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Autor: Eduardo Fagundes

  • Relatório Final da X Semana de la Energía – OLADE 2025: Desafios e Oportunidades para a Transição Energética na América Latina e Caribe

    Relatório Final da X Semana de la Energía – OLADE 2025: Desafios e Oportunidades para a Transição Energética na América Latina e Caribe

    Sumário Executivo

    Contexto e propósito

    X Semana de la Energía da OLADE, realizada em Santiago do Chile, entre 30 de setembro e 3 de outubro de 2025, consolidou-se como o principal fórum político, técnico e regional sobre transição energética e integração elétrica na América Latina e no Caribe (ALC).

    O encontro reforçou o papel estratégico da região no avanço da descarbonização, da cooperação regional e da transição justa e inclusiva.

    Promovido pela Organização Latino-americana de Energia (OLADE), em parceria com o Ministério de Energia do Chile, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), a Agência Internacional de Energia (AIE) e a União Europeia, o evento reuniu ministros, reguladores, líderes empresariais e especialistas de 27 países.

    Sob o tema “Transiciones Energéticas Justas e Inclusivas para América Latina y el Caribe”, o fórum abordou os principais desafios da descarbonização, da integração energética e da inovação regulatória, com destaque para temas como armazenamento de energia (BESS e hidrogênio verde)mobilidade sustentáveluso eficiente da águadigitalização de sistemas elétricos e fortalecimento das cadeias de valor de minerais críticos, como lítio e cobre.

    X Semana de la Energía destacou ainda o papel da inovação tecnológica, da governança regulatória e da cooperação público-privada como pilares essenciais para alcançar uma transição energética resiliente, competitiva e inclusiva, capaz de transformar o potencial renovável latino-americano em desenvolvimento econômico sustentável e segurança energética duradoura.

    Este Relatório Final Integrado, elaborado a partir das sessões plenárias, painéis técnicos e documentos oficiais, tem como objetivo identificar riscos, oportunidades e recursos necessários para orientar decisões estratégicas de reguladores, investidores e conselhos de administração, oferecendo uma visão regional coordenada da transição energética na América Latina e no Caribe.

    As opiniões e conclusões expressas neste relatório são de responsabilidade exclusiva de seu autor, Eduardo M. Fagundes, e não refletem necessariamente a posição oficial da OLADE ou de seus parceiros institucionais.

    Principais tendências regionais

    1. Integração energética como eixo de soberania e competitividade: A coordenação entre países da OLADE foi reafirmada como instrumento estratégico para reduzir custos, evitar vertimentos (curtailment) e fortalecer a segurança regional. A interconexão elétrica e gasífera — somada à harmonização regulatória — constitui o alicerce da soberania energética latino-americana.
    2. Armazenamento e digitalização como bases da estabilidade: O Libro Blanco del Almacenamiento de Energía e os debates técnicos consolidaram o armazenamento (BESS, PSH e hidrogênio) como eixo da estabilidade sistêmica. A integração com IA e redes digitais (SCADA 4.0) redefine o conceito de confiabilidade elétrica.
    3. Industrialização verde e cadeias de valor regionais: A América Latina possui 25% das reservas globais de minerais críticos e potencial para se tornar polo produtor de baterias, hidrogênio e biocombustíveis de nova geração, reduzindo a dependência de importações tecnológicas.
    4. Capital humano e transição justa: Estima-se a criação de 3,5 milhões de empregos até 2030, exigindo formação técnica em automação, energia solar, hidrogênio e redes inteligentes. A justiça energética é tratada como política de desenvolvimento territorial e de inclusão produtiva.
    5. Governança inteligente e inovação regulatória: Os países reconheceram a necessidade de adotar regulação adaptativa, baseada em desempenho e flexibilidade, criando mercados de serviços ancilares, leilões híbridos e sandbox regulatórios.

    Desafios e oportunidades

    A análise consolidada da OLADE indica que, apesar do avanço tecnológico, persistem riscos estruturais:

    CategoriaDesafio centralResposta proposta
    RegulatóriaFragmentação institucional e ausência de marcos regionaisPlataforma de Governança Energética Regional (PGER) e taxonomia verde comum
    FinanceiraCusto de capital elevado e baixa bancabilidade de projetosFundos regionais de blended finance e garantias multilaterais
    TecnológicaDependência de insumos asiáticos e obsolescência de tecnologiasIncentivos à indústria local de BESS, baterias e H₂
    SocialResistência territorial e desigualdade de transiçãoProgramas de reconversão laboral e educação energética inclusiva

    Em contrapartida, emergem oportunidades estratégicas de integração e desenvolvimento industrial:

    • Mercados regionais de energia e flexibilidade, com economia estimada de US$ 10 bilhões/ano em custos de operação.
    • Indústria de hidrogênio verde e baterias, com potencial de exportação superior a 10 Mt H₂/ano até 2035.
    • Empregos verdes e capacitação técnica, articulados com universidades e centros regionais de P&D.
    • Financiamento climático integrado, com destaque para o Global Gateway Investment Facility (€45 bilhões até 2030) e o Energy Transition Facility (BID).

    Recursos necessários para a transição operacional

    A execução plena da transição requer coordenação entre quatro pilares:

    PilarNecessidades-chaveAtores de referência
    Institucional e regulatórioHarmonização normativa e governança multinívelOLADE, CEPAL, ministérios e reguladores nacionais
    Tecnológico e digitalAutomação, sensoriamento e cibersegurança OT/ITOperadores de rede, BID, CAF
    FinanceiroFundos regionais, taxonomia verde e blended financeUE, BID, CAF, PNUMA
    HumanoFormação técnica e reconversão profissionalOLADE, universidades, SENAI, CORFO

    Recomendações estratégicas

    O relatório propõe cinco eixos regionais de ação conjunta para 2026–2030:

    1. Governança e integração energética latino-americana: Estabelecer um Conselho Ministerial de Energia da ALC e uma Rede de Operadores Interconectados (ROI-ALC) para coordenação regulatória e despacho conjunto.
    2. Modelos de incentivo e mercados de flexibilidade: Implementar leilões híbridos solar+BESS, pagamentos por capacidade e tarifas dinâmicas regionais.
    3. Planejamento de longo prazo e neutralidade tecnológica: Elaborar o Plano Energético Regional 2050, integrando cenários de demanda, infraestrutura e metas climáticas.
    4. Cadeias de valor locais (lítio, baterias, H₂, biogás): Criar clusters industriais regionais com certificação ambiental e conteúdo local inteligente.
    5. Inovação, P&D e cooperação técnica: Lançar o Programa Regional de Inovação e Transição Energética (PRITE), com centros de excelência distribuídos e foco em digitalização, armazenamento e IA energética.

    Chamado à ação conjunta 2026–2030

    A OLADE conclama governos, empresas e organismos multilaterais a unirem esforços em torno de três compromissos convergentes:

    1. Governar juntos a transição, consolidando o Sistema Integrado de Planejamento Energético da ALC;
    2. Financiar com inclusão, direcionando investimentos a projetos que combinem inovação e impacto social;
    3. Educar para transformar, estruturando uma agenda regional de capacitação técnica e liderança energética.

    Mensagem final

    A X Semana de la Energía reafirmou que a América Latina e o Caribe não precisam seguir modelos externos.

    A região possui os recursos, a capacidade e o conhecimento para construir sua própria rota — uma transição energética limpa, humana e integrada, orientada pela cooperação, pela inovação e pela justiça social.

    I. INTRODUÇÃO

    A Organização Latino-americana de Energia (OLADE) é o principal organismo intergovernamental de cooperação e integração energética da região, fundada em 1973 sob o Convênio de Lima e composta por 27 países membros plenos. Sua missão é promover o desenvolvimento sustentável, a segurança energética e a integração dos sistemas energéticos da América Latina e do Caribe (ALC), por meio da geração de conhecimento técnico, apoio à formulação de políticas públicas e fortalecimento das capacidades institucionais dos Estados membros. Ao longo de mais de cinco décadas, a OLADE consolidou-se como referência técnica e diplomática para governos, empresas e organismos multilaterais no desenho de políticas energéticas regionais.

    Entre suas iniciativas mais emblemáticas, destaca-se a Semana de la Energía, evento anual que se tornou o principal fórum político, técnico e empresarial do setor energético latino-americano. Organizada em parceria com governos nacionais e instituições multilaterais, a Semana reúne ministros de energia, representantes de organismos internacionais, líderes empresariais, acadêmicos e especialistas de toda a região para discutir os rumos da transição energética, o papel das novas tecnologias e os desafios da integração regional.

    A cada edição, o evento consolida sua relevância como espaço de diálogo e cooperação, onde são debatidos temas que orientam a formulação de políticas públicas e a priorização de investimentos estratégicos.

    A X Semana de la Energía, realizada em Santiago do Chile, representou um marco simbólico e político. Sob o tema central “Transiciones Energéticas Justas e Inclusivas para América Latina y el Caribe”, o encontro reuniu as principais autoridades energéticas da região — incluindo ministros, secretários, reguladores e presidentes de empresas estatais —, além de representantes da União Europeia, da Agência Internacional de Energia (AIE), do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e de diversas agências multilaterais. O evento foi estruturado em quatro dias de sessões temáticas que abrangeram desde a integração regional e a segurança energética até a mobilidade sustentável, o armazenamento de energia, o papel do gás natural e o desenvolvimento de cadeias de valor estratégicas.

    Visão geral dos painéis apresentados

    A programação da X Semana de la Energía refletiu a complexidade do momento de transição vivido pela região, combinando visão estratégica e debates técnicos de alto nível.

    Entre os painéis e sessões plenárias de destaque estiveram:

    • Sessão Magistral de Abertura – “Conectando América Latina y el Caribe”, que discutiu o avanço da integração energética regional e os desafios para a criação de um mercado comum de energia, com a participação de Andrés Rebolledo (OLADE), Johanna Monteiro (Ministério de Energia do Chile), Marcelino Madrigal (BID) e Michael Mechlinski (GET.transform).
    • Painel “El gas natural en la transición energética”, que apresentou visões convergentes sobre o papel do gás como vetor de segurança e transição, analisando oportunidades de complementaridade com o hidrogênio verde e a geração renovável.
    • Sessão “Construyendo un sistema eléctrico resiliente y seguro”, com enfoque em regulação, planejamento e digitalização de redes elétricas — destacando a necessidade de fortalecer a resiliência dos sistemas frente a eventos climáticos e cibernéticos.
    • Painel “La Revolución del Almacenamiento”, que marcou a apresentação do Libro Blanco del Almacenamiento de Energía en América Latina y el Caribe, enfatizando o papel dos sistemas BESS e do hidrogênio como elementos estruturantes da nova matriz elétrica.
    • Sessões sobre eficiência energética e mobilidade sustentável, nas quais foram apresentados o Libro Blanco de la Movilidad Sostenible e experiências nacionais de Chile, Brasil e Costa Rica em transporte elétrico, infraestrutura de recarga e incentivos regulatórios.
    • Painel ministerial e sessões sobre transição justa e capital humano, destacando o papel do talento técnico, da reconversão profissional e da educação energética como motores da transformação social associada à transição.
    • Painel “Cadenas de valor estratégicas”, que abordou a integração produtiva e tecnológica dos minerais críticos, especialmente lítio e cobre, ressaltando a importância da cooperação regional e da agregação de valor local.
    • Painel “AgroPV: Energía solar y agricultura resiliente”, com ênfase no uso de tecnologias fotovoltaicas flutuantes e integradas ao uso hídrico, aplicadas à agricultura sustentável.

    Esses debates revelaram uma convergência em torno de quatro eixos prioritários: (1) integração regional e segurança energética; (2) descarbonização com inovação tecnológica; (3) justiça social e reconversão produtiva; e (4) fortalecimento institucional e cooperação internacional.

    Escopo e enfoque do presente relatório

    O presente Relatório Final Integrado foi elaborado a partir da sistematização das sessões e documentos oficiais da X Semana de la Energía, com ênfase analítica nos painéis em que participei diretamente — apresentados nos documentos anexos e relatórios diários de cada jornada.

    O objetivo central é identificar recursos necessários, riscos e oportunidades associados aos temas debatidos, oferecendo subsídios estratégicos para reguladores, investidores e conselhos de administração que atuam ou planejam atuar no setor energético latino-americano.

    A abordagem adotada combina uma leitura técnica, baseada nos Livros Brancos da OLADE e nos relatórios setoriais (Energia, Mobilidade, Armazenamento e Vertimentos Renováveis), com uma perspectiva estratégica e de governança, orientada à tomada de decisão.

    A análise inclui referências cruzadas com documentos de apoio — como o Manual para el Diseño de Sistemas Fotovoltaicos Flotantes Aplicados al Riego, a Agenda Energética UE–ALC, e o relatório Energía y COP30 —, permitindo situar as discussões da Semana dentro do contexto mais amplo da transição energética global e dos compromissos climáticos da região.

    Nos capítulos seguintes, cada tema será desenvolvido com base nas sessões correspondentes, destacando as tendências regionais, os avanços tecnológicos, os desafios regulatórios e as oportunidades de investimento identificadas durante o evento.

    II. CONTEXTO ENERGÉTICO REGIONAL

    A América Latina e o Caribe atravessam um momento decisivo no cenário energético global. A combinação entre abundância de recursos naturaiselevada participação de fontes renováveis e compromissos climáticos ambiciososposiciona a região como uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo — cerca de 70% da geração já provém de fontes renováveis, mais que o dobro da média global.

    Esse desempenho, no entanto, traz novos desafios: a intermitência das fontes solar e eólica, as restrições de transmissão e a falta de capacidade de armazenamento expõem vulnerabilidades que exigem coordenação regional e inovação tecnológica.

    De acordo com a OLADE (2025), o BID e a AIE, a matriz elétrica da ALC precisará quadruplicar sua capacidade instalada até 2050 para atingir o cenário de emissões líquidas zero, com predomínio de solar e eólica. O avanço da transição já é visível — a região adicionou 40 GW de novas fontes limpas apenas em 2024 —, mas a velocidade tecnológica supera a institucional, criando descompassos entre potencial energético, infraestrutura e regulação.

    O fenômeno dos vertimentos (curtailment) de energia renovável simboliza essa contradição: estima-se que 53.000 GWh/ano de geração sejam desperdiçados por restrições de rede, equivalentes a US$ 6,9 bilhões em perdas econômicas.

    Isso demonstra que o desafio central da próxima década não é apenas gerar mais energia limpa, mas administrá-la com eficiência, flexibilidade e cooperação regional.

    Capítulo II examina essas dinâmicas em quatro dimensões:

    1. a evolução da matriz energética da ALC e suas tendências estruturais;
    2. os desafios emergentes de regulação, mercado e operação;
    3. o papel da cooperação internacional e do financiamento climático como motores da transição; e
    4. as dimensões tecnológica e social, que consolidam a transição justa como eixo do desenvolvimento regional.

    Mais do que descrever indicadores, este capítulo interpreta um movimento de fundo: a transformação da América Latina de fornecedora de recursos naturais em protagonista da transição energética global, baseada em inovação, integração e sustentabilidade.

    Panorama da matriz energética da América Latina e do Caribe

    A América Latina e o Caribe (ALC) vivem um momento singular no cenário energético global. A região combina abundância de recursos naturais, alta participação de renováveis e compromissos climáticos ambiciosos, posicionando-se como uma das matrizes mais limpas do planeta. Segundo dados consolidados pela OLADE e pela AIE, a geração elétrica da região é composta por cerca de 70% de fontes renováveis, índice mais que o dobro da média mundial.

    A hidroeletricidade ainda representa a principal fonte, com cerca de 37% da geração total, seguida por energia solar (19%), eólica (15%), biomassa e geotermia (3%) e fontes fósseis (26%). No entanto, o peso das hidrelétricas começa a declinar gradualmente, enquanto cresce a presença das fontes solar e eólica, cuja capacidade instalada ultrapassou 140 GW em 2025.

    O Libro Blanco del Almacenamiento de Energía (OLADE, 2025) destaca que a região adicionou 40 GW de nova capacidade renovável em 2024, e que, no cenário de emissões líquidas zero (NET-0) projetado para 2050, a potência instalada total precisará quadruplicar, chegando a mais de 2.100 GW, com 61% provenientes de solar e eólica e apenas 18% de hidroenergia.

    Este avanço, embora expressivo, traz novos desafios operacionais, entre os quais se destacam:

    • a intermitência das fontes variáveis (solar e eólica);
    • as limitações de transmissão entre sub-regiões; e,
    • a necessidade de armazenamento em larga escala para garantir estabilidade de rede.

    O fenômeno dos vertimentos de energia renovável — energia que poderia ser gerada, mas é desperdiçada por limitações do sistema — tornou-se símbolo dessa transição. Estimativas da OLADE apontam perdas anuais de aproximadamente 53.000 GWh, equivalentes a US$ 6,9 bilhões, concentradas sobretudo em Brasil, Chile, Costa Rica e Uruguai.

    Em síntese, a região está energeticamente madura para liderar a transição global, mas institucionalmente ainda busca estabilidade regulatória e coordenação transfronteiriça que garantam eficiência e resiliência.

    Desafios e tendências emergentes

    A análise dos documentos técnicos e dos painéis da X Semana de la Energía permite identificar tendências convergentes em cinco eixos estruturais, resumidos na tabela a seguir:

    Eixo EstratégicoSituação Atual (2025)Desafio CentralOportunidade Regional
    Descarbonização e Transição JustaEmissões em queda leve (1.748 Mt CO₂eq, -7% vs. 2015)Reduzir emissões industriais e transporteEconomia de baixo carbono e empregos verdes
    Integração Energética Regional8 interconexões elétricas ativas, mas baixo intercâmbioHarmonizar regulação e tarifasMercado elétrico latino-americano integrado
    Armazenamento de EnergiaCapacidade incipiente, poucos projetos BESS >100 MWFalta de marcos regulatórios clarosRedução de vertimentos e estabilidade sistêmica
    Digitalização e ResiliênciaExpansão de redes inteligentes e medição avançadaVulnerabilidade cibernética e obsolescência de redesIntegração IA–SCADA e manutenção preditiva
    Financiamento e GovernançaInvestimentos anuais ≈ 1,5% do PIB regionalFragmentação institucional e incerteza jurídicaAlinhamento com mecanismos UE–ALC (Global Gateway, BID, CAF)
    Fonte: elaboração própria a partir de OLADE (2024–2025), AIE e relatórios da X Semana de la Energía.

    Essas tendências mostram que, embora a região avance de forma acelerada na instalação de capacidade renovável, a velocidade institucional e regulatória ainda é menor que a tecnológica, criando um descompasso entre o potencial energético e a efetiva entrega de segurança e competitividade.

    Cooperação internacional e financiamento climático

    A cooperação energética internacional tornou-se um dos pilares estratégicos para acelerar a transição energética na América Latina e no Caribe (ALC). A região, detentora de abundantes recursos naturais, elevada participação de renováveis e crescente capacidade técnica, ocupa hoje uma posição central no debate climático global. Contudo, enfrenta um desafio persistente: converter potencial energético em investimento efetivo e inovação tecnológica, condição indispensável para atingir as metas de descarbonização até 2050.

    Neste contexto, a cooperação internacional e os mecanismos de financiamento climático assumem papel determinante. A convergência entre as políticas regionais — lideradas pela OLADE — e as iniciativas multilaterais da União Europeia, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e Agência Internacional de Energia (AIE) cria um ecossistema favorável para a transformação estrutural dos sistemas energéticos latino-americanos.

    A Aliança Estratégica UE–ALC

    A incorporação formal da União Europeia (UE) como observadora permanente da OLADE, em 2023, marcou um novo estágio na relação birregional. Como registrado na Agenda Energía Unión Europea – América Latina y el Caribe (2024), essa parceria baseia-se em três eixos centrais:

    1. Transição verde e energética, priorizando investimentos em hidrogênio verde, energia solar e eólica, armazenamento e eficiência energética.
    2. Transição digital, com foco em redes inteligentes, cibersegurança e interoperabilidade de dados energéticos.
    3. Transição social e justa, mediante programas de capacitação técnica e inclusão de comunidades vulneráveis nos benefícios da transição.

    A estratégia Global Gateway da UE prevê €45 bilhões em investimentos até 2030 em projetos que acelerem a transformação energética e digital na América Latina e no Caribe. Esses recursos são canalizados por meio de instrumentos combinados — financiamentos concessionais, garantias, cooperação técnica e blending de capitais públicos e privados —, com ênfase em quatro cadeias estratégicas:

    • hidrogênio verde,
    • minerais críticos (lítio, cobre, níquel e cobalto),
    • infraestrutura elétrica e de interconexão regional,
    • bioeconomia e mobilidade sustentável.

    Além do componente financeiro, a Aliança UE–ALC promove harmonização regulatória e transferência de conhecimento técnico, incluindo normas sobre baterias, padrões de sustentabilidade e rastreabilidade de matérias-primas críticas. Essa cooperação, ao conectar inovação europeia e potencial energético latino-americano, busca gerar cadeias de valor integradas e reduzir a dependência tecnológica da região.

    Papel dos organismos multilaterais

    A transformação energética da ALC depende de uma arquitetura institucional robusta e coordenada. Diversos organismos multilaterais desempenham papéis complementares nesse processo:

    OrganismoPapel Estratégico na Transição Energética RegionalPrincipais Iniciativas Recentes (2024–2025)
    OLADECoordenação política e técnica entre os 27 países membros; elaboração de cenários, livros brancos e plataformas de capacitação.Libro Blanco del Almacenamiento de EnergíaLibro Blanco de la Movilidad Sostenible, e Vertimientos Renovables en ALC.
    BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento)Financiamento e assistência técnica para projetos de infraestrutura e eficiência energética.Programa “Energía Sostenible para Todos (SEforALL–BID)”; linhas de crédito para BESS e hidrogênio verde no Chile e Brasil.
    CAF (Banco de Desarrollo de América Latina)Apoio à integração elétrica regional e financiamento de projetos resilientes ao clima.Fundo “Verde Digital y Energético” para interconexões andinas e modernização de redes.
    PNUMAImplementação de políticas climáticas e mecanismos de mitigação de emissões.Programa “Eficiencia Energética para Ciudades Resilientes” e apoio ao mapeamento de emissões na ALC.
    AIE (Agência Internacional de Energia)Cooperação técnica, estatísticas e modelagem energética.Estudos de cenários Net-Zero e Energy Transition Outlook ALC 2050.

    Essas entidades, em sinergia com a OLADE, formam uma rede institucional interdependente que combina diplomacia energética, financiamento climático e desenvolvimento de capacidades.

    Durante a X Semana de la Energía, a atuação coordenada entre OLADE, BID, CAF e AIE foi reiterada como essencial para garantir planejamento regional unificado, estabilidade regulatória e mobilização de capitais verdes.

    Mecanismos financeiros e incentivos de investimento

    A estrutura de financiamento climático na América Latina é heterogênea, variando conforme o grau de maturidade institucional de cada país. Entretanto, observa-se um padrão emergente de instrumentos híbridos que combinam financiamento público, capital de risco e garantias de longo prazo.

    A tabela abaixo sintetiza os principais mecanismos de financiamento disponíveis ou em implementação na região, conforme relatórios da OLADE, BID e União Europeia:

    Mecanismo / FundoOrigemTipo de ApoioSetores PrioritáriosVolume Estimado (até 2030)
    Global Gateway Investment FacilityUnião EuropeiaEmpréstimos concessionais + garantiasHidrogênio verde, minerais críticos, energia solar e interconexões€45 bilhões
    Fundo Verde para o Clima (GCF)ONU / PNUMADoações e créditos reembolsáveisResiliência climática e transição justaUS$ 20 bilhões
    Energy Transition Facility (BID)BID + CAFCrédito de longo prazo + blended financeBESS, hidrogênio, biogás, eficiência energéticaUS$ 10 bilhões
    Climate Tech Fund (UE–CAF)União Europeia + CAFCapital de risco e cofinanciamento privadoStartups de energia limpa e IA aplicada€5 bilhões
    Latin American Energy Integration Fund (LAEIF)OLADE + BIDCofinanciamento regionalInterconexões elétricas e digitalizaçãoUS$ 2 bilhões
    Fundo Amazônia RenovávelGovernos Brasil–UE–AlemanhaFinanciamento de baixo carbono e compensação ambientalBioenergia, agroPV e restauração florestalUS$ 1,2 bilhão

    Além desses instrumentos, cresce a presença de títulos verdes e ESG bonds emitidos por empresas e governos da região, com destaque para Chile, Colômbia e Brasil, que já captaram mais de US$ 40 bilhões em papéis vinculados à transição energética desde 2021.

    Essas iniciativas convergem para um objetivo comum: atrair capital internacional, reduzir riscos de investimento e garantir previsibilidade regulatória, permitindo a expansão simultânea de infraestrutura e inovação.

    Desafios de acesso e absorção de recursos

    Apesar do avanço institucional, persistem barreiras para a plena absorção desses recursos na ALC:

    • Assimetria regulatória entre países e falta de instrumentos padronizados de avaliação de risco climático;
    • Baixa capacidade técnica de formulação de projetos bancáveis, especialmente em pequenas e médias concessionárias;
    • Demora na tramitação de garantias soberanas, o que limita a entrada de investidores privados;
    • Ausência de métricas regionais de impacto socioambiental, que dificultam a certificação de projetos de transição justa.

    A superação desses desafios requer integração de políticas públicas e instrumentos financeiros, papel no qual a OLADE e os bancos regionais assumem liderança técnica. A criação de um marco regional de taxonomia verde, inspirada na classificação europeia, é uma das prioridades discutidas na X Semana de la Energía. Essa taxonomia permitirá maior transparência e alinhamento de investimentos com metas de neutralidade climática.

    A cooperação internacional e o financiamento climático constituem os pilares sobre os quais se apoia a nova fase da integração energética latino-americana.

    A convergência entre a União Europeia, OLADE e organismos multilaterais cria uma arquitetura institucional e financeira inédita, capaz de alavancar recursos, reduzir riscos e garantir que a transição energética na região seja não apenas tecnológica, mas também justa, inclusiva e sustentável.

    Dimensão tecnológica: armazenamento, digitalização e hidrogênio

    O avanço tecnológico é hoje o principal vetor da nova configuração energética regional.

    De acordo com o Libro Blanco del Almacenamiento de Energía en América Latina y el Caribe (OLADE, 2025), o armazenamento é o elo crítico entre expansão renovável e estabilidade dos sistemas. A multiplicação de projetos híbridos (solar + BESS) e licitações dedicadas em países como Chile, Brasil e México consolidam o armazenamento como novo ativo estratégico.

    O documento identifica cinco tecnologias prioritárias em adoção ou ensaio na região:

    TecnologiaAplicação PrincipalSituação Atual na ALC (2025)Perspectiva 2030
    BESS (baterias de íon-lítio)Regulação de frequência, backup e integração solar2,3 GW instalados15 GW projetados
    PSH (bombeamento hidráulico reversível)Armazenamento de longa duração6 GW instalados (Brasil e Colômbia)9 GW projetados
    Hidrogênio verde e amôniaVetores químicos para exportação e descarbonização industrialProjetos-piloto em Chile, Brasil e Colômbia+10 Mt H₂/ano até 2035
    Almacenamiento térmico (sales fundidas)Backup de CSP e indústriasProjetos em fase de P&DExpansão limitada
    Gravitacional e inercial (flywheels)Aplicações urbanas e microgridsCasos isoladosAdoção incipiente
    Fonte: OLADE (2025), BID (2024), IRENA (2025).

    A convergência entre armazenamento, digitalização e IA aplicada a sistemas SCADA surge como o novo paradigma para a operação elétrica latino-americana. Essa integração permitirá antecipar picos de carga, reduzir vertimentos e ampliar a confiabilidade dos sistemas interconectados.

    Segurança energética, vulnerabilidade climática e transição justa

    A segurança energética na região não pode mais ser avaliada apenas pela oferta de recursos, mas pela resiliência dos sistemas frente à variabilidade climática e às novas ameaças digitais.

    Os eventos extremos — secas prolongadas, chuvas intensas e ondas de calor — têm reduzido a previsibilidade hidrológica e pressionado os custos operacionais. Segundo a OLADE, a dependência hídrica média de 37% expõe 11 países a risco de déficit energético em períodos secos, tornando urgente o fortalecimento de mecanismos de compensação inter-regional.

    A dimensão social da transição energética, enfatizada em diversos painéis da Semana, requer políticas de reconversão laboral, formação técnica e inclusão territorial. Estima-se que, até 2030, o setor possa gerar 3,5 milhões de novos empregos, sobretudo em energias renováveis, eficiência energética e manufatura de equipamentos.

    Contudo, o desafio não é apenas quantitativo, mas qualitativo: assegurar que esses novos postos estejam distribuídos de forma justa e que as comunidades locais participem dos benefícios econômicos e ambientais da transição.

    Síntese: desafios regionais prioritários

    CategoriaPrincipais Riscos (2025)Ações Prioritárias Propostas
    RegulatóriosIncerteza jurídica e assimetria de marcos nacionaisHarmonização regional e definição legal do armazenamento
    FinanceirosBaixo acesso a capital de risco verdeCriação de fundos regionais (Global Gateway, BID, CAF, BNDES)
    TécnicosVertimentos e vulnerabilidade de redesExpansão de interconexões e redes inteligentes
    SociaisResistência à reconversão laboralProgramas de capacitação técnica e inclusão feminina
    AmbientaisEscassez hídrica e conflitos territoriaisPlanejamento integrado e uso múltiplo da água (ex. FV flutuante)

    Conclusão

    O panorama energético latino-americano em 2025 mostra uma região com matriz limpa, alto potencial de inovação e crescente maturidade tecnológica, mas que ainda enfrenta riscos estruturais de fragmentação institucional e desigualdade de transição.

    A próxima década será decisiva para alinhar políticas, infraestrutura e finanças, transformando a vantagem comparativa da ALC em vantagem competitiva global.

    III. RESULTADOS DOS PAINÉIS TÉCNICOS

    Santiago do Chile, 30 de setembro a 3 de outubro de 2025

    Dia 1 – Integração regional e segurança energética

    O primeiro dia da X Semana de la Energía começou com um sentimento de urgência e convergência. A Sessão Magistral “Conectando América Latina y el Caribe” reuniu ministros, reguladores e representantes de organismos multilaterais para discutir a viabilidade de um mercado elétrico latino-americano integrado.

    A mensagem de abertura de Andrés Rebolledo, Secretário Executivo da OLADE, foi clara: a integração energética não é apenas técnica ou comercial, mas um ato político de soberania compartilhada. Ele destacou que o novo observador — a União Europeia — aportará não apenas capital, mas também experiência em regulação, harmonização de tarifas e modelos de governança regional.

    Marcelino Madrigal, do BID, reforçou que a América Latina já possui excedente renovável de 80 GW e que a interconexão elétrica permitiria transformar essa abundância em competitividade, reduzindo custos de operação e fortalecendo a resiliência dos sistemas.

    No entanto, as barreiras continuam sendo regulatórias e institucionais: cada país opera com estruturas próprias de mercado, níveis diferentes de liberalização e marcos de transmissão fragmentados.

    Durante o painel “El gas natural en la transición energética”, Heloísa Borges, da EPE (Brasil), trouxe uma observação particularmente marcante:

    “A mera ameaça de importação de gás argentino foi suficiente para reduzir os preços no Brasil.”

    Essa afirmação sintetiza o poder disciplinador dos mercados regionais quando há transparência e previsibilidade.

    Em seguida, Luiz Barroso (PSR) apresentou uma análise sobre o equilíbrio entre segurança e flexibilidade na regulação. Barroso lembrou que o modelo regulatório não pode ser um obstáculo à inovação, mas deve reconhecer que sistemas resilientes exigem redundância planejada — e que a resiliência tem custo.

    Sua fala ecoou nas discussões posteriores sobre armazenamento e hidrogênio, quando se percebeu que parte das soluções futuras depende justamente dessa reserva regulatória e tecnológica.

    Na mesma linha, Gabriela Elizondo (Banco Mundial) fez a ponte entre regulação e tecnologia, abordando o uso de inteligência artificial em planejamento energético, modelagem de risco e precificação dinâmica. Essa convergência entre dados, digitalização e decisões regulatórias apareceu como uma das tendências centrais de toda a Semana.

    Encerrando o dia, o painel “Construyendo un sistema eléctrico resiliente y seguro” apresentou um diagnóstico abrangente: a região avança na expansão das renováveis, mas ainda carece de um marco regional de segurança cibernética, de interoperabilidade e de resposta a incidentes.

    A mensagem final foi inequívoca — resiliência elétrica é hoje sinônimo de soberania digital.

    Tabela – Síntese dos temas transversais do Dia 1

    EixoDesafio identificadoOportunidade estratégica
    Integração regionalFragmentação regulatória e assimetria tarifáriaCriação de um mercado elétrico latino-americano, inspirado no modelo europeu
    Gás natural e transiçãoFalta de coordenação de fluxos transfronteiriçosUso do gás como ponte de segurança e competitividade regional
    Regulação e inovaçãoInércia institucional e marcos desatualizadosHarmonização de regras e incentivos à inovação
    Digitalização e IAFalta de interoperabilidade entre operadoresIA aplicada à modelagem de demanda e riscos climáticos
    Segurança e ciberdefesaVulnerabilidade das redes SCADAProtocolos regionais de segurança energética e digital

    Dia 2 – Armazenamento, hidrogênio e eficiência energética

    O segundo dia começou com o lançamento do Libro Blanco del Almacenamiento de Energía en América Latina y el Caribe (OLADE, 2025) — uma síntese que define o armazenamento como a espinha dorsal da transição energética regional.

    A apresentação destacou três números que dominaram as discussões do dia:

    • A capacidade instalada de BESS na região ainda é inferior a 2,5 GW,
    • Os vertimentos de energia chegam a 53.000 GWh/ano,
    • E o custo econômico dessa ineficiência ultrapassa US$ 6,9 bilhões anuais.

    Esses dados, extraídos do estudo da OLADE de junho de 2024, evidenciam que não é o potencial que falta à região, mas a capacidade de armazenar e integrar energia limpa.

    Durante a keynote, o representante do Ministério de Energia do Chile apresentou os resultados das soluções híbridas (solar + BESS), que vêm transformando o sistema elétrico chileno em um laboratório de estabilidade para o continente.

    O modelo chileno une regulação previsível, remuneração por serviços ancilares e metas explícitas de descarbonização, permitindo ao investidor privado planejar com segurança de longo prazo.

    O painel seguinte abordou a energia hidroelétrica como ativo de resiliência climática. A tese central, apresentada por Michael Mechlinski (GET.transform), foi a de que a hidroenergia deve ser reconhecida como armazenamento natural de longo prazo, e não apenas como fonte de geração.

    Essa visão, defendida também pela OLADE, reforça o conceito de flexibilidade hidrológica, em que reservatórios e BESS trabalham de forma complementar.

    Na sequência, o painel “Camino del Hidrógeno hacia 2035” trouxe um panorama realista. Chile, Brasil e Colômbia lideram os pilotos regionais, mas o desafio é passar da experimentação à escala industrial. A discussão centrou-se em quatro eixos:

    1. Custos de eletrólise ainda elevados;
    2. Necessidade de infraestrutura portuária e gasodutos adaptados;
    3. Regulação do rastreio de origem e certificação de carbono;
    4. Modelos de offtake com garantias de longo prazo.

    As intervenções mais técnicas trataram do equilíbrio entre demanda futura e políticas de estímulo. Ficou evidente que, sem uma estratégia regional coordenada, o hidrogênio pode repetir o erro da bioenergia: grande potencial, pouca integração.

    Tabela – Soluções discutidas para o equilíbrio entre vertimentos e armazenamento

    Causas identificadasSoluções emergentesBenefícios esperados
    Restrições de transmissão e falta de BESSInstalação de 15 GW de armazenamento até 2030Redução de perdas em 80%
    Variabilidade climática e falta de coordenação regionalPlanejamento integrado hidro–solar–eólicoMaior resiliência hidrológica
    Escala produtiva insuficiente e alta tributaçãoClusters regionais e incentivos fiscaisRedução de custo nivelado (LCOH) em 40%
    Falta de definição legal do armazenamentoMarcos regionais e remuneração por flexibilidadeExpansão de mercado e novos serviços ancilares

    O encerramento do dia reforçou um consenso: o armazenamento é o novo eixo de soberania energética da América Latina. A falta de infraestrutura para armazenar energia equivale, hoje, à falta de petróleo no século XX.

    Dia 3 – Transição justa, AgroPV e inovação produtiva

    O terceiro dia representou um ponto de inflexão na narrativa da Semana. A Reunião Ministerial de Energía de ALC consolidou o compromisso político de alinhar transição energética e justiça social.

    Diversos ministros destacaram a urgência de integrar formação técnica, reconversão profissional e inclusão territorial ao processo de descarbonização.

    O painel “AgroPV – Energía solar y agricultura resiliente” foi um dos mais simbólicos do evento, conectando energia, água e alimentação.

    A engenheira Camila Vásquez, do Ministério de Energia do Chile, apresentou experiências em sistemas agrovoltaicos flutuantes, que reduzem a evaporação de reservatórios e aumentam a eficiência do uso da água.

    O pesquisador Frederik Schönberger, da Fraunhofer Chile, detalhou o modelo de dimensionamento técnico, confirmando que o rendimento global (Performance Ratio) de sistemas flutuantes pode superar 80%, com menor degradação térmica.

    Esses resultados coincidem com os princípios técnicos descritos no Manual para el Diseño de Sistemas Fotovoltaicos Flotantes Aplicados al Riego (2025), que destaca a dupla função energética e hídrica desses sistemas.

    Hugo Morales, da International Solar Alliance (ISA), complementou:

    “A energia solar rural é o primeiro passo da justiça energética.”

    A frase conecta a energia limpa à redução da pobreza rural e à agricultura de precisão.

    A última sessão do dia, sobre eficiência energética no setor privado, trouxe casos de sucesso no Chile e no Brasil, com uso de IA para monitoramento de consumo e programas de retrofit industrial. A principal conclusão foi que a eficiência deixou de ser apenas uma medida econômica — tornou-se um ativo estratégico de competitividade e reputação ESG.

    Tabela – Efeitos da transição justa e da integração agrovoltaica

    DimensãoImpacto diretoIndicadores de benefício
    SocialGeração de emprego local e capacitação técnica+30% de novos postos de trabalho rurais em energia solar até 2030
    EconômicaRedução de custos hídricos e aumento da produtividade agrícola-20% no custo de irrigação e +12% na produtividade média
    AmbientalRedução da evaporação e aumento da eficiência hídrica-35% de perda de água em reservatórios
    TecnológicaIntegração de sensores e automação agrícolaExpansão da Agricultura 4.0 em zonas áridas

    Dia 4 – Cadeias de valor e capital humano

    O último dia da Semana foi dominado por um tom pragmático: como transformar potencial em política e política em indústria.

    A Sessão Magistral “Tablero Energético Regional” reuniu representantes da CEPAL, OLADE e Banco Mundial, que convergiram em torno de uma tese central: a transição energética latino-americana precisa ser também uma estratégia industrial.

    O painel “Cadenas de valor estratégicas” apresentou uma leitura geoeconômica precisa: a América Latina detém 25% das reservas mundiais de minerais críticos, mas exporta menos de 5% de produtos processados.

    Discutiu-se, portanto, como desenvolver cadeias locais de valor em lítio, cobre, níquel, hidrogênio e baterias, reduzindo a dependência da Ásia.

    Foi mencionada a proposta da OLADE de criar Centros Regionais de Produção e Certificação de Hidrogênio Verde, com protocolos comuns de rastreabilidade e neutralidade de carbono.

    O painel “El recurso humano como catalizador del recurso energético” encerrou o evento com uma reflexão essencial: a transição energética não é apenas tecnológica, é humana.

    O déficit de profissionais qualificados em engenharia elétrica, automação e energias renováveis é hoje um dos principais gargalos para a execução dos projetos.

    A OLADE e o BID apresentaram dados mostrando que a região precisará formar 2 milhões de técnicos e engenheiros até 2030, o que exige políticas coordenadas de educação energética e reconversão profissional.

    Tabela – Convergência de temas transversais identificados nos quatro dias

    Tema transversalDesdobramento técnicoDimensão de riscoOportunidade estratégica
    ArmazenamentoSubastas híbridas e BESS regionaisRegulação incipienteEstabilidade e novos mercados
    Hidrogênio verdeClusters e exportaçãoCustos de infraestruturaCadeia de valor latino-americana
    AgroPV e FV flutuanteUso duplo de água e energiaFinanciamento rural insuficienteEficiência hídrica e inclusão produtiva
    Curtailment e flexibilidadeVertimentos de 53.000 GWh/anoPerdas econômicas sistêmicasPlanejamento integrado hidro-solar
    Capital humano e inclusãoFalta de técnicos especializadosTransição desigualEmprego verde e capacitação regional

    Síntese analítica:

    A X Semana de la Energía deixou claro que a América Latina e o Caribe entraram em uma fase de transição energética madura, porém assimétrica.

    Há tecnologia, há capital, há conhecimento — mas ainda falta coordenação institucional e visão de longo prazo.

    Os quatro dias de discussões mostraram que o futuro da energia regional dependerá da capacidade de integrar tecnologias, políticas e pessoas.

    IV. TEMAS TRANSVERSAIS

    Os debates da X Semana de la Energía confirmaram que a transição energética latino-americana está deixando de ser um conjunto de agendas setoriais para se tornar um ecossistema integrado de inovação tecnológica, regulação e capital humano.

    Entre os diversos temas tratados, cinco emergiram como vetores estruturantes do futuro energético regional: o armazenamento de energia, a mobilidade sustentável e os minerais críticos, o papel do gás natural e biogás como vetores de transição, a gestão de excedentes renováveis e, finalmente, a expansão da energia fotovoltaica flutuante aplicada ao uso hídrico e agrícola.

    Esses eixos refletem o ponto de encontro entre tecnologia, regulação e economia real, compondo uma agenda pragmática e articulada com as metas climáticas da OLADE e da COP30.

    Armazenamento de energia e estabilidade dos sistemas elétricos

    O armazenamento de energia consolidou-se como o novo eixo de soberania elétrica da América Latina e do Caribe.

    Durante as sessões técnicas e o lançamento do Libro Blanco del Almacenamiento de Energía (OLADE, 2025), foi amplamente reconhecido que não haverá integração renovável sem estabilidade sistêmica, e que essa estabilidade depende da capacidade de armazenar e redistribuir energia com flexibilidade e previsibilidade.

    A região conta hoje com uma capacidade instalada inferior a 2,5 GW de BESS, concentrada em Chile, Brasil e México. No entanto, a projeção da OLADE e da AIE indica que a capacidade total deve ultrapassar 15 GW até 2030, impulsionada por licitações híbridas e políticas de descarbonização setorial.

    Paralelamente, o armazenamento por bombeamento hidráulico reversível (PSH) soma aproximadamente 6 GW em operação — tecnologia que continua sendo o maior reservatório de energia da região.

    Outras tecnologias, como o armazenamento térmico (sales fundidas) e o hidrogênio como vetor químico, aparecem em estágio pré-comercial, mas com grande potencial de complementaridade.

    Tabela – Tendências tecnológicas e maturidade de implantação (2025)

    TecnologiaAplicação típicaNível de maturidade (ALC)Perspectiva 2030Países líderes
    BESS (íon-lítio)Integração solar e regulação de frequênciaAlta15 GW instalados e mercado ancilar consolidadoChile, Brasil, México
    PSH (bombeamento reversível)Armazenamento de longa duração e backup hídricoMédiaExpansão para 9 GWBrasil, Colômbia
    Hidrogênio e amônia verdeEstocagem química e exportaçãoBaixa/média10 Mt/ano de H₂até 2035Chile, Brasil, Colômbia
    Armazenamento térmico (sales fundidas)Backup industrial e CSPBaixaPilotos e hubs regionaisMéxico, Chile
    Gravitacional e inercial (flywheels)Micro-redes urbanas e estabilização rápidaBaixaAplicações locais e comerciaisUruguai, Caribe

    Barreiras regulatórias e oportunidades de investimento

    Apesar dos avanços tecnológicos, persistem três grandes barreiras estruturais:

    1. Ausência de definição legal para o armazenamento — em muitos países, o BESS ainda não é reconhecido como ativo independente, o que impede sua remuneração adequada.
    2.  Falta de mercados ancilares regionais — poucos países remuneram serviços de flexibilidade ou inércia virtual, fundamentais para a estabilidade de rede.
    3.  Descompasso entre tarifas e externalidades positivas — o armazenamento reduz vertimentos e emissões, mas esses benefícios ainda não são internalizados nas tarifas.

    Em contrapartida, as oportunidades são expressivas: a combinação de queda dos custos das baterias (-90% desde 2010) e de mecanismos de blended finance (BID, CAF, UE) abre um novo ciclo de investimentos regionais. O armazenamento é hoje o elo entre inovação e segurança, o que faz dele o principal destino de capital climático da próxima década.

    Recomendações estratégicas regionais

    • Estabelecer uma taxonomia comum de armazenamento para permitir a interoperabilidade regulatória e a certificação de projetos regionais.
    •  Criar mercados de serviços ancilares remunerando flexibilidade, resposta rápida e controle de tensão.
    • Promover incentivos fiscais e fundos de garantia regionais para projetos de BESS, PSH e hidrogênio.
    • Integrar armazenamento em planos de expansão (PENs e PDEs) com horizonte até 2050.

    Mobilidade sustentável e cadeias de valor de minerais críticos

    A mobilidade sustentável representa o ponto de convergência entre a transição energética e a reindustrialização latino-americana.

    A região já ultrapassou a marca de 440 mil veículos elétricos leves em circulação, crescimento de 45% em apenas dois anos, segundo a OLADE (2025). Contudo, a difusão ainda é desigual: Chile e Costa Rica lideram em participação de veículos elétricos, enquanto Brasil e México concentram a manufatura e a cadeia automotiva.

    O principal gargalo é a infraestrutura de recarga — a relação atual é de 1 ponto público para cada 80 veículos, longe da meta europeia de 1:10. O Libro Blanco de la Movilidad Sostenible (OLADE, 2025) propõe uma rede trinomial de expansão:

    1. Corredores elétricos interurbanos;
    2. Centros urbanos inteligentes;
    3. Terminais logísticos verdes.

    No centro da transição está o lítio, cuja geopolítica molda as próximas décadas. Argentina, Bolívia e Chile — o “Triângulo do Lítio” — concentram cerca de 58% das reservas mundiais conhecidas, mas apenas 15% da produção global. O desafio é passar da extração à transformação, agregando valor industrial em baterias, catodos e reciclagem.

    Tabela – Geopolítica do lítio e oportunidades industriais

    PaísReservas estimadas (Mt Li)Situação atualOportunidade industrialRisco estratégico
    Chile9,6Produção consolidada e regulação em revisãoParcerias com UE e Japão para refinamento localSaturação ambiental e licenças sociais
    Argentina7,3Boom de projetos privados (salinas e DSAs)Indústria de baterias e exportação para BrasilInstabilidade macroeconômica
    Bolívia21Industrialização estatal incipienteCooperação tecnológica e P&DIsolamento comercial e custos logísticos
    Brasil0,8Cadeia automotiva e startups de reciclagemProdução de catodos e BESS domésticosFalta de marco regulatório do lítio

    Modelos de financiamento e políticas de incentivo

    Os países da região vêm adotando diferentes estratégias de estímulo:

    • Chile: metas de 100% de transporte público elétrico até 2040 e leasing verde para frotas privadas;
    • Colômbia: incentivos fiscais e rotas preferenciais para veículos zero emissão;
    • Brasil: programa Mover (Mobilidade Verde e Inovação), com estímulo à manufatura local de baterias;
    • México: hubs de produção automotiva e acordos de livre comércio para componentes elétricos.

    Essas políticas são reforçadas por fundos europeus do Global Gateway e por linhas de crédito do BID e CAF, voltadas à eletrificação do transporte pesado e urbano.

    A mobilidade elétrica não é mais apenas ambiental: é industrial e geopolítica, pois redefine cadeias produtivas e depende do controle dos minerais críticos.

    Recomendações estratégicas

    • Harmonizar metas regionais de mobilidade elétrica até 2040, com padrões técnicos compatíveis.
    • Criar um Fundo Latino-americano de Mobilidade Sustentável, cofinanciado por UE, BID e CAF.
    •  Incentivar a produção local de baterias e reciclagem de lítio em clusters regionais.
    • Integrar políticas de mobilidade a metas de descarbonização do transporte pesado e marítimo.

    Gás natural e biogás como vetores de transição

    O gás natural ainda desempenha um papel crucial na matriz energética da região, representando 22% da oferta total.

    Durante a X Semana, ficou claro que o debate sobre o gás deixou de ser ideológico e passou a ser técnico e estratégico: trata-se de um combustível de transição, não de permanência.

    O gás é o vetor de segurança e flexibilidade. As novas rotas de interconexão entre Argentina, Brasil, Bolívia e Chile podem equilibrar sazonalidades e reduzir custos marginais de curto prazo.

    Mas o verdadeiro potencial de longo prazo reside na integração do GNBe (Gás Natural de Baixo Emissões) e do biogás/biometano à economia do hidrogênio verde (H₂V).

    Tabela – Rotas de descarbonização do gás natural

    VetorAplicação principalGrau de maturidade (ALC)Comentário estratégico
    GNBe (mistura com H)Geração térmica e transporteMédiaReduz emissões até 30% sem alterar infraestrutura existente
    Biogás agrícola e urbanoCogeração e transporte pesadoAltaO Brasil lidera com mais de 700 plantas operacionais
    GNL modularSuprimento para ilhas e regiões isoladasMédiaComplementar à integração elétrica regional
    Captura e uso de CO (CCUS)Produção de H₂azul e fertilizantesBaixaNecessita incentivos e taxonomia verde específica

    O painel “El gas natural en la transición energética” enfatizou que o futuro do gás dependerá da capacidade da região de substituir moléculas fósseis por moléculas renováveis sem comprometer a estabilidade econômica.

    O biogás surge como vetor de convergência entre agricultura, energia e inovação industrial, podendo substituir 15% do consumo térmico até 2040.

    Recomendações

    • Reconhecer o GNBe e o biogás como instrumentos legítimos de descarbonização nas metas regionais.
    • Criar incentivos tarifários e fiscais para injeção de biometano em redes de gás.
    • Promover interconexões gasíferas regionais integradas a futuros corredores de hidrogênio.
    • Estabelecer normas de certificação de carbono para o gás de baixa emissão.

    Curtailment e gestão de excedentes renováveis

    O tema do vertimento de energia renovável (curtailment) foi uma das revelações mais contundentes da X Semana.

    A OLADE estima que, em 2024, 53.000 GWh de energia renovável deixaram de ser aproveitados em ALC — o equivalente a US$ 6,9 bilhões em perdas econômicas anuais.

    Esses vertimentos ocorrem por restrições de transmissão, falta de flexibilidade na demanda e ausência de sistemas de armazenamento.

    O estudo apresentado mostrou que o problema é mais intenso em Brasil (22.000 GWh), Chile (5.900 GWh) e Uruguai (4.900 GWh).

    Esses países já discutem mecanismos de gestão ativa de excedentes, seja por armazenamento, intercâmbio regional ou uso produtivo do excedente (hidrogênio, dessalinização e irrigação solar).

    Tabela – Estratégias de mitigação de vertimentos na ALC

    EstratégiaMecanismo técnicoBenefício diretoExemplo prático
    BESS e armazenamento térmicoArmazenamento e despacho por demandaReduz vertimentos e estabiliza preço marginalSubastas híbridas no Chile
    Produção de hidrogênio verdeConversão de excedentes em H₂Valoriza energia não despachadaProjeto Haru Oni (Chile)
    Integração regionalExportação de excedentes para sistemas vizinhosDiminui perdas e amplia intercâmbioInterconexão Brasil–Uruguai
    Gestão da demanda (DSM)Tarifas horárias e uso produtivo do excedenteMelhora eficiência globalProgramas de demanda flexível (Uruguai, Colômbia)

    Recomendações para reguladores

    • Estabelecer planos nacionais de flexibilidade energética com metas de redução de vertimentos.
    • Implementar mercados regionais de energia de curta duração, permitindo o despacho transfronteiriço.
    • Criar fundos de compensação de vertimentos financiados por créditos de carbono.
    • Estimular o uso do excedente renovável em processos de dessalinização, armazenamento térmico e hidrogênio.

    Fotovoltaico flutuante e eficiência hídrica no agronegócio

    O tema dos sistemas fotovoltaicos flutuantes (FVF) ganhou destaque na X Semana como símbolo da integração entre energia limpa, uso racional da água e produtividade agrícola.

    Com base no Manual para el Diseño de Sistemas Fotovoltaicos Flotantes Aplicados al Riego (OLADE, 2025), ficou claro que o FVF oferece ganhos de eficiência de até 10–15% em comparação aos sistemas convencionais terrestres, além de reduzir em até 35% a evaporação dos reservatórios.

    Os projetos apresentados por Chile e Brasil mostraram que o modelo AgroPV Flotante combina benefícios energéticos e ambientais, possibilitando geração elétrica local, bombeamento de água e irrigação de precisão.

    Além de sua contribuição para a segurança alimentar, o FVF pode se tornar um instrumento de mitigação climática em regiões semiáridas.

    Tabela – Benefícios comparativos dos sistemas FV flutuantes

    CategoriaSistema convencional (solo)Sistema flutuante (água)Diferença (%)
    Eficiência elétrica média (PR)75–78%80–85%8%
    Temperatura média dos módulos45–50°C35–40°C-20%
    Evaporação anual dos reservatórios100% (referência)65–70%-30 a -35%
    Vida útil estimada dos módulos25 anos28 anos12%
    Custo nivelado de energia (LCOE)0,09 US$/kWh0,08 US$/kWh-10%

    Recomendações e replicabilidade

    • Incorporar o FVF nas políticas de irrigação e agroenergia dos países da OLADE.
    • Criar linhas de crédito verdes específicas para AgroPV, apoiadas por CAF e PNUMA.
    • Incentivar parcerias universidade–empresa para o desenvolvimento de plataformas modulares regionais.
    • Integrar o FVF a programas de segurança hídrica e recuperação de reservatórios.

    Síntese geral dos temas transversais:

    A América Latina possui hoje todos os elementos técnicos para liderar a transição energética global: recursos naturais, base científica, financiamento e vontade política.

    O desafio agora é alinhar regulação, investimento e conhecimento para transformar esse potencial em desenvolvimento sustentável.

    A integração entre armazenamento, mobilidade, gás renovável, gestão de excedentes e eficiência hídrica define o núcleo da nova matriz latino-americana — flexível, digital e resiliente.

    V. ANÁLISE DE RISCOS E OPORTUNIDADES

    A transição energética latino-americana está em um ponto de inflexão.

    Os avanços tecnológicos e os compromissos climáticos criaram uma base sólida para a descarbonização, mas a velocidade de adaptação institucional, regulatória e social ainda é inferior ao ritmo de inovação tecnológica.

    Durante a X Semana de la Energía, ficou evidente que a transição não será linear: ela envolve novos riscos sistêmicos, mas também oportunidades inéditas de integração, industrialização e desenvolvimento humano.

    O presente capítulo busca justamente organizar esses vetores, avaliando sua relevância e interdependência.

    Riscos identificados

    a) Riscos regulatórios e de governança

    O risco regulatório é hoje o principal fator de incerteza para investidores e operadores do setor energético regional.

    A maioria dos países da América Latina ainda não possui marcos regulatórios específicos para armazenamento, hidrogênio verde ou integração de renováveis distribuídas.

    Além disso, há fragmentação institucional: agências reguladoras, ministérios e operadores de rede nem sempre possuem atribuições claramente definidas.

    Durante o painel “Construyendo un sistema eléctrico resiliente y seguro”, Luiz Barroso sintetizou esse dilema:

    “O excesso de zelo regulatório pode travar a inovação; mas a ausência de regras cria assimetria e risco.”

    Outro ponto crítico é a governança regional.

    Embora a OLADE e a CEPAL tenham avançado na harmonização de estatísticas e diretrizes, ainda há falta de mecanismos vinculantes para coordenação de políticas energéticas transfronteiriças.

    Isso limita o potencial de integração de mercados e reduz a eficiência de investimentos compartilhados em interconexão elétrica ou gasífera.

    b) Riscos financeiros e de investimento

    A segunda camada de risco decorre da volatilidade macroeconômica e cambial dos países da região.

    Mesmo com o avanço de instrumentos como o Global Gateway e o Energy Transition Facility (BID), os projetos ainda enfrentam alto custo de capital (WACC superior a 12%) e insegurança jurídica.

    A ausência de mecanismos regionais de garantias e seguros climáticos também afeta a bancabilidade de projetos, sobretudo em energias emergentes (hidrogênio, armazenamento e biogás).

    Os investidores destacaram, nos painéis de Santiago, que o problema não é a falta de capital, mas a falta de projetos estruturados e financeiramente viáveis.

    Sem padronização regulatória, cada país exige novas due diligences, elevando custos de transação e atrasando cronogramas de implantação.

    c) Riscos tecnológicos e de suprimento

    A terceira dimensão é a tecnológica.

    A dependência de cadeias críticas internacionais, sobretudo da Ásia, é um ponto de vulnerabilidade.

    O Libro Blanco del Almacenamiento de Energía evidencia que 90% das células de baterias usadas na região vêm da China e que 80% do lítio extraído na América do Sul é exportado em estado bruto, sem agregação de valor industrial.

    Além da concentração produtiva, há risco de obsolescência tecnológica: as soluções adotadas hoje (BESS, eletrólise alcalina, painéis convencionais) podem perder competitividade diante de inovações como baterias de estado sólido, hidrogênio offshore e células reversíveis.

    Isso reforça a necessidade de políticas de tecnologia neutra e de estratégias de atualização regulatória contínua.

    d) Riscos sociais e de aceitação pública

    Nenhuma transição energética é sustentável sem aceitação social.

    A América Latina já enfrenta resistência em alguns projetos de mineração, parques eólicos e hidrogênio verde devido a impactos locais e conflitos socioambientais.

    Os debates do último dia da Semana destacaram que o êxito da transição depende de inclusão territorial e reconversão profissional, e não apenas de eficiência econômica.

    O desafio social também é perceptível nas periferias urbanas e zonas rurais: a eletrificação não pode se limitar a substituir combustíveis fósseis, mas deve gerar empregos verdes, renda e capacitação.

    Essa foi a tônica do painel “El recurso humano como catalizador del recurso energético”: o capital humano precisa ser tratado como infraestrutura estratégica, e não como externalidade.

    Tabela – Síntese dos principais riscos identificados

    Categoria de riscoDescriçãoImpacto potencialMedidas mitigadoras recomendadas
    Regulatório e de governançaFragmentação institucional e falta de marcos claros para novas tecnologiasInsegurança jurídica e lentidão de investimentosHarmonização regulatória regional e definição de taxonomia verde
    Financeiro e de investimentoCusto de capital elevado e ausência de garantias regionaisRedução de bancabilidade de projetosCriação de fundos regionais de mitigação de risco e seguros climáticos
    Tecnológico e de suprimentoDependência de insumos asiáticos e risco de obsolescênciaVulnerabilidade industrial e custo futuro altoIncentivos à indústria local e parcerias tecnológicas regionais
    Social e de aceitação públicaConflitos territoriais e baixa participação comunitáriaAtrasos e judicialização de projetosProgramas de reconversão laboral e consulta social antecipada

    Oportunidades estratégicas para a região

    Apesar dos riscos, os debates da X Semana demonstraram que a América Latina dispõe de ativos estratégicos únicos no mundo: abundância de renováveis, matriz limpa, recursos minerais, experiência hidrelétrica e crescente maturidade institucional.

    As oportunidades que emergem dessa combinação podem transformar a região em líder global de transição energética justa e competitiva.

    a) Integração energética e infraestrutura compartilhada

    A integração regional é o vetor mais poderoso para reduzir custos e aumentar a resiliência.

    Segundo estimativas da OLADE, a interconexão elétrica plena entre países da ALC poderia gerar economia de até US$ 10 bilhões anuais, ao permitir o uso complementar de recursos (hidro, eólico e solar) e suavizar picos de demanda.

    O fortalecimento das interligações Brasil–Uruguai, Chile–Peru e Colômbia–Panamá está no centro dessa estratégia.

    A infraestrutura compartilhada inclui também gasodutos reversíveis, terminais de GNL modulares, linhas HVDC transfronteiriças e centros regionais de armazenamento.

    Além da segurança energética, esses projetos criam economias de escala regulatória e atraem investimentos multilaterais.

    b) Indústria de baterias e hidrogênio verde

    A América Latina tem a oportunidade de substituir o papel histórico de exportadora de commodities energéticas pelo de provedora de tecnologias de descarbonização.

    O “Triângulo do Lítio” (Argentina, Bolívia e Chile) pode abrigar uma das maiores cadeias industriais de baterias do hemisfério sul, associada a polos tecnológicos no Brasil e no México.

    Essa indústria é a ponte natural para o hidrogênio verde, pois ambos compartilham infraestrutura eletroquímica e mineralógica.

    Os projetos de H₂V apresentados na Semana — especialmente no Chile e no Brasil — mostram que a região pode exportar 10 milhões de toneladas anuais até 2035, desde que haja infraestrutura portuária, certificação de origem e garantias de offtake.

    O casamento entre baterias e hidrogênio pode redefinir o mapa industrial latino-americano.

    c) Empregos verdes e requalificação profissional

    A OLADE estima que a transição energética poderá gerar 3,5 milhões de novos empregos até 2030, dos quais 60% exigirão formação técnica intermediária.

    Os painéis “El recurso humano como catalizador del recurso energético” e “Transición justa” reforçaram que a qualificação profissional é o gargalo mais crítico da região.

    Programas como o Energía para Todos (OLADE) e o Fondo Verde para la Educación Técnica já atuam nesse campo, mas é necessária uma estratégia regional de educação energética, integrando universidades, institutos e empresas.

    Além de resolver um déficit de competências, essa agenda fortalece a aceitação social e a legitimidade da transição.

    d) Cooperação público-privada e inovação regulatória

    Os debates em Santiago demonstraram que o setor privado está disposto a investir — desde que haja previsibilidade e reciprocidade regulatória.

    O novo paradigma é o da cooperação regulada, em que governos, investidores e comunidades compartilham riscos e benefícios.

    A inovação regulatória deve contemplar:

    • Regulação por desempenho (output-based regulation), que estimula resultados e não apenas conformidade;
    • Sandbox regulatórios para testar tecnologias emergentes (IA, blockchain, microrredes);
    • Mecanismos de precificação de flexibilidade e carbono integrados a mercados regionais.

    Essas medidas fortalecem a confiança e reduzem o “custo da incerteza”, elemento que mais penaliza os projetos de energia limpa na América Latina.

    Tabela – Oportunidades estratégicas prioritárias para a região

    Eixo de oportunidadeDescrição e impacto esperadoHorizonte temporalAtores-chave
    Integração energéticaInterconexões elétricas e gasíferas regionais; compartilhamento de infraestruturaCurto e médio prazo (2025–2032)OLADE, BID, CAF, Operadores Nacionais
    Indústria de baterias e HVDesenvolvimento industrial e tecnológico baseado em minerais críticosMédio e longo prazo (2028–2040)Governos, UE, empresas privadas
    Empregos verdes e requalificaçãoFormação técnica e reconversão profissional setorialPermanente (2025–2035)Ministérios de Energia e Educação
    Cooperação público-privadaInovação regulatória e marcos de governança colaborativaContínuoRegulações nacionais e multilaterais

    Síntese:

    A América Latina encontra-se diante de um equilíbrio delicado: os riscos da transição são altos, mas as oportunidades são proporcionais.

    O caminho proposto pela OLADE e reforçado na X Semana de la Energía é claro — passar da transição declaratória à transição operacional, onde regulação, tecnologia e capital humano avancem em sincronia.

    O futuro energético da região dependerá menos da quantidade de recursos disponíveis e mais da capacidade de governá-los de forma cooperativa e inteligente.

    VI. RECURSOS NECESSÁRIOS

    A transição energética latino-americana está diante de um paradoxo: o potencial técnico é vasto, mas o sistema de execução ainda é fragmentado.

    Os debates da X Semana de la Energía mostraram que, embora a região disponha de abundância de recursos naturais, base científica e acesso crescente a capital climático, ainda faltam estruturas institucionais, digitais e humanas para transformar metas em resultados.

    Este capítulo sistematiza os recursos fundamentais para viabilizar a visão de integração e sustentabilidade traçada nos capítulos anteriores.

    Capacidades institucionais e regulatórias

    A governança energética latino-americana precisa evoluir de um modelo setorial e nacional para uma governança multinível e interconectada.

    Hoje, a maior parte das decisões é tomada por ministérios e agências reguladoras isoladas, com pouca interoperabilidade entre países ou sinergia entre áreas (energia, meio ambiente, indústria, educação).

    A ausência de mecanismos vinculantes entre os Estados membros da OLADE limita a coordenação da política energética regional.

    Os painéis de Santiago destacaram que as novas fronteiras tecnológicas — armazenamento, hidrogênio, mobilidade elétrica — exigem regulações dinâmicas e adaptativas.

    Regulações fixas, centradas em concessões e tarifas, tornam-se ineficientes num contexto de redes digitais, prosumidores e microrredes.

    Para superar essa assimetria institucional, a OLADE propõe um modelo de “integração regulatória progressiva”, que combina harmonização técnica com autonomia soberana.

    Isso significa que cada país mantém sua regulação, mas adota padrões comuns para certificação, interoperabilidade e métricas ambientais.

    Tabela – Capacidades institucionais e regulatórias prioritárias

     Capacidade requeridaObjetivo estratégicoInstituições envolvidas
    Regulação energéticaMarco legal para armazenamento, hidrogênio e flexibilidadeGarantir previsibilidade e atratividade de investimentosMinistérios de Energia, Agências Reguladoras
    Governança regionalEstrutura de coordenação entre países da OLADEHarmonizar normas e facilitar interconexõesOLADE, CEPAL, BID
    Planejamento integradoFerramentas conjuntas de modelagem energéticaEvitar sobreposição de projetos e desperdício de recursosOperadores Nacionais e OLADE
    Cibersegurança e dadosNormas de segurança OT e interoperabilidade digitalGarantir resiliência dos sistemas interconectadosONS regionais, BID, CAF

    Recomendações:

    • Criar um Conselho Latino-americano de Regulação Energética, sob coordenação da OLADE.
    • Adotar taxonomia verde regional, com critérios uniformes para certificação de investimentos.
    • Estabelecer acordos de interoperabilidade regulatória entre operadores elétricos e gasíferos.
    • Criar observatórios de políticas públicas energéticas com base em dados abertos e interoperáveis.

    Infraestrutura tecnológica e digital

    A digitalização é o alicerce da nova transição energética.

    Durante os painéis sobre segurança e resiliência, ficou claro que os sistemas elétricos latino-americanos ainda são analógicos em sua essência: limitados por telemetria deficiente, ausência de controle preditivo e baixa automação de subestações.

    Essa lacuna tecnológica compromete a estabilidade e impede o aproveitamento pleno das renováveis.

    A região precisa acelerar a construção de uma infraestrutura digital energética baseada em três eixos:

    1. Sensoriamento e dados em tempo real (IoT/SCADA 4.0);
    2. Automação inteligente com inteligência artificial e edge computing;
    3. Cibersegurança e soberania digital dos sistemas críticos.

    O painel “Construyendo un sistema eléctrico resiliente y seguro” mostrou que a transição digital já é prioridade em países como Chile, Colômbia e Brasil, que investem em digital twins de redes elétricas e centros de controle híbridos.

    No entanto, o desafio regional é padronizar protocolos e compartilhar infraestrutura de dados, reduzindo custos e aumentando a interoperabilidade.

    Tabela – Eixos da infraestrutura tecnológica e digital

    EixoAplicações prioritáriasImpactos esperadosInvestimentos estimados (2025–2035)
    Digitalização e automaçãoMedição avançada, controle SCADA, IA preditivaRedução de perdas e aumento da confiabilidadeUS$ 25 bilhões
    Armazenamento e flexibilidadeBESS, hidrogênio, gestão de demandaRedução de vertimentos em 80%US$ 40 bilhões
    Cibersegurança OT/ITDefesa de sistemas críticos e protocolos unificadosResiliência frente a ataques cibernéticosUS$ 5 bilhões
    Interconexão digital regionalPlataformas compartilhadas e operação coordenadaIntegração energética efetivaUS$ 10 bilhões

    Recomendações:

    • Criar uma plataforma regional de dados energéticos interoperáveis (OLADE DataHub).
    • Estabelecer padrões unificados de cibersegurança OT/IT, com apoio do Comando Cibernético Regional e BID.
    • Incentivar projetos piloto de redes inteligentes comunitárias, com financiamento público-privado.
    • Integrar IA e digital twins aos centros de controle regionais para monitoramento preditivo de sistemas elétricos.

    Financiamento e mecanismos de investimento

    O financiamento é a ponte entre potencial e execução.

    O grande desafio para a América Latina não é a falta de recursos globais — há liquidez suficiente nos fundos de transição e nos bancos multilaterais —, mas sim a falta de estrutura institucional para absorver e multiplicar esses recursos.

    Durante a X Semana, representantes do BID e da União Europeia reforçaram que a região precisa de mecanismos de financiamento híbrido (blended finance), combinando capital público, garantias multilaterais e participação privada.

    A estratégia Global Gateway (UE), o Energy Transition Facility (BID) e o Climate Tech Fund (CAF) são exemplos dessa tendência.

    O problema está na escala: menos de 25% dos projetos de energia limpa submetidos em 2024 atingiram o estágio de fechamento financeiro.

    O obstáculo principal é a ausência de fundos regionais de mitigação de risco, que permitam aos investidores privados participar de projetos estruturados com retorno previsível.

    Tabela – Estrutura de financiamento e papéis institucionais

    MecanismoFunção principalInstituições responsáveisHorizonte de impacto
    Blended Finance Regional (OLADE–BID–CAF)Cofinanciamento e mitigação de riscoOLADE, BID, CAF2025–2035
    Fundos Verdes NacionaisApoio direto a startups e P&DMinistérios de Energia, FINEP, CORFO2025–2030
    Green Bonds e ESG BondsCaptação privada em mercados financeirosBancos Centrais, empresas e utilitiesContínuo
    Fundos de Garantia ClimáticaCobertura de risco cambial e políticoBID, PNUMA, UE2026–2040

    Recomendações:

    • Criar um Fundo Latino-americano de Investimento em Transição Justa, com aportes multilaterais e garantias cruzadas.
    • Desenvolver um marco regional de taxonomia verde, com métricas uniformes para crédito e impacto.
    • Ampliar o acesso de municípios e utilities locais a instrumentos de financiamento climático.
    • Estruturar parcerias público-privadas em infraestrutura digital e energética, com cláusulas de transparência e rastreabilidade.

    Formação e reconversão do capital humano

    A transição energética não é apenas tecnológica, mas fundamentalmente humana.

    As sessões “El recurso humano como catalizador del recurso energético” e “Transición justa” reafirmaram que o maior desafio da região é a formação de competências técnicas compatíveis com a nova economia energética.

    A OLADE estima que a América Latina precisará formar 2 milhões de técnicos e engenheiros até 2030 em áreas como automação, energia solar, hidrogênio, baterias e redes inteligentes.

    No entanto, a maioria dos sistemas educacionais nacionais ainda opera com currículos defasados e pouca integração com o setor produtivo.

    A reconversão laboral deve ser vista como política pública de segurança energética, pois a escassez de mão de obra qualificada já ameaça cronogramas de implantação de projetos solares e eólicos.

    Durante o painel ministerial, propôs-se a criação de uma Alianza Regional de Educación Energética (AREE), com coordenação da OLADE, integração de universidades e uso de plataformas digitais multilíngues.

    Tabela – Prioridades na formação e reconversão profissional

    Área de capacitaçãoPerfil profissional demandadoInstrumentos de política recomendadosInstituições-chave
    Energia solar e eólicaTécnicos de instalação, operação e manutençãoCentros regionais de capacitaçãoOLADE, SENAI, CORFO
    Hidrogênio e bateriasEngenheiros químicos e eletroquímicosProgramas de intercâmbio técnicoUniversidades e BID
    Automação e digitalizaçãoEngenheiros eletricistas e especialistas OT/ITCursos híbridos (indústria + academia)Operadores de rede, CAF
    Gestão e inovação regulatóriaGestores públicos e reguladoresEscolas de governo energéticoMinistérios e CEPAL

    Recomendações:

    • Instituir uma Rede Latino-americana de Formação em Energia e Transição Justa, coordenada pela OLADE.
    • Lançar o Programa Jovens para a Transição, conectando universidades, empresas e comunidades locais.
    • Integrar plataformas digitais de ensino técnico, com currículos bilíngues e foco prático.
    • Estimular programas de liderança e capacitação para mulheres na energia, promovendo inclusão e diversidade setorial.

    Síntese do Capítulo:

    A transição energética requer mais do que investimentos: exige instituições sólidas, tecnologia integrada, finanças inteligentes e pessoas capacitadas.

    Sem essas quatro dimensões, o potencial renovável latino-americano continuará sendo subaproveitado.

    A agenda proposta pela OLADE é clara — governar a transição com inteligência coletiva, consolidando uma base institucional que converta recursos naturais em prosperidade sustentável e regionalmente integrada.

    VII. RECOMENDAÇÕES E ESTRATÉGIAS REGIONAIS

    A transição energética na América Latina e no Caribe alcançou um novo estágio: deixou de ser uma agenda de intenções e passou a exigir governança operacional, integração efetiva e coerência regulatória.

    As discussões da X Semana de la Energía revelaram que o êxito da região dependerá menos da quantidade de recursos disponíveis e mais da capacidade de coordenar políticas, harmonizar regulações e mobilizar investimentos.

    Este capítulo propõe um conjunto de cinco eixos estratégicos regionais, interligados e complementares, que traduzem a visão comum construída entre países membros da OLADE, organismos multilaterais e o setor privado.

    Governança e integração energética latino-americana

    A governança é o pilar invisível da transição.

    Durante a X Semana, consolidou-se o entendimento de que a América Latina precisa de uma arquitetura institucional moderna e colaborativa, capaz de combinar autonomia nacional com coordenação regional.

    A atual fragmentação — com 27 marcos regulatórios distintos — dificulta a formação de um mercado energético regional e encarece os investimentos em interconexão elétrica e gasífera.

    A recomendação central é a criação de uma Plataforma de Governança Energética Regional (PGER) sob coordenação da OLADE, com três funções principais:

    1. Harmonização regulatória progressiva – estabelecer padrões mínimos comuns de licenciamento, tarifação e certificação ambiental.
    2. Coordenação operacional – integrar operadores elétricos nacionais (ONS) em um sistema de despacho coordenado para reduzir vertimentos e perdas.
    3. Diálogo político e diplomático permanente – alinhar estratégias energéticas com metas climáticas e industriais.

    Essa governança ampliada deve ser ancorada em instrumentos multilaterais de adesão voluntária, garantindo flexibilidade para que cada país adote o ritmo de integração compatível com sua maturidade institucional.

    Tabela – Estrutura proposta para a Governança Regional de Energia

    ComponenteFunção estratégicaInstituição líderMecanismo sugerido
    Conselho Ministerial de Energia da ALCCoordenação política e diplomáticaOLADEReuniões anuais e secretariado técnico permanente
    Foro Regulatório Latino-americanoHarmonização normativa e marcos para novas tecnologiasOLADE + CEPAL + BIDObservatório regulatório e guias de boas práticas
    Rede de Operadores Interconectados (ROI-ALC)Coordenação técnica e intercâmbio elétricoOperadores nacionais de sistemaPlataforma digital comum e despacho coordenado
    Grupo de Integração de Mercados Energéticos (GIME)Estudos de viabilidade e projetos prioritários regionaisBID, CAF, UECarteira regional de investimentos em interconexão

    Modelos de incentivo e mercados de flexibilidade

    A expansão das renováveis não é apenas uma questão tecnológica, mas econômica e comportamental.

    O novo paradigma energético exige mercados de flexibilidade, capazes de remunerar serviços ancilares, armazenamento, resposta da demanda e estabilidade de frequência.

    Hoje, poucos países da região remuneram adequadamente esses serviços — o que limita a entrada de investidores e a eficiência do despacho.

    O modelo recomendado é o de incentivos híbridos, combinando instrumentos de mercado e políticas públicas:

    • Leilões híbridos (solar + BESS) com prazos longos de contrato e remuneração variável por disponibilidade;
    • Pagamentos por capacidade e flexibilidade, integrados ao custo marginal horário;
    • Tarifas dinâmicas para incentivar o consumo em horários de alta geração renovável;
    • Mercados de serviços ancilares regionais, permitindo intercâmbio de energia e estabilidade entre países.

    Esses mecanismos devem ser acompanhados de políticas fiscais inteligentes, como depreciação acelerada para ativos de armazenamento e créditos tributários para infraestrutura verde.

    O objetivo é internalizar o valor da flexibilidade e transformar o armazenamento em ativo financeiro líquido e comerciável.

    Planejamento de longo prazo e neutralidade tecnológica

    A América Latina precisa adotar uma abordagem de planejamento integrado e neutra em tecnologia, baseada em critérios de eficiência, segurança e custo-benefício.

    Os painéis de Santiago evidenciaram que o excesso de planos setoriais isolados (PDEs, PENs, planos de mobilidade, hidrogênio etc.) gera redundância e competição entre políticas públicas.

    A neutralidade tecnológica implica reconhecer que não há solução única para a descarbonização: cada território deve adotar o mix mais adequado ao seu perfil de recursos.

    O papel da OLADE é justamente consolidar cenários regionais compatíveis com as metas da COP30 e da Agenda 2030, integrando modelagens nacionais em um Plano Energético Regional 2050.

    Esse plano deve incluir:

    • Cenários de demanda regional ajustados por variáveis climáticas e industriais;
    • Mapeamento de infraestruturas críticas (linhas, gasodutos, portos e centros logísticos);
    • Estratégia de armazenamento e interconexão;
    • Indicadores socioeconômicos de transição justa.

    O objetivo não é impor uniformidade, mas criar coerência regional — garantindo que cada investimento nacional fortaleça a resiliência coletiva da ALC.

    Políticas para cadeias de valor locais (lítio, baterias, H₂, BESS)

    Um dos principais legados da X Semana foi a constatação de que a transição energética é também uma oportunidade industrial sem precedentes.

    A região detém os principais minerais estratégicos da economia verde — lítio, cobre, níquel, manganês e grafite —, mas ainda exporta a maior parte em estado bruto.

    O desafio é verticalizar essas cadeias, agregando valor local e estimulando a produção de tecnologias energéticas regionais.

    As políticas recomendadas incluem:

    • Criação de polos industriais transnacionais para produção de baterias e equipamentos de BESS;
    • Acordos de cooperação para manufatura e P&D em hidrogênio verde, com certificação conjunta de origem;
    • Fomento à reciclagem de baterias e reuso de metais críticos, reduzindo a dependência de importações asiáticas;
    • Programas de conteúdo local inteligente, vinculando incentivos fiscais a metas de inovação e treinamento técnico.

    Essa estratégia requer parcerias público-privadas e integração com universidades e centros de pesquisa, transformando a região de exportadora de recursos naturais em exportadora de soluções energéticas.

    Tabela– Cadeias de valor locais: desafios e estratégias

    SetorDesafio principalEstratégia recomendadaBenefício regional esperado
    Lítio e minerais críticosExportação bruta e baixa agregação de valorIndústria de catodos e reciclagem regionalRedução de dependência e geração de empregos
    Baterias e BESSAusência de escala e padronizaçãoClusters regionais com apoio de BID e UEFormação de indústria integrada e custos menores
    Hidrogênio verdeFalta de certificação e infraestruturaParcerias bilaterais e rotas logísticas regionaisExpansão de exportações e neutralidade de carbono
    Biogás e biometanoFalta de padronização de injeção em redesNormas regionais de qualidade e rastreabilidadeInserção de pequenas e médias empresas rurais

    Inovação, P&D e cooperação técnica entre países da OLADE

    A inovação é o motor da integração regional.

    A OLADE já atua como centro de convergência técnica entre países, mas os debates da X Semana indicaram a necessidade de transformar essa atuação em um verdadeiro sistema regional de P&D energético, com metas e governança próprias.

    Propõe-se a criação do Programa Regional de Inovação e Transição Energética (PRITE), com cinco linhas estruturantes:

    1. Digitalização e automação de sistemas elétricos;
    2. Armazenamento avançado e reciclagem de baterias;
    3. Hidrogênio verde e biocombustíveis de nova geração;
    4. Gestão de dados, IA e cibersegurança aplicada à energia;
    5. Formação de capital humano e redes de conhecimento.

    O PRITE seria operacionalizado por meio de centros de excelência distribuídos, sediados em universidades e instituições técnicas nos países membros da OLADE, interconectados digitalmente e com financiamento cruzado (BID, CAF, UE e PNUMA).

    Síntese das Recomendações e Estratégias Regionais

    Eixo EstratégicoObjetivo centralInstrumentos propostosPrazo estimado (pleno efeito)
    Governança e integraçãoCriar estrutura institucional para coordenação regionalPlataforma PGER e ROI-ALC2025–2032
    Mercados de flexibilidadeRemunerar serviços ancilares e estabilidadeLeilões híbridos e pagamentos por capacidade2026–2030
    Planejamento e neutralidade tecnológicaGarantir coerência entre planos nacionais e regionaisPlano Energético Regional 20502027–2040
    Cadeias de valor locaisIndustrializar minerais críticos e tecnologias energéticasClusters regionais e políticas de conteúdo local2025–2035
    Inovação e cooperação técnicaConsolidar rede regional de P&D e educação energéticaPRITE – Centros de Excelência OLADE2025–2040

    Conclusão do Capítulo:

    A América Latina e o Caribe têm, pela primeira vez, condições reais de construir uma transição energética própria, justa e tecnicamente sólida.

    As estratégias aqui delineadas não dependem apenas de recursos financeiros, mas de liderança institucional, continuidade política e integração técnica.

    A OLADE, como eixo de convergência regional, deve guiar esse processo com pragmatismo e visão estratégica: planejar em conjunto, regular com inteligência e inovar com propósito.

    VIII. CONCLUSÕES

    Síntese das principais tendências

    A X Semana de la Energía, realizada em Santiago do Chile, reafirmou que a América Latina e o Caribe estão na vanguarda da transição energética global — não apenas por sua matriz majoritariamente renovável, mas pela diversidade de soluções que emergem da própria realidade regional.

    As discussões revelaram cinco tendências estruturantes que moldarão o futuro energético latino-americano:

    1. Integração regional como estratégia de soberania: A coordenação entre países da OLADE deixou de ser retórica e passou a ser vista como instrumento de competitividade e segurança. A interconexão elétrica e gasífera surge como eixo estruturante para reduzir custos, evitar vertimentos (curtailment) e equilibrar recursos hídricos e renováveis.
    2. Armazenamento e digitalização como bases da estabilidade: O Libro Blanco del Almacenamiento de Energía consolidou o entendimento de que a estabilidade elétrica do futuro não virá apenas da geração, mas da capacidade de armazenar, prever e despachar energia com inteligência. BESS, hidrogênio, redes inteligentes e IA aplicada a SCADA compõem o novo ecossistema de confiabilidade.
    3. Cadeias de valor locais e industrialização verde: A transição energética abre caminho para um reposicionamento econômico da região. O lítio, o cobre, as baterias e o hidrogênio verde não são apenas recursos — são ativos industriais e geopolíticos que podem redefinir o papel da América Latina na economia global.
    4. Justiça social e capital humano como infraestrutura invisível: A descarbonização só será sustentável se for também inclusiva. Os painéis sobre transição justa e reconversão laboral mostraram que energia limpa e desenvolvimento humano são partes da mesma equação. O talento técnico, a educação energética e a diversidade profissional tornaram-se tão estratégicos quanto os investimentos em geração.
    5. Governança inteligente e inovação regulatória: O avanço da digitalização e da descentralização energética exige regulação adaptativa, baseada em desempenho e colaboração público-privada. A inovação não é apenas tecnológica — é regulatória e institucional. Países que criarem marcos claros e previsíveis atrairão os fluxos de capital que definirão a próxima década.

    Essas tendências convergem para uma visão única: a transição energética latino-americana será bem-sucedida se for coordenada, flexível e socialmente legítima.

    Caminhos para uma transição justa e inclusiva

    A América Latina e o Caribe possuem as condições naturais e técnicas para liderar uma nova fase de desenvolvimento energético global.

    Entretanto, a transição só será justa se combinar eficiência econômica, justiça territorial e segurança climática.

    Essa tríade exige políticas públicas integradas, coerência regulatória e participação cidadã.

    Os painéis ministeriais e técnicos da X Semana indicaram três dimensões complementares dessa transição justa:

    1. Dimensão institucional: Criar mecanismos regionais de governança e planejamento conjunto — um “sistema energético latino-americano” que funcione de forma cooperativa e coordenada. Isso inclui padronizar regulações, compartilhar infraestrutura e alinhar políticas de neutralidade de carbono.
    2. Dimensão econômica: Promover instrumentos de inclusão produtiva e financiamento verde, assegurando que as novas cadeias de valor (hidrogênio, baterias, AgroPV) gerem emprego e renda local. A justiça energética começa quando as comunidades que abrigam a infraestrutura também colhem os benefícios do desenvolvimento.
    3. Dimensão humana: Formar profissionais, técnicos e gestores capazes de operar os sistemas do futuro — com diversidade, equidade e autonomia. A capacitação em energia deve ser tratada como direito estratégico, não apenas como política de educação.

    Em essência, uma transição justa é aquela que redistribui oportunidades e responsabilidades.

    Ela requer planejamento de longo prazo, mas também senso de urgência.

    Não basta instalar megawatts — é preciso gerar dignidade energética: acesso universal, tarifas justas e trabalho qualificado.

    Chamado à ação conjunta para 2026–2030

    A década de 2020 consolidou o diagnóstico. A de 2030 será o tempo da execução.

    O ciclo 2026–2030 precisa ser o marco da transição operacional latino-americana — a passagem do consenso político para a ação estruturada.

    Para isso, este relatório propõe um chamado à ação conjunta, baseado em três compromissos complementares:

    1. Governar juntos a transição: A OLADE, como organismo regional, deve consolidar um Sistema Integrado de Planejamento Energético da ALC, reunindo governos, operadores e instituições financeiras em torno de um calendário de metas comuns. A integração regulatória, a digitalização e a interconexão devem ser tratadas como bens públicos regionais.
    2. Financiar a descarbonização com inclusão: Bancos multilaterais (BID, CAF, UE) e fundos climáticos devem priorizar projetos que combinem inovação tecnológica e impacto social. Cada dólar investido em energia limpa precisa também gerar valor em educação, emprego e infraestrutura local. A criação de fundos de mitigação de risco e blended finance regionais é essencial para atrair o capital privado.
    3. Educar para transformar: A transição energética será tão robusta quanto a formação das pessoas que a conduzem. A OLADE e seus países membros devem liderar uma agenda educativa e técnica pan-latino-americana, formando profissionais para as novas fronteiras da energia: automação, IA, hidrogênio, baterias e cibersegurança. A educação energética é o verdadeiro ativo de longo prazo da região.

    Mensagem final

    A X Semana de la Energía demonstrou que a América Latina e o Caribe não precisam seguir modelos externos — podem construir o seu próprio caminho: um modelo de transição baseado na cooperação, na inovação e na justiça social.

    O horizonte 2026–2030 será decisivo. É o momento de planejar em conjunto, regular com inteligência, financiar com propósito e educar para transformar.

    A energia que une a região é também a que pode redefinir seu futuro: limpa, humana e integrada.

    Briefings Executivos

    Dia 1: X Semana de la Energía em Santiago do Chile: Reflexões e Desafios do Primeiro Dia

    Dia 2: Segundo Dia da X Semana de la Energía em Santiago do Chile

    Dia 3: Construindo resiliência e inovação: o terceiro dia da X Semana de la Energía no Chile

    Dia 4: Quarto Dia da X Semana de la Energía: Demandas Inteligentes, Integração Regional, Cadenas de Valor e Capital Humano

    Declaração de Autoria e Responsabilidade

    O presente Relatório Final Integrado da X Semana de la Energía – Santiago do Chile 2025 foi elaborado por Eduardo M. Fagundes, de forma independente, com base nos painéis, debates, documentos oficiais e publicações técnicas disponibilizadas pela Organização Latino-americana de Energia (OLADE) e instituições parceiras.

    As análises, interpretações, comentários e projeções aqui apresentadas refletem exclusivamente as opiniões e entendimentos do autor, e não representam, necessariamente, a posição oficial da OLADE, do Ministério de Energia do Chile, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), da Agência Internacional de Energia (AIE), da União Europeia ou de quaisquer outras entidades públicas ou privadas mencionadas.

    As informações contidas neste relatório foram reunidas a partir de fontes consideradas confiáveis e de acesso público. No entanto, não se garante sua exatidão, completude ou atualização, e não é assumida qualquer responsabilidade por eventuais erros, omissões ou decisões tomadas com base no conteúdo aqui apresentado.

    Este documento tem caráter estritamente analítico e informativo, com finalidade de pesquisa e reflexão estratégica sobre os temas abordados durante a X Semana de la Energía, sem valor jurídico, contratual ou vinculante.

    Eduardo Mayer Fagundes (eduardo.mayer@nMentors.com.br)
  • Modernização do Sistema Elétrico Brasileiro: entre a transição energética e a governança técnica

    Modernização do Sistema Elétrico Brasileiro: entre a transição energética e a governança técnica

    Introdução – O nó da geração solar na dinâmica energética brasileira

    Estadão publicou em 6 de outubro de 2025 uma reportagem sobre a crescente complexidade da operação do sistema elétrico brasileiro, causada pelo avanço acelerado da geração distribuída, especialmente da energia solar.

    O texto trouxe análises do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e de especialistas que alertam para fluxos reversos, sobrecarga nas redes e desequilíbrios entre oferta e demanda.

    Hoje, o Brasil ultrapassa 42 GW de potência instalada em geração solar distribuída, somando micro e minigeração conectadas à rede. Esse avanço coloca o país entre os líderes mundiais, mas também expõe desafios: quanto mais descentralizada se torna a matriz, mais difícil é coordenar fluxos, garantir estabilidade e manter previsibilidade regulatória.

    Entre as soluções em debate está a criação dos Operadores de Sistema de Distribuição (DSO – Distribution System Operators), que teriam a função de coordenar fluxos regionais e integrar novas fontes renováveis de forma técnica e neutra.

    Por trás desse debate técnico, há uma questão mais profunda: a necessidade de modernizar a governança do setor elétrico brasileiro, tornando-a mais técnica, digital e orientada por dados.


    1. O paradoxo da transição energética

    A transição energética brasileira é motivo de orgulho.

    Com mais de 80% da matriz elétrica proveniente de fontes renováveis, o país está à frente de nações desenvolvidas na descarbonização da energia.

    Mas o sucesso tem um custo.

    A expansão da geração distribuída — especialmente solar — aconteceu mais rápido do que a capacidade do sistema de absorver essa energia de forma eficiente e previsível.

    O modelo de compensação atual, que incentiva o investimento individual em painéis solares, não precifica adequadamente os custos sistêmicos de reforço das redes, reserva de capacidade e serviços de estabilidade.

    Na prática, isso cria uma distorção: os benefícios da energia solar são amplos, mas parte do custo de integração é socializado entre todos os consumidores.

    Esse é o paradoxo da transição: quanto mais limpa e descentralizada a matriz, maior a complexidade técnica e econômica para manter o sistema em equilíbrio.

    O desafio é garantir que o avanço da inovação não comprometa a confiabilidade da rede — o verdadeiro ativo do setor elétrico brasileiro.


    2. O papel das instituições e a importância da previsibilidade

    Um sistema elétrico não se sustenta apenas em usinas, linhas e cabos.

    Sua solidez depende de instituições técnicas fortes, com autonomia e previsibilidade.

    O Brasil construiu uma base respeitável nesse campo. O ONS e a ANEEL são reconhecidos pela competência técnica e pela solidez dos processos regulatórios.

    Mas o cenário atual — mais digital, distribuído e dinâmico — exige um novo modelo institucional.

    A transição energética em curso pede instituições mais ágeis, interconectadas e orientadas por dados.

    A previsibilidade das decisões regulatórias é o que garante confiança de longo prazo a investidores e operadores.

    Sem ela, o risco aumenta, o capital encarece e o ritmo de inovação diminui.

    modernização do sistema elétrico brasileiro deve, portanto, colocar a governança institucional no centro da estratégia.

    O país precisa de regras estáveis, transparentes e tecnicamente embasadas — e de agências que atuem com independência e mérito técnico, livres de pressões conjunturais.


    3. O ponto cego: coordenação e inteligência sistêmica

    O verdadeiro gargalo do sistema elétrico brasileiro não está na geração, mas na coordenação entre geração, transmissão, armazenamento e consumo.

    O modelo atual foi concebido para fluxos unidirecionais — da usina para o consumidor.

    Agora, o fluxo é bidirecional: cada casa, empresa ou fazenda pode ser também um ponto de geração.

    Isso transforma a rede elétrica em um sistema vivo, que precisa ser monitorado e ajustado em tempo real.

    A solução está na digitalização e automação da operação.

    O uso de dados, inteligência artificial e sistemas preditivos pode evitar sobrecargas, antecipar falhas e otimizar o uso da infraestrutura existente.

    Nesse contexto, a proposta de criação de Operadores de Sistema de Distribuição (DSO) faz sentido técnico.

    Esses operadores regionais atuariam como “mini-ONS”, coordenando a inserção das novas fontes e garantindo a estabilidade local.

    Mas, para que isso funcione, é fundamental que a estrutura seja neutra, tecnicamente qualificada e baseada em interoperabilidade digital.

    Modernizar o sistema elétrico brasileiro significa integrar inteligência, dados e governança técnica — não apenas adicionar megawatts à matriz.


    4. Quatro pilares para a próxima década

    A transformação do setor elétrico brasileiro deve se apoiar em quatro pilares estratégicos que combinem tecnologia, governança e formação técnica.

    1️⃣ Planejamento energético baseado em dados

    O planejamento deve se tornar cada vez mais analítico.

    Modelagens preditivas, simulações de fluxo e integração de dados em tempo real precisam ser parte do processo decisório.

    Planejar com base em dados é o primeiro passo para equilibrar inovação e confiabilidade.

    2️⃣ Revisão regulatória adaptativa e transparente

    A regulação precisa acompanhar o ritmo da tecnologia.

    Revisões periódicas, consultas públicas efetivas e regras adaptativas são essenciais para que o sistema evolua sem rupturas.

    A transparência é o que transforma ajustes regulatórios em confiança institucional.

    3️⃣ Autonomia técnica e meritocracia institucional

    As decisões do setor elétrico devem continuar sendo técnicas, não políticas.

    A autonomia das agências e operadores é a base da estabilidade do sistema.

    Instituições que decidem com base em mérito e dados são as que atraem investimentos e garantem equilíbrio de longo prazo.

    4️⃣ Formação executiva e tecnológica contínua

    O novo sistema elétrico exige profissionais preparados para lidar com automação, armazenamento, inteligência artificial e redes inteligentes.

    Investir na formação técnica e executiva é investir na sustentabilidade institucional do setor.

    Esses quatro pilares formam a espinha dorsal da modernização do sistema elétrico brasileiro, equilibrando eficiência econômica, inovação e segurança operacional.


    5. Inovação com equilíbrio: o desafio da maturidade

    O sistema elétrico brasileiro é reconhecido pela sua diversidade e robustez.

    Mas, na era digital, manter a confiabilidade exigirá maturidade institucional e inteligência regulatória.

    O país precisa avançar de um modelo de controle centralizado para uma governança distribuída e baseada em dados.

    A inovação tecnológica é importante, mas a verdadeira transformação ocorrerá quando dados, instituições e decisões técnicas estiverem plenamente integrados.

    O Brasil reúne todas as condições para liderar a transição energética global:

    recursos naturais abundantes, uma base técnica sólida e um histórico de excelência em engenharia e regulação.

    O próximo passo é garantir que esses ativos estejam alinhados sob uma visão estratégica única, com foco em eficiência, neutralidade e transparência.

    A governança energética deve ser tratada como infraestrutura nacional.

    Sem decisões previsíveis e baseadas em evidências, o país corre o risco de comprometer a segurança e a modicidade tarifária — dois pilares históricos do setor.


    Conclusão – Governar a energia com dados e confiança

    O Brasil vive um momento decisivo.

    modernização do sistema elétrico é mais do que uma pauta técnica: é uma questão de competitividade e segurança nacional.

    Cada decisão regulatória e cada inovação tecnológica impactam diretamente milhões de consumidores e bilhões em investimentos.

    A nova era da energia será digital, descentralizada e inteligente.

    Mas para que também seja sustentável, precisa ser governada por instituições fortes, decisões previsíveis e regulação baseada em evidências.

    O desafio não é apenas modernizar o setor elétrico — é reformular a governança para um mundo movido a dados.

    Mais do que subsídios, o setor precisa de inteligência, integridade e visão de longo prazo.

    O futuro do sistema elétrico brasileiro será definido não apenas pela energia que produz, mas pela qualidade técnica e ética de suas decisões.


    Jornal O Estado de São Paulo, 6 de outubro de 2025

  • Quarto Dia da X Semana de la Energía: Demandas Inteligentes, Integração Regional, Cadenas de Valor e Capital Humano

    Quarto Dia da X Semana de la Energía: Demandas Inteligentes, Integração Regional, Cadenas de Valor e Capital Humano

    Introdução: O último dia da X Semana de la Energía

    O quarto e último dia da X Semana de la Energía, realizada em Santiago do Chile em 3 de outubro de 2025, foi marcado por debates de alto nível que conectaram três eixos fundamentais da transição energética na América Latina e no Caribe: consumo inteligente e flexível, integração energética regional e desenvolvimento de cadeias de valor e capital humano.

    Ao longo dos painéis, líderes de governos, organismos internacionais, academia, setor privado e sindicatos compartilharam visões sobre como transformar desafios em oportunidades. Estar presente neste evento me permitiu não apenas acompanhar discursos técnicos, mas interpretar tendências que moldarão o futuro energético regional .


    Painel 1 – Consumo inteligente: o futuro da demanda elétrica

    A primeira sessão abordou como a gestão flexível da demanda se tornou um pilar estratégico para a resiliência dos sistemas elétricos da região. Alessandra Amaral (ADELAT) abriu o painel destacando o papel de tarifas dinâmicas, resposta da demanda e políticas de eficiência energética.

    Entre os destaques:

    • Félix Sosa (ANDE, Paraguai) mostrou como tarifas flexíveis já beneficiam setores como irrigação, permitindo ajustes de carga com aviso prévio de 10 minutos. O resultado: uso mais eficiente da infraestrutura e reduções de custos.
    • Joisa Dutra (FGV CERI, Brasil) reforçou que a sinalização de preços é central. No Brasil, a expansão dos smart meters é condição necessária para que consumidores participem ativamente da transição.
    • Juan Meriches (Empresas Eléctricas AG, Chile) alertou que a eletrificação da demanda amplia responsabilidades das distribuidoras, exigindo novos investimentos e relacionamento próximo com consumidores.
    • Juan Carlos Olmedo (Coordinador Eléctrico Nacional, Chile) destacou os veículos elétricos como baterias móveis (V2G/V2H), ressaltando a importância de telecomunicações robustas e mercados que reconheçam a demanda como recurso sistêmico.

    Minha leitura é que a América Latina precisa acelerar a digitalização e a automação, garantindo que consumidores se tornem protagonistas da flexibilidade, sem abrir mão da equidade social .


    Painel 2 – El tablero energético regional: integração para sistemas resilientes

    A segunda sessão, em formato magistral, trouxe experiências comparativas e reflexões sobre a planificação energética regional.

    • Cristina Lobillo (Comissão Europeia) relatou a trajetória de mais de 50 anos da UE, lembrando que a crise do gás russo mostrou o valor da integração. Dois pontos-chave: objetivo comum e transparência entre países.
    • Guido Maiulini (OLADE) apresentou estudos que estimam 10 a 20 bilhões de dólares em benefícios anuais até 2045 com a integração elétrica, via arbitragem de preços, reservas compartilhadas e complementariedade de recursos.
    • Heloisa Borges (EPE, Brasil) enfatizou que o Brasil oferece um exemplo de mercado maduro e diversificado, mas que planos só têm valor quando viram políticas concretas para consumidores.
    • María Helena Lee (Ministério de Energia do Chile) lembrou que resiliência climática precisa estar no centro da planificação energética.
    • Marina Gil Sevilla (CEPAL) alertou que a integração exige governança regional, com roadmaps adaptativos.
    • Ricardo Gorini (IRENA) reforçou que investidores não precisam de precisão absoluta, mas de tendências claras e compromissos consistentes.
    • Rodrigo Moreno (Universidad de Chile) concluiu que os obstáculos reais não são técnicos, mas regulatórios e institucionais.

    O que vejo neste debate é que a integração regional é inevitável: não se trata apenas de linhas de transmissão, mas de mercados, regras, confiança e legitimidade social .


    Painel 3 – Cadenas de valor estratégicas para la transición en LAC

    O terceiro painel explorou o desenvolvimento de cadeias de valor industriais e tecnológicas vinculadas à transição energética.

    • Alexandra Planas (BID) deixou claro: exportar minerais não basta. É preciso investir em processamento local, manufatura e políticas de formação técnica.
    • Arturo Loayza Ordóñez (GIZ) trouxe a experiência do ProTransición, mostrando que cadeias fragmentadas geram ineficiências, enquanto estruturas integradas trazem escala e competitividade.
    • Mauricio Rebolledo (ISA Energía Chile) destacou que empresas devem ser habitantes do território, fortalecendo fornecedores locais e integrando comunidades.
    • Ramón Fiestas (GWEC) lembrou que a expansão renovável deve ser acompanhada de industrialização local. Incentivos para produzir componentes estratégicos na região são indispensáveis.
    • Fernando Javier Lavalli (Energías Renovables de Argentina) resgatou a experiência histórica argentina e defendeu o “triângulo do desenvolvimento”: Estado, ciência/tecnologia e indústria em colaboração.

    Minha visão é que a América Latina precisa aproveitar o fenômeno do powershoring, atraindo indústrias energointensivas para seus territórios, mas com foco em valor agregado local e empregos qualificados .


    Painel 4 – El recurso humano como catalizador del recurso energético

    O último painel do dia trouxe para o centro do debate aquilo que muitas vezes é esquecido: gente é infraestrutura crítica.

    • Patricia Roa (OIT) mostrou que a transição pode gerar milhões de empregos na região até 2030, mas só se houver formação, certificação e estratégias de mobilidade laboral.
    • Jessica Miranda (AgenciaSE) apresentou resultados concretos no Chile: mais de 1.100 pessoas capacitadas e 631 certificadas em um ciclo recente, com avanços importantes na inclusão de mulheres em perfis técnicos.
    • Marco (executivo de empresa de renováveis) destacou a urgência de reduzir burocracias na capacitação, padronizar perfis ocupacionais e alinhar currículos à realidade da transição energética.
    • Roberto Mendoza León (FOSRM, México) reforçou que a reconversão deve ser feita sem precarização, garantindo negociação coletiva e condições justas.
    • Pía Suárez (Associação de Mulheres em Energia de Chile) defendeu mentorias, redes de apoio e dados transparentes sobre diversidade.

    O consenso é que sem talento humano formado, certificado e protegido, não há como entregar metas de renováveis, hidrogênio ou mobilidade.

    Minha interpretação é que o capital humano é o verdadeiro catalisador da transição energética. Precisamos de políticas públicas consistentes, investimentos empresariais escaláveis e liderança feminina para assegurar uma transição justa .


    Conclusão: O legado do quarto dia

    O quarto dia da X Semana de la Energía demonstrou que a transição energética da América Latina e Caribe não depende apenas de tecnologia ou investimentos, mas de três fatores interligados:

    1. Flexibilidade da demanda para integrar renováveis;
    2. Integração regional para compartilhar recursos e custos;
    3. Cadeias de valor e capital humano para transformar abundância de recursos em desenvolvimento sustentável.

    Se a região conseguir avançar nesses três eixos, poderá não só atingir suas metas climáticas, mas também se posicionar como líder global de uma transição justa, inclusiva e competitiva.

  • Construindo resiliência e inovação: o terceiro dia da X Semana de la Energía no Chile

    Construindo resiliência e inovação: o terceiro dia da X Semana de la Energía no Chile


    Introdução: um dia que mostrou o futuro energético da região

    No terceiro dia da X Semana de la Energía, em Santiago do Chile, teve uma das jornadas mais densas e inspiradoras do evento. Foi um dia marcado pela diversidade de temas, desde a visão institucional internacional até os caminhos concretos para escalar eficiência energética, construir redes elétricas mais resilientes e integrar agricultura e energia solar por meio do AgroPV.

    Este relato não é apenas uma descrição do que vi e ouvi, mas uma interpretação das mensagens e sinais que emergiram ao longo do dia. Compartilho aqui como percebi as discussões e de que maneira elas refletem os desafios e oportunidades que a América Latina enfrenta em sua transição energética .


    Sessão aberta da reunião de ministros: compromissos além da retórica

    A manhã começou com a sessão aberta da reunião de ministros de energia da América Latina. As intervenções, na parte pública que participei, foram feitas por representantes de organismos internacionais, que trouxeram uma perspectiva institucional.

    O recado principal foi claro: não basta anunciar metas, é preciso manter compromissos constantes. A cada mudança de rumo ou atraso em cronogramas, a governança energética se fragiliza, e a região perde tempo precioso na corrida global pela descarbonização .

    Outro ponto forte foi a ênfase na inclusão social. Estima-se que ainda existam cerca de 3 milhões de sistemas precários de acesso à energia em funcionamento na América Latina. Esse número foi apresentado como símbolo da urgência em conciliar expansão renovável com acesso universal.

    CEPAL reforçou a mensagem de que sem instituições sólidas e marcos regulatórios estáveis, não haverá estabilidade para sustentar a transição.

    A sessão concluiu destacando três dimensões que devem guiar a região:

    • Ambiental: acelerar a transição para fontes limpas;
    • Social: garantir acesso a quem está excluído;
    • Política: consolidar governança e continuidade .

    O que incentiva o setor privado a investir em eficiência energética?

    O segundo painel que acompanhei trouxe uma questão estratégica: como incentivar o setor privado a investir em eficiência energética na América Latina e no Caribe.

    Diversidade de setores e instrumentos

    Logo na abertura, ficou claro que eficiência energética não pode ser tratada como tema restrito a grandes indústrias. Ela se aplica a residências, comércio, pequenas e médias empresas, transporte e, claro, às grandes plantas industriais .

    A especialista Stéphanie Nour, da Econoler, chamou atenção para o papel das tarifas reais, que reflitam os custos de produção e distribuição. Quando a tarifa é artificialmente baixa, a eficiência perde atratividade. Mas ela foi além: tarifa sozinha não basta. É preciso uma arquitetura em três pilares: regulação, capacitação/informação e incentivos .

    Incentivos monetários e reputacionais

    Andrea Heins, do UNEP Copenhagen Climate Center, lembrou que subsídios e linhas especiais existem, mas têm custo fiscal. Não há dinheiro mágico, e muitas vezes é preciso passar por aprovação parlamentar. Por isso, sugeriu também incentivos não monetários, como reconhecimento público e acordos voluntários — medidas de baixo custo e alto impacto reputacional .

    Financiamento climático e inclusão

    Gemma Bedia Bueno, da Alinnea, trouxe a dimensão social: o financiamento climático pode ser uma oportunidade, mas só se for bem direcionado. É necessário chegar até PMEs, cooperativas e atores locais. Microcréditos e garantias podem transformar acesso em realidade. O risco, segundo ela, é que eficiência energética seja vista como “negócio inseguro” por bancos, justamente pela falta de informação técnica .

    Do piloto à escala

    Rosa Riquelme, da Agência de Sustentabilidade Energética do Chile, destacou que pilotos provam viabilidade, mas não escalam sozinhos. É preciso dados robustos, continuidade regulatória e um mercado de serviços confiável. Falta ainda um registro regional de provedores qualificados e certificações reconhecidas .

    Mensagem final

    A conclusão coletiva: a eficiência energética deve ser sempre a primeira opção. Antes de pensar em novas usinas, devemos otimizar o consumo. É mais barato, competitivo e sustentável .


    Construindo resiliência energética em ALC

    O terceiro painel do dia foi um dos mais instigantes: Construyendo resiliencia energética en ALC.

    presidente da Enel Chile, Gianluca Palumbo, abriu lembrando que a frequência e a intensidade de eventos extremos vêm aumentando. Enchentes, ondas de calor e tempestades são hoje fatores que pressionam diretamente os sistemas elétricos .

    O modelo das 4R

    Palumbo apresentou o modelo das 4R:

    • Risk prevention: fortalecimento da rede, manutenção e práticas operativas;
    • Readiness: sistemas de alerta, simulações e convenios com instituições;
    • Response: telecontrole, automação e comunicação constante;
    • Recovery: intervenções rápidas, reparações e melhoria contínua .

    Sua mensagem foi clara: resiliência não é apenas tecnológica, mas também institucional e regulatória.

    Um novo marco regulatório

    A resiliência exige métrica, coordenação e estabilidade regulatória. Sem isso, a resposta é fragmentada. Com isso, a resposta é sistêmica, envolvendo distribuidoras, transmissoras, governos locais e até defesa civil .

    O painel, que reuniu também Alessandra Amaral (ADELAT), Arturo Alarcón (BID), Maria Medard (CARILEC) e Marina Dockweiler (FONPLATA), reforçou a necessidade de tratar a resiliência como investimento econômico. Não se trata apenas de proteger redes, mas de garantir continuidade de serviços essenciais para toda a economia .


    AgroPV: unindo agricultura e energia solar

    Encerrando o dia, participei do painel sobre AgroPV: energía solar y agricultura resiliente para la transición energética y climática. Esse foi, sem dúvida, um dos mais inspiradores.

    Uso compartilhado do solo

    Logo na abertura, ouvi que o AgroPV representa um uso inteligente e compartilhado do solo. Não se trata de escolher entre agricultura e energia solar: é possível fazer os dois juntos. A prova são os sistemas já instalados no sul do Chile, que mostram que é viável produzir energia e, ao mesmo tempo, proteger cultivos contra estresses climáticos .

    O guia prático do Fraunhofer

    Frederik Schönberger, do Fraunhofer Chile, apresentou um manual para projetos AgroPV. Ele propõe um processo em cinco etapas:

    1. Identificar requisitos do cultivo (luz, água, fenologia).
    2. Checar compatibilidade com operações agrícolas.
    3. Dimensionar requisitos elétricos.
    4. Planejar aspectos estruturais e normativos.
    5. Usar uma matriz de parâmetros para tomar decisões equilibradas .

    Esse guia busca traduzir ciência em prática, simplificando dados técnicos para agricultores e desenvolvedores.

    O papel da ISA

    Hugo Morales, da International Solar Alliance, trouxe a visão global. A ISA atua em quatro pilares: políticas, participação privada, capacitação e mobilização de capital. O programa “Farm first” foi desenhado para colocar o agricultor no centro, garantindo que AgroPV seja uma resposta às necessidades locais .

    Ele defendeu também a criação de uma facility regional de financiamento, capaz de escalar pilotos em uma carteira de projetos maior, com garantias e seguros que atraiam bancos locais.

    O que falta

    O painel apontou três pontos críticos para avançar:

    • Normativas claras para uso dual do solo;
    • Modelos de negócio adaptados (PPAs agrícolas, cooperativas, GD com armazenamento);
    • Dados comparáveis sobre produtividade agrícola e geração solar .

    Conclusão: o fio condutor do dia

    Ao final do terceiro dia da X Semana de la Energía, saí com a sensação de que há um fio condutor entre eficiência energética, resiliência e AgroPV. O que une todos esses temas é a necessidade de transformar potencial em realidade, com:

    • Instituições fortes;
    • Dados confiáveis;
    • Modelos de negócio inovadores;
    • Compromissos sustentados no tempo.

    A América Latina tem recursos, conhecimento e vontade. O desafio é alinhar tudo isso para que a transição energética seja, ao mesmo tempo, limpa, resiliente e inclusiva.