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Autor: Eduardo Fagundes

  • Construindo resiliência e inovação: o terceiro dia da X Semana de la Energía no Chile

    Construindo resiliência e inovação: o terceiro dia da X Semana de la Energía no Chile


    Introdução: um dia que mostrou o futuro energético da região

    No terceiro dia da X Semana de la Energía, em Santiago do Chile, teve uma das jornadas mais densas e inspiradoras do evento. Foi um dia marcado pela diversidade de temas, desde a visão institucional internacional até os caminhos concretos para escalar eficiência energética, construir redes elétricas mais resilientes e integrar agricultura e energia solar por meio do AgroPV.

    Este relato não é apenas uma descrição do que vi e ouvi, mas uma interpretação das mensagens e sinais que emergiram ao longo do dia. Compartilho aqui como percebi as discussões e de que maneira elas refletem os desafios e oportunidades que a América Latina enfrenta em sua transição energética .


    Sessão aberta da reunião de ministros: compromissos além da retórica

    A manhã começou com a sessão aberta da reunião de ministros de energia da América Latina. As intervenções, na parte pública que participei, foram feitas por representantes de organismos internacionais, que trouxeram uma perspectiva institucional.

    O recado principal foi claro: não basta anunciar metas, é preciso manter compromissos constantes. A cada mudança de rumo ou atraso em cronogramas, a governança energética se fragiliza, e a região perde tempo precioso na corrida global pela descarbonização .

    Outro ponto forte foi a ênfase na inclusão social. Estima-se que ainda existam cerca de 3 milhões de sistemas precários de acesso à energia em funcionamento na América Latina. Esse número foi apresentado como símbolo da urgência em conciliar expansão renovável com acesso universal.

    CEPAL reforçou a mensagem de que sem instituições sólidas e marcos regulatórios estáveis, não haverá estabilidade para sustentar a transição.

    A sessão concluiu destacando três dimensões que devem guiar a região:

    • Ambiental: acelerar a transição para fontes limpas;
    • Social: garantir acesso a quem está excluído;
    • Política: consolidar governança e continuidade .

    O que incentiva o setor privado a investir em eficiência energética?

    O segundo painel que acompanhei trouxe uma questão estratégica: como incentivar o setor privado a investir em eficiência energética na América Latina e no Caribe.

    Diversidade de setores e instrumentos

    Logo na abertura, ficou claro que eficiência energética não pode ser tratada como tema restrito a grandes indústrias. Ela se aplica a residências, comércio, pequenas e médias empresas, transporte e, claro, às grandes plantas industriais .

    A especialista Stéphanie Nour, da Econoler, chamou atenção para o papel das tarifas reais, que reflitam os custos de produção e distribuição. Quando a tarifa é artificialmente baixa, a eficiência perde atratividade. Mas ela foi além: tarifa sozinha não basta. É preciso uma arquitetura em três pilares: regulação, capacitação/informação e incentivos .

    Incentivos monetários e reputacionais

    Andrea Heins, do UNEP Copenhagen Climate Center, lembrou que subsídios e linhas especiais existem, mas têm custo fiscal. Não há dinheiro mágico, e muitas vezes é preciso passar por aprovação parlamentar. Por isso, sugeriu também incentivos não monetários, como reconhecimento público e acordos voluntários — medidas de baixo custo e alto impacto reputacional .

    Financiamento climático e inclusão

    Gemma Bedia Bueno, da Alinnea, trouxe a dimensão social: o financiamento climático pode ser uma oportunidade, mas só se for bem direcionado. É necessário chegar até PMEs, cooperativas e atores locais. Microcréditos e garantias podem transformar acesso em realidade. O risco, segundo ela, é que eficiência energética seja vista como “negócio inseguro” por bancos, justamente pela falta de informação técnica .

    Do piloto à escala

    Rosa Riquelme, da Agência de Sustentabilidade Energética do Chile, destacou que pilotos provam viabilidade, mas não escalam sozinhos. É preciso dados robustos, continuidade regulatória e um mercado de serviços confiável. Falta ainda um registro regional de provedores qualificados e certificações reconhecidas .

    Mensagem final

    A conclusão coletiva: a eficiência energética deve ser sempre a primeira opção. Antes de pensar em novas usinas, devemos otimizar o consumo. É mais barato, competitivo e sustentável .


    Construindo resiliência energética em ALC

    O terceiro painel do dia foi um dos mais instigantes: Construyendo resiliencia energética en ALC.

    presidente da Enel Chile, Gianluca Palumbo, abriu lembrando que a frequência e a intensidade de eventos extremos vêm aumentando. Enchentes, ondas de calor e tempestades são hoje fatores que pressionam diretamente os sistemas elétricos .

    O modelo das 4R

    Palumbo apresentou o modelo das 4R:

    • Risk prevention: fortalecimento da rede, manutenção e práticas operativas;
    • Readiness: sistemas de alerta, simulações e convenios com instituições;
    • Response: telecontrole, automação e comunicação constante;
    • Recovery: intervenções rápidas, reparações e melhoria contínua .

    Sua mensagem foi clara: resiliência não é apenas tecnológica, mas também institucional e regulatória.

    Um novo marco regulatório

    A resiliência exige métrica, coordenação e estabilidade regulatória. Sem isso, a resposta é fragmentada. Com isso, a resposta é sistêmica, envolvendo distribuidoras, transmissoras, governos locais e até defesa civil .

    O painel, que reuniu também Alessandra Amaral (ADELAT), Arturo Alarcón (BID), Maria Medard (CARILEC) e Marina Dockweiler (FONPLATA), reforçou a necessidade de tratar a resiliência como investimento econômico. Não se trata apenas de proteger redes, mas de garantir continuidade de serviços essenciais para toda a economia .


    AgroPV: unindo agricultura e energia solar

    Encerrando o dia, participei do painel sobre AgroPV: energía solar y agricultura resiliente para la transición energética y climática. Esse foi, sem dúvida, um dos mais inspiradores.

    Uso compartilhado do solo

    Logo na abertura, ouvi que o AgroPV representa um uso inteligente e compartilhado do solo. Não se trata de escolher entre agricultura e energia solar: é possível fazer os dois juntos. A prova são os sistemas já instalados no sul do Chile, que mostram que é viável produzir energia e, ao mesmo tempo, proteger cultivos contra estresses climáticos .

    O guia prático do Fraunhofer

    Frederik Schönberger, do Fraunhofer Chile, apresentou um manual para projetos AgroPV. Ele propõe um processo em cinco etapas:

    1. Identificar requisitos do cultivo (luz, água, fenologia).
    2. Checar compatibilidade com operações agrícolas.
    3. Dimensionar requisitos elétricos.
    4. Planejar aspectos estruturais e normativos.
    5. Usar uma matriz de parâmetros para tomar decisões equilibradas .

    Esse guia busca traduzir ciência em prática, simplificando dados técnicos para agricultores e desenvolvedores.

    O papel da ISA

    Hugo Morales, da International Solar Alliance, trouxe a visão global. A ISA atua em quatro pilares: políticas, participação privada, capacitação e mobilização de capital. O programa “Farm first” foi desenhado para colocar o agricultor no centro, garantindo que AgroPV seja uma resposta às necessidades locais .

    Ele defendeu também a criação de uma facility regional de financiamento, capaz de escalar pilotos em uma carteira de projetos maior, com garantias e seguros que atraiam bancos locais.

    O que falta

    O painel apontou três pontos críticos para avançar:

    • Normativas claras para uso dual do solo;
    • Modelos de negócio adaptados (PPAs agrícolas, cooperativas, GD com armazenamento);
    • Dados comparáveis sobre produtividade agrícola e geração solar .

    Conclusão: o fio condutor do dia

    Ao final do terceiro dia da X Semana de la Energía, saí com a sensação de que há um fio condutor entre eficiência energética, resiliência e AgroPV. O que une todos esses temas é a necessidade de transformar potencial em realidade, com:

    • Instituições fortes;
    • Dados confiáveis;
    • Modelos de negócio inovadores;
    • Compromissos sustentados no tempo.

    A América Latina tem recursos, conhecimento e vontade. O desafio é alinhar tudo isso para que a transição energética seja, ao mesmo tempo, limpa, resiliente e inclusiva.

  • Briefing Executivo – Segundo Dia da X Semana de la Energía em Santiago do Chile

    Briefing Executivo – Segundo Dia da X Semana de la Energía em Santiago do Chile

    O segundo dia da X Semana de la Energía, em Santiago do Chile, foi marcado por uma sequência de debates intensos que colocaram o armazenamento energético, a integração regional e as dinâmicas geopolíticas no centro da discussão. Participei de quatro blocos temáticos se articularam como capítulos de uma mesma história: hidroenergia, geopolítica, a revolução do armazenamento e a perspectiva energética regional. Cada um trouxe visões complementares, formando um mosaico que ajuda a compreender para onde caminha a transição energética na América Latina e no Caribe.


    Hidroenergia: pilar histórico e ponte para o futuro

    A primeira sessão do dia, intitulada “Hidroenergía en evolución: retos y oportunidades en el siglo XXI”, foi dedicada a refletir sobre o papel da hidroenergia na transição energética . A mensagem foi clara: a hidroeletricidade continua a ser a espinha dorsal da matriz elétrica latino-americana, mas precisa ser modernizada para se tornar ainda mais resiliente diante das mudanças climáticas.

    O debate destacou como a digitalização, os sistemas de bombeamento reversível e a integração com novas tecnologias de armazenamento podem redefinir a função dos reservatórios hídricos. A ideia recorrente foi que as hidrelétricas, mais do que geradoras, devem ser vistas como reservatórios naturais de flexibilidade, capazes de acomodar a crescente intermitência da solar e da eólica. Essa sessão funcionou como uma ponte conceitual para os painéis seguintes: sem flexibilidade, não haverá transição segura.


    Claves geopolíticas: a transição como tema de política externa

    Na sequência, o painel “Claves geopolíticas de la transición global” trouxe para o palco personalidades de peso, incluindo o chanceler chileno Alberto van Klaveren, a diretora Dorotea López Giral (Universidad de Chile), a especialista Astrid Yanet Aguilera Cazalbón e o professor Jaime Baeza (FLACSO) .

    O tom da conversa foi geopolítico e diplomático. A transição energética deixou de ser apenas um desafio técnico ou ambiental: tornou-se um eixo central de política externa e de segurança internacional. Os painelistas ressaltaram que a América Latina, por dispor de uma matriz mais limpa que a média mundial e deter minerais críticos como lítio e cobre, ocupa um lugar privilegiado nas cadeias globais.

    Van Klaveren reforçou que energia é hoje assunto de Estado, não de governo. Estabilidade regulatória, confiança entre países e diplomacia energética são peças-chave para que a região consiga não apenas exportar commodities, mas também influenciar os rumos globais. O papel da integração regional – seja por interconexões elétricas, coordenação regulatória ou protocolos de resiliência – foi reiterado como condição indispensável para que os países latino-americanos deixem de ser ilhas isoladas e passem a atuar como bloco.

    Outro aspecto mencionado foi a inovação aplicada à infraestrutura crítica, incluindo inteligência artificial, e a necessidade de formar capital humano qualificado. Assim, o painel geopolítico preparou o terreno para os blocos seguintes, ao colocar a transição no patamar de estratégia internacional.


    Keynote: a revolução do armazenamento e a visão chilena

    A terceira sessão foi conduzida pelo Ministro de Energia do Chile, Diego Pardow, sob o título “La Revolución del Almacenamiento”. Sua fala teve o peso de um keynote, ao projetar a visão estratégica de um país que decidiu se posicionar na vanguarda do setor .

    Logo na abertura, Pardow ressaltou que o armazenamento deixou de ser um complemento e se tornou um pilar central da política energética. As fotos exibidas durante a palestra reforçaram esse simbolismo: em uma delas, Pardow aparece projetando a curva diária de oferta e demanda, mostrando como baterias e sistemas de flexibilidade achatam o custo marginal e estabilizam preços. Em outra, apresenta o número que chamou a atenção de todos: mais de US$ 8 bilhões já mobilizados em projetos de armazenamento no pipeline chileno.

    O ministro também fez uma referência incisiva à integração regional: lembrou que, no Brasil, a mera ameaça de importação de gás argentino já foi suficiente para derrubar preços no mercado. Esse exemplo concreto mostrou como os mecanismos de flexibilidade, incluindo o armazenamento, possuem efeitos diretos na segurança de suprimento e no equilíbrio de preços entre países.

    Pardow destacou que a revolução do armazenamento exige não apenas tecnologia, mas inovação regulatória. O Chile tem avançado na criação de marcos que permitem remunerar os serviços de estabilidade que baterias e hidrelétricas reversíveis oferecem ao sistema. Ele citou medidas de simplificação de licenciamento e autorizações, que aceleram investimentos sem comprometer critérios ambientais e técnicos.

    As metas nacionais foram reiteradas: alcançar 24 GWh de capacidade de armazenamento até 2030 e 46 GWh até 2050. Essa ambição, segundo Pardow, vai além do setor energético, pois gera empregos, aumenta a competitividade da indústria e garante inclusão social. A revolução do armazenamento é, portanto, um projeto de desenvolvimento.


    O painel de armazenamento: desafios práticos e visões regionais

    Logo após o keynote, iniciou-se o painel técnico com cinco participantes representando governos, instituições multilaterais e empresas. O debate girou em torno de quatro grandes temas: financiamento, efeitos de mercado, regulação/licenciamento e ordem de grandeza dos investimentos .

    O consenso foi que o financiamento segue como principal obstáculo. A estrutura de receitas ainda não captura adequadamente todos os serviços prestados pelos sistemas de armazenamento – desde a arbitragem de preços até os serviços ancilares como controle de frequência e reserva de potência. Isso limita a escala dos projetos.

    No entanto, os efeitos de mercado já são visíveis. No Chile, por exemplo, a entrada de baterias em grande escala reduziu os custos marginais intradiários, achatando a curva de preços e criando ganhos sistêmicos. A simplificação regulatória e de licenciamento foi apontada como acelerador essencial, capaz de destravar bilhões em investimentos.

    A OLADE complementou com informações institucionais: anunciou a transformação de uma nota técnica em livro sobre armazenamento, reunindo estado da arte tecnológico, estudos de caso e desafios regulatórios. Estimou que a região já possui cerca de 2,7 GW de capacidade de armazenamento, sendo 1,7 GW em baterias e 1,0 GW em hidrelétricas reversíveis. Citou também a projeção da IEA: para triplicar as renováveis até 2030, será preciso multiplicar por seis o armazenamento, chegando a um patamar de 18% de capacidade de armazenamento sobre a nova energia renovável instalada.


    Casos nacionais e empresariais

    Entre os casos nacionais discutidos, o Chile reafirmou sua liderança, com 21 projetos em diferentes fases e metas de 2 GW até 2030 e 6 GW até 2050. O Brasil destacou sua matriz de 88% renovável, fortemente hidrelétrica, mas ressaltou a necessidade de usar armazenamento para integrar a expansão solar e eólica. O México foi lembrado pelo código de rede que exige até 30% de armazenamento em novos projetos. Já a Argentina reportou o sucesso do leilão de 500 MW em Buenos Aires, com ofertas superiores a 600 MW.

    Casos menores, mas igualmente relevantes, vieram de Honduras, que realizou um leilão de 75 MW considerado inovador, e da República Dominicana, onde sistemas insulares vulneráveis a apagões veem no BESS a possibilidade de fornecer potência firme, desde que haja uma regulação clara para remunerar arbitragem e serviços ancilares.

    Do lado empresarial, a EDF Power Solutions apresentou um pipeline robusto no Chile, incluindo um projeto de 500 MW/4h em zona desértica, voltado a atender tanto contratos regulados quanto PPAs corporativos do setor minerador. A empresa destacou sua estratégia global de oferecer energia 100% renovável combinada a armazenamento, com projetos também na Europa, Estados Unidos e África do Sul.

    O painel encerrou enfatizando aspectos técnicos de operação do sistema: inversores grid-forming e máquinas síncronas virtuais, que simulam inércia e oferecem estabilidade às redes, foram apontados como tecnologias críticas. O consenso foi de que o armazenamento deve ser tratado não como “megawatts-hora armazenados”, mas como infraestrutura de confiabilidade sistêmica.


    Perspectiva energética regional: diversidade de realidades, convergência de desafios

    O último painel, “Perspectiva Energética Regional”, reuniu Lucía Spinelli (Banco Mundial, moderadora), Leandro Pereira (MME, Brasil), Erik Tejeda (Honduras), Ryan Cobb (Belize) e Mauricio Bejarano (Paraguai) .

    Spinelli abriu destacando a singularidade da região: matrizes elétricas limpas, porém pressionadas pelo crescimento da demanda e pela vulnerabilidade climática.

    Leandro Pereira ressaltou que o Brasil já possui 88% de sua matriz renovável e vê no armazenamento um instrumento indispensável para integrar solar e eólica. O grande gargalo, segundo ele, é a transmissão: conectar o Norte e o Nordeste, ricos em recursos, ao Sudeste, centro de consumo.

    De Honduras, Erik Tejeda trouxe a realidade de um país ainda sujeito a apagões e dependente de combustíveis fósseis importados. O armazenamento, disse ele, é vital para dar estabilidade, mas só avançará com apoio multilateral e financiamento externo.

    Ryan Cobb descreveu os desafios de Belize, onde setores como turismo e call centers impulsionam a demanda. Defendeu soluções descentralizadas e microrredes, ressaltando o peso do custo elevado da energia sobre a competitividade econômica.

    Por fim, Mauricio Bejarano, do Paraguai, destacou a oportunidade de transformar o excedente hidrelétrico em vetor de industrialização. O desafio, no entanto, é não se limitar à exportação, mas criar cadeias de valor internas.

    Apesar das diferenças de escala, todos concordaram em quatro pontos: a integração regional é inevitável; o gás naturalcontinua sendo combustível de transição; o armazenamento é um pilar emergente; e o financiamento/regulaçãopermanecem como gargalos.


    Conclusão: um fio condutor comum

    O segundo dia da X Semana de la Energía deixou claro que a América Latina vive um paradoxo: é a região com maior potencial de renováveis do mundo, mas ainda precisa superar barreiras institucionais, financeiras e técnicas para transformar esse potencial em realidade.

    A narrativa mostrou que hidroeletricidade, geopolítica, armazenamento e perspectivas regionais não são capítulos isolados, mas peças de um mesmo quebra-cabeça. O futuro energético latino-americano dependerá da capacidade de construir pontes — entre países, entre setores e entre tecnologias.

    Se a transição é global, a América Latina e o Caribe têm a chance de liderá-la, desde que alinhem visão de longo prazo, estabilidade regulatória e cooperação regional. O Chile mostrou sua ambição, o Brasil reforçou sua escala, e os demais países trouxeram desafios que precisam de soluções conjuntas. Mais do que um debate técnico, o que se viu foi um debate sobre futuro, soberania e integração.

  • X Semana de la Energía em Santiago do Chile: Reflexões e Desafios do Primeiro Dia

    X Semana de la Energía em Santiago do Chile: Reflexões e Desafios do Primeiro Dia

    O primeiro dia da X Semana de la Energía, realizada em Santiago do Chile, marcou o início de uma jornada intensa de debates estratégicos sobre o futuro do setor energético na América Latina e no Caribe. Estar presente nesse encontro significa testemunhar não apenas a troca de experiências entre líderes regionais, mas também a construção de uma agenda concreta para enfrentar os desafios da transição energética, da integração regional e da segurança dos sistemas elétricos.

    A narrativa que segue busca registrar em detalhes as discussões de cada sessão, organizadas na cronologia em que ocorreram.


    Sessão Magistral – Conectando América Latina e o Caribe: Como Lograr um Mercado Energético Regional?

    O evento começou com uma sessão de peso, reunindo autoridades como Andrés Rebolledo, secretário executivo da OLADE, Andrés Villegas Ramelli (ISA), Johanna Monteiro (Ministério de Energia do Chile), Marcelino Madrigal(BID) e  Michael Mechlinski (Coordinador Regional – GET.transform) .

    A tônica foi clara: a integração energética regional deixou de ser apenas um ideal político e tornou-se uma necessidade estratégica. A experiência histórica das grandes interconexões — Itaipu, Salto Grande, Colômbia–Panamá — foi lembrada como prova de que ganhos de resiliência e redução de custos são possíveis quando países somam esforços.

    Rebolledo destacou que sem coordenação política e convergência regulatória, a integração corre o risco de se perder em intenções não materializadas. Madrigal reforçou que a confiança mútua entre países é o verdadeiro ativo de longo prazo para avançar na construção de um mercado regional robusto.

    Outro ponto relevante foi o papel das renováveis na transição energética. Monteiro lembrou que a região tem abundância de recursos hídricos e solares, mas sofre com a intermitência. “A interconexão é a chave para transformar excedentes locais em segurança regional”, disse.

    O financiamento, inevitavelmente, entrou no debate. Madrigal ressaltou que sem institucionalidade forte não há investimento sustentável. O BID e outros multilaterais, segundo ele, estão dispostos a apoiar, mas exigem regras claras e previsibilidade.


    Segundo Painel – Integração Energética Regional e o Papel Estratégico do Gás Natural

    A segunda sessão trouxe um debate mais pragmático, conectando a integração elétrica ao papel do gás natural como combustível de transição .

    Carlos Cortés Simon, presidente executivo da AGN, defendeu que o gás precisa ser visto além do tradicional, pois sua função será tripla: garantir segurança elétricaviabilizar a descarbonização de setores difíceis de eletrificar e estimular desenvolvimento econômico regional.

    Na visão brasileira, Heloisa Borges, diretora da EPE, trouxe clareza estratégica. O Brasil está finalizando seu Plano Nacional Integrado de Gás Natural e Biometano, que contempla interconexões com a Argentina e soluções híbridas para sistemas isolados. Borges reforçou que o gás não é um freio à transição, mas um pilar de estabilidade, essencial para complementar a expansão renovável. Ela lembrou um episódio emblemático: “a mera ameaça de importação de gás argentino já foi suficiente para reduzir preços no Brasil”, mostrando como a integração pode funcionar como instrumento competitivo.

    Christian Asinelli, da CAF, reforçou que a região deve ser vista como “provedora de soluções” no contexto global, graças à riqueza de recursos críticos — do lítio ao próprio gás. Para ele, o financiamento só terá sentido se vinculado a objetivos sociais e climáticos, conectando transição energética a inclusão.

    O mediador, Guido Maiulini, da OLADE, foi incisivo: não basta ter projetos técnicos, é preciso alinhar decisões políticas e superar barreiras tributárias. E lembrou: “somos uma região de paz, e isso nos dá uma vantagem competitiva para avançar na cooperação energética”.


    Construyendo un Sistema Eléctrico Resiliente y Seguro: Un Marco Regulatorio a Medida

    O terceiro painel trouxe uma perspectiva acadêmica, com a exposição do professor Michael Pollitt (Cambridge Judge Business School) . Ele revisitou 40 anos de reformas dos mercados elétricos e mostrou como a regulação precisa mudar para suportar a transição energética marcada por solar, eólica, storage e geração distribuída.

    Pollitt foi enfático: “sem transmissão, não há Net Zero”. O gargalo da infraestrutura de redes foi identificado como o grande limitador global. Ele sugeriu reformas nas filas de conexão, priorizando projetos prontos em vez de apenas os primeiros a chegar (“first-ready” versus “first-come”), além de tarifas locacionais e mercados locais de flexibilidade.

    A lição prática para a América Latina foi clara: sem instituições independentes e previsíveis, os cabos sozinhos não entregam transição energética.


    A Palestra de Luiz Barroso

    A apresentação de Luiz Barroso, presidente da PSR, trouxe um olhar agudo sobre os desafios atuais do Brasil — que, em muitos aspectos, são os mesmos da região. Ele resumiu em uma frase central: “sem evolução rápida da regulação e dos mercados, corremos o risco de ter excesso de energia de dia e escassez à noite, com custos ocultos e mais curtailment”.

    Brasil como Estudo de Caso

    Barroso usou o Brasil como vitrine de aprendizados. Destacou a explosão da geração distribuída solar, que passou de quase nada a dezenas de gigawatts em poucos anos, impulsionada por isenções tarifárias. Isso trouxe benefícios, mas também distorções e custos repassados ao sistema.

    Mostrou como a curva do pato brasileira já se torna um problema estrutural: picos de geração solar durante o dia sem flexibilidade suficiente para atender a demanda da noite. Ele ressaltou que a “flexibilidade infinita” das hidrelétricas já não é garantida, por conta de restrições ambientais e hidrológicas.

    Onde Funcionou e Onde Travou

    Nos avanços, Barroso destacou os leilões de energia e transmissão, que garantiram novos projetos a custos baixos, além dos contratos de longo prazo, que reduziram riscos e atraíram investimentos.

    Nas travas, apontou o uso inadequado da rede de distribuição pela GD, a ausência de produtos padronizados de flexibilidade e a lentidão da governança da fila de conexão. Também criticou a falta de clareza na comunicação pública, lembrando que distorções em redes sociais dificultam reformas técnicas necessárias.

    A Agenda de Correções

    Sua agenda de “como fazer” foi pragmática:

    1. Reformar a conexão e uso da rede, com critérios de prontidão e tarifas locacionais.
    2. Criar mercados de flexibilidade, remunerando baterias e resposta da demanda.
    3. Planejar a transmissão para o Net Zero, com zonas de renováveis e obras estruturantes.
    4. Revisar subsídios da GD, preservando seu valor sem transferir custos ao resto do sistema.
    5. Aprofundar o mercado financeiro, com PPAs padronizados e instrumentos de hedge.
    6. Adotar regulação adaptativa, com ciclos mais curtos, sandboxes e métricas de desempenho.

    Implicações Regionais

    Barroso foi além: “muitos países estão vivendo o mesmo filme”. A entrada acelerada de renováveis sem rede e regras adequadas gera riscos semelhantes em toda a América Latina. Para ele, harmonizar critérios de conexão, planejamento de transmissão e contratos transfronteiriços é prioridade regional.


    Painel – Um Marco Regulatório a Medida

    O último painel do dia reuniu Andrés Romero CeledónChristian Jaramillo H.Lucía Spinelli (mediadora) e Ramón Méndez .

    Romero lembrou que o Chile foi pioneiro em mercados liberalizados, mas alertou que os modelos originais já não respondem à realidade da transição. “Não há como dissociar liberalização de planejamento de longo prazo”, disse.

    Jaramillo destacou os riscos de depender quase exclusivamente de renováveis intermitentes. Para ele, usinas fósseis ainda são fundamentais como lastro, mesmo que operem apenas 1–3% do tempo.

    Spinelli reforçou que os reguladores enfrentam pressão em várias frentes: integrar DERs, regular armazenamento, incluir renováveis e evitar subsídios distorcidos. Méndez completou com uma visão sistêmica: mercados precisam de instrumentos que financiem capacidade e inovação, com modelagens realistas em diferentes horizontes temporais.

    A mensagem final foi clara: a regulação é, ao mesmo tempo, ferramenta técnica e soberana.


    Conclusão do Primeiro Dia

    O primeiro dia da X Semana de la Energía em Santiago foi um mergulho profundo nos dilemas e oportunidades da região.

    • Integração regional apareceu como solução estrutural para preços e segurança.
    • O gás natural foi reposicionado como vetor de transição, com papel estratégico para Brasil e Argentina.
    • A regulação da transmissão se mostrou o gargalo central da transição energética.
    • Luiz Barroso trouxe a fala mais impactante, ao traduzir problemas complexos do setor elétrico brasileiro em mensagens claras e acionáveis, com lições aplicáveis a toda a região.
    • O marco regulatório foi reafirmado como elemento-chave: flexível, adaptável e capaz de unir eficiência econômica com justiça social.

    Participar deste primeiro dia reforça a sensação de que a América Latina e o Caribe estão diante de uma oportunidade histórica. O caminho da transição não é linear, mas o evento mostrou que, com coordenação, financiamento e regulação adequada, é possível transformar desafios em liderança global.

  • Agentic AI no Setor Energético: O Futuro da Transição Digital

    Agentic AI no Setor Energético: O Futuro da Transição Digital

    adoção de Agentic AI no setor energético representa mais do que um avanço tecnológico — trata-se de um divisor de águas estratégico. O Brasil e o mundo já vivenciam a pressão por descarbonização, integração acelerada de renováveis e fortalecimento da confiabilidade das redes. Nesse cenário, os agentes digitais autônomos surgem como protagonistas de uma nova etapa da digitalização, capazes de transformar dados em decisões e decisões em ação em tempo real.

    Enquanto a Inteligência Artificial Generativa já trouxe ganhos em produtividade e análise de informações, a Agentic AI inaugura um novo paradigma: sistemas que não apenas respondem a comandos, mas atuam de forma independente, aprendendo continuamente e interagindo em ecossistemas distribuídos.


    O que é Agentic AI e por que importa para o setor energético?

    Agentic AI refere-se a arquiteturas de agentes digitais autônomos que simulam a tomada de decisão humana em sistemas complexos. Diferente de soluções tradicionais de automação, esses agentes:

    • Monitoram processos em tempo real;
    • Tomam decisões autônomas com base em aprendizado contínuo;
    • Interagem com outros agentes e plataformas críticas;
    • Explicam suas escolhas, aumentando a transparência e a confiança.

    Essa lógica, já aplicada em setores como finanças e saúde, começa a se consolidar também na infraestrutura energética, onde a confiabilidade e a resiliência são ativos estratégicos.


    Tendências globais e lições para o Brasil

    Estudos recentes, como o KPMG Futures Report (2025), destacam que o valor da IA migra rapidamente de experimentos isolados para implantações corporativas em larga escala. O setor energético não é exceção. Empresas líderes já testam arquiteturas agentic em smart grids, plantas industriais e operações de trading de energia.

    No Brasil, a oportunidade é ainda maior. Com uma matriz elétrica majoritariamente renovável, mas marcada por gargalos como curtailment em parques solares e eólicos e sobrecarga em linhas de transmissão, a digitalização pode ser o elo que conecta regulação, operação e sustentabilidade.

    👉 Leitura complementar: Transição Energética no Brasil e Oportunidades Estratégicas.


    Aplicações da Agentic AI no setor energético

    A seguir, alguns campos em que a Agentic AI no setor energético já mostra resultados tangíveis:

    1. Óleo e Gás

    • Otimização preditiva de refino e exploração, ajustando parâmetros em tempo real.
    • Monitoramento ambiental contínuo, reduzindo riscos de não conformidade regulatória.
    • Segurança offshore, com agentes monitorando corrosão, pressão e vibração em plataformas.

    2. Smart Grids

    • Balanceamento dinâmico da rede, com agentes atuando em pontos distribuídos.
    • Resposta ativa da demanda, integrando sinais de mercado e consumo local.
    • Resiliência contra falhas e ciberataques, reduzindo a dependência de centros de controle centralizados.

    3. Eletrificação Industrial

    • Planejamento energético em tempo real em setores eletrointensivos.
    • Digital twins para simulação da substituição de combustíveis fósseis por eletrificação.
    • Coordenação autônoma de contratos de energia renovável (PPAs).

    4. Eficiência Energética e ESG

    • Monitoramento contínuo de consumo em edifícios e fábricas.
    • Consolidação de indicadores de carbono e energia em tempo real.
    • Ação como “auditores digitais”, garantindo transparência e reduzindo riscos de greenwashing.

    5. Cibersegurança e Governança

    • Implementação de modelos Zero Trust para ativos críticos.
    • Monitoramento autônomo de tráfego em redes OT (Operational Technology).
    • Justificativa de decisões com mecanismos de Explainable AI (XAI).

    Desafios de implementação no Brasil

    Apesar do potencial, a adoção da Agentic AI no setor energético enfrenta obstáculos relevantes:

    • Integração com sistemas legados (SCADA, EMS, OT), ainda centralizados e pouco flexíveis.
    • Lacunas regulatórias, já que a ANEEL e o ONS ainda não dispõem de frameworks específicos para agentes autônomos.
    • Segurança cibernética ampliada, dado que agentes autônomos aumentam a superfície de ataque.
    • Governança e auditoria, com a necessidade de explicabilidade e métricas claras.
    • Políticas públicas e incentivos, como sandboxes regulatórios e linhas de financiamento, essenciais para acelerar a adoção.

    Métricas de impacto: o que realmente importa

    Para consolidar confiança, é fundamental medir impactos em quatro dimensões:

    • Operacional: redução de OPEX, antecipação de falhas, eficiência de processos.
    • Sustentabilidade: menor curtailment, maior integração de renováveis, redução de emissões.
    • Financeiro: aumento do ROI em PPAs e projetos de hidrogênio verde.
    • Resiliência: maior robustez diante de eventos climáticos e ciberataques.

    Essas métricas transformam a narrativa tecnológica em valor concreto para conselhos e investidores.


    Competências e talentos necessários

    A adoção de Agentic AI no setor energético exige perfis híbridos:

    • IA e sistemas multiagentes: aprendizado por reforço, coordenação de DERs e integração com IA generativa.
    • Engenharia de software: arquiteturas distribuídas, APIs e edge computing.
    • Modelagem energética: digital twins, séries temporais e otimização matemática.
    • DevOps de IA: MLOps e AIOps para manter agentes atualizados e escaláveis.
    • Cibersegurança e governança: Zero Trust, XAI e aderência regulatória.

    Conclusão: um divisor de águas estratégico

    Mais do que uma inovação, a Agentic AI no setor energético é uma transformação estrutural. Ela redefine como empresas operam, como reguladores acompanham e como a sociedade se beneficia de redes mais limpas, confiáveis e inteligentes.

    Executivos e conselhos que anteciparem essa agenda poderão capturar valor não apenas na eficiência operacional, mas também em novos modelos de negócio, transparência regulatória e confiança social. O desafio não é apenas tecnológico: trata-se de construir as bases de governança e competências para que a Agentic AI se torne um pilar da transição energética.

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