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Think tank independente com foco em energia, tecnologia e tendências globais. Análises para apoiar decisões estratégicas com visão de impacto.

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Autor: Eduardo Fagundes

  • Energia e datacenters no Brasil: como evitar a armadilha da commodity

    Energia e datacenters no Brasil: como evitar a armadilha da commodity

    A nova fronteira do consumo de energia

    O mercado de datacenters cresce em ritmo acelerado e está no centro da nova economia digital. Em 2024, essas infraestruturas consumiram cerca de 415 TWh de eletricidade em todo o mundo, representando aproximadamente 1,5% da demanda global. As projeções indicam que esse consumo poderá dobrar ou mesmo triplicar até 2028, impulsionado principalmente pela inteligência artificial, pela expansão da computação em nuvem e pela multiplicação de serviços digitais. Diante desse cenário, surge uma questão crítica para o setor elétrico: como as empresas de energia podem se manter relevantes e estratégicas, em vez de se tornarem apenas fornecedoras de um insumo básico.

    A lição das telecomunicações

    A experiência das telecomunicações oferece uma lição valiosa. No passado, as operadoras chegaram a liderar o mercado de datacenters, mas optaram por vender seus ativos e focar apenas na conectividade. Esse movimento abriu espaço para players especializados e para os hyperscalers, como Amazon, Google e Microsoft, que expandiram seus próprios parques tecnológicos, ao mesmo tempo em que utilizam colocation de empresas como Equinix, Digital Realty e CyrusOne. O resultado foi a transformação das telecomunicações em commodity: ainda fundamentais, mas facilmente substituíveis por qualquer outro provedor de rede. O risco para a energia é repetir a mesma trajetória, sendo tratada apenas como megawatts contratáveis no mercado livre.

    Oportunidade e desafio para o Brasil

    O desafio é particularmente relevante para o Brasil, que se prepara para implementar o ReData, programa de incentivos e regras para a instalação de datacenters. Essa iniciativa pode posicionar o país como hub estratégico de infraestrutura digital na América Latina. No entanto, para que as utilities brasileiras aproveitem essa oportunidade, será necessário um reposicionamento profundo da proposta de valor. A energia precisa ser apresentada não como um insumo indiferenciado, mas como um diferencial competitivo que garante resiliência, sustentabilidade, inteligência e viabilidade financeira aos datacenters.

    Quatro pilares estratégicos

    O primeiro pilar dessa transformação é a resiliência operacional. Datacenters exigem energia contínua, com níveis de disponibilidade equivalentes a padrões internacionais como Tier IV. No exterior, já existem exemplos emblemáticos, como o projeto do Google na Bélgica, que transformou sistemas de UPS e baterias em recursos ativos para a rede elétrica, participando de programas de regulação de frequência. No Brasil, há espaço para utilities estruturarem ofertas que combinem subestações dedicadas, redundância de linhas de transmissão e soluções híbridas integrando fontes renováveis, armazenamento em baterias e backup a gás ou hidrogênio verde.

    O segundo pilar é a sustentabilidade certificada. Energia renovável já não é diferencial, mas requisito mínimo para qualquer operação global de datacenter. O que gera valor é a rastreabilidade e a transparência. Na União Europeia, datacenters acima de 500 kW precisam reportar indicadores de eficiência energética e emissões, criando um padrão de comparação público. Para utilities brasileiras, a resposta está em oferecer pacotes completos de “Net Zero as a Service”, combinando energia renovável certificada, créditos de carbono auditados e relatórios alinhados a padrões como TCFD e ISSB.

    O terceiro pilar é a digitalização. Em um setor guiado por dados, faz pouco sentido que a relação entre datacenters e fornecedores de energia permaneça analógica. Estudos conduzidos pelo Lawrence Berkeley National Laboratory e pelo MIT mostram como a inteligência artificial pode otimizar contratos, prever picos de carga e melhorar a eficiência operacional. Utilities brasileiras podem transformar essa tendência em serviço, oferecendo plataformas de monitoramento em tempo real, gêmeos digitais para simulação e relatórios automáticos de desempenho energético.

    O quarto pilar é a inovação financeira. Os datacenters crescem de forma modular, expandindo conforme a demanda digital. Modelos contratuais rígidos não atendem a essa dinâmica. Por isso, começam a se consolidar práticas como os PPAs 24/7, que associam cada hora de consumo a uma geração específica de energia limpa, e programas seletivos como o DC-CFA de Singapura, que liberou capacidade sob critérios de sustentabilidade. Para o Brasil, a recomendação é criar estruturas contratuais flexíveis, com cláusulas de expansão e possibilidade de co-investimento em novas usinas.

    As dores dos datacenters e o papel das utilities

    Antes de aplicar as recomendações ao contexto brasileiro, é importante reconhecer que os datacenters compartilham um conjunto de dores universais que transcendem fronteiras. Questões como confiabilidade do suprimento, custos crescentes de energia, pressões ESG, eficiência operacional, integração com a rede, escalabilidade e aceitação social aparecem em diferentes mercados. Para que as utilities compreendam onde podem gerar valor estratégico, o quadro a seguir sintetiza essas dores e sugere como o setor de energia pode se posicionar como parceiro de soluções.

    Quadro — Principais dores dos datacenters e como as empresas de energia podem ajudar

    Dores dos DatacentersComo as Empresas de Energia Podem Ajudar
    Confiabilidade do suprimentoRedundância elétrica, subestações dedicadas, renováveis + BESS + backup a gás ou hidrogênio verde, SLAs Tier IV.
    Custos crescentes de energiaPPAs de longo prazo, autoprodução, co-investimento em plantas dedicadas.
    Pressões ESG e Net ZeroNet Zero as a Service com energia certificada, I-RECs, compensações auditadas e relatórios alinhados a padrões globais.
    Gestão de eficiência energéticaTelemetria, dashboards, gêmeos digitais, IA para previsão de demanda e otimização.
    Integração com a redeUPS e baterias em resposta à demanda e serviços ancilares.
    Planejamento de expansãoContratos flexíveis com cláusulas de escalabilidade.
    Aceitação social e impactos locaisReuso de calor, eficiência hídrica, contrapartidas socioambientais.

    Recomendações específicas para o Brasil

    O Brasil dispõe de vantagens competitivas inegáveis: matriz elétrica majoritariamente renovável, potencial extraordinário em solar e eólica, experiência regulatória consolidada e um mercado de datacenters em plena expansão. Para transformar esses ativos em vantagem estratégica, as utilities precisam agir em quatro frentes. Primeiro, usar o ReData como plataforma de integração, participando do planejamento de novos projetos desde o início. Segundo, explorar hubs regionais, aproveitando a vocação solar e eólica do Nordeste e a base hídrica e térmica do Sul e Sudeste. Terceiro, propor à ANEEL e ao ONS regras que incentivem a participação de datacenters em resposta à demanda e serviços ancilares, transformando-os em ativos de flexibilidade. Por fim, construir alianças de co-investimento com hyperscalers, replicando modelos europeus e norte-americanos.

    Conclusão

    Assim como ocorreu com as telecomunicações, a energia corre o risco de ser tratada como commodity se for oferecida apenas como megawatts indiferenciados. O reposicionamento é urgente. Empresas de energia precisam atuar como parceiras estratégicas, entregando resiliência, sustentabilidade, digitalização e inovação financeira. O Brasil, com sua matriz limpa e capacidade regulatória, tem a oportunidade de liderar a integração entre energia e datacenters na América Latina, consolidando-se como protagonista da próxima onda global de infraestrutura digital.

  • Energia e Datacenters: Como Evitar a Armadilha da Comoditização e Manter Relevância Estratégica

    Energia e Datacenters: Como Evitar a Armadilha da Comoditização e Manter Relevância Estratégica

    Sumário Executivo

    O crescimento exponencial do mercado de datacenters está redefinindo a relação entre energia e infraestrutura digital. Em 2024, essas instalações consumiram aproximadamente 415 TWh de eletricidade, o equivalente a 1,5% da demanda global, com projeções de duplicar ou até triplicar nos próximos anos sob o impulso da inteligência artificial. Esse avanço coloca o setor elétrico diante de uma encruzilhada: ou assume um papel estratégico nesse ecossistema, ou corre o risco de repetir a trajetória das telecomunicações, que se tornaram meras fornecedoras de conectividade, tratadas como commodity pelos datacenters.

    Os sinais de pressão são claros. Na União Europeia, datacenters com mais de 500 kW de capacidade estão obrigados a reportar indicadores de eficiência, e países como Irlanda e Holanda já limitaram novas conexões para preservar a estabilidade da rede. Singapura, após impor uma moratória, retomou a expansão de forma seletiva, condicionando a aprovação de projetos a critérios de sustentabilidade. Esses exemplos mostram que a energia não é mais apenas um insumo: é fator crítico de viabilidade e competitividade para a economia digital.

    Para evitar a comoditização, as utilities precisam reposicionar sua proposta de valor em torno de quatro pilares. O primeiro é a resiliência operacional, garantindo redundância, integração de fontes e padrões de disponibilidade compatíveis com Tier IV. O segundo é a sustentabilidade certificada, com energia renovável rastreável, compensações de carbono auditadas e relatórios alinhados a padrões globais. O terceiro é a digitalização, oferecendo telemetria em tempo real, inteligência artificial para otimização de carga e relatórios automáticos que transformam energia em serviço digitalizado. O quarto é a inovação financeira, com contratos flexíveis, PPAs 24/7 e modelos de co-investimento que acompanhem os ciclos de expansão modular dos datacenters.

    No Brasil, esse reposicionamento encontra uma oportunidade histórica. O país dispõe de uma matriz elétrica majoritariamente renovável, potencial extraordinário em solar e eólica, e experiência consolidada em regulação do setor. Com a implementação do ReData, as utilities podem se tornar parceiras estratégicas de hyperscalers e operadores de datacenters, explorando hubs regionais e participando desde a concepção dos projetos. A integração entre energia e datacenters pode transformar o Brasil em referência internacional em sustentabilidade e inovação digital, atraindo investimentos e consolidando sua posição como protagonista da próxima onda global.

    Em síntese, o desafio não é fornecer mais megawatts, mas oferecer soluções que combinem resiliência, sustentabilidade, digitalização e inovação financeira. O futuro dos datacenters será também o futuro da energia — e o Brasil tem a chance de liderar essa convergência.

    Introdução — A lição das telecomunicações

    Nos primeiros anos da internet comercial e da expansão das infraestruturas digitais, as operadoras de telecomunicações eram vistas como protagonistas naturais no mercado de datacenters. Elas detinham a capilaridade das redes de fibra, a proximidade com os clientes corporativos e a capacidade de realizar investimentos de grande escala. Parecia evidente que a evolução para serviços de colocation e hospedagem de dados seria uma extensão lógica de seus negócios principais. De fato, grupos como a Telefónica chegaram a construir e operar datacenters relevantes, mas, assim como outras operadoras, acabaram se desfazendo desses ativos e transferindo a operação para fundos e empresas especializadas.

    O efeito estratégico foi imediato. As operadoras, antes centrais, cederam espaço para empresas dedicadas e para os hyperscalers, como Amazon, Google e Microsoft, que passaram a construir suas próprias infraestruturas em escala global. Vale lembrar, contudo, que mesmo esses gigantes não operam isoladamente: parte de suas operações é hospedada em datacenters de terceiros, como Equinix, Digital Realty e CyrusOne, entre outros players especializados que oferecem interconexão neutra e presença em múltiplos mercados. Esse arranjo híbrido reforça que o datacenter se consolidou como núcleo estratégico da economia digital, enquanto a conectividade fornecida pelas operadoras passou a ser percebida apenas como insumo intercambiável.

    A conectividade, que antes era vantagem competitiva, transformou-se em requisito mínimo. As telecomunicações passaram a ser vistas pelos datacenters como uma commodity: necessárias, mas facilmente substituíveis por qualquer outro fornecedor disponível. O valor deixou de estar na rede em si e passou a residir na capacidade de atrair, hospedar e operar ambientes digitais com eficiência, confiabilidade e sustentabilidade. Assim, as teles tornaram-se habilitadoras invisíveis de um setor que poderiam ter liderado.

    Hoje, a energia elétrica caminha por uma encruzilhada semelhante. Os datacenters globais, que já respondem por mais de 1,5% do consumo mundial de eletricidade e projetam expansão acelerada com a ascensão da inteligência artificial, dependem diretamente de fontes abundantes, confiáveis e renováveis para sustentar seu crescimento. No entanto, assim como ocorreu com as telecomunicações, existe o risco de que a energia seja percebida apenas como insumo básico, contratável de qualquer fornecedor no mercado livre, sem diferenciação estratégica.

    Este artigo parte dessa analogia para propor um caminho alternativo. Se as empresas de energia quiserem manter relevância no ecossistema de datacenters, não poderão se limitar à venda de megawatts. Precisam transformar-se em parceiras estratégicas, oferecendo resiliência operacional, sustentabilidade certificada, integração digital e soluções financeiras inovadoras. O objetivo aqui é construir um framework que evite a armadilha da comoditização e reposicione o setor de energia como protagonista na infraestrutura digital que molda o futuro.

    Diagnóstico Atual

    O mercado global de datacenters atravessa uma fase de crescimento sem precedentes, impulsionado por tendências estruturais como a massificação da computação em nuvem, a digitalização de serviços e, mais recentemente, a aceleração do uso da inteligência artificial. Esse avanço tem colocado a questão energética no centro da estratégia, tanto do ponto de vista do consumo absoluto quanto das exigências de sustentabilidade e regulação.

    Crescimento explosivo da demanda energética

    De acordo com estimativas recentes da Agência Internacional de Energia, os datacenters consumiram aproximadamente 415 TWh de eletricidade em 2024, o que corresponde a cerca de 1,5% da demanda global. A tendência, contudo, não é de estabilização, mas de forte expansão. O avanço dos modelos de inteligência artificial generativa e o crescimento contínuo de serviços de nuvem e streaming adicionam novas camadas de pressão sobre o sistema elétrico, indicando que o peso relativo dos datacenters deve aumentar de forma acelerada na matriz mundial.

    Nos Estados Unidos, estudo conduzido pelo Lawrence Berkeley National Laboratory, em parceria com o Departamento de Energia, mostra que a carga elétrica dos datacenters praticamente triplicou ao longo da última década. As projeções mais recentes apontam para a possibilidade de dobrar, ou mesmo triplicar novamente, até 2028, um horizonte de tempo extremamente curto se comparado ao ciclo tradicional de expansão de geração e transmissão. Essa aceleração cria uma tensão inédita entre a velocidade de crescimento da demanda e a capacidade de resposta da infraestrutura elétrica.

    Pressões de sustentabilidade e regulação

    Além do desafio quantitativo, os datacenters enfrentam um quadro regulatório e social cada vez mais exigente. Na União Europeia, a revisão da Diretiva de Eficiência Energética estabeleceu a obrigatoriedade de reporte de indicadores de desempenho para todos os datacenters com potência instalada superior a 500 kW. Esses relatórios, entregues em bases regulares a um banco de dados europeu, tornam públicas informações de eficiência e emissões, criando um ambiente de comparação e pressão competitiva.

    Paralelamente, códigos de conduta e métricas ESG específicas para o setor se consolidaram como padrões de referência, entre os quais se destacam o PUE (Power Usage Effectiveness), o WUE (Water Usage Effectiveness) e as metas de suprimento 24/7 com energia livre de carbono. Em vários países, esses parâmetros já transcenderam a esfera voluntária e se transformaram em requisitos de mercado ou em critérios de regulação.

    Algumas jurisdições foram ainda mais além, impondo limites diretos à expansão dos datacenters. A Irlanda suspendeu novas conexões na região de Dublin até 2028 devido a restrições de rede. A Holanda instituiu uma moratória temporária para hyperscalers enquanto definia novas diretrizes nacionais. Já Singapura adotou um modelo mais seletivo, relançando seu mercado após uma pausa com o programa DC-CFA, que autoriza capacidade limitada apenas para projetos que atendam critérios de sustentabilidade e eficiência.

    Onde está o risco de comoditização

    Esse cenário de crescimento e regulação abre espaço para uma reflexão crítica sobre o papel das empresas de energia. A energia renovável, que há poucos anos era considerada um diferencial competitivo, hoje é requisito mínimo para qualquer contrato com datacenters globais. Estar alinhado ao suprimento renovável deixou de ser uma escolha e passou a ser uma condição de entrada.

    Além disso, a evolução do mercado livre e a possibilidade de autoprodução reduziram ainda mais a dependência de grandes consumidores em relação a fornecedores específicos. Datacenters podem negociar com múltiplos agentes, estruturar portfólios de PPAs e até investir em ativos próprios de geração. Nesse contexto, se as empresas de energia se limitarem a ofertar megawatts de forma indiferenciada, serão inevitavelmente vistas como prestadoras de um insumo básico, sem poder de diferenciação ou relevância estratégica.

    O risco da comoditização é, portanto, real e imediato. A questão central não é se os datacenters vão consumir mais energia — isso já está dado —, mas se as empresas do setor serão capazes de oferecer algo além do fornecimento elétrico tradicional. O próximo capítulo desse mercado será definido pela capacidade de reposicionamento do setor energético diante das demandas de resiliência, sustentabilidade, digitalização e inovação contratual.

    Pilares Estratégicos para Manter Relevância

    O diagnóstico atual mostra que, se limitadas a vender megawatts, as empresas de energia serão reduzidas a fornecedoras de um insumo básico. Para escapar dessa armadilha e conquistar relevância no ecossistema de datacenters, é preciso reposicionar a oferta de valor em torno de quatro pilares estratégicos: resiliência operacional, sustentabilidade certificada, digitalização inteligente e inovação financeira.

    Pilar 1 – Resiliência Operacional

    Os datacenters vivem sob a lógica do “uptime absoluto”. Qualquer interrupção, mesmo de segundos, pode gerar perdas financeiras e comprometer a reputação de provedores globais. Por isso, a energia fornecida a essas operações precisa ir além da disponibilidade convencional e alcançar níveis de redundância compatíveis com certificações Tier IV. O exemplo mais emblemático vem da Bélgica, onde o Google, em parceria com empresas como a Fluence e a Centrica, transformou seus sistemas de UPS e baterias em recursos ativos para a rede elétrica, prestando serviços de regulação de frequência (FCR). Essa experiência mostrou que, além de reduzir o uso de geradores a diesel, a infraestrutura de backup pode ser integrada de forma inteligente ao sistema elétrico nacional.

    Para o Brasil, a proposta é clara. Utilities devem estruturar ofertas que combinem redundância elétrica dedicada, subestações exclusivas para clusters de datacenters e soluções híbridas que integrem renováveis, sistemas de armazenamento em baterias (BESS) e backup a gás natural ou hidrogênio verde. Dessa forma, podem oferecer contratos baseados em níveis de serviço (SLA) equivalentes aos exigidos pelos padrões internacionais mais rigorosos, transformando a resiliência em um diferencial competitivo.

    Pilar 2 – Sustentabilidade Certificada

    O segundo pilar está diretamente associado às pressões ESG. Na União Europeia, a obrigatoriedade de reporte de KPIs de eficiência para datacenters acima de 500 kW e a aplicação de códigos de conduta como o EU Code of Conduct for Data Centre Energy Efficiency mostram que a sustentabilidade já não é um discurso, mas uma obrigação institucionalizada. Além disso, os clientes globais buscam cada vez mais soluções que ofereçam rastreabilidade e transparência, com uso de blockchain e certificações reconhecidas para garantir que o consumo está alinhado a metas de neutralidade climática.

    Nesse contexto, a simples oferta de energia renovável já não é suficiente. O diferencial está em entregar “Net Zero as a Service”: pacotes que combinem energia limpa, certificados de origem (I-RECs) e instrumentos de compensação de carbono, acompanhados de auditorias independentes e relatórios transparentes de impacto. O valor não estará apenas na fonte da energia, mas na credibilidade das métricas apresentadas ao mercado.

    Pilar 3 – Digitalização e Inteligência

    O terceiro pilar diz respeito à integração de inteligência e dados no fornecimento de energia. Estudos do Lawrence Berkeley National Laboratory, do MIT e do Rocky Mountain Institute mostram como o uso de inteligência artificial, gêmeos digitais e sistemas de monitoramento em tempo real pode otimizar o consumo energético dos datacenters, prever picos de carga e reduzir custos operacionais.

    Para as utilities, a oportunidade está em oferecer energia como serviço digitalizado. Isso significa fornecer plataformas de telemetria integradas aos contratos, permitindo ao cliente acompanhar em tempo real não apenas o volume de consumo, mas também a origem da energia, as emissões evitadas e o desempenho de eficiência. Relatórios automáticos, dashboards personalizáveis e algoritmos de predição transformam o relacionamento entre empresa de energia e datacenter em uma parceria baseada em dados, não em simples fornecimento físico.

    Pilar 4 – Inovação Financeira

    O quarto pilar é a flexibilidade contratual. O crescimento dos datacenters é marcado por ciclos de expansão rápida, com adição de módulos e capacidade de acordo com a evolução da demanda digital. Modelos financeiros rígidos não atendem a essa dinâmica. Casos como os PPAs 24/7 firmados pelo Google, que buscam casar cada hora de consumo com geração renovável, ou o programa DC-CFA de Singapura, que liberou capacidade sob critérios específicos de sustentabilidade, apontam para a necessidade de arranjos contratuais inovadores.

    Para o setor de energia, isso significa desenvolver estruturas de longo prazo que permitam escalonamento, cláusulas de flexibilidade e até modelos de co-investimento em novas plantas de geração. A utility deixa de ser apenas fornecedora e passa a atuar como parceira financeira, compartilhando riscos e viabilizando a expansão. Dessa forma, não apenas vende energia, mas participa diretamente da estratégia de crescimento do cliente.

    Recomendações para o Brasil

    O Brasil encontra-se em um momento singular para posicionar-se no mercado global de datacenters. O lançamento do ReData, política que prevê incentivos e regras específicas para estimular a instalação e a operação dessas infraestruturas no país, representa uma oportunidade de reposicionamento estratégico para as empresas de energia. O risco, entretanto, é repetir a trajetória das operadoras de telecomunicações, que se limitaram a fornecer conectividade e perderam espaço para players especializados. A hora de agir é agora, antes que a energia seja tratada apenas como commodity na equação dos investimentos digitais.

    Antes de detalhar as recomendações específicas para o Brasil, é importante reconhecer que os datacenters compartilham um conjunto de dores universais que transcendem fronteiras e modelos regulatórios. Questões como confiabilidade do suprimento, custos crescentes de energia, pressões de sustentabilidade, eficiência operacional, integração com a rede, escalabilidade e aceitação social compõem um mosaico de desafios que se repetem em diferentes mercados. Para que as utilities brasileiras compreendam onde podem gerar valor estratégico, apresentamos a seguir um quadro que sintetiza essas principais dores e indica como as empresas de energia podem se posicionar como parceiras de soluções, e não apenas fornecedoras de um insumo básico.

    Dores dos DatacentersComo as Empresas de Energia Podem Ajudar
    Confiabilidade do suprimento: datacenters não podem ter interrupções; qualquer falha afeta serviços críticos e clientes globais.Oferecer redundância elétrica com subestações dedicadas, linhas independentes de transmissão e integração de renováveis com baterias e backup a gás/H2V, garantindo SLA compatível com Tier IV.
    Custos crescentes de energia: energia representa uma das maiores parcelas do OPEX e está sujeita a volatilidade de preços.Estruturar contratos de longo prazo (PPAs) com preços estáveis, co-investimento em plantas dedicadas e soluções de autoprodução compartilhada, mitigando riscos financeiros.
    Pressões ESG e Net Zero: clientes e reguladores exigem rastreabilidade de consumo e redução de pegada de carbono.Entregar “Net Zero as a Service”, combinando energia renovável certificada, I-RECs e compensações de carbono auditadas; fornecer relatórios alinhados a padrões internacionais (ISSB, TCFD, EU EED).
    Gestão de eficiência energética: dificuldade em otimizar uso de energia em tempo real frente a cargas dinâmicas, IA e resfriamento intensivo.Oferecer plataformas digitais de telemetria, dashboards de consumo, gêmeos digitais e IA para previsão de demanda, otimizando contratos e eficiência operacional.
    Integração com a rede: datacenters são vistos como grandes consumidores que pressionam o sistema.Transformá-los em agentes de flexibilidade, integrando UPS e BESS para participar de resposta à demanda e serviços ancilares, como regulação de frequência.
    Planejamento de expansão: crescimento modular rápido, exigindo escalabilidade do fornecimento.Criar contratos escalonáveis, com cláusulas de expansão e modelos financeiros flexíveis que acompanhem os ciclos de crescimento.
    Aceitação social e impactos locais: críticas pelo alto consumo de energia e água, além da ocupação de grandes áreas.Integrar projetos de reuso de calor em distritos urbanos, apoiar eficiência hídrica e propor contrapartidas socioambientais visíveis, reforçando a legitimidade social dos investimentos.

    A primeira recomendação é que o ReData seja visto não apenas como um instrumento governamental de atração de investimentos, mas como uma plataforma de integração entre utilities, operadores de datacenters e o ecossistema de inovação. As empresas de energia precisam se apresentar como parceiras estratégicas na modelagem dos novos empreendimentos, participando da concepção dos projetos desde o início. Isso significa estar presentes nas negociações, não como fornecedores marginais de megawatts, mas como atores centrais capazes de entregar resiliência, sustentabilidade certificada, soluções digitais e flexibilidade financeira.

    O segundo ponto é explorar de forma inteligente os hubs regionais que o Brasil naturalmente oferece. O Nordeste possui abundância solar e projetos eólicos de grande escala, configurando-se como polo competitivo para datacenters que buscam energia renovável em volumes crescentes. O Sul e o Sudeste, com base hídrica consolidada, térmicas flexíveis e maior densidade de transmissão, podem se tornar atrativos para projetos que demandam redundância, proximidade com centros consumidores e integração com redes internacionais de conectividade. Mapear essas vocações regionais e construir propostas específicas para cada polo será essencial para atrair investimentos de forma sustentável e distribuída.

    O terceiro eixo de recomendação envolve a regulação. A ANEEL e o ONS devem ser instados a estruturar regras que permitam e incentivem a participação de datacenters em programas de resposta à demanda e serviços ancilares. Essa integração já ocorre em países como Bélgica e Estados Unidos, onde UPS e sistemas de baterias de datacenters são mobilizados para apoiar a estabilidade da rede. No Brasil, incorporar essa lógica significa transformar um consumidor intensivo em um agente ativo de flexibilidade, reduzindo pressões sobre o sistema elétrico e criando novas fontes de receita para os operadores de datacenters e seus parceiros energéticos.

    Por fim, é fundamental construir alianças estratégicas com hyperscalers. Amazon, Google e Microsoft já adotam modelos de co-investimento em plantas de geração dedicadas em outras partes do mundo, garantindo suprimento estável e sustentável para suas operações. Replicar esse modelo no Brasil pode ser decisivo para consolidar o país como hub regional de datacenters. Utilities nacionais que se apresentarem como parceiras de co-investimento terão condições de capturar valor não apenas pela venda de energia, mas também pela participação direta na expansão da infraestrutura digital, garantindo relevância no longo prazo.

    Conclusão

    A experiência das telecomunicações deixa uma lição clara: setores inteiros podem perder relevância estratégica quando se limitam a fornecer insumos básicos sem diferenciação. O que aconteceu com a conectividade — transformada em commodity diante da ascensão dos datacenters especializados e dos hyperscalers — pode se repetir com a energia. Se o fornecimento elétrico continuar a ser tratado apenas como a entrega de megawatts indiferenciados, as empresas de energia correm o risco de se tornarem invisíveis no ecossistema digital, ainda que sejam absolutamente essenciais para sua existência.

    A saída para evitar essa armadilha passa por um reposicionamento profundo. O setor precisa assumir o papel de parceiro estratégico, não apenas de fornecedor. Isso significa oferecer resiliência operacional com redundância e integração de fontes, assegurar sustentabilidade certificada com métricas transparentes, incorporar digitalização e inteligência para transformar energia em serviço monitorável e confiável, além de inovar em modelos financeiros que acompanhem o ritmo de expansão dos datacenters. Em outras palavras, trata-se de deslocar a oferta de energia do campo da commodity para o campo da solução estratégica.

    O Brasil, por sua vez, dispõe de uma oportunidade histórica. Com uma matriz elétrica majoritariamente renovável, vasto potencial de expansão solar e eólico, experiência consolidada em regulação do setor e programas emergentes como o ReData, o país tem condições de se posicionar como protagonista na próxima onda global de infraestrutura digital. A integração inteligente entre energia e datacenters pode não apenas atrair investimentos, mas também consolidar o Brasil como referência internacional em sustentabilidade, inovação e segurança energética aplicada ao universo digital.

    O desafio, portanto, é de visão e ação. Assim como as telecomunicações perderam seu espaço por não compreenderem a tempo o papel estratégico dos datacenters, as empresas de energia precisam agir agora para não repetir a mesma trajetória. O futuro dos datacenters será também o futuro da energia. Cabe ao Brasil decidir se será apenas fornecedor de megawatts ou parceiro estratégico da transformação digital.

  • Rodovias autônomas e o futuro da infraestrutura: lições da experiência chinesa

    Rodovias autônomas e o futuro da infraestrutura: lições da experiência chinesa

    O setor de infraestrutura global vive uma mudança sem precedentes. O que até pouco tempo parecia ficção científica tornou-se realidade em larga escala: a automação plena de obras rodoviárias. A experiência chinesa, que recapou 158 quilômetros da rodovia Pequim–Hong Kong–Macau utilizando apenas máquinas autônomas e drones, sinaliza um novo paradigma para o futuro da engenharia civil. Este marco coloca em evidência o tema central deste briefing: rodovias autônomas futuro da infraestrutura.

    Um marco histórico no setor viário

    A construção de rodovias sempre foi reflexo da capacidade de um país em organizar seu território e estimular seu desenvolvimento. Da engenharia romana ao advento das autoestradas do século XX, cada salto tecnológico respondeu à mesma lógica: fazer mais, em menos tempo, com mais qualidade. Hoje, a automação impulsionada por inteligência artificial, internet das coisas e comunicação 5G abre um novo ciclo. A rodovia autônoma chinesa tornou-se símbolo dessa nova era, não apenas pelo alcance técnico, mas pelo impacto social e estratégico.

    Como se constrói hoje e o contraste com a China

    Enquanto países como Brasil, Estados Unidos e nações europeias avançam em automação parcial, com máquinas semi-autônomas e uso pontual de drones e BIM, a China apostou em escala total. No Brasil, o DNIT e algumas concessionárias exploram projetos-piloto com drones e GPS, mas o processo ainda é marcado por forte presença manual. Nos EUA, Caterpillar e Komatsu oferecem equipamentos inteligentes, e a Federal Highway Administration incentiva a digitalização. A Europa, por sua vez, aposta na integração com digital twins e manutenção preditiva.

    O contraste é evidente. A experiência chinesa demonstra que é possível centralizar esforços e realizar uma obra real em larga escala sem intervenção humana no campo. Essa ousadia reposiciona os termos do debate sobre o futuro da infraestrutura.

    Ganhos de produtividade e eficiência

    O impacto mais visível é a produtividade. As máquinas autônomas operam 24 horas por dia, sete dias por semana, sem pausas. O tempo total de execução cai drasticamente, e os custos de operação são reduzidos pela eliminação de despesas associadas a equipes presenciais. Além disso, a precisão milimétrica na aplicação de camadas de asfalto e a coordenação entre pavimentadoras e compactadores reduzem retrabalhos e aumentam a durabilidade do pavimento.

    Esse modelo mostra como as rodovias autônomas podem transformar a lógica de custo-benefício da infraestrutura, entregando mais qualidade e segurança ao longo de todo o ciclo de vida.

    Desafios socioeconômicos e éticos

    Apesar dos ganhos, o projeto chinês abre discussões importantes. O deslocamento de empregos na construção civil é inevitável. Tarefas antes manuais agora são substituídas por sistemas de controle remoto, supervisão de IA e análise de dados. Isso exige requalificação da mão de obra e a criação de novos papéis profissionais.

    Há também o risco de concentração tecnológica em poucos fornecedores globais de inteligência artificial, sensores e máquinas pesadas. Isso pode criar dependências críticas, especialmente em países que não desenvolvem suas próprias plataformas digitais. Além disso, surge a questão ética: até que ponto devemos automatizar? O desafio será equilibrar eficiência com inclusão social, inovação com preservação de oportunidades.

    A rodovia como plataforma digital

    Um dos grandes aprendizados da experiência chinesa é enxergar a estrada não apenas como infraestrutura física, mas como plataforma digital. Sensores embarcados, drones e satélites coletam dados em tempo real sobre densidade, temperatura e desgaste. Esses dados alimentam modelos preditivos que permitem planejar manutenções antes que falhas ocorram.

    No futuro, esse ecossistema poderá se integrar diretamente com veículos autônomos. Uma rodovia capaz de informar em tempo real sua condição estrutural aumentará a segurança e a eficiência de toda a rede de mobilidade. É o prenúncio de uma infraestrutura inteligente e conectada, em que cada quilômetro pavimentado se torna também um nó em uma rede de dados estratégicos.

    Cenários para os próximos 20 anos

    Podemos imaginar três cenários. O primeiro é o da automação parcial, já presente no Ocidente, em que operadores humanos ainda são necessários. O segundo é o da automação plena, em que máquinas autônomas realizam todas as etapas, com supervisão remota mínima. O terceiro, mais visionário, é o da infraestrutura auto-regenerativa: estradas monitoradas por gêmeos digitais, que acionam robôs e drones para reparar fissuras ou irregularidades antes que se tornem problemas.

    Esses cenários mostram que o futuro da infraestrutura será construído em camadas: do tradicional ao disruptivo, do físico ao digital.

    Conclusão

    As rodovias autônomas representam mais do que uma revolução tecnológica. Elas são um marco civilizatório que nos obriga a repensar a relação entre trabalho, tecnologia e sociedade. O desafio não é apenas adotar máquinas mais inteligentes, mas construir um modelo de infraestrutura que concilie eficiência, segurança e inclusão.

    O futuro das estradas será escrito com algoritmos, sensores e dados, mas também com decisões humanas sobre como equilibrar inovação e ética. A experiência chinesa é apenas o primeiro capítulo dessa transformação global.

    Artigo expandido: https://efagundes.com/blog/rodovias-autonomas-futuro/

  • Rodovias Autônomas e o Futuro da Infraestrutura: Lições da Experiência Chinesa e Desafios Globais

    Rodovias Autônomas e o Futuro da Infraestrutura: Lições da Experiência Chinesa e Desafios Globais

    Sumário Executivo

    A construção de rodovias sempre foi um reflexo da capacidade de uma sociedade de organizar seu território e sustentar seu desenvolvimento. Hoje, vivemos um ponto de inflexão. Se no passado a inovação estava na introdução do asfalto moderno ou das máquinas de compactação, agora a transformação vem da inteligência artificial, da robótica e das redes digitais.

    O caso da China, que recapeou 158 quilômetros de uma rodovia estratégica sem presença humana em campo, simboliza essa mudança de era. Pela primeira vez, máquinas autônomas assumiram integralmente um projeto rodoviário em escala real, operando com precisão, eficiência e segurança. Essa realização não é apenas um marco técnico, mas também um alerta: o futuro da infraestrutura será cada vez mais moldado pela automação e pela gestão baseada em dados.

    Os impactos são claros. A produtividade cresce porque as máquinas trabalham 24 horas por dia sem pausas. Os custos se reduzem pela eliminação de despesas associadas à mão de obra presencial. A qualidade aumenta com a aplicação uniforme das camadas de asfalto e a redução de retrabalhos. E a segurança se amplia, pois a ausência de trabalhadores em campo praticamente elimina os riscos de acidentes.

    Mas a inovação também traz dilemas. A substituição de empregos tradicionais desafia sociedades a criarem novos papéis, como operadores remotos, supervisores de sistemas de IA e engenheiros de dados. Surgem riscos de concentração tecnológica em poucos fornecedores e a necessidade de marcos regulatórios que acompanhem a velocidade das mudanças. Ao mesmo tempo, abre-se a oportunidade de repensar a engenharia como ciência de integração, em que o conhecimento clássico se une a plataformas digitais, sensores e algoritmos.

    Nos próximos vinte anos, três cenários são possíveis. No primeiro, a automação parcial segue como realidade predominante, com máquinas inteligentes ainda supervisionadas por operadores. No segundo, a automação plena se consolida em países ou empresas com maior capacidade de investimento. No terceiro, mais visionário, as rodovias tornam-se infraestruturas auto-regenerativas, monitoradas por gêmeos digitais e reparadas por frotas de robôs e drones de forma preditiva.

    A lição que fica é clara: as rodovias autônomas são um marco civilizatório. Elas nos obrigam a repensar não apenas como construímos estradas, mas como equilibramos eficiência e inclusão, inovação e ética, máquinas inteligentes e protagonismo humano. O futuro da infraestrutura dependerá da nossa capacidade de transformar essa tecnologia em um instrumento de progresso sustentável, seguro e compartilhado.

    Introdução: O marco da rodovia autônoma no século XXI

    Desde que os primeiros impérios começaram a organizar seus territórios, as estradas se tornaram símbolos de integração, poder e desenvolvimento. Os romanos deixaram seu legado com vias capazes de resistir a séculos de uso, enquanto no século XIX a Revolução Industrial trouxe máquinas a vapor para auxiliar no nivelamento e na compactação do solo. Já no século XX, o advento do asfalto moderno e a popularização dos automóveis deram origem às grandes autoestradas que moldaram economias e transformaram a mobilidade em todo o planeta.

    Ao longo dessa trajetória, cada salto tecnológico na construção rodoviária esteve associado a uma ideia central: fazer mais, em menos tempo, com maior durabilidade e segurança. Se antes o desafio era pavimentar quilômetros de estradas em países em processo de industrialização, hoje a pressão é diferente: manter, modernizar e expandir infraestruturas em um contexto de custos elevados, escassez de mão de obra e necessidade de reduzir impactos ambientais.

    Nas últimas décadas, a digitalização e a automação começaram a penetrar no setor. Tecnologias como sistemas de compactação inteligente (IC), uso de GNSS e satélites de alta precisão para controle de máquinas, drones para monitoramento e modelagem BIM/Digital Twin abriram caminho para uma nova lógica de projeto e execução. A construção rodoviária, tradicionalmente manual e dependente da experiência empírica, passou a ser influenciada por dados em tempo real, algoritmos e equipamentos semiautônomos.

    É nesse contexto de transformação gradual que surge um feito capaz de reposicionar a discussão: a execução de um trecho rodoviário inteiramente realizada por máquinas autônomas, guiadas por inteligência artificial, sem trabalhadores humanos no local. Trata-se de uma inovação que não apenas representa ganhos de eficiência, mas que coloca em xeque o papel do trabalho humano no canteiro de obras.

    O caso chinês da reabilitação de 158 km de rodovia, realizado com robôs, drones e sistemas de automação avançada, não é apenas um exemplo isolado. Ele deve ser entendido como síntese de um movimento global que tende a redefinir os rumos da infraestrutura no século XXI. Mais do que um marco técnico, é um sinal de que estamos diante de um novo paradigma em que a engenharia civil se torna, cada vez mais, uma ciência de sistemas inteligentes e integrados.

    Panorama global de automação na construção civil e rodoviária

    A automação na construção civil vem se desenvolvendo de forma incremental em diferentes partes do mundo. O Japão, pioneiro na integração de robótica em obras de infraestrutura, já testava, desde os anos 1990, rolos compactadores dotados de sensores e algoritmos de controle, voltados a reduzir a dependência da mão de obra humana e a garantir maior precisão em ambientes controlados (SIVAGNANASUNTHARAM et al., 2023). Esse movimento foi motivado pela escassez de trabalhadores e pela busca por maior padronização em grandes projetos.

    Nos Estados Unidos, a trajetória se consolidou a partir de projetos-piloto de compactação inteligente (IC) coordenados pela Federal Highway Administration (FHWA). A IC introduziu o uso de valores de medição (ICMVs) para avaliar, em tempo real, a qualidade da compactação. Estudos realizados em estados como Oklahoma demonstraram ganhos de uniformidade e redução de retrabalho, embora ainda houvesse desafios em correlacionar ICMVs diretamente com a densidade atingida no campo (CONGRESS et al., 2021 ; VON QUINTUS et al., 2023). Além disso, a literatura mostra que muitos Departamentos Estaduais de Transportes (DOTs) vêm incorporando tecnologias como paver-mounted thermal profiling e sistemas dielétricos para complementar as medições (VON QUINTUS et al., 2023).

    Na Europa, fabricantes como a BOMAG têm liderado a fronteira experimental com o desenvolvimento de rolos autônomos em regime de testes, capazes de operar de forma coordenada e comunicativa em canteiros de obras. Estudos relatam que a cooperação entre múltiplos rolos, guiados por algoritmos de trajetória colaborativa, pode aumentar significativamente a eficiência do processo e reduzir falhas de compactação (DECKER et al., 2025). Ensaios realizados na Alemanha exploraram protocolos de comunicação sem fio e estratégias de coordenação conhecidas como “move forward and backward together”, indicando avanços consistentes em direção a operações totalmente autônomas (ROPERTZ et al., 2018).

    Apesar desses progressos, a maior parte das aplicações no Ocidente ainda permanece em estágio de automação parcial. Pavimentadoras e compactadores são equipados com GNSS, sensores térmicos e softwares de coleta de dados, mas continuam fortemente dependentes da supervisão humana (ZHANG et al., 2019). Os drones para monitoramento de qualidade e a integração com plataformas BIM/Digital Twin já aparecem em alguns contratos de concessão e em projetos de pesquisa, mas seu uso ainda é fragmentado e pouco sistemático (RANJBAR et al., 2022).

    Nesse contexto, o diferencial da China ganha destaque. O país rompeu com a lógica de avanços graduais e realizou um salto qualitativo ao executar 158 km de recapeamento rodoviário sem operadores em campo. A centralização política, a capacidade de mobilização em escala nacional e a ousadia em converter avanços laboratoriais em empreendimentos reais colocam a experiência chinesa em um patamar singular. Mais do que um piloto, trata-se de um ensaio de política pública em larga escala, no qual a automação não apenas apoia, mas estrutura todo o processo construtivo (ZHANG et al., 2023).

    Tecnologias empregadas no projeto

    O marco tecnológico que colocou a China no centro do debate global sobre automação na construção civil ocorreu na rodovia Pequim–Hong Kong–Macau, uma das mais estratégicas do país, utilizada tanto para transporte de cargas quanto de passageiros em um dos corredores econômicos mais importantes da Ásia. O projeto consistiu em recapear 158 quilômetros de extensão sem a presença física de trabalhadores em campo, apoiando-se integralmente em máquinas autônomas, drones, sensores e sistemas de inteligência artificial.

    A ousadia do empreendimento não está apenas na distância percorrida, mas no fato de ter funcionado como um projeto de demonstração em larga escala, sinalizando ao mundo que a China é capaz de levar tecnologias que até então se restringiam a pilotos acadêmicos ou a canteiros controlados para uma aplicação real, em infraestrutura de alto impacto. Diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos ou na Europa, onde a automação tem avançado em projetos fragmentados e de caráter experimental (SIVAGNANASUNTHARAM et al., 2023 ; CONGRESS et al., 2021), a China decidiu apostar em uma implementação plena e centralizada, resultado da integração entre universidades, fabricantes de equipamentos e órgãos de infraestrutura.

    Essa iniciativa foi viabilizada pela convergência de cinco pilares tecnológicos principais:

    • Sistemas de pavimentação autônomos – O destaque foi a utilização do modelo SAP200C-10, uma pavimentadora capaz de aplicar camadas de asfalto com alta precisão em passadas únicas. O equipamento é operado de forma autônoma, seguindo rotas pré-definidas e corrigindo desvios em tempo real a partir de algoritmos de controle. Estudos anteriores já haviam demonstrado a viabilidade de retrofitar pavimentadoras e rolos convencionais com sistemas de automação baseados em trajetória predefinida e sensores de posicionamento (DECKER et al., 2025).
    • Compactadores robóticos sincronizados – A configuração utilizada, descrita como 1+3+3+3, reuniu uma pavimentadora seguida por grupos de três rolos compactadores que operam em sincronia. Essa abordagem deriva de pesquisas em coordenação multi-robôs, que exploram algoritmos colaborativos para definir a trajetória e o tempo de atuação de cada máquina de modo a evitar sobreposição ou falhas de compactação (ROPERTZ et al., 2018).
    • Drones para mapeamento e monitoramento – Durante a execução, drones equipados com câmeras de alta resolução e sensores LiDAR foram responsáveis por mapear continuamente a superfície, alimentando os sistemas centrais com informações atualizadas. Os dados coletados eram integrados a algoritmos de visão computacional que permitiam identificar irregularidades e ajustar os parâmetros de pavimentação e compactação em tempo real (RANJBAR et al., 2022 ; PEDDINTI et al., 2024). Além disso, o uso do sistema Beidou de navegação por satélite garantiu posicionamento de alta precisão, fundamental para alinhar as máquinas e validar os resultados (ZHANG et al., 2023).
    • Inteligência Artificial aplicada à logística da obra – O gerenciamento do projeto foi apoiado por algoritmos de IA capazes de realizar planejamento dinâmico, reprogramando rotas e recursos de acordo com variações de temperatura do asfalto, condições ambientais ou eventuais falhas nos equipamentos. Essa lógica já vem sendo estudada em aplicações de compactação inteligente, onde a IA auxilia a interpretar dados de sensores e a correlacioná-los com resultados de densidade e desempenho (CHEN et al., 2021).
    • Redes de comunicação e sensores – Todo o ecossistema foi interligado por redes de baixa latência, que permitiram a coordenação entre máquinas e drones, além de sistemas redundantes de comunicação para garantir confiabilidade em ambientes de alto tráfego. Experimentos europeus já haviam mostrado a importância da comunicação digital robusta entre rolos e pavimentadoras autônomas (ROPERTZ et al., 2018), mas a China avançou ao incorporar esse conceito em escala de dezenas de quilômetros, integrando sensores térmicos, GNSS e sistemas de segurança baseados em cercas eletrônicas virtuais (ZHENG et al., 2021).

    Assim, o projeto chinês se consolidou não apenas como um caso pioneiro, mas como a primeira demonstração prática de um canteiro de obras rodoviárias verdadeiramente autônomo, sustentado pela fusão de tecnologias que até então apareciam de forma isolada em diferentes partes do mundo.

    Arquitetura de segurança e confiabilidade

    Em qualquer sistema autônomo, sobretudo em operações de grande escala como a pavimentação rodoviária, a segurança operacional é o ponto central de legitimidade. A confiança pública, a aceitação regulatória e a viabilidade técnica só se consolidam quando há garantias robustas de que máquinas inteligentes não representam riscos ao ambiente ou às pessoas. No caso chinês, a arquitetura de segurança foi concebida de forma a criar camadas de proteção redundantes, alinhadas com o princípio de que cada função crítica deveria contar com mecanismos de monitoramento e resposta múltiplos.

    Cercas virtuais e barreiras de segurança eletrônicas foram utilizadas para delimitar o espaço de operação dos equipamentos. Baseadas em tecnologias de geofencing apoiadas no sistema de navegação Beidou, essas barreiras estabeleciam perímetros digitais que, em caso de violação, disparavam alertas imediatos e acionavam procedimentos automáticos de parada. Estudos recentes demonstram que a aplicação de cercas eletrônicas em obras de infraestrutura é viável para controlar riscos e reduzir interferências externas, garantindo maior previsibilidade das operações (ZHENG et al., 2021).

    Além disso, os equipamentos eram equipados com sistemas de parada de emergência e redundância operacional, permitindo que falhas críticas em sensores ou algoritmos não resultassem em acidentes. A redundância foi projetada em múltiplos níveis: redundância de sinal (GNSS e inercial), de comunicação (redes paralelas de baixa latência) e de controle (possibilidade de intervenção humana remota). Essa abordagem está em linha com recomendações internacionais sobre automação de compactadores e pavimentadoras, que destacam a necessidade de duplicação de sistemas críticos em ambientes não estruturados (ROPERTZ et al., 2018).

    Outro componente fundamental foi a detecção de obstáculos e resposta a riscos ambientais. Sensores LiDAR, câmeras de visão estereoscópica e algoritmos de visão computacional foram integrados para reconhecer objetos inesperados na via — desde barreiras físicas até variações de temperatura do asfalto. Estudos aplicados em drones para monitoramento de pavimentos mostram que a integração de múltiplos sensores melhora significativamente a capacidade de segmentar superfícies, identificar anomalias e acionar correções em tempo real (RANJBAR et al., 2022).

    Por fim, o sistema previa protocolos de fallback, ou seja, regras claras para a intervenção humana remota em situações de risco ou anomalias persistentes. Nessas condições, engenheiros em centros de controle podiam assumir manualmente a supervisão das máquinas, redefinindo rotas ou ordenando a paralisação da operação. Essa prática, descrita em pesquisas sobre cooperação entre múltiplos rolos autônomos, garante que mesmo em um canteiro automatizado exista um “último recurso humano” capaz de evitar consequências graves (DECKER et al., 2025).

    A soma dessas estratégias resultou em um sistema não apenas eficiente, mas também confiável e seguro, capaz de demonstrar que a automação em obras rodoviárias pode ser aplicada em larga escala sem comprometer padrões de segurança. Ao contrário, a integração de cercas digitais, redundâncias e fallback humano estabelece um patamar de proteção que dificilmente seria replicado por operações convencionais, historicamente mais expostas a acidentes de trabalho.

    Como se constrói hoje no Brasil, EUA e Europa

    O avanço chinês não pode ser analisado de forma isolada. Para compreender seu real significado, é necessário observar como se constrói e se automatiza atualmente em outras partes do mundo. O contraste entre os modelos revela o quanto a China optou por uma estratégia disruptiva, enquanto Brasil, Estados Unidos e Europa seguem trajetórias mais graduais e conservadoras.

    Brasil – A realidade brasileira ainda é marcada pelo predomínio de processos manuais e semi-mecanizados. Usinas móveis de asfalto alimentam pavimentadoras convencionais, seguidas por rolos compactadores conduzidos por operadores humanos. Embora o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) venha estimulando a digitalização, o uso de sistemas de nivelamento por GPS e de drones para inspeção permanece restrito a projetos-piloto e a iniciativas de concessionárias privadas (SANTOS, 2024 ; PEREIRA, 2022). A literatura nacional aponta gargalos significativos: falta de padronização, baixo investimento em tecnologias digitais e carência de mão de obra especializada em automação (CABRAL MELO; RUSCHEL, 2023). Em outras palavras, há um abismo entre a prática predominante e a perspectiva de um canteiro totalmente automatizado.

    Estados Unidos – No cenário norte-americano, fabricantes como Caterpillar e Komatsu já oferecem máquinas semi-autônomas, muitas vezes operadas por controle remoto ou equipadas com sistemas de nivelamento automatizado. É comum o uso intensivo de GPS e LiDAR para topografia e controle de qualidade (CONGRESS et al., 2021). Apesar disso, os canteiros continuam fortemente dependentes da atuação humana, e os pilotos de obras autônomas se concentram em estradas rurais e ambientes controlados, com fins experimentais. A estratégia norte-americana se apoia fortemente em programas federais conduzidos pelo DOT e pela FHWA, que incentivam a digitalização da infraestrutura por meio da adoção de BIM e digital twins (VON QUINTUS et al., 2023). A literatura mostra avanços na correlação entre compactação inteligente e desempenho de pavimentos (ZHANG et al., 2019), mas ainda em contexto de pesquisa aplicada, e não de aplicação plena em larga escala.

    Europa – Países como Alemanha, Suécia, Noruega e Reino Unido se destacam pelo esforço em integrar máquinas automatizadas com plataformas BIM. A construção rodoviária europeia tem apostado na criação de digital twins de rodovias e na instalação de sensores IoT voltados à manutenção preditiva, o que permite antecipar falhas e otimizar investimentos públicos (CONSILVIO et al., 2022 ; LIU et al., 2025). Já existem pilotos de compactação autônoma e pavimentadoras com controle remoto, conduzidos por fabricantes e institutos de pesquisa (DECKER et al., 2025). No entanto, as limitações regulatórias e culturais são significativas: normas trabalhistas rígidas e a tradição de valorização da mão de obra humana dificultam a substituição total por sistemas autônomos (ROPERTZ et al., 2018).

    Assim, observa-se que o Ocidente avança em direção à automação por meio de incrementos graduais, testando tecnologias em ambientes restritos, enquanto o Brasil ainda enfrenta barreiras estruturais de digitalização. O contraste com o caso chinês é evidente: enquanto Japão, EUA e Europa experimentam, e o Brasil engatinha, a China saltou diretamente para a aplicação plena em escala, reposicionando os termos do debate sobre o futuro da construção rodoviária.

    Impactos operacionais

    O maior argumento em favor da automação plena em obras rodoviárias está nos impactos operacionais observados em campo. O projeto chinês, ao eliminar a presença física de trabalhadores no canteiro, demonstrou um conjunto de ganhos que dificilmente poderiam ser alcançados por métodos tradicionais.

    O primeiro deles é a produtividade contínua. Enquanto equipes humanas precisam lidar com pausas, turnos e limitações físicas, as máquinas autônomas são capazes de operar 24 horas por dia, sete dias por semana, com interrupções mínimas apenas para manutenção preventiva. Pesquisas em compactação inteligente já apontavam que o uso de algoritmos de controle pode otimizar o número de passagens dos rolos, ajustando em tempo real o padrão de operação e evitando sobre ou sub-compactação (HU et al., 2018). A experiência chinesa validou essa hipótese em escala inédita, mostrando que a continuidade do trabalho gera não apenas maior velocidade de entrega, mas também redução drástica no tempo total de execução.

    Outro ponto relevante é a redução de custos operacionais. Ao prescindir de mão de obra presencial em grande escala, a operação elimina despesas diretas com trabalhadores em campo e diminui custos indiretos, como seguros contra acidentes e logística de alojamento. Estudos norte-americanos já destacavam o potencial de tecnologias como paver-mounted thermal profiling e sensores dielétricos para ampliar a eficiência do processo de aceitação de obras (VON QUINTUS et al., 2023). A aplicação chinesa levou esse raciocínio adiante, ao transformar tais ganhos incrementais em economias sistêmicas.

    A precisão milimétrica na aplicação de camadas de asfalto foi outro diferencial. Equipamentos como o SAP200C-10 e os rolos sincronizados em configuração 1+3+3+3 trabalharam em regime de coordenação algorítmica, garantindo uniformidade de espessura e densidade. A literatura demonstra que, quando múltiplos rolos operam de forma cooperativa sob planejamento de trajetória, a variação nos resultados é drasticamente reduzida (DECKER et al., 2025). Esse aspecto não apenas aumenta a vida útil do pavimento, mas também reduz custos de manutenção ao longo do ciclo de vida da rodovia.

    Por fim, a automação plena resultou em redução de falhas, retrabalhos e acidentes. Em métodos convencionais, o controle de qualidade é feito por meio de testes pontuais e ensaios destrutivos, que muitas vezes não capturam a variabilidade da obra. Com a automação, sensores embutidos nos rolos e drones de monitoramento garantem cobertura total e em tempo real, diminuindo a probabilidade de erros não detectados (ZHANG et al., 2019). Além disso, a ausência de trabalhadores no canteiro elimina a exposição humana a riscos físicos, de calor e de tráfego — uma das principais causas de acidentes em obras viárias (SIVAGNANASUNTHARAM et al., 2023).

    Em síntese, os impactos operacionais do projeto chinês podem ser resumidos em quatro grandes ganhos: velocidade, economia, qualidade e segurança. Juntos, eles desenham um cenário em que a automação não é apenas uma promessa, mas uma alternativa concreta para transformar a produtividade da infraestrutura rodoviária em escala global.

    Implicações socioeconômicas

    O impacto da automação rodoviária vai além da engenharia. A substituição de trabalhadores por sistemas inteligentes tem efeitos profundos sobre a organização do trabalho, os mercados e até mesmo a geopolítica das infraestruturas. O projeto chinês, ao realizar 158 quilômetros de recapeamento sem operadores humanos, tornou explícita uma questão que antes estava restrita a debates teóricos: o que acontece com os empregos na construção civil tradicional quando máquinas autônomas assumem o canteiro de obras?

    O primeiro efeito é o deslocamento de postos de trabalho manuais. A pavimentação e a compactação historicamente absorveram mão de obra de baixa e média qualificação, sendo setores estratégicos para a inclusão de trabalhadores em economias emergentes. Ao eliminar essa camada, a automação tende a reduzir oportunidades em áreas já vulneráveis. Estudos recentes sobre compactação inteligente apontam que a digitalização diminui a dependência de inspeções manuais e testes destrutivos, deslocando a função humana da execução para a supervisão (SIVAGNANASUNTHARAM et al., 2023 ; HU et al., 2018).

    Por outro lado, surgem novos papéis humanos. Operadores de rolos e pavimentadoras deixam de estar fisicamente no campo e passam a atuar como operadores remotos, acompanhando sistemas em centrais de comando. Engenheiros de obra se transformam em supervisores de IA, calibrando algoritmos e interpretando alertas emitidos pelos equipamentos. Além disso, cresce a demanda por engenheiros de dados, capazes de lidar com a volumetria de informações geradas por drones, sensores de compactação e plataformas digitais de gêmeos digitais. Pesquisas sobre BIM e Digital Twin em rodovias já destacam essa mudança, em que o valor do trabalho não está mais na execução física, mas no gerenciamento da informação (LIU et al., 2025 ; CONSILVIO et al., 2022).

    Os efeitos também alcançam o setor de transporte, logística e manutenção. Com pavimentos mais uniformes e duráveis, há uma tendência de redução de custos logísticos a longo prazo, dado que estradas de melhor qualidade diminuem tempo de viagem e desgaste de veículos. Ao mesmo tempo, a digitalização cria condições para um modelo de manutenção preditiva, em que falhas são detectadas antes de se transformarem em buracos ou trincas graves, o que pode alterar toda a cadeia de serviços associada à conservação viária (ZHANG et al., 2023).

    Por fim, há os riscos de concentração tecnológica e dependência de fornecedores de IA. A automação plena exige integração entre algoritmos, sensores, satélites, drones e máquinas pesadas — tecnologias que estão concentradas em poucos fabricantes globais. Isso pode gerar dependência de soluções proprietárias, restringindo a autonomia de países que não desenvolvem suas próprias plataformas. Trabalhos recentes sobre cooperação de rolos autônomos chamam atenção para a necessidade de protocolos abertos e interoperáveis, sob pena de criar monopólios tecnológicos em áreas críticas da infraestrutura (DECKER et al., 2025).

    Assim, as implicações socioeconômicas da rodovia autônoma não se limitam à engenharia. Elas tocam o coração da política pública, da gestão de trabalho e da soberania tecnológica. O desafio, portanto, não está apenas em adotar máquinas mais inteligentes, mas em redefinir a relação entre sociedade, tecnologia e infraestrutura.

    Convergências tecnológicas: IA, IoT, Big Data e 5G

    A inovação chinesa vai muito além da mecanização de processos de pavimentação. Ela revela o início de uma nova era em que a rodovia se transforma em uma verdadeira plataforma digital, integrando inteligência artificial (IA), internet das coisas (IoT), big data e redes de comunicação de altíssima velocidade. O pavimento deixa de ser apenas uma camada física de asfalto e passa a ser um sistema ciberfísico, permanentemente monitorado, analisado e otimizado.

    A noção de rodovia como plataforma está diretamente relacionada ao uso de sensores embarcados, drones e satélites capazes de coletar dados contínuos sobre temperatura, vibração, densidade e deformações. Esses dados, quando tratados por algoritmos de IA, são capazes de identificar padrões invisíveis a olho nu, antecipando falhas e otimizando decisões operacionais. Trabalhos recentes demonstram que a integração de sistemas inteligentes de compactação com plataformas geoespaciais e BIM permite criar réplicas digitais da infraestrutura, abrindo caminho para o conceito de Digital Twin rodoviário (LIU et al., 2025 ; CONSILVIO et al., 2022).

    Um desdobramento natural desse processo é a integração futura com veículos autônomos. Se as estradas forem capazes de comunicar em tempo real sua condição estrutural, variações de aderência ou eventuais falhas, os veículos poderão ajustar automaticamente seu comportamento. Isso cria uma camada adicional de segurança e eficiência para sistemas de mobilidade baseados em automação. Pesquisas já destacam que a cooperação entre máquinas rodoviárias autônomas e sistemas de transporte inteligentes é uma tendência inevitável para a próxima década (DECKER et al., 2025 ; ROPERTZ et al., 2018).

    A digitalização também transforma os dados em um ativo estratégico. A coleta massiva e contínua de telemetria gera bancos de dados capazes de alimentar modelos preditivos de manutenção, identificando com antecedência regiões da rodovia que apresentam risco de fissuras ou recalques. Estudos recentes em monitoramento digital de pavimentos indicam que a integração de IoT, Beidou e 5G pode viabilizar sistemas de alerta precoce, reduzindo custos de conservação e aumentando a vida útil da infraestrutura (ZHANG et al., 2023).

    Assim, a convergência entre IA, IoT, big data e 5G redefine o papel da rodovia no século XXI. De infraestrutura passiva, ela se transforma em plataforma inteligente, conectada a veículos, cidades e sistemas de logística. O que se desenha não é apenas uma nova forma de construir, mas um novo modelo de gestão da mobilidade, no qual cada quilômetro pavimentado é também um nó em uma rede de dados estratégicos para economia e sociedade.

    Lições aprendidas e próximos passos

    O caso chinês não deve ser lido apenas como uma conquista tecnológica isolada, mas como um ensaio sobre o futuro das infraestruturas. Ao realizar 158 km de recapeamento sem mão de obra presencial, a China mostrou que a automação em larga escala é viável não apenas em ambiente experimental, mas em projetos reais de impacto econômico e logístico. Esse feito oferece ao mundo um conjunto de lições que merecem atenção cuidadosa.

    A primeira delas é a questão da escalabilidade para outros países. Embora os resultados chineses sejam impressionantes, sua replicação em diferentes contextos enfrenta barreiras relevantes. Em países como Brasil ou nações da União Europeia, a fragmentação institucional e a diversidade de concessionárias dificultam a aplicação centralizada de soluções tecnológicas. Além disso, a heterogeneidade das rodovias, muitas vezes em condições precárias, exige adaptações para que algoritmos de trajetória e compactação operem de forma eficiente. A literatura sobre compactação inteligente mostra que resultados consistentes dependem de calibração contínua e de infraestrutura de suporte em satélites, redes de comunicação e gestão de dados (HU et al., 2018 ; SIVAGNANASUNTHARAM et al., 2023).

    Outro ponto crítico são os obstáculos regulatórios e culturais. Enquanto a China pôde avançar de forma centralizada, em países ocidentais há legislações trabalhistas rígidas, que dificultam a substituição de operadores humanos, e marcos regulatórios que ainda não contemplam a responsabilidade legal em caso de falhas de máquinas autônomas. A literatura europeia enfatiza que a adoção de rolos autônomos exige protocolos claros de comunicação, redundância e supervisão humana, justamente para responder a esse desafio normativo (ROPERTZ et al., 2018).

    No plano ético, emerge a questão central: até onde vamos automatizar?. Se a eliminação do trabalho manual reduz acidentes e aumenta a produtividade, ela também exclui oportunidades de emprego em larga escala. A discussão não é apenas técnica, mas moral e política: é legítimo substituir integralmente trabalhadores em nome da eficiência? Pesquisas recentes sobre inteligência artificial aplicada a pavimentos destacam que os ganhos em uniformidade e vida útil devem ser ponderados diante de implicações sociais e da necessidade de criar novos papéis profissionais (XU et al., 2020 ; CONSILVIO et al., 2022).

    Por fim, há o papel da engenharia clássica nesse cenário. Longe de ser descartada, a prática tradicional continua indispensável. É ela que fornece os parâmetros de desempenho, os métodos de ensaio, as normas de dimensionamento e a experiência acumulada em séculos de construção. O futuro das estradas autônomas não é um abandono da engenharia civil, mas sua evolução: uma disciplina que se abre à integração com ciência de dados, robótica e sistemas ciberfísicos. Em outras palavras, a engenharia clássica permanece como a espinha dorsal do julgamento técnico, agora complementada por ferramentas digitais que expandem sua capacidade de ação (LIU et al., 2025).

    As lições chinesas, portanto, apontam para um horizonte de oportunidades e dilemas. Se bem conduzida, a automação pode inaugurar uma era de estradas mais seguras, duráveis e inteligentes. Mas sua adoção em escala global exigirá sensibilidade regulatória, prudência ética e a valorização da engenharia como disciplina orientadora das decisões.

    Conclusão e visão de futuro

    A experiência chinesa de recapeamento de 158 quilômetros sem mão de obra presencial tornou-se um símbolo de uma nova era da infraestrutura. Se no passado as grandes estradas representavam a capacidade de uma nação em organizar seu território e expandir sua economia, hoje elas se transformam em vitrines de integração entre engenharia civil, inteligência artificial, robótica e redes digitais. A rodovia autônoma da China não é apenas uma conquista técnica, mas uma declaração de que o futuro das obras viárias será moldado pela automação em larga escala e pela gestão baseada em dados.

    Contudo, esse futuro exige cautela. O desafio não está somente em perseguir a eficiência máxima, mas em encontrar o equilíbrio com a preservação do protagonismo humano. Engenheiros, técnicos e operadores deixam de ser mão de obra direta no campo para assumirem funções mais estratégicas: programadores de trajetórias, supervisores de IA, analistas de dados e gestores de sistemas complexos. A literatura em compactação inteligente e digital twins reforça que o valor humano não desaparece, mas se desloca para níveis de decisão e integração que algoritmos sozinhos não conseguem ocupar (CONSILVIO et al., 2022 ; LIU et al., 2025).

    Olhando para os próximos vinte anos, é possível projetar três cenários prospectivos. O primeiro, de automação parcial, já visível hoje em Brasil, EUA e Europa, onde sensores e sistemas inteligentes convivem com operadores humanos. O segundo, de automação plena, tende a se consolidar em países com forte coordenação estatal ou em contratos privados de grande porte, nos quais a redução de custos e a produtividade contínua justificam o investimento. O terceiro, mais visionário, é o da infraestrutura auto-regenerativa, em que estradas serão monitoradas em tempo real por gêmeos digitais, capazes de identificar microfissuras, enviar drones de reparo e coordenar frotas de máquinas autônomas para intervenções preventivas. Pesquisas recentes já apontam para esse horizonte, sugerindo que a combinação de IA, IoT e manutenção preditiva pode transformar completamente a forma como entendemos a durabilidade e a sustentabilidade das rodovias (ZHANG et al., 2023 ; SIVAGNANASUNTHARAM et al., 2023).

    Em síntese, a rodovia autônoma chinesa é mais do que um experimento: é um marco civilizatório. Ela nos obriga a repensar não apenas como construímos estradas, mas também como organizamos trabalho, tecnologia e sociedade. O futuro da infraestrutura dependerá da capacidade de conciliar inovação com ética, eficiência com inclusão, e máquinas inteligentes com a sabedoria humana acumulada pela engenharia clássica.

    Referências

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    SIVAGNANASUNTHARAM, S.; SOUNTHARARAJAH, A.; GHORBANI, J.; BODIN, D.; KODIKARA, J. A state-of-the-art review of compaction control test methods and intelligent compaction technology for asphalt pavements. Construction and Building Materials, v. 393, p. 132031, 2023. DOI: 10.1016/j.conbuildmat.2023.132031.

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    Glossário de Termos

    Asfalto – Material betuminoso utilizado na pavimentação de rodovias, formado por agregados minerais e ligantes derivados do petróleo.

    Automação parcial – Situação em que máquinas possuem sensores e sistemas de apoio (GNSS, LiDAR, termômetros) mas ainda dependem da supervisão e operação humana.

    Automação plena – Modelo em que equipamentos funcionam de forma totalmente autônoma, com intervenção humana apenas em situações de emergência ou supervisão remota.

    Beidou – Sistema chinês de navegação por satélite (equivalente ao GPS e ao Galileo), utilizado para fornecer posicionamento de alta precisão a máquinas autônomas.

    BIM (Building Information Modeling) – Metodologia de modelagem da informação da construção, que permite representar digitalmente todas as fases de um projeto, desde o planejamento até a operação.

    Canteiro de obras digital – Conceito em que todos os equipamentos, sensores e processos de uma obra civil são interconectados e monitorados em tempo real por meio de plataformas digitais.

    Compactação inteligente (IC) – Tecnologia que equipa rolos compactadores com sensores e sistemas de monitoramento para avaliar em tempo real a densidade e a uniformidade do pavimento.

    Compaction Meter Value (CMV) / Intelligent Compaction Measurement Values (ICMVs) – Indicadores numéricos gerados por sensores instalados em rolos compactadores, que permitem estimar o grau de compactação da camada asfáltica ou do solo.

    Configuração 1+3+3+3 – Estratégia de operação autônoma utilizada no projeto chinês, na qual uma pavimentadora é seguida por três blocos de compactadores que trabalham de forma sincronizada.

    Digital Twin (Gêmeo Digital) – Réplica digital de um ativo físico, utilizada para monitorar em tempo real seu desempenho, prever falhas e planejar manutenções.

    Drones/UAVs (Unmanned Aerial Vehicles) – Veículos aéreos não tripulados utilizados para mapear superfícies, monitorar qualidade de obras e realizar inspeções visuais ou com sensores embarcados.

    Geofencing (Cerca eletrônica) – Tecnologia que cria barreiras virtuais baseadas em coordenadas geográficas, utilizada para limitar o espaço de atuação de equipamentos autônomos.

    GNSS (Global Navigation Satellite System) – Conjunto de sistemas globais de navegação por satélite, incluindo GPS (EUA), Galileo (UE), GLONASS (Rússia) e Beidou (China).

    Infraestrutura auto-regenerativa – Conceito prospectivo em que estradas seriam monitoradas por gêmeos digitais capazes de identificar defeitos e acionar máquinas autônomas de reparo sem intervenção humana.

    IoT (Internet of Things) – Rede de dispositivos físicos conectados à internet que coletam e compartilham dados em tempo real, aplicável a sensores de pavimentos e máquinas.

    LiDAR (Light Detection and Ranging) – Sensor óptico que usa pulsos de laser para medir distâncias e criar mapas tridimensionais de superfícies e obstáculos.

    Logística de obra inteligente – Uso de algoritmos de IA para planejar dinamicamente rotas, alocação de máquinas e recursos em um canteiro automatizado.

    Manutenção preditiva – Estratégia de conservação baseada na previsão de falhas a partir de dados de sensores, evitando que defeitos se tornem problemas graves.

    Paver (Pavimentadora) – Equipamento utilizado para aplicar camadas de asfalto de forma contínua e nivelada sobre a superfície da via.

    SAP200C-10 – Modelo de pavimentadora autônoma utilizada no projeto chinês, capaz de aplicar camadas de asfalto com alta precisão em uma única passada.

    Telemetria – Coleta e transmissão remota de dados de desempenho e condições de equipamentos e infraestruturas, permitindo monitoramento e análise em tempo real.

    Trajetória colaborativa – Estratégia de controle em que múltiplas máquinas autônomas operam de forma coordenada para otimizar eficiência e reduzir falhas no processo de compactação.

    Veta – Software utilizado para análise de dados de compactação inteligente, desenvolvido em cooperação com a FHWA nos Estados Unidos, aplicado em validação e QA/QC de pavimentos.