de automação.

    Referências

    1. A Guide to RAG for Effective Knowledge Management. Aubergine, 2025. Disponível em: https://www.aubergine.co/insights/rag-the-future-of-knowledge-management
    2. AI may blunt our thinking skills – here’s what you can do about it. New Scientist, 2025. Disponível em: https://www.newscientist.com/article/2501634-ai-may-blunt-our-thinking-skills-heres-what-you-can-do-about-it
    3. AWS. O que é geração aumentada via recuperação (RAG)? Amazon Web Services, 2025. Disponível em: https://aws.amazon.com/pt/what-is/retrieval-augmented-generation
    4. BULUT, O.; BEITING-PARRISH, M. The Rise of Artificial Intelligence in Educational Measurement. Chinese/English Journal of Educational Measurement and Evaluation, 2024. Disponível em: https://www.ce-jeme.org/cgi/viewcontent.cgi?article=1090&context=journal
    5. CHEN, B. et al. Unleashing the potential of prompt engineering for large language models. Patterns, 2025. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2666389925001084
    6. DEFRANCO, J. F.; NEILL, C. J.; CLARIANA, R. B. A cognitive collaborative model to improve performance in engineering teams. Systems Engineering, v. 14, n. 3, p. 267–278, 2011. Disponível em: https://incose.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/sys.20178
    7. GEORGIOU, G. P. ChatGPT produces more “lazy” thinkers. arXiv, 2025. Disponível em: https://arxiv.org/abs/2507.00181
    8. GRIOT, M. et al. Large Language Models lack essential metacognition for reliable medical reasoning. Nature Communications, 2025.
    9. GUIA DE ENGENHARIA PROMPT. Nextra, 2025. Disponível em: https://www.promptingguide.ai
    10. HAVERLAND, S. Critical Success Factors for Reskilling and Upskilling Engineer Leaders in Customized Executive Education Programs. Walden University, 2020. Disponível em: https://scholarworks.waldenu.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=15445&context=dissertations
    11. HONG, H.; VATE-U-LAN, P.; VIRIYAVEJAKUL, C. Cognitive Offload Instruction with Generative AI. Forum for Linguistic Studies, 2025. Disponível em: https://journals.bilpubgroup.com/index.php/fls/article/view/10072
    12. JIANG, T.; WU, J.; LEUNG, S. C. H. The cognitive impacts of large language model interactions on problem solving and decision making using EEG analysis. Frontiers in Computational Neuroscience, 2025. Disponível em: https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fncom.2025.1556483
    13. LEWIS, P. et al. Retrieval-Augmented Generation for Knowledge-Intensive NLP Tasks. arXiv, 2021. Disponível em: https://arxiv.org/abs/2005.11401
    14. LIU, C.; WANG, G.-C.; WANG, H.-F. The Application of Artificial Intelligence in Engineering Education: A Systematic Review. IEEE Access, 2025. Disponível em: https://ieeexplore.ieee.org/document/10851283
    15. LINDSAY, E. D.; WANKAT, P. C. Going the Way of the Slide Rule: Can Remote Laboratories Fungibly Replace the In-Person Experience? International Journal of Engineering Education, 2012. Disponível em: https://www.ijee.ie/articles/Vol28-1/18_ijee2569ns.pdf
    16. LOCKLIN, S. Why everyone should learn the slide rule. 2021. Disponível em: https://scottlocklin.wordpress.com/2021/06/20/why-everyone-should-learn-the-slide-rule
    17. Metacognitive Prompting Improves Understanding in Large Language Models. 2025. Disponível em: https://arxiv.org/html/2308.05342v4
    18. NADWORNY, E. The Slide Rule: A Computing Device That Put A Man On The Moon. NPR, 2014. Disponível em: https://www.npr.org/sections/ed/2014/10/22/356937347/the-slide-rule-a-computing-device-that-put-a-man-on-the-moon
    19. PENN, C. S. Almost Timely News: Cognitive Offloading and AI (2025-09-28). 2025. Disponível em: https://www.christopherspenn.com/2025/09/almost-timely-news-%F0%9F%97%9E%EF%B8%8F-cognitive-offloading-and-ai-2025-09-28
    20. ROMERO, A. Computational Skills for Classical Engineering Disciplines. Disponível em: https://www.theseus.fi/bitstream/10024/881792/2/Romero_Antonio.pdf
    21. SEWAK, M. The Research Imperative: From Cognitive Offloading to Augmentation. 2025.
    22. SILVA, P. N. Retrieval-Augmented Generation: um spoiler no DeepSeek. ISKO Brasil, 2025. Disponível em: https://isko.org.br/ojs/index.php/iskobrasil/article/view/32
    23. Slide rule scale. Wikipedia, 2025. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Slide_rule_scale
    24. SPIVACK, N. Metacognitive Vulnerabilities in Large Language Models: A Study of Logical Override Attacks and Defense Strategies. 2025. Disponível em: https://www.novaspivack.com/science/metacognitive-vulnerabilities-in-large-language-models-a-study-of-logical-override-attacks-and-defense-strategies   
  • Arquiteturas de Confiabilidade em Energia & Utilities: do Projeto ao O&M

    Arquiteturas de Confiabilidade em Energia & Utilities: do Projeto ao O&M

    Sumário executivo

    A rede elétrica deixou de ser apenas um “ativo operacional” para se tornar uma plataforma estratégica do negócio. A combinação de transição energética, eletrificação de cargas, crescimento de data centers, inserção intensiva de renováveis e digitalização de subestações mudou o jogo. Não basta mais cumprir requisitos mínimos de engenharia; a pergunta chave passa a ser: a arquitetura como um todo é resiliente, adaptável e economicamente sustentável ao longo de décadas?

    Confiabilidade, nesse contexto, deixa de ser um tema exclusivo da área técnica e passa a ter impacto direto em receita, multas e penalidades regulatórias, reputação, experiência do cliente e posicionamento competitivo. Redes planejadas e operadas apenas “no mínimo técnico” tendem a concentrar falhas, responder mal a eventos climáticos extremos e consumir mais CAPEX e OPEX para manter níveis mínimos de serviço. Em contrapartida, arquiteturas bem desenhadas de confiabilidade e resiliência funcionam como um “seguro estrutural” contra interrupções relevantes, perda de confiança e deterioração de indicadores regulatórios.

    Do ponto de vista de gestão, o eixo de decisão muda: confiabilidade passa a ser atributo arquitetural, não apenas operacional. As escolhas feitas no projeto executivo, no comissionamento, na automação (IEDs, SCADA), na telemetria, na estratégia de manutenção e na cibersegurança formam um encadeamento único. Se esse encadeamento é coerente, a organização captura valor de tecnologias digitais, reduz riscos e consegue planejar investimentos com previsibilidade. Se não é, acumula complexidade, vulnerabilidades e atuação predominantemente reativa.

    Para organizar essa agenda em um nível estratégico, é útil pensar em quatro pilares:

    • Engenharia de confiabilidade ao longo do ciclo de vida – projetar, operar, manter e substituir ativos com base em risco, criticidade e valor para o negócio, em vez de apenas idade ou histórico de falhas. Isso reduz “apagões de CAPEX”, evita picos de indisponibilidade e melhora o retorno sobre investimentos em ativos.
    • Arquitetura em camadas – ativos físicos robustos; automação e proteção bem desenhadas (subestações digitais, IEDs, esquemas de restabelecimento); supervisão e dados que transformam telemetria em decisão; e uma camada de cibersegurança e resiliência que protege a operação em um ambiente de ameaças crescentes.
    • Manutenção orientada a dados – migração da manutenção reativa para preventiva, depois baseada em condição e, por fim, preditiva, com uso de sensores, telemetria e modelos analíticos. O resultado esperado é redução de paradas não planejadas, otimização de OPEX e maior previsibilidade de disponibilidade.
    • OT cybersecurity como parte da confiabilidade – redes OT e subestações digitais exigem tratamento integrado de cibersegurança e continuidade de negócios. Incidentes cibernéticos passam a ser tão críticos quanto falhas físicas, e precisam ser endereçados como risco operacional e estratégico.

    Para conselhos de administração e alta gestão, as implicações são claras. Primeiro, confiabilidade e resiliência devem ser tratadas como temas de estratégia corporativa, não apenas como questões técnicas ou de “manutenção da rede”. Segundo, investimentos em modernização de rede, automação, monitoramento, analytics e OT cybersecurity precisam ser priorizados como um portfólio integrado, com base em risco e valor, em vez de projetos dispersos e desconectados entre si. Terceiro, é fundamental estabelecer um modelo de governança que conecte operação, planejamento, manutenção, TI, segurança da informação, regulação e finanças, com fóruns regulares de decisão e indicadores que façam a ponte entre desempenho técnico e resultados de negócio.

    Na prática, isso se traduz em construir um masterplan de confiabilidade e resiliência: um roteiro estruturado que combine diagnóstico de maturidade, desenho de uma arquitetura alvo em camadas, roadmap de investimentos, implantação gradual de manutenção orientada a dados, fortalecimento da segurança em OT e capacitação das equipes técnicas e gestoras. A mensagem central é objetiva: organizações que assumirem confiabilidade como questão de arquitetura e governança – e não apenas como “problema operacional” – estarão melhor posicionadas para enfrentar o novo ciclo de exigências regulatórias, pressão por sustentabilidade, aumento de eventos extremos e maior escrutínio de clientes, investidores e sociedade.


    Introdução: confiabilidade como eixo estruturante em Energia & Utilities

    Na prática de engenharia de sistemas elétricos, quem opera rede sabe que “estar em conformidade” com critérios mínimos já não é suficiente. A combinação de transição energética, eletrificação acelerada, presença crescente de renováveis e digitalização intensiva deslocou o foco: a pergunta deixou de ser apenas “o sistema atende à demanda com segurança?” e passou a ser “a arquitetura como um todo é resiliente, adaptável e economicamente sustentável ao longo de décadas?”.

    As definições de engenharia de confiabilidade reunidas pelo Sustainability Directory ([s.d.]b) e a abordagem proposta pela ABS Group sobre engenharia de confiabilidade na era da análise preditiva ([s.d.]) ajudam a estruturar esse raciocínio: confiabilidade precisa ser tratada ao longo de todo o ciclo de vida dos ativos, do projeto ao descomissionamento, com visão integrada de risco, custo e desempenho. Quando se observa o comportamento real de redes em campo, essa proposição deixa de ser conceito abstrato e aparece como padrão: redes planejadas apenas para o “mínimo técnico” tendem a concentrar falhas, reagir mal a eventos extremos e consumir mais CAPEX/OPEX no longo prazo.

    Bjerkebæk et al. (2025) exploram esse ponto ao simular efeitos de diferentes estratégias de gestão de ativos na confiabilidade de suprimento em horizontes longos. Em paralelo, análises de modernização e resiliência de redes (KIRZINGER, 2025; IBM, 2025a; ENGINEERING WAYS TO IMPROVE ELECTRICAL GRID RESILIENCE, [s.d.]) mostram que confiabilidade, resiliência e descarbonização estão convergindo para um mesmo centro de gravidade decisório.

    À luz dessas evidências e da experiência acumulada em projetos de utilities, uma leitura consistente é a seguinte:

    • confiabilidade deixou de ser atributo “de operação” e passou a ser atributo arquitetural;
    • decisões tomadas no projeto executivo, no comissionamento, na automação, na telemetria e na cibersegurança formam um encadeamento que define a resiliência real da rede;
    • a organização só captura o valor pleno das tecnologias digitais quando conecta tudo isso a um modelo de governança e a métricas de negócio.

    Este artigo propõe uma síntese aplicada dessa visão, estruturada em:

    • engenharia de confiabilidade ao longo do ciclo de vida
    • projeto executivo e comissionamento como primeira linha de defesa
    • arquitetura em camadas (ativos, automação, supervisão, cibersegurança)
    • telemetria, monitoramento de condição e manutenção orientada a dados
    • resiliência e modernização de redes
    • modelo integrado de governança
    • e, por fim, um caminho de atuação consultiva para acelerar essa jornada.

    Engenharia de confiabilidade ao longo do ciclo de vida

    2.1 Conceitos e papel na tomada de decisão

    O Sustainability Directory (DIRECTORY, [s.d.]b) organiza a engenharia de confiabilidade em torno de um conjunto de conceitos que, na prática, se traduzem em decisões muito concretas:

    • probabilidades de falha e curvas de confiabilidade de equipamentos
    • interdependência entre componentes em topologias radiais, aneladas ou malhadas
    • métricas de desempenho de serviço, como SAIDI e SAIFI em distribuição (WHAT IS GRID RESILIENCE AND HOW CAN IT BE IMPROVED?, [s.d.]).

    A ABS Group ([s.d.]) argumenta que, em infraestruturas críticas, confiabilidade não pode ser tratada isoladamente: ela precisa ser combinada com risco, segurança e custo total de propriedade. Em termos práticos, isso significa que:

    • um mesmo investimento pode ter impactos diferentes sobre confiabilidade e risco, dependendo de onde é aplicado na rede;
    • a “melhor” decisão não é necessariamente a de maior confiabilidade absoluta, mas a de melhor relação entre risco mitigado, custo e impacto regulatório.

    Quando se olham redes reais, essa abordagem mais madura tende a se traduzir em carteiras de projeto que combinam reforços de rede, automação, monitoramento de condição e ações de O&M com base em criticidade, e não apenas em idade ou histórico de falha.

    2.2 Gestão de ativos e horizonte de longo prazo

    Bjerkebæk et al. (2025) mostram, com simulações quantitativas, como diferentes políticas de gestão de ativos – por exemplo, substituir ativos apenas após falha versus substituir com base em modelos de degradação e risco – produzem perfis de confiabilidade radicalmente distintos em 10–20 anos. Em vez de tratar cada intervenção como evento isolado, o artigo aborda o problema como portfólio de decisões interligadas.

    A Risktec, ao discutir smart asset management (IMPROVING EQUIPMENT RELIABILITY THROUGH SMART ASSET MANAGEMENT, [s.d.]), reforça essa intuição de engenharia aplicada:

    • quando se investe tempo em entender criticidade real dos ativos,
    • e se combina isso com dados de condição e regras de negócio,

    a organização consegue reordenar prioridades e evitar “apagões de CAPEX”, em que vários componentes críticos chegam ao fim de vida útil ao mesmo tempo.

    Em paralelo, a introdução da AIChE/CCPS sobre integridade e confiabilidade de ativos (INTRODUCTION TO ASSET INTEGRITY AND RELIABILITY, [s.d.]) posiciona integridade como compromisso permanente com a capacidade de ativos de desempenhar suas funções com segurança. A partir dessa lente, o ciclo de vida deixa de ser uma linha reta e passa a ser um ciclo de ajustes, monitoramento e reconfiguração de estratégias.

    Do projeto executivo ao comissionamento: onde a confiabilidade começa (ou se perde)

    Na prática de engenharia, dois momentos são particularmente determinantes para a confiabilidade futura: o projeto executivo e o comissionamento. Os estudos de BBa Consultants sobre comissionamento e manutenção de equipamentos de distribuição (COMMISSIONING AND MAINTENANCE OF ELECTRICAL DISTRIBUTION EQUIPMENT, [s.d.]) e as diretrizes da Solutions.ie (COMMISSIONING AND MAINTENANCE, [s.d.]) deixam claro um diagnóstico incômodo, mas conhecido: muitos problemas de operação são, na verdade, “defeitos de projeto” que passaram sem ser identificados no comissionamento.

    Do ponto de vista de arquitetura de confiabilidade, o projeto executivo deveria garantir, pelo menos:

    • filosofia de proteção clara e coerente, com coordenação entre relés, IEDs e dispositivos de manobra;
    • redundância pensada em termos de caminhos de energia e não apenas de equipamentos “de reserva”;
    • pontos de medição, sensores e infraestrutura de comunicação já previstos em função da estratégia futura de telemetria e análise de dados (AUTOMATIC DATA & TELEMETRY MONITORING FOR INFRASTRUCTURE, [s.d.]);
    • alinhamento de padrões de comunicação (por exemplo, IEC 61850, DNP3, Modbus) com uma visão de interoperabilidade e convergência OT/TI (WHAT IS AN IED – INTELLIGENT ELECTRONIC DEVICE?, [s.d.]; MANAGING INTELLIGENT ELECTRONIC DEVICES, [s.d.]).

    O relatório do Congresso dos Estados Unidos sobre redundância em transmissão (CONGRESS OF THE UNITED STATES, 2023) reforça, numa linguagem orientada a política pública, o que engenheiros de planejamento já percebem: redundância útil é aquela que permite reconfigurar fluxos durante manutenções, contingências ou ataques, sem violar limites operativos.

    Do lado do comissionamento, a disciplina proposta no material da Penn State University (LESSON 11: COMMISSIONING…, [s.d.]) é bastante próxima das boas práticas observadas em projetos bem-sucedidos:

    • testes integrados de proteção, automação e comunicação;
    • validação de alarmes, intertravamentos e registros;
    • verificação de cenários de falha e restabelecimento, não apenas testes estáticos.

    Em síntese aplicada: se o projeto executivo não carrega parâmetros de confiabilidade, e se o comissionamento não valida o comportamento dinâmico do sistema, a operação herdará um conjunto de restrições que nenhuma solução de software será capaz de “corrigir” depois.

    Arquitetura de confiabilidade em camadas

    Uma forma pragmática de organizar a discussão – útil tanto em debates técnicos quanto em fóruns executivos – é pensar a arquitetura de confiabilidade em quatro camadas:

    • ativos físicos
    • automação e proteção
    • supervisão, dados e analytics
    • cibersegurança e resiliência

    4.1 Ativos físicos: base silenciosa da confiabilidade

    Bjerkebæk et al. (2025) quantificam o que operadores de redes já vivenciam empiricamente: envelhecimento concentrado de ativos críticos e políticas de substituição reativas costumam gerar picos de falhas e custos elevados em janelas específicas. Em contraste, estratégias de substituição baseadas em risco e condição suavizam a curva de indisponibilidades e de CAPEX.

    Essa visão converge com a perspectiva de integridade de ativos da AIChE/CCPS (INTRODUCTION TO ASSET INTEGRITY AND RELIABILITY, [s.d.]) e com as boas práticas de asset management da Risktec ([s.d.]):

    • conhecer o inventário de ativos, seus modos de falha e criticidade;
    • decidir substituição e reforço com base em risco, não apenas em idade;
    • combinar inspeções, monitoramento de condição e histórico de ocorrência para calibrar o plano de O&M.

    Sem esse “chão” de engenharia de ativos, as camadas superiores – automação, dados, cibersegurança – operam sobre uma base estruturalmente frágil.

    4.2 Automação e proteção: IEDs, SCADA e subestações digitais

    O guia da iGrid T&D (WHAT IS AN IED – INTELLIGENT ELECTRONIC DEVICE?, [s.d.]) e a nota sobre IEDs (INTELLIGENT ELECTRONIC DEVICE, 2025) descrevem os dispositivos eletrônicos inteligentes como a espinha dorsal das subestações digitais: eles protegem, medem, automatizam e registram o comportamento dos equipamentos em tempo quase real.

    Na prática, quando IEDs são bem especificados, parametrizados e integrados:

    • reduzem tempos de atuação em faltas;
    • aumentam a seletividade e diminuem desligamentos indevidos;
    • alimentam o SCADA com dados de alta granularidade, melhorando a qualidade da supervisão (SCADA SYSTEMS…, 2018).

    NURRUZZAMAN e RANA (2025) mostram como essa integração, combinada com IoT e analytics, transforma a distribuição em um sistema mais observável e automatizável. A Eaton, ao tratar de gestão de IEDs (MANAGING INTELLIGENT ELECTRONIC DEVICES, [s.d.]), chama atenção para um ponto que costuma ser negligenciado: a administração do ciclo de vida de configuração desses dispositivos é, por si só, um fator de confiabilidade e de segurança.

    Subestações digitais, bem desenhadas, tornam o sistema mais flexível. Subestações digitais mal desenhadas – sem governança de configuração, sem padronização de lógicas, sem integração consistente com o SCADA – podem, ao contrário, introduzir novos modos de falha.

    4.3 Supervisão, dados e analytics: da visibilidade à decisão

    KIRZINGER (2025) e IBM (2025a; 2025b) convergem na ideia de que modernização de rede e resiliência dependem, cada vez mais, da capacidade de integrar dados de diversas fontes: medições em campo, registros de falhas, dados comerciais e modelos de rede.

    A ABS Group ([s.d.]) e o Sustainability Directory (DIRECTORY, [s.d.]a) exploram como modelos de confiabilidade e analytics preditivo podem, quando bem ancorados, mudar a dinâmica de decisão:

    • priorizando intervenções antes que falhas críticas ocorram;
    • recalibrando políticas de O&M com base em evidências;
    • ajustando investimentos em linha com o comportamento real dos ativos.

    O estudo da Retain Athena (FROM REACTIVE TO PREDICTIVE, [s.d.]) traduz isso em uma trajetória prática: organizações migram de manutenção reativa para preventiva, baseada em condição e, finalmente, para preditiva, à medida que consolidam dados, implantam telemetria e desenvolvem modelos de análise.

    A experiência mostra que o gargalo nem sempre é tecnológico: muitas vezes, os dados já existem, mas estão dispersos e não são incorporados a um processo estruturado de tomada de decisão. A camada de supervisão e analytics não é apenas um software; é um arranjo organizacional em torno dos dados.

    4.4 Cibersegurança e resiliência: o elo que falta na maioria dos desenhos

    Sinenko e Dondossola ([s.d.]) e Kolosok e Gurina (2022) colocam a cibersegurança no centro da discussão de resiliência de sistemas de potência. Em um cenário de subestações digitais, redes OT e convergência com TI, ataques cibernéticos deixam de ser um “risco de TI” e passam a ser risco direto de continuidade de serviço.

    O projeto da TU Delft (INFORMATION ABOUT THE CYBER RESILIENCE…, [s.d.]) reforça isso ao modelar interações entre camada física e camada cibernética. Bonita Reck (2021), ao tratar de OT cybersecurity como chave para resiliência operacional, resume um conjunto de práticas que, em campo, fazem diferença:

    • segmentação de redes, com separação clara entre domínios OT e TI;
    • políticas rígidas de acesso e configuração;
    • monitoramento de anomalias em tempo quase real;
    • processos de resposta a incidentes testados e revisados.

    Cyber Defense Magazine (OPERATIONAL RESILIENCE, 2025) e MF Cyber (CYBER & OPERATIONAL RESILIENCE (CORe), [s.d.]) ampliam o conceito de resiliência para além da proteção: trata-se de garantir que a organização consiga continuar operando, ainda que de forma degradada, durante e após incidentes. Do ponto de vista de confiabilidade, isso significa que “tempo de indisponibilidade decorrente de incidente cibernético” precisa ser tratado com a mesma seriedade que falhas físicas.

    Telemetria, monitoramento de condição e redes de sensores

    Na última década, telemetria avançada e monitoramento de condição deixaram de ser diferenciais e passaram a ser pré-requisitos em projetos de maior criticidade. A Ovarro, ao tratar de resposta a desastres com sistemas remotos (ENHANCING DISASTER RESPONSE, [s.d.]), e a Encardio-Rite, ao abordar monitoramento automático de infraestrutura (AUTOMATIC DATA & TELEMETRY MONITORING FOR INFRASTRUCTURE, [s.d.]), mostram que a lógica é a mesma, seja em redes elétricas, barragens ou túneis:

    • sensores distribuídos geram dados em tempo quase real;
    • telemetria confiável leva esses dados a centros de decisão;
    • a combinação de alarmes e dashboards permite agir antes que pequenos desvios se tornem crises.

    Aplicado a sistemas de potência, NURRUZZAMAN e RANA (2025) detalham como monitoramento de condição habilitado por IoT transforma a forma de gerenciar transformadores, linhas e dispositivos de manobra. A AMEU, ao discutir monitoramento e controle avançado de rede (ADVANCED GRID MONITORING & CONTROL SYSTEM, [s.d.]), reforça a importância de integrar esses dados com modelos de rede e automação.

    Na prática, isso se traduz em:

    • menos inspeções cegas e mais inspeções orientadas por dados;
    • planos de manutenção e substituição ajustados de acordo com sinais reais de degradação;
    • maior previsibilidade de desempenho, especialmente sob condições severas de operação.

    A pesquisa de Vaasa sobre condition monitoring proativo (PROACTIVE CONDITION MONITORING FOR POWER GRID, 2022) demonstra que, quando essa abordagem é implantada de forma estruturada, o efeito acumulado sobre confiabilidade e custos é expressivo.

    Estratégias de manutenção orientadas a dados

    O Sustainability Directory (DIRECTORY, [s.d.]a), a ABS Group ([s.d.]) e a Retain Athena (FROM REACTIVE TO PREDICTIVE, [s.d.]) convergem em uma narrativa de evolução:

    • manutenção corretiva: inevitável, mas cara e imprevisível quando predominante;
    • manutenção preventiva calendarizada: melhora a situação, mas pode levar a intervenções desnecessárias;
    • manutenção baseada em condição: ajusta intervenções ao estado real;
    • manutenção preditiva: usa modelos para antecipar falhas antes que sinais críticos sejam facilmente observáveis.

    NURRUZZAMAN e RANA (2025) detalham, na prática de distribuição, como a combinação de SCADA, IoT e analytics preditivo permite migrar para esse último estágio. A Life Cycle Engineering (ENERGY & UTILITY, [s.d.]) complementa com a perspectiva econômico-financeira: quando bem implantada, essa combinação reduz OPEX, racionaliza CAPEX e melhora a previsibilidade do negócio.

    Em termos operacionais, há alguns pontos que se repetem em implementações bem-sucedidas:

    • iniciar com classes específicas de ativos (por exemplo, transformadores de potência ou religadores críticos);
    • garantir a qualidade dos dados antes de sofisticar modelos;
    • integrar a saída dos modelos ao processo de planejamento de manutenção, com responsáveis claros e metas mensuráveis.

    Sem essas amarras de governança, existe o risco de acumular dashboards e relatórios sem impacto real na rotina de campo.

    Confiabilidade, resiliência e modernização de redes

    A ASME (ENGINEERING WAYS TO IMPROVE ELECTRICAL GRID RESILIENCE, [s.d.]) e a IBM (2025a; 2025b) colocam a modernização da rede dentro de um contexto mais amplo: lidar com eventos climáticos extremos, integrar recursos distribuídos, acomodar novas cargas (como data centers) e, ao mesmo tempo, manter ou melhorar indicadores de confiabilidade.

    TRC Companies (WHAT IS GRID RESILIENCE AND HOW CAN IT BE IMPROVED?, [s.d.]) definem resiliência como a capacidade do sistema de:

    • absorver choques;
    • limitar a propagação de falhas;
    • restaurar serviço de maneira eficiente.

    Do ponto de vista prático, a literatura e a experiência convergem em alguns vetores:

    • redes mais observáveis (mais sensores, mais telemetria, melhor modelagem);
    • redes mais automatizadas (manobras e restabelecimento mais rápidos);
    • redes mais flexíveis (capazes de integrar geração distribuída, armazenamento e resposta da demanda);
    • redes mais seguras (com proteção física e cibernética adequadas).

    Bjerkebæk et al. (2025) e KIRZINGER (2025) reforçam a necessidade de usar modelos de confiabilidade e avaliação econômica para priorizar investimentos; IBM (2025a; 2025b) propõe uma abordagem de “estratégias e táticas” para modernização, integrando tecnologia, regulação e finanças.

    Na prática, isso se traduz em uma carteira de iniciativas que mistura reforço físico de rede, automação, monitoramento, cibersegurança e mudanças de processo.

    Arquitetura integrada e modelo de governança

    Se conectarmos todos esses pontos – engenharia de confiabilidade, gestão de ativos, automação, telemetria, analytics, cibersegurança e resiliência – o resultado é um framework de arquitetura integrada que pode ser usado tanto para desenhar novos projetos quanto para reconfigurar redes existentes.

    A essência desse framework pode ser resumida em três eixos de decisão:

    • eixo técnico: como desenhar e operar ativos, automação e dados para entregar confiabilidade e resiliência;
    • eixo econômico-regulatório: como alinhar essas decisões a metas de custo, retorno e conformidade;
    • eixo organizacional: como estruturar papéis, responsabilidades e processos para sustentar essa arquitetura ao longo do tempo.

    Os trabalhos de Bjerkebæk et al. (2025), KIRZINGER (2025), IBM (2025a; 2025b), ABS Group ([s.d.]) e Retain Athena ([s.d.]) mostram que, quando esse framework é internalizado, utilities tendem a sair de um ciclo reativo de “apagar incêndios” e entrar em um ciclo mais previsível, com decisões sustentadas por dados e por uma visão clara de risco e valor.

    Do ponto de vista de governança, isso normalmente implica:

    • fóruns regulares de decisão que unam operação, planejamento, manutenção, TI e segurança;
    • processos de priorização de investimentos baseados em risco e valor;
    • indicadores que conectem confiabilidade técnica a metas de negócio.

    Como podemos ajudar: consultoria em arquiteturas de confiabilidade e resiliência

    A experiência mostra que, mesmo quando a organização conhece essas referências e tendências, o desafio está em transformar conceitos em decisões e rotinas concretas. É exatamente nesse espaço que uma consultoria especializada pode agregar valor, atuando como “ponte” entre as boas práticas e o contexto específico da utility.

    Tomando como guia as abordagens discutidas por Bjerkebæk et al. (2025), KIRZINGER (2025), IBM (2025a; 2025b), ABS Group ([s.d.]) e outros autores citados, uma atuação consultiva efetiva costuma se estruturar em algumas frentes complementares:

    a) Diagnóstico de maturidade em confiabilidade e resiliência

    • leitura integrada da situação atual: ativos, automação, supervisão, dados, cibersegurança e governança;
    • análise dos indicadores históricos de continuidade, falhas críticas, incidentes de segurança e performance regulatória;
    • comparação com práticas de referência em resiliência e modernização.

    b) Desenho de blueprint de arquitetura

    • construção conjunta de uma arquitetura alvo, em camadas, que explicite o papel de ativos, IEDs, SCADA, telemetria, analytics e cibersegurança;
    • definição de padrões tecnológicos, interfaces e requisitos de dados alinhados à estratégia da organização;
    • identificação de gaps entre o estado atual e o desejado.

    c) Roadmap de modernização e priorização de investimentos

    • aplicação de metodologias de avaliação de risco e valor para priorizar projetos ;
    • desdobramento de iniciativas em fases, com quick wins e projetos estruturantes;
    • conexão clara entre cada projeto e seus impactos em confiabilidade, resiliência, custos e indicadores regulatórios.

    d) Implantação de estratégias de O&M orientadas a dados

    • revisão dos processos de manutenção, incorporando monitoramento de condição e modelos preditivos em linha com o Sustainability Directory;
    • desenho de fluxos decisórios que levem insights de dados até o plano de manutenção e à rotina de campo;
    • definição de métricas de sucesso (por exemplo, redução de falhas não planejadas, ganhos em SAIDI/SAIFI, otimização de OPEX e CAPEX).

    e) OT cybersecurity e resiliência operacional

    • diagnóstico de riscos cibernéticos em ambientes OT, apoiado nas abordagens de Sinenko e Dondossola;
    • desenho de segmentação de rede, políticas de acesso, monitoramento de anomalias e resposta a incidentes;
    • apoio na realização de exercícios de resiliência operacional que testem a capacidade de continuar operando sob cenários de falha ou ataque.

    f) Capacitação e governança

    • desenvolvimento de trilhas de formação em engenharia de confiabilidade, automação, analytics e cibersegurança, alinhadas às referências técnicas utilizadas neste artigo;
    • apoio à criação ou revisão de fóruns e processos de governança para garantir continuidade da evolução arquitetural;
    • suporte na tradução de conceitos técnicos em narrativas executivas, facilitando o alinhamento com a alta gestão e com stakeholders externos.

    Em síntese, a proposta é sair da lógica de projetos isolados (um projeto de automação, outro de telemetria, outro de cibersegurança) e passar a trabalhar com um “masterplan de confiabilidade e resiliência”, calibrado com a realidade da organização, mas sustentado por práticas e evidências consolidadas na literatura técnica. É essa combinação de visão arquitetural, rigor analítico e pragmatismo de implementação que, em última instância, diferencia iniciativas pontuais de uma trajetória consistente de transformação.

    Referencias

    What is an IED – Intelligent Electronic Device? – iGrid Smart Guide. iGrid T&D, [S.d.]. Disponível em: https://www.igrid-td.com/smartguide/gridandsubstationautomation/ied-intelligent-electronic-device/. Acesso em: 14 nov. 2025.

    Automatic Data & Telemetry Monitoring for Infrastructure. Disponível em: https://www.encardio.com/blog. Acesso em: 14 nov. 2025.

    BJERKEBÆK, Ivar et al. Simulating the long term effect of asset management strategies on reliability of supply. International Journal of Electrical Power & Energy Systems, v. 170, p. 110851, 1 set. 2025.

    Commissioning and Maintenance. Solutions, [S.d.]. Disponível em: https://solutions.ie/services/commissioning/. Acesso em: 14 nov. 2025.

    Commissioning and maintenance of electrical distribution equipment: which approach to adopt. Disponível em: https://www.bbaconsultants.com/publications/commissioning-and-maintenance-of-electrical-distribution-equipment-which-approach-to-adopt. Acesso em: 14 nov. 2025.

    Cyber & Operational Resilience (CORe). MF Cyber, [S.d.]. Disponível em: https://mfcyber.com/cyber-operational-resilience/. Acesso em: 14 nov. 2025.

    DIRECTORY, Sustainability. Predictive Analytics for Utilities → Term. Prism → Sustainability Directory, [S.d.]. Disponível em: https://prism.sustainability-directory.com/term/predictive-analytics-for-utilities/. Acesso em: 14 nov. 2025a.

    DIRECTORY, Sustainability. Reliability Engineering → Term. Energy → Sustainability Directory, [S.d.]. Disponível em: https://energy.sustainability-directory.com/term/reliability-engineering/. Acesso em: 14 nov. 2025b.

    Engineering Ways to Improve Electrical Grid Resilience – ASME. Disponível em: https://www.asme.org/topics-resources/content/engineering-ways-to-improve-electrical-grid-resilience. Acesso em: 14 nov. 2025.

    Enhancing disaster response | Remote telemetry systems | Global. Disponível em: https://ovarro.com/en/global/news/responding-swiftly-to-natural-disasters-/. Acesso em: 14 nov. 2025.

    From Reactive to Predictive: Leveraging Data Analytics for Utility Asset Management – ServiceHub – Local Business Template Framer. Disponível em: https://www.retainathena.com/blogs/from-reactive-to-predictive-leveraging-data-analytics-for-utility-asset-management. Acesso em: 14 nov. 2025.

    Improving equipment reliability through smart asset management | Risktec. Disponível em: https://risktec.tuv.com/knowledge-bank/improving-equipment-reliability-through-smart-asset-management/. Acesso em: 14 nov. 2025.

    Information about the Cyber Resilience of Power Grid Operational Technologies project. Disponível em: https://www.tudelft.nl/ewi/over-de-faculteit/afdelingen/electrical-sustainable-energy/intelligent-electrical-power-grids-iepg-group/projects/current-projects/cyber-resilience-of-power-grid. Acesso em: 14 nov. 2025.

    Intelligent electronic device. 12 out. 2025. (Nota técnica).

    Introduction to Asset Integrity and Reliability. Disponível em: https://www.aiche.org/ccps/introduction-asset-integrity-and-reliability. Acesso em: 14 nov. 2025.

    KIRZINGER, Mallory. How to Enhance Grid Resilience: A Path to Reliable and Sustainable Energy. Copperleaf, 29 abr. 2025. Disponível em: https://www.copperleaf.com/blog/how-to-enhance-grid-resilience-grid-planning-copperleaf/. Acesso em: 14 nov. 2025.

    KOLOSOK, I.; GURINA, L. Cyber resilience models of systems for monitoring and operational dispatch control of electric power systems. IFAC-PapersOnLine, 11th IFAC Symposium on Control of Power and Energy Systems CPES 2022, v. 55, n. 9, p. 485–490, 1 jan. 2022.

    Lesson 11: Commissioning, System Monitoring, and Operation & Maintenance. Disponível em: https://courses.ems.psu.edu/ae868/book/export/html/954. Acesso em: 14 nov. 2025.

    Managing intelligent electronic devices. Disponível em: https://www.eaton.com/us/en-us/markets/utilities/knowledge-center/managing-intelligent-electronic-devices.html. Acesso em: 14 nov. 2025.

    NURUZZAMAN, Md; RANA, Sohel. IoT-Enabled Condition Monitoring in Power Distribution Systems: A Review of Scada-Based Automation, Real-Time Data Analytics, and Cyber-Physical Security Challenges. Rochester, NY: Social Science Research Network, 2 jan. 2025. Disponível em: https://papers.ssrn.com/abstract=5287167. Acesso em: 14 nov. 2025.

    Operational Resilience. Cyber Defense Magazine, 9 abr. 2025. Disponível em: https://www.cyberdefensemagazine.com/operational-resilience/. Acesso em: 14 nov. 2025.

    Power grid modernization—Strategies and tactics for resilience and energy transition. Disponível em: https://www.ibm.com/thought-leadership/institute-business-value/en-us/report/power-grid-modernization. Acesso em: 14 nov. 2025a.

    Power grid modernization—Strategies and tactics for resilience and energy transition. Disponível em: https://www.ibm.com/thought-leadership/institute-business-value/en-us/report/power-grid-modernization. Acesso em: 14 nov. 2025b.

    RECK, Bonita. The Key to Operational Resilience: OT Cybersecurity. Madison Technologies, 23 jan. 2021. Disponível em: http://uat.madison.tech/the-key-to-operational-resilience-ot-cybersecurity/. Acesso em: 14 nov. 2025.

    Reliability Engineering in the Era of Predictive Analytics. Disponível em: https://www.abs-group.com/Knowledge-Center/Insights/Reliability-Engineering-in-the-Era-of-Predictive-Analytics/. Acesso em: 14 nov. 2025.

    SINENKO, Olga; DONDOSSOLA, Giovanna. About the key role of cyber security in power system resilience. [S.d.].

    What Is Grid Resilience and How Can It Be Improved? | TRC. TRC Companies, [S.d.]. Disponível em: https://www.trccompanies.com/insights/enhancing-grid-resilience/. Acesso em: 14 nov. 2025.

  • Energia e infraestrutura: por que comissionamento e prontidão operacional precisam subir para a agenda de conselho

    Energia e infraestrutura: por que comissionamento e prontidão operacional precisam subir para a agenda de conselho

    1. Contexto: a lacuna invisível entre obra pronta e ativo produtivo

    Em quase todo grande projeto de energia ou infraestrutura, existe um momento em que o projeto “acabou”, mas o negócio ainda não começou. O cronograma mostra obra concluída, o CAPEX (Capital Expenditure) foi majoritariamente desembolsado, a cerimônia de inauguração é marcada – e, ainda assim, a usina, a subestação ou o sistema de saneamento não entrega a disponibilidade, a segurança ou a receita esperadas.

    É nesse intervalo – entre obra fisicamente concluída e operação estável – que se esconde boa parte da destruição de valor. Estudos recentes sobre prazos de comissionamento em projetos de renováveis mostram que, mesmo com tecnologias maduras, os tempos de entrada em operação vêm se alongando, com grande variabilidade entre projetos similares (GUMBER; ZANA; STEFFEN, 2024).

    Em paralelo, análises de risco em infraestrutura energética apontam que a implantação de tecnologias complexas concentra-se em organizações e países com maior capacidade institucional, enquanto regiões com maior potencial de crescimento da demanda costumam apresentar readiness mais baixa, com risco significativamente maior de atraso e underperformance (FORD; ABDULLA, 2023).

    A literatura de comissionamento e prontidão operacional (Operational Readiness, OR) converge em um ponto decisivo: boa parte desse problema não está na tecnologia em si, mas na forma como o comissionamento e a OR são tratados – frequentemente como fase final, comprimida por atrasos acumulados, em vez de serem desenhados desde a concepção do projeto (BBA, s.d.; TURNER, 2020).

    Para conselhos e executivos, isso significa que comissionamento e prontidão operacional não são detalhe técnico-operacional que possa ser delegado integralmente à obra. São alavancas diretas de proteção de CAPEX, de mitigação de risco operacional e de realização da tese econômico-financeira do projeto.

    2. O que a literatura de comissionamento e prontidão já entrega hoje

    2.1 Comissionamento como “porteira” da confiabilidade

    Guias especializados descrevem o comissionamento como um processo com etapas claras, cada uma com entregáveis, critérios de aceite e riscos associados: pré-comissionamento, comissionamento estático, comissionamento dinâmico, operação assistida e, finalmente, operação comercial (TURNER, 2020; WEAVER, 2019).

    O que muda, quando olhamos sob a ótica de confiabilidade de longo prazo, é o papel do “system commissioning”. Em utilities e infraestrutura, esse comissionamento sistêmico é a verdadeira porteira de confiabilidade: é o ponto em que se verifica, na prática, se o ativo foi entregue conforme especificação, se lógicas de proteção e controle se comportam como projetado e se a operação diária não herdará riscos latentes da fase de obra (THINK POWER SOLUTIONS, 2025).

    Relatos técnicos de campo reforçam que, onde há processos estruturados de comissionamento – com checklists, critérios de aceite e governança formal – há menos retrabalho, menos conflitos contratuais e uma rampa de operação mais previsível (WEAVER, 2019).

    2.2 Prontidão operacional como processo de negócios

    Se o comissionamento foca o “hardware” – ativos, sistemas, integrações –, a prontidão operacional (Operational Readiness, OR) foca o “sistema de negócios” que precisa estar pronto no dia em que o ativo entra em operação.

    Relatórios e guias de OR apontam que a pergunta central não é apenas “a planta liga?”, mas:

    • os sistemas necessários à operação – supervisão (SCADA (Supervisory Control and Data Acquisition)), manutenção, faturamento, gestão de clientes, compliance – estão integrados e testados em condições realistas? (MOTION TACTIC, 2024; BBA, s.d.)
    • as equipes de operação e manutenção foram treinadas em procedimentos, protocolos de segurança e respostas a emergência, antes do go-live? (ELETE et al., 2023)
    • processos críticos – gestão de ativos, sobressalentes, acionamento de equipes de campo, relacionamento com o regulador – estão definidos, com papéis, responsabilidades e fluxos de decisão claros? (LIMA et al., 2023).

    A evidência acumulada é bastante consistente: tratar OR como uma disciplina estruturada, com avaliações formais de readiness, reduz atrasos na entrada em operação, diminui incidentes iniciais e eleva a previsibilidade de desempenho no primeiro ciclo de operação (MOTION TACTIC, 2024).

    2.3 Metodologias de early startup em plantas complexas

    No setor de gás, uma revisão sobre metodologias de early startup mostra que abordagens de comissionamento faseado – trazer sistemas gradualmente para operação, em sequência planejada – permitem identificar falhas mais cedo, resolver incompatibilidades entre subsistemas e reduzir atrasos na transição para operação plena (ELETE et al., 2023).

    Essas metodologias combinam alguns elementos recorrentes:

    • planejamento proativo e execução disciplinada do comissionamento;
    • comissionamento por blocos funcionais, com testes progressivos;
    • programas robustos de treinamento prévio das equipes operacionais;
    • uso de ferramentas digitais e simulações;
    • canais de comunicação estruturados entre projeto, operação, manutenção e fornecedores.

    Os resultados observados em plantas que adotam essas práticas incluem redução significativa de prazo de comissionamento, mitigação de riscos operacionais na fase inicial, melhor desempenho nos primeiros meses e padrões mais elevados de confiabilidade e segurança (ELETE et al., 2023).

    2.4 Readiness em infraestrutura energética e risco de implantação

    A discussão sobre prontidão não se limita ao nível de planta ou empresa. Um estudo em Risk Analysis desenvolve métodos quantitativos para avaliar a readiness de países para implantação de infraestrutura energética complexa, usando Data Envelopment Analysis (DEA (Data Envelopment Analysis)) para comparar capacidades institucionais e econômicas (FORD; ABDULLA, 2023).

    Os resultados mostram que cerca de 80 por cento da nova capacidade nuclear é instalada em países que estão nos dois quartis superiores de desempenho institucional e econômico, enquanto 85 por cento do potencial de crescimento de demanda de eletricidade de baixo carbono está concentrado nos dois quartis inferiores (FORD; ABDULLA, 2023). Em outras palavras: a readiness explica por que tecnologias complexas se materializam em alguns contextos e empacam em outros.

    Relatórios sobre níveis de readiness da cadeia de suprimentos em defesa e energia reforçam a mesma lógica, ao propor níveis de maturidade inspirados em Technology Readiness Levels (TRL (Technology Readiness Levels)), aplicados agora à cadeia de suprimentos e operação (IDENTIFYING…, s.d.).

    Transposto para o ambiente corporativo, o raciocínio é direto: empresas com maior maturidade institucional em comissionamento, OR e gestão de risco têm probabilidade significativamente maior de implantar projetos complexos no prazo, no orçamento e com performance estável.

    2.5 Risco operacional e reação do mercado

    No plano financeiro, um estudo com 452 eventos de perdas operacionais em empresas de energia ao longo de 25 anos mostra que o mercado reage de forma negativa e estatisticamente significativa à divulgação de incidentes de risco operacional (KALATHA et al., 2023).

    Embora o estudo analise eventos diversos (falhas operacionais, acidentes, incidentes de compliance), a mensagem é inequívoca para conselhos e investidores: o mercado precifica a capacidade – ou incapacidade – de uma empresa em prevenir e gerir riscos operacionais. Comissionamento e OR, nessa perspectiva, deixam de ser “custo” e passam a ser parte integrante da narrativa de resiliência e governança da empresa.

    3. A camada digital como alavanca: gêmeos digitais e inteligência operacional

    A literatura recente sobre gêmeos digitais (Digital Twin, DT) e inteligência artificial (Artificial Intelligence, AI) aplicada à energia oferece um contraponto interessante. Uma revisão sistemática que analisa 42 estudos de alto impacto mostra que modelos de DT apoiados por AI podem reduzir em 35 por cento as paradas não planejadas, aumentar em 8,5 por cento a produção de energia, atingir 98,3 por cento de acurácia na detecção de falhas e reduzir em 26,2 por cento os custos de energia (ABDESSADAK et al., 2025).

    Na prática, isso significa que a camada digital deixou de ser acessório e passou a ser componente estruturante da estratégia de comissionamento e prontidão. O DT permite:

    • testar virtualmente lógicas de controle, intertravamentos e cenários de falha antes da energização;
    • simular ramp-up de produção, gargalos de rede e respostas a manobras operacionais;
    • integrar dados de obra, comissionamento e operação em um modelo vivo, que acompanha o ativo ao longo de todo o ciclo de vida (ABDESSADAK et al., 2025; HALLO; PAYNE; GOROD, 2019).

    Relatórios voltados a infraestrutura pública reforçam que gêmeos digitais ampliam o retorno sobre investimentos em ativos públicos ao melhorar planejamento, priorização de intervenções, manutenção e alocação de recursos (MCKINSEY, 2025; BUILD UP, 2023).

    Em paralelo, guias práticos sobre “digital twins in energy” consolidam casos de uso já maduros – desde otimização de desempenho de plantas até simulação de cenários para redes complexas – e mapeiam desafios recorrentes de implementação, como integração de dados, cibersegurança e governança (APPINVENTIV, 2024; TOOBLER, 2024).

    Para um conselho de administração, a questão deixa de ser “se” e passa a ser “como” e “onde” incorporar DT e inteligência operacional na arquitetura de comissionamento e OR.

    4. Que problemas crônicos essas metodologias endereçam

    4.1 Prazo e entrada em operação

    No modelo tradicional, o comissionamento costuma ser empurrado para o fim da obra, comprimido entre atrasos de construção e a pressão para iniciar a operação comercial. Testes são reduzidos ao mínimo para “ligar” o ativo, e o handover entre equipes de projeto e operação ocorre de forma abrupta.

    Documentos técnicos de consultorias de engenharia em OR mostram que, quando o tema é tratado desde a fase de estudo, o desenho do projeto já nasce com requisitos de operabilidade, manutenibilidade e segurança explícitos, e o plano de comissionamento é construído como parte integrante da estratégia de implantação, não como apêndice (BBA, s.d.; BBA, 2024).

    As metodologias de early startup em plantas de gás comprovam na prática que o comissionamento faseado e bem planejado reduz incerteza na reta final, encurta o prazo entre obra concluída e operação estável e diminui o tempo gasto “apagando incêndio” após o go-live (ELETE et al., 2023).

    4.2 CAPEX, OPEX e retrabalho

    Sem um processo estruturado, o comissionamento se torna um gerador de retrabalho caro: intervenções em sistemas já montados, modificações de lógica em campo e correções que poderiam ter sido capturadas em testes de fábrica ou em simulações.

    Guias práticos de comissionamento e OR defendem o uso de checklists detalhados, critérios de aceite por sistema e marcos formais de “go/no-go” para cada etapa, reduzindo o espaço para interpretações ambíguas e para entregas “parcialmente conformes” (TURNER, 2020; THINK POWER SOLUTIONS, 2025).

    Ao mesmo tempo, a migração de manutenção corretiva para manutenção preditiva, viabilizada por DT e analítica avançada, ataca diretamente a componente de OPEX ligada a paradas não planejadas, consumo de energia e perdas de eficiência (ABDESSADAK et al., 2025; BUILD UP, 2023).

    4.3 Risco operacional, segurança e licenciamento

    A fase de comissionamento é, por natureza, de maior risco: sistemas ainda não totalmente estabilizados, pessoas aprendendo novas rotinas, interfaces sendo testadas pela primeira vez.

    Estudos sobre metodologias de early startup destacam que programas robustos de treinamento prévio, simulações de cenários de falha e protocolos de emergência bem ensaiados reduzem significativamente incidentes de segurança e falhas operacionais na fase inicial (ELETE et al., 2023).

    A literatura de sistemas complexos, por sua vez, mostra que abordagens puramente hierárquicas (command-and-control) são pouco adaptativas em ambientes de alta incerteza, enquanto abordagens puramente participativas podem falhar em garantir conformidade a normas e padrões (GOROD; HALLO; NGUYEN, 2018; NGUYEN et al., 2023).

    Trabalhos sobre gestão integrada de crises – como a recuperação de Fukushima (GUNAWAN et al., 2017) – sugerem que a resposta mais eficaz combina rigor normativo, capacidade de coordenação em rede e aprendizagem rápida, elementos altamente relevantes para a governança de grandes comissionamentos em energia e utilities.

    4.4 Valor para o acionista e percepção de mercado

    O estudo de eventos sobre perdas operacionais em empresas de energia mostra que a reação negativa do mercado é clara e economicamente relevante (KALATHA et al., 2023).

    Mesmo quando a causa raiz não está exclusivamente em falhas de comissionamento ou OR, incidentes na fase de entrada em operação tendem a ter alta visibilidade, justamente por ocorrerem em ativos “novos”. Para conselhos e comitês de auditoria, isso significa que a robustez do plano de comissionamento e OR é parte integrante da proteção de valor para o acionista e da narrativa de governança perante o mercado.

    5. Quanto se pode capturar em valor ao integrar tudo desde o planejamento

    A literatura não oferece um único número mágico de economia, mas permite montar uma lógica de criação de valor tangível. Considere, por exemplo, um portfólio de ativos com custos de energia significativos e alta sensibilidade a paradas não planejadas. Se as ordens de grandeza indicadas pela revisão de DT forem tomadas como referência – 35 por cento de redução em paradas, 26,2 por cento de redução em custos de energia e 8,5 por cento de aumento de produção (ABDESSADAK et al., 2025) –, mesmo uma captura parcial desses ganhos ao longo de 20 ou 30 anos de vida útil produz impacto material em fluxo de caixa descontado.

    Ao somar isso aos ganhos de prazo e de redução de retrabalho associados a metodologias de early startup e OR estruturada (ELETE et al., 2023; BBA, s.d.), o quadro se torna ainda mais atraente. Em linguagem de conselho: integrar comissionamento, OR e camada digital desde o planejamento é uma forma de proteger o business case contra erosão silenciosa na transição projeto–operação.

    Além disso, métodos de avaliação de readiness institucional, como os de Ford e Abdulla (2023), podem inspirar abordagens internas para mapear a prontidão de diferentes unidades de negócio ou concessões, permitindo priorizar ações de reforço de capacidade onde o risco é maior e a exposição financeira é mais sensível (FORD; ABDULLA, 2023).

    6. O que conselhos e executivos podem fazer agora

    A partir desse conjunto de evidências, algumas orientações práticas emergem para conselhos de administração e executivos C-level em setores de infraestrutura.

    Primeiro, elevar comissionamento e prontidão operacional à condição de competência estratégica. Isso implica definir princípios corporativos mínimos – por exemplo, nenhum ativo crítico entra em operação sem um plano de comissionamento e OR aprovado em nível executivo – e incorporar métricas de readiness no pipeline de investimentos, na matriz de riscos e, quando apropriado, em mecanismos de remuneração variável. Trabalhos sobre complex project management sugerem que capacidades organizacionais explícitas, com toolbox evolutivo, são determinantes para o sucesso em projetos complexos (GOROD et al., 2019).

    Segundo, exigir que grandes projetos apresentem, já na fase de estudo e FEED (Front-End Engineering Design), um esboço de estratégia de comissionamento e OR, incluindo marcos, principais riscos e premissas. A própria literatura prática de OR recomenda que o tema seja abordado “desde o início da execução, ou mesmo na fase de estudo” (BBA, s.d.), o que muda a lógica de governança: readiness deixa de ser um check-list de última hora e passa a ser linha de atuação contínua.

    Terceiro, inserir a camada digital no escopo desde o início. Em vez de tratar gêmeos digitais, analítica e manutenção preditiva como iniciativas paralelas, conselhos podem demandar que cada projeto crítico apresente, no business case, um plano mínimo de uso de DT e inteligência operacional para comissionamento e primeiros anos de operação, alinhado às evidências de ganhos de disponibilidade e eficiência (ABDESSADAK et al., 2025; MCKINSEY, 2025).

    Quarto, adequar a governança à natureza complexa desses sistemas. Estudos sobre tomada de decisão em sistemas complexos mostram que a combinação de intuição qualificada e análise estruturada eleva a qualidade das decisões críticas (HALLO; NGUYEN, 2021; HALLO et al., 2020). Em comissionamentos de grande porte, isso se traduz em fóruns que combinam disciplina de compliance, leitura sistêmica de riscos e espaço para adaptação rápida diante de informações novas – lógica muito próxima dos frameworks integrados propostos para gestão de crises como a COVID-19 (NGUYEN et al., 2023).

    Por fim, criar mecanismos de aprendizagem organizacional. Cada grande comissionamento deve deixar um legado codificado: lições aprendidas, atualização de padrões, evolução da toolbox de gestão de projetos complexos (GOROD et al., 2019). Isso evita que a organização “reaprenda” os mesmos problemas em ciclos sucessivos de investimento.

    7. Como podemos ajudar

    A partir dessa base bibliográfica e da prática em projetos de energia e infraestrutura, há uma agenda clara de valor para conselhos e executivos que queiram profissionalizar comissionamento e prontidão operacional.

    Podemos apoiar a organização em três frentes principais:

    • Diagnóstico de maturidade em comissionamento e OR, com base em frameworks de readiness e gestão de risco aplicados a infraestrutura energética (FORD; ABDULLA, 2023; IDENTIFYING…, s.d.).
    • Desenho e implantação de frameworks corporativos de comissionamento e OR, incluindo padrões, checklists, critérios de aceite, matriz de responsabilidades e rotinas de governança, alinhados às boas práticas consolidadas na literatura técnica e em guias especializados (TURNER, 2020; BBA, s.d.; THINK POWER SOLUTIONS, 2025).
    • Integração da camada digital ao processo de comissionamento e readiness, identificando casos de uso prioritários de DT, analítica e manutenção preditiva, com base nas evidências de ganho de disponibilidade, eficiência e redução de custos (ABDESSADAK et al., 2025; APPINVENTIV, 2024; TOOBLER, 2024).

    Em síntese, o estado da arte aponta para um reposicionamento estratégico: comissionamento e prontidão operacional, apoiados por inteligência digital, deixam de ser “custo inevitável” e passam a ser mecanismos centrais de captura e proteção de valor. O próximo ciclo de investimentos em infraestrutura tenderá a diferenciar, de forma ainda mais nítida, as organizações que internalizarem essa agenda na governança de projetos daquelas que continuarem tratando comissionamento como um rito final, comprimido entre a pressa e a improvisação.

    Referências 

    ABDESSADAK, Abdelali; GHENNIOUI, Hicham; THIRION-MOREAU, Nadège; ELBHIRI, Brahim; ABRAIM, Mounir; MERZOUK, Safae. Digital twin technology and artificial intelligence in energy transition: a comprehensive systematic review of applications. Energy Reports, v. 13, p. 5196-5218, 2025. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S235248472500263X. Acesso em: 13 nov. 2025.

    APPINVENTIV. Digital twin in the energy sector: benefits, use cases, and examples. Appinventiv, 4 set. 2024. Disponível em: https://appinventiv.com/blog/digital-twin-in-energy-sector/. Acesso em: 13 nov. 2025.

    BBA. Operational readiness and commissioning plans: the key to a successful start. bba, [s.d.]. Disponível em: https://www.bbaconsultants.com/publications/operational-readiness-and-commissioning-plans-the-key-to-a-successful-start. Acesso em: 13 nov. 2025.

    BUILD UP. Enhancing building energy performance with digital twin technologies: insights from the SmartWins project. BUILD UP, [s.d.]. Disponível em: https://build-up.ec.europa.eu/en/resources-and-tools/articles/enhancing-building-energy-performance-digital-twin-technologies. Acesso em: 13 nov. 2025.

    CALDEIRA, Ed. What is operational readiness and its role in commissioning? FTQ360 Blog, [s.d.]. Disponível em: https://blog.ftq360.com/blog/what-is-operational-readiness-and-its-role-in-commissioning. Acesso em: 13 nov. 2025.

    ELETE, Tari Yvonne; NWULU, Emmanuella Onyinye; ERHUEH, Ovie Vincent; AKANO, Oluwaseyi Ayotunde. Early startup methodologies in gas plant commissioning: an analysis of effective strategies and their outcomes. International Journal of Scientific Research Updates, v. 5, n. 2, p. 99-115, 30 jun. 2023. Disponível em: https://orionjournals.com/ijsru/node/601. Acesso em: 13 nov. 2025.

    FORD, Michael J.; ABDULLA, Ahmed. New methods for evaluating energy infrastructure development risks. Risk Analysis, v. 43, n. 3, p. 624-640, 2023. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/risa.13727. Acesso em: 13 nov. 2025.

    GOROD, Alex; HALLO, Leonie; NGUYEN, Tiep. A systemic approach to complex project management: integration of command-and-control and network governance. Systems Research and Behavioral Science, v. 35, n. 6, p. 811-837, 2018. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/sres.2520. Acesso em: 13 nov. 2025.

    GOROD, Alex; HALLO, Leonie; IRELAND, Vernon; GUNAWAN, Indra. Evolving toolbox for complex project management. Boca Raton: CRC Press, 2019.

    GOROD, Alex; HALLO, Leonie; MERCHANT, Susan. Governance of patient-centred care: a systemic approach to cancer treatment. Systems Research and Behavioral Science, v. 38, n. 2, p. 257-271, mar. 2021. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/sres.2728. Acesso em: 13 nov. 2025.

    GOROD, Alex; NGUYEN, Tiep; HALLO, Leonie. Systems engineering decision-making: optimizing and/or satisficing? In: IEEE INTERNATIONAL SYSTEMS CONFERENCE (SYSCON), 2017. Proceedings […]. New York: IEEE, 2017. p. 1-6. Disponível em: https://ieeexplore.ieee.org/abstract/document/7934775/. Acesso em: 13 nov. 2025.

    GOROD, Alex; HALLO, Leonie; STATSENKO, Larissa; NGUYEN, Tiep; CHILESHE, Nicholas. Integrating hierarchical and network centric management approaches in construction megaprojects using a holonic methodology. Engineering, Construction and Architectural Management, v. 28, n. 3, p. 627-661, 2021. Disponível em: https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/ecam-01-2020-0072/full/html. Acesso em: 13 nov. 2025.

    GUMBER, Anurag; ZANA, Riccardo; STEFFEN, Bjarne. A global analysis of renewable energy project commissioning timelines. Applied Energy, v. 358, art. 122563, 15 mar. 2024. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S030626192301927X. Acesso em: 13 nov. 2025.

    HANZIS, Anastasia; HALLO, Leonie. The experiences and views of employees on hybrid ways of working. Administrative Sciences, v. 14, n. 10, art. 263, 2024. Disponível em: https://www.mdpi.com/2076-3387/14/10/263. Acesso em: 13 nov. 2025.

    HALLO, Leonie; NGUYEN, Tiep. Holistic view of intuition and analysis in leadership decision-making and problem-solving. Administrative Sciences, v. 12, n. 1, art. 4, 2021. Disponível em: https://www.mdpi.com/2076-3387/12/1/4. Acesso em: 13 nov. 2025.

    HALLO, Leonie; PAYNE, Ben; GOROD, Alex. Model-based approach to system of systems engineering: reevaluating the role of simulation. In: SYSTEM OF SYSTEMS ENGINEERING (SOSE), 14TH ANNUAL CONFERENCE, 2019. Proceedings […]. New York: IEEE, 2019. p. 266-271. Disponível em: https://ieeexplore.ieee.org/abstract/document/8753868/. Acesso em: 13 nov. 2025.

    IO, Man-U; HALLO, Leonie. Tour guides’ interpretation of the Historic Center of Macao as a World Cultural Heritage site. Journal of Tourism and Cultural Change, v. 9, n. 2, p. 140-152, 2011. Disponível em: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/14766825.2011.568621. Acesso em: 13 nov. 2025.

    IO, Man-U; HALLO, Leonie. A comparative study of tour guides’ interpretation: the case of Macao. Tourism Analysis, v. 17, n. 2, p. 153-165, 2012. Disponível em: https://www.ingentaconnect.com/content/cog/ta/2012/00000017/00000002/art00004. Acesso em: 13 nov. 2025.

    JAVANI, B.; JAFTA, N.; DEWA, M. Maintenance management and impact on organisational performance: a power utility perspective. In: ANNUAL SOUTHERN AFRICAN INSTITUTE FOR INDUSTRIAL ENGINEERING CONFERENCE (SAIIE33), 33., 2022, Zimbali. Proceedings […]. Zimbali: South African Institute for Industrial Engineering, 2022. p. 788-801.

    KALATHA, Sofia; DONTIS-CHARITOS, Panagiotis; KOSMIDOU, Kyriaki; ANDRIOSOPOULOS, Kostas D. The market reaction to operational risk events in the energy sector. Rochester: Social Science Research Network, 2023. (SSRN Scholarly Paper, 4470208). Disponível em: https://papers.ssrn.com/abstract=4470208. Acesso em: 13 nov. 2025.

    LIMA, Rui M. et al. Characterising project management of lean initiatives in industrial companies: crossing perspectives based on case studies. Engineering Management in Production and Services, v. 15, n. 1, p. 57-72, 2023. Disponível em: https://reference-global.com/article/10.2478/emj-2023-0005. Acesso em: 13 nov. 2025.

    MCDERMOTT, Thomas A.; FOLDS, Dennis J.; HALLO, Leonie. Addressing cognitive bias in systems engineering teams. INCOSE International Symposium, v. 30, n. 1, p. 257-271, jul. 2020. Disponível em: https://incose.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/j.2334-5837.2020.00721.x. Acesso em: 13 nov. 2025.

    MCKINSEY & COMPANY. Digital twins: boosting ROI of government infrastructure investments. McKinsey & Company, [s.d.]. Disponível em: https://www.mckinsey.com/industries/public-sector/our-insights/digital-twins-boosting-roi-of-government-infrastructure-investments. Acesso em: 13 nov. 2025.

    MOTION TACTIC. Operational readiness assessment in commissioning projects. Tracker Technologies Blog, 14 out. 2024. Disponível em: https://www.trackertechnologies.co/blog/operational-readiness-assessment-in-commissioning-projects/. Acesso em: 13 nov. 2025.

    NGUYEN, Tiep; HALLO, Leonie; GUNAWAN, Indra. Investigating risk of public–private partnerships (PPPs) for smart transportation infrastructure project development. Built Environment Project and Asset Management, v. 14, n. 1, p. 74-91, 2024. Disponível em: https://www.emerald.com/bepam/article/14/1/74/1232823. Acesso em: 13 nov. 2025.

    NGUYEN, Tiep; NGUYEN, Long Hoang; CHILESHE, Nicholas; HALLO, Leonie. Investigating critical risk factors of selecting joint venture contractors for infrastructure projects implementation in Vietnam. International Journal of Construction Management, v. 23, n. 14, p. 2438-2451, 2023. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/15623599.2022.2065076. Acesso em: 13 nov. 2025.

    NGUYEN, Tiep; TRAN, Quang Phu; CHILESHE, Nicholas; HUYNH, Thi Yen Thao; HALLO, Leonie. Risk prioritization using analytic process network for metro rail implementation projects in developing countries: a typical case study of Vietnam. International Journal of Construction Management, v. 24, n. 10, p. 1077-1089, 2024. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/15623599.2022.2117442. Acesso em: 13 nov. 2025.

    NGUYEN, Tiep; HALLO, Leonie; CHILESHE, Nicholas; NGUYEN, Nghia Hoai. Towards a sustainable integrated management approach to uncertainty surrounding COVID-19. Systems Research and Behavioral Science, v. 40, n. 6, p. 819-835, nov. 2023. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/sres.2936. Acesso em: 13 nov. 2025.

    PATRICKSON, Margaret; HALLO, Leonie. Female immigrant entrepreneurship: the experience of Chinese migrants to Australia. Administrative Sciences, v. 11, n. 4, art. 145, 2021. Disponível em: https://www.mdpi.com/2076-3387/11/4/145. Acesso em: 13 nov. 2025.

    SHAHID, Zubair Ali; HALLO, Leonie. A network perspective on the intermittent internationalising experiences of emerging economy entrepreneurial SMEs. In: INTERNATIONAL ENTREPRENEURSHIP IN EMERGING MARKETS: NATURE, DRIVERS, BARRIERS AND DETERMINANTS. Bingley: Emerald Publishing Limited, 2019. p. 7-31. Disponível em: https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/S2040-724620190000010003/full/html. Acesso em: 13 nov. 2025.

    SHAHID, Zubair Ali; TARIQ, Muhammad Irfan; PAUL, Justin; NAQVI, Syed Ali Nabeel; HALLO, Leonie. Signaling theory and its relevance in international marketing: a systematic review and future research agenda. International Marketing Review, v. 41, n. 2, p. 514-561, 2024. Disponível em: https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/imr-04-2022-0092/full/html. Acesso em: 13 nov. 2025.

    THINK POWER SOLUTIONS. System commissioning: the final step toward long-term infrastructure reliability. Think Power Solutions, 9 abr. 2025. Disponível em: https://www.thinkpowersolutions.com/system-commissioning-final-step/. Acesso em: 13 nov. 2025.

    TOOBLER. Digital twins in energy: key use cases and challenges. Toobler, [s.d.]. Disponível em: https://www.toobler.com/. Acesso em: 13 nov. 2025.

    TURNER, Paul. The commissioning process: a step-by-step guide. Commissioning Academy, 15 jun. 2020. Disponível em: https://commissioningandstartup.com/the-commissioning-process-a-step-by-step-guide/. Acesso em: 13 nov. 2025.

    TURNER, Paul. Operational readiness: bringing projects to life. Institute of Commissioning & Assurance, 19 set. 2025. Disponível em: https://icxa.net/operational-readiness-bringing-projects-to-life/. Acesso em: 13 nov. 2025.

    WEAVER, Bill. Design and commissioning report. [S.l.: s.n.], 2019.

    (IERE). RWETI ready-for-operation. [S.l.]: IERE, [s.d.]. Brochura técnica. Disponível em: https://www.iere.jp/membersinformation/brochure/RWETI_ready-for-operation.pdf. Acesso em: 13 nov. 2025.

  • Governança de IA em ambientes informacionais polarizados: caso BBC como lição de risco operacional para conselhos

    Governança de IA em ambientes informacionais polarizados: caso BBC como lição de risco operacional para conselhos

    A crise de confiança enfrentada pela BBC em 9–10 de novembro de 2025 expôs um vetor crítico de risco corporativo: quando modelos de IA — em especial LLM (Large Language Model) e RAG (Retrieval-Augmented Generation) — se ancoram em ecossistemas informativos sob questionamento, o viés latente pode transbordar para decisões executivas. O episódio combinou três elementos que importam para o board: um fato reputacional de alto impacto público; alegações sobre edição enganosa de conteúdo em um documentário; e a materialização de consequências de governança, incluindo renúncias de liderança e ameaça de litígio relevante. Não se trata de ideologia; trata-se de governança de dados, resiliência decisória e accountability. 

    No pano de fundo, pesquisas indicam que a composição de preferências políticas em redações no Reino Unido e no Brasil é majoritariamente inclinada à esquerda, elemento que não invalida o jornalismo, mas sinaliza a necessidade de contrapesos metodológicos quando esses conteúdos irrigam pipelines de IA corporativa. Em paralelo, levantamentos recentes da EY mostram perdas agregadas de aproximadamente US$ 4,4 bilhões relacionadas a riscos de IA — entre eles saídas enviesadas, falhas de compliance e impactos sobre sustentabilidade. Isso delimita o problema como risco operacional e financeiro, não como disputa cultural. 

    O caso BBC: fatos relevantes para governança

    Linha do tempo sintética, com pontos materiais ao board:

    1. Disparo do evento. Em outubro de 2024, um episódio do programa Panorama abordou Donald Trump. Em novembro de 2025, veio a público um memorando interno — atribuído a Michael Prescott, ex-assessor do comitê de diretrizes editoriais — apontando que a edição do discurso de 6 de janeiro de 2021 teria agrupado trechos de forma a sugerir incitação, omitindo a passagem “peacefully and patriotically”, o que acendeu acusações de edição enganosa. A BBC é reportada como preparando pedido de desculpas pelo recorte adotado no episódio. 
    2. Consequências de liderança e jurídicas. Em 9 de novembro de 2025, o diretor-geral Tim Davie e a CEO de BBC News, Deborah Turness, apresentaram renúncia em meio às críticas de parcialidade. Em paralelo, foi ventilada uma ameaça de ação judicial da ordem de US$ 1 bilhão por parte de Donald Trump, ampliando a materialidade do risco. 
    3. Observações de governança. A discussão pública passou a incluir cobertura da BBC Arabic e critérios de curadoria de convidados, com alegações de vieses e de seleção problemática de fontes, o que reforça a lição central para empresas: provenance (rastro de origem) e curadoria importam tanto quanto a acurácia do modelo. 

    Premissas de prudência para comunicação executiva:

    • Parte das alegações permanece em apuração e é disputada por diferentes atores.
    • A lição corporativa não exige juízo político: exige controles de fonte, validação cruzada e transparência de edição quando conteúdos jornalísticos alimentam funções críticas de RAG (Retrieval-Augmented Generation). 

    Como o viés informacional entra em LLM e RAG

    O viés pode infiltrar-se por três vias técnicas principais:

    1. Dados de treinamento. LLM (Large Language Model) herdam distribuições estatísticas das fontes; se o corpus tem assimetria temática/política, a superfície de decisão do modelo tende a refletir esse desequilíbrio. Estudos comparativos recentes mostram que preferências políticas podem ser medidas e até realinhadas por fine-tuning direcionado, confirmando que o viés não é inexorável, mas é mensurável. 
    2. Recuperação de contexto. RAG (Retrieval-Augmented Generation) injeta documentos “atuais” nas respostas do LLM. Quando a recuperação privilegia fontes com framing enviesado, a saída pode piorar — inclusive ficando menos segura — e suscetível a ataques de envenenamento (data poisoning) que amplificam vieses. Pesquisas recentes e análises setoriais em finanças já alertam para essa contradição. 
    3. Interação humano-modelo. Trabalhos na ACL (Association for Computational Linguistics) indicam que vieses “cognitivos” emergem em decisões assistidas por modelos e que exposições a modelos com inclinação política podem influenciar opiniões e escolhas dos usuários, o que eleva o padrão de diligência requerido em processos críticos. 

    O contexto informacional: dados demográficos de redações

    • Reino Unido: 77% dos jornalistas se identificaram com a esquerda em 2023, segundo o Reuters Institute.
    • Brasil: 80,7% dos jornalistas se identificaram com campos à esquerda (esquerda, centro-esquerda, extrema-esquerda) no Perfil do Jornalista Brasileiro 2021 (UFSC).

    Esses números não qualificam a qualidade do jornalismo; indicam, isso sim, que decisões corporativas baseadas em conteúdo público precisam de contrapesos metodológicos para mitigar vieses sistêmicos. 

    Materialidade financeira e legal

    • Perdas financeiras. A EY reporta perdas agregadas de ~US$ 4,4 bilhões entre grandes empresas associadas a riscos de IA, incluindo viés e saídas defeituosas. É um indicador de que a exposição já é orçamentariamente relevante. 
    • Multas regulatórias.
      A moldura da GDPR (General Data Protection Regulation) prevê multas de até €20 milhões ou 4% do faturamento global, o que torna incidentes envolvendo dados pessoais — inclusive aqueles gerados por pipelines de IA — potencialmente catastróficos. No Brasil, a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) autoriza a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) a aplicar sanções como advertência, multa simples de até 2% do faturamento da pessoa jurídica no Brasil (excluídos tributos), limitada a R$ 50.000.000,00 por infração, multa diária observando o mesmo teto, publicização da infração, bloqueio e eliminação de dados pessoais — reforçando a materialidade financeira e reputacional desses incidentes. 
    • Efeito reputacional. Incidentes de conteúdo enganoso ou enviesado associados à marca podem produzir erosão de confiança entre stakeholders, aumentar custo de capital e desencadear reações regulatórias e judiciais regionais.

    Riscos específicos para conselhos e diretorias

    1. Estratégia e alocação de capital. Modelos enviesados em geopolítica, energia ou ESG (Environmental, Social and Governance) podem inflar ou deflacionar percepções de risco e retorno, induzindo sobrealocações ou desinvestimentos prematuros.
    2. Mercado e comunicação. RAG sem controle pode priorizar fontes que alimentem narrativas em detrimento de dados primários, afetando guidance, notas a investidores e relações governamentais.
    3. Pessoas e compliance. Ferramentas de triagem e avaliação podem reproduzir vieses demográficos/ideológicos, gerando passivos trabalhistas e exposição antidiscriminação.
    4. Jurídico-regulatório. Sem governança robusta, incidentes de dados e decisões automatizadas opacas elevam o risco sob GDPR, LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), entre outras. 

    Framework de mitigação: controles de primeira linha

    Arquitetura de fontes e proveniência de dados

    • Estabelecer allowlists e denylists por domínio temático sensível.
    • Implementar quotas de pluralidade editorial em coleções de RAG, com metas explícitas por espectro de opinião e região.
    • Registrar provenance completo: URL, data/hora, versão, autorias e verificações.
    • Rodar scans periódicos de segurança e qualidade em índices de busca interna para detectar envenenamento e conteúdo manipulado. 

    Validação e mensuração

    • Definir KPI (Key Performance Indicator) de fairness por domínio: diferença máxima aceitável de tratamento entre grupos ou posições (<5% como linha-guia interna).
    • Introduzir testes A/B com prompts balanceados e comitês “adversários” internos para desafios de framing.
    • Incluir camadas de revisão humana em decisões materiais; instituir trilhas de auditoria legíveis para o conselho.
    • Adotar benchmarks de viés reconhecidos (por exemplo, Parity Benchmark) e painéis internos para deriva (model drift) e estabilidade. 

    Segurança de RAG

    • Mitigar amplificação de viés por re-rankers calibrados, expansão de consulta supervisionada e restrição de domínios em tópicos sensíveis.
    • Aplicar defesas anti-poisoning e monitores de anomalia de conteúdo.
    • Revisar o mito de “RAG sempre melhora a precisão”: resultados mostram que, sem curadoria, RAG pode degradar segurança e confiabilidade. 

    Governança e accountability

    • Comitê de Ética em IA no nível do conselho, com mandato formal para pausar modelos em áreas sensíveis.
    • DPO (Data Protection Officer) e Jurídico integrados desde o desenho do caso de uso, não apenas na homologação.
    • Política de comunicação executiva que privilegie linguagem de risco, não rótulos políticos; planos de resposta a incidentes com prazos, responsáveis e mensagem-guia.
    • Due diligence contínua de fornecedores de conteúdo e de modelos, com cláusulas contratuais de E-E-A-T (Experience, Expertise, Authoritativeness, Trustworthiness) para curadoria e explicabilidade.

    Indicadores e métricas recomendadas

    • Fairness Score por domínio: variação máxima entre grupos/posições (<5%).
    • Taxa de discordância humana versus modelo em decisões materiais (<10% após tuning).
    • Tempo de detecção e correção de conteúdo problemático em RAG (SLA – Service Level Agreement) por criticidade.
    • Porcentual de respostas com provenance completo e verificável (meta >95% em relatórios de risco).
    • Índice de estabilidade semântica: variação de resposta frente a fontes contrabalançadas num painel de teste.
    • Taxa de incidentes regulatórios e tempo de resposta com comunicação pública padronizada (inclui obrigação de reporte quando aplicável à GDPR/LGPD). 

    Aplicando as lições do caso BBC sem politizar

    O valor do caso BBC para conselhos está em cinco lições táticas, independentes de preferência política:

    1. Tratem conteúdo de mídia como dado volátil. A curadoria editorial segue incentivos e contextos próprios; o uso corporativo exige filtros adicionais e validação cruzada.
    2. Evitem dependência de fonte única para temas sensíveis. Use pluralidade sistemática e metas explícitas de diversidade de fontes.
    3. Diferenciem erro editorial de má-fé. A resposta de governança não parte de julgamentos ideológicos, mas de materialidade, correção e prevenção.
    4. Instituam guard-rails antes do incidente. Red-teaming periódico reduz o espaço de surpresa.
    5. Protejam a organização contra externalidades jurídicas. Ameaças de litígio e escrutínio público podem se estender a quem republica ou opera sobre conteúdos potencialmente enganosos. 

    Roadmap 30–60–90 para o board

    30 dias — diagnóstico e contenção

    • Inventário completo de fontes em RAG e datasets de treinamento de LLM.
    • Varredura de viés e sensibilidade por domínio (geopolítica, energia, saúde, hiring).
    • Quarentena de coleções com baixa rastreabilidade; ativação de monitores de anomalia.
    • Política provisória de comunicação executiva: linguagem de risco, sem adjetivação política.

    60 dias — hardening e mensuração

    • Implementação de allowlists/denylists e quotas de pluralidade editorial.
    • Benchmarks de viés e fairness; painéis de drift e estabilidade semântica.
    • Re-rankers e reescore de recuperação com avaliação humana cega.
    • Contratos com fornecedores de conteúdo e modelos com cláusulas de provenance, E-E-A-T (Experience, Expertise, Authoritativeness, Trustworthiness) e auditoria.

    90 dias — governança contínua

    • Comitê de Ética em IA reportando ao conselho com agenda trimestral.
    • Rotina de relatórios executivos com KPI de fairness, estabilidade e incidentes.
    • Programa de red-teaming e exercícios de crise (tabletop) semestrais.
    • Integração com compliance regulatório, incluindo GDPR e LGPD, com avaliação de risco de multa. 

    Perguntas que o conselho deve fazer imediatamente

    • Quais decisões materiais hoje dependem de RAG/LLM e quais são as fontes subjacentes?
    • Qual é a porcentagem de respostas de risco com provenance completo e auditável?
    • Que testes de viés e estabilidade executamos nos últimos 90 dias, com que resultados?
    • Qual é o apetite ao risco do conselho para vieses residuais em domínios sensíveis?
    • Em caso de incidente, qual é o tempo alvo para correção e retratação pública?
    • Há cláusulas contratuais que nos protejam de passivos de terceiros originados por conteúdo de mídia manipulado?


    Indicadores-chave para contextualização neutra

    • 77% dos jornalistas no Reino Unido se identificam com a esquerda em 2023.
    • 80,7% dos jornalistas no Brasil se identificam com campos à esquerda.
    • ~US$ 4,4 bilhões em perdas ligadas a riscos de IA reportadas por grandes empresas, segundo pesquisa EY de 2025.
    • GDPR (General Data Protection Regulation), UE: multas de até € 20 milhões ou 4% do faturamento global, o que for maior.
    • LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), Brasil: sanções da ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) incluem advertência; multa simples de até 2% do faturamento no Brasil (excluídos tributos), limitada a R$ 50 milhões por infração; multa diária (respeitado o mesmo teto); publicização da infração; bloqueio e eliminação de dados; e, nos casos graves, suspensão de funcionamento de banco de dados/atividade de tratamento. 
    • Mídia dos EUA — análise de linguagem: estudo do The Economist (dez/2023), ao comparar vocabulário associado a democratas vs. republicanos, encontrou que, entre os 20 sites de notícias mais lidos, 17 usaram mais expressões ligadas a democratas. Metodologia: dicionário de 428 frases aplicado a 242 mil artigos e 397 mil transcrições de TV. 
    • Evidências acadêmicas recentes de que RAG pode amplificar viés e, sem curadoria, degradar segurança; e de que vieses em modelos podem influenciar decisões de usuários. 

    Mensagem-guia para blindagem reputacional

    A organização adota uma posição de neutralidade institucional: não endossa teses políticas; adota métricas, controles e transparência de fontes. Em comunicações públicas, privilegia-se a linguagem de risco e governança. O caso BBC é tratado como estudo de governança de dados e decisões, não como instrumento de disputa cultural. 

    Como podemos ajudar?

    Diagnostic Express de IA

    Sessão de 2 horas com líderes de Risco, Dados, Jurídico e Comunicação para mapear fontes críticas e decisões suportadas por RAG (Retrieval-Augmented Generation) e LLM (Large Language Model), avaliar vieses, priorizar controles e pactuar um plano 30–60–90;

    Método baseado em checklist proprietário, scoring de materialidade, matrizes de risco e princípios de proveniência/rastreabilidade;

    Entregáveis em até 48 horas úteis incluem checklist com 10–15 controles prioritários, matriz de materialidade, template de política de proveniência de dados, mini-backlog do plano com owners, marcos e KPIs (Key Performance Indicators) e sumário de decisões materiais impactadas;

    Fora do escopo estão alterações em produção e coleta de dados pessoais; sucesso medido por top 5 riscos definidos, plano e métricas acordados;

    Opcionais sob demanda: quick scan técnico de RAG e simulação de incidente com playbook de resposta.

    Observações finais

    1. Evitar números controvertidos ou não replicáveis em documento público. Trabalhar com métricas auditáveis, estudos reconhecidos e dados de reguladores.
    2. Manter distanciamento de rótulos partidários; ancorar as recomendações em práticas de compliance e gestão de risco.
    3. Em temas altamente sensíveis, revisar conteúdos com dupla checagem jurídica e de dados antes de alimentar RAG.