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Think tank independente com foco em energia, tecnologia e tendências globais. Análises para apoiar decisões estratégicas com visão de impacto.

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Autor: Eduardo Fagundes

  • Desligue o automático do seu cérebro e construa negócios disruptivos

    Desligue o automático do seu cérebro e construa negócios disruptivos

    Nosso cérebro opera em dois modos, o Sistema 1 e o Sistema 2. No primeiro, o cérebro opera no automático, os processos mentais não requerem esforço deliberado e operam de maneira inconsciente, sendo deficiente em raciocínio e estatístico. O Sistema 2, ao contrário, é mais lento e mais esforçado, exigindo esforço e energia mental. A maioria das pessoas tentam evitar utilizar o Sistema 2. Afinal, raciocinar é considerado muito chato para muitos. É muito mais agradável rolar o feed do Instagram, vendo fotos e textos curtos, do que ler um livro, planejar a carreira profissional ou elaborar um modelo de negócio disruptivo. Sabendo disso, o marketing utiliza gatilhos mentais para gerar estímulos para o cérebro dos consumidores convencendo-os a fazer uma compra.

    Os termos “Sistema 1” e “Sistema 2” foram criados pelos psicólogos Keith Stanovich e Richard West, e popularizados pelo psicólogo Daniel Kahneman, ganhador do Prêmio Nobel, no livro Thinking, Fast and Slow, 2012. A edição brasileira chama-se Rápido e Devagar: duas formas de pensar.

    Como todos sabem disso, quase tudo que fazemos é para gerar gatilhos mentais nas pessoas que nos relacionamos para acionar apenas o Sistema 1, ou seja, não deixando as pessoas racionarem.

    Se somos influenciados ou induzidos a fazer alguma coisa de forma inconsciente, apenas usando o Sistema 1. Quando mais complexo for um problema, menos recorremos à mente consciente, racional e lógica, e mais decidimos as coisas pela nossa mente inconsciente, intuitiva e emocional.

    Se observarmos as imagens se tornaram predominantes em nossas vidas. Paramos de rolar um feed quando vemos uma imagem agradável, bizarra ou sensual. Com isto, podemos escolher imagens para transmitir certos sentimentos para a formação de opinião das pessoas, de forma inconsciente.

    Este assunto é tão importante que na China existe um campo de treinamento, aos moldes de campos militares, para a recuperação de pessoas, principalmente jovens, viciados em internet. Os internos passam por um programa, desenvolvido pelo psiquiatra Tao Ran, que tem a opinião que a dependência à internet leva a problemas no cérebro semelhantes aos provocados pela heroína. Outro estudo da King’s College, de Londres, revelou que a distração por avisos sonoros de e-mails afeta mais os testes de QI do que os efeitos da maconha.

    Neste complexo tema sobre decisões, temos o que a psicologia chama de “cegueira das escolhas”, onde nem sempre as pessoas estão conscientes de suas próprias escolhas e preferências. Mesmo assim, quando tomam uma decisão são capazes de defender e justificar suas escolhas, de forma eloquente.

    Talvez você já tenha passado pela situação de alguém te levar um problema e você, em um passe de mágica, tem uma solução pronta para resolvê-lo. Isto pode te encher de orgulho e lustrar a sua autoestima pensando: “Puxa! Como eu sou bom”. Do lado de quem te pediu ajuda, adquiriu o conhecimento de como fazer e deverá usar a mesma solução em outras situações semelhantes, podendo eternizar este “novo saber”.

    Em uma outra situação, hoje tão comum para as pessoas, é quando têm uma dúvida buscam a solução no Google. Afinal, “googlar” é mais fácil e rápido do que pensar.

    Como já deu para perceber, utilizar apenas o Sistema 1, corremos o risco de perpetuar indefinidamente uma prática por anos a fio. Infelizmente, perde-se, constantemente, oportunidades de pensar em algo diferente, uma nova forma de fazer algo.

    Se deixarmos o nosso cérebro operar apenas no Sistema 1 nunca sairemos do lugar. Teremos a sensação de evolução quando adotarmos decisões de outras pessoas.

    O que deveria ter sido feito para criar algo? Aproveitar a oportunidade da pessoa que perguntou não ter vícios e questioná-la sobre alternativas para resolver o problema. Isto a levaria a utilizar o Sistema 2, racionando em maneiras de resolver o problema.

    Agora, imaginem o desafio das pessoas de identificar novos modelos de negócios disruptivos. Como introduzir uma cultura de Sistema 2 na vida das pessoas e nas organizações?

    Em outras palavras, como fazer as pessoas pensarem?

    A melhor forma é estabelecer objetivos desafiadores. No início, não precisa ser um desafio do tipo Elon Musk de colonizar Marte. Podemos iniciar com um desafio de eliminar 80% as falhas de um processo, reduzindo 30% do custo deste processo. Ou como entregar uma encomenda no dia seguinte sem alterar os custos de logística e estoque.

    Para implementar uma cultura de Sistema 2 é preciso ter um controle absoluto dos processos da empresa. Hoje facilitado com Big Data, ferramentas analíticas e monitoração remota de processos e, fundamentalmente, treinar os líderes para serem capazes de identificar as oportunidades e formular os desafios.

    Isto parece fácil, mas pare para pensar um pouco e analise se os líderes conhecem realmente os principais problemas da sua empresa. Provavelmente, este será o primeiro desafio.

    Formulados os desafios, a próxima etapa e buscar soluções disruptivas. Muitas vezes, a cultura interna das organizações inibe a criação de ideias disruptivas, principalmente, naquelas organizações onde os erros são punidos.

    Uma alternativa para contornar as restrições internas é optar pela inovação aberta, compartilhando os desafios com fornecedores e empreendedores de startups.

    Classificando isto como pesquisa e desenvolvimento (P&D) sua empresa pode conseguir benefícios fiscais que incentivam a inovação.

    Resumindo, tire um tempo para acionar o Sistema 2 do seu cérebro.

  • Será que a Ford está seguindo o propósito do Henry?

    Será que a Ford está seguindo o propósito do Henry?

    Henry Ford tinha o propósito de conseguir a paz através do consumismo. Em uma sociedade onde os indivíduos têm acesso a produtos e serviços que satisfaçam suas necessidades, em tese, é uma sociedade que vive em paz. Algumas de suas ações demonstram este propósito: através da eficiência operacional reduziu o preço do carro de US$825 (1908) para US$360 (1916), elevou o salário-mínimo diário de US$2,34 para US$5 para trabalhadores qualificados, contratava 300 funcionários para áreas que tinham 100 vagas, ofereceu participação nos lucros para funcionários com mais de seis meses, reduziu a jornada de trabalho de 48 horas para 40 horas semanais (para ele lazer não era tempo perdido ou privilégio de classe), contratava ativamente trabalhadores negros, mulheres e homens deficientes em uma época em que isso era incomum. Esta visão de Henry Ford forjou a Ford Motor Company, tornando-a uma das maiores empresas automobilísticas do mundo. A vida de Henry Ford foi também marcada por várias posições polêmicas e atitudes questionáveis, como o antissemitismo, que devem ser analisadas dentro do contexto da época em que ele viveu.

    O propósito de Henry Ford era focado nos indivíduos, tanto consumidores com funcionários, buscando formas de atender com produtos e serviços a um grande número de pessoas.

    A atual declaração de missão da Ford é: “Nossa missão é fortalecer comunidades e ajudar a tornar a vida das pessoas melhor. Nosso propósito é impulsionar o progresso humano por meio da liberdade de movimento”. A missão está em consonância com o propósito do seu fundador.

    Ao que parece, quem tem ideias parecidas e com capacidade de realização é Elon Musk. Seu propósito, segundo afirma, é resolver os maiores problemas do mundo: com a Tesla, sua empresa de carros elétricos, ele tenta resolver parte das alterações climáticas; com a Boring Company, cavando uma rede de túneis abaixo das cidades, ele tenta resolver os problemas de congestionamentos de trânsito nos grandes centros urbanos; e, com a SpaceX ele está tentando colonizar o planeta Marte para salvar a humanidade da extinção.

    Musk está introduzindo uma nova visão de construção de veículos nas Gigafactories da Tesla usando automação extrema na produção, permitindo que as peças de seus carros possam ser reproduzidas por outras pessoas, através do conceito de open source, preservando os direitos da tecnologia das baterias e softwares de automação. Isto deve tornar os carros da Tesla acessíveis para um grande número de pessoas, com o passar do tempo, assim como aconteceu com os PCs e os primeiros carros de Henry Ford.

    Ao que parece, o propósito de Elon Musk de resolve alguns dos maiores problemas do planeta está gerando riqueza e reputação para as empresas de Musk. Similar ao que aconteceu com Henry Ford no início da Ford Motor Company.

    Em janeiro de 2021, a Ford anunciou o encerramento da produção de carros no Brasil e a dispensa cerca de 5.000 empregados, continuando no Brasil como uma importadora de veículos. Em um comunicado a Ford afirma que anunciará novos modelos para o Brasil, incluindo um novo veículo híbrido plug-in, com expansão dos serviços conectados e introdução de novas tecnologias autônomas e de eletrificação. Se associarmos o propósito de Henry Ford com os planos da Ford no Brasil, teremos veículos baratos produzidos com a máxima eficiência operacional com empregados bem remunerados, para satisfazer as necessidades dos consumidores, trazendo paz para a sociedade.

    Em entrevista para o The New York Times em dezembro de 2020, Bill Ford, disse que a opção da Ford é desenvolver carros híbridos com força e com grande sucesso, até que a infraestrutura estiver pronta para investir forte na eletrificação. A Ford está eletrificando os seus veículos mais vendidos e seus carros mais icônicos, como o F-150 e Mustang. Sobre a Tesla, ele dá os créditos para a empresa pelo pioneirismo e por abrir o caminho para todos da indústria automobilística, e espera para ver como será o mercado daqui a cinco anos.

    O propósito de criação da Volkswagen teve uma das motivações de Henry Ford, construir carros baratos que quase qualquer um pudesse pagar. Sua missão atual é tornar a mobilidade sustentável para a atual e futuras gerações, através de veículos com acionamento elétrico, rede digital e direção autônoma, construindo veículos ecologicamente limpos, silenciosos, inteligentes e seguros. Se combinarmos propósito e missão, a Volkswagen deveria produzir seus novos veículos (limpos, silenciosos, inteligentes e seguros) para que quase qualquer um pudesse pagar.

    Acredito que apenas ter carros elétricos de alto desempenho não é e não será o diferencial competitivo no mercado automobilístico. A nova geração é adepta ao minimalismo e ao consumo sustentável. O home-office e o trabalho autônomo estão reduzindo a necessidade de deslocamentos frequentes entre a casa e o escritório. Os deslocamentos serão de pequeno percurso, sem a necessidade de carros caros, como hoje. Quando necessário, as pessoas usarão serviços de transporte compartilhados.

    Neste novo cenário, veículos de transporte de encomendas elétricos deverão ser o grande mercado nos próximos anos. Já existem algumas iniciativas aqui no Brasil. O Mercado Livre anunciou o uso de 51 carros elétricos na sua frota de entregas de encomendas. Segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico, as vendas de automóveis eletrificados (elétricos e híbridos) entre janeiro e junho de 2020 cresceram 221% no comparativo com o mesmo período de 2019, passando de 2.356 unidades para 7.568 veículos.

    O Itaú-Unibanco, que tem o propósito de estimular a transformação das pessoas, revolucionou a mobilidade urbanas em grandes cidades com um serviço de compartilhamento de bicicletas, que está evoluindo para um serviço de veículos elétricos compartilhados em parceria com a U-Corp. Por sua vez, a U-Corp fez uma parceria com a startup Infra Solar para otimizar a logística de recarga de baterias com energia sustentável e identificação de rotas seguras para os motoristas.

    Interessante observar que o propósito de uma pessoa ou empresa (grupo de pessoas) impulsiona o desenvolvimento de todo um ecossistema. É a partir destes propósitos que conseguimos transformar a sociedade e proteger o planeta.

    Na minha visão, as empresas tradicionais do mercado automobilístico deveriam recuperar os propósitos de seus fundadores e criar missões compatíveis com o novo comportamento dos consumidores e, principalmente, assegurar que os planos operacionais sejam cumpridos.

    Isto pode acontecer com o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis que possam ser licenciadas para outras marcas, desenvolvimento de veículos no estilo minimalista para consumidores sustentáveis, como bicicletas e motos elétricas, veículos de transporte de encomendas para centros urbanos, incluindo drones, e iniciar a transição de caminhões de transporte de cargas de longas distâncias com tecnologia hibrida.

    Concluindo, as empresas tradicionais do mercado automobilístico, como a Ford Motor Company, devem recuperar o propósito de seus fundadores e definir missões empresariais desafiadoras para melhorar a qualidade de vida dos indivíduos e mitigar os efeitos das mudanças climáticas do planeta. Só assim terão o reconhecimento dos consumidores e prosperarão nos negócios, assim como fizeram seus fundadores.

  • Como a IA pode ajudar nas pesquisas de opinião?

    Como a IA pode ajudar nas pesquisas de opinião?

    Os métodos tradicionais de pesquisas de opinião podem entregar errôneas premissas para análises de opinião de indivíduos e grupos. Esta complexa análise de opinião de indivíduos pode ser melhorada com o uso de técnicas de inteligência artificial (IA) associadas com neurociência e neuromarketing. O uso de sensores em torno da cabeça de uma pessoa captando suas ondas celebrais, técnica conhecida como eletroencefalograma (EEG), permite medir os padrões de atividade elétrica na área superior do cérebro. O EEG tem aplicação por exemplo em testes cegos, de fragrâncias por exemplo, substituindo os resultados de testes explícitos por testes implícitos. Associando os resultados do EEG com outras informações cognitivas, como movimento dos olhos e movimento dos músculos da face, podemos ter resultados bem mais precisos que os métodos tradicionais, com investimentos similares.

    Imagine você andando na avenida Paulista em São Paulo e ser abordado por um entrevistador perguntando se você tem “um minutinho” para responder uma pesquisa. Como você tem tempo de sobra para o seu próximo compromisso e deseja tomar um pouco mais de Sol, resolve aceitar. O entrevistador começa com algumas perguntas para tentar classificá-lo em algum grupo de consumidores (por renda, escolaridade, idade, profissão etc.), depois começa perguntas sobre um determinado produto inovador que você nunca pensou em ter. Você pode até achar interessante, mas o produto não ativa seu desejo emocional de compra. Como o “minutinho” já se tornou vários minutos, você se apressa nas respostas para concluir o mais rápido possível a entrevista. As chances de a pesquisa não refletir a opinião do entrevistado são grandes.

    Estas pesquisas são realizadas presencialmente, abordando pessoas em pontos de fluxo. O primeiro ponto a comentar é como são selecionados os entrevistados pelos entrevistadores. Por melhor que seja o treinamento, a pesquisa fica na seleção do entrevistador que pode, inconscientemente, eliminar alguns potenciais entrevistados por questões pessoais. Outra questão é se o potencial entrevistado recusa a entrevista por falta de empatia com o entrevistador. Entrevistas em calçadas estão sujeitas a todo o tipo de distrações (conversas de outras pessoas, ruídos de veículos, celulares etc.) prejudicando a concentrado do entrevistado e abrindo margem para erros de interpretação das perguntas. Se o entrevistado conhece o assunto os resultados serão úteis, caso contrário, os dados terão utilidade limitada.

    Agora imagine outra situação. Entrevistas por telefone. As entrevistas podem ser para telefones fixos ou para celulares. O primeiro desafio para os entrevistadores é a pessoas atender um número desconhecido, temendo ser um trote ou alguém querendo vender alguma promoção imperdível. Vencida esta etapa, depois de várias tentativas, o entrevistador se apresenta e convida a pessoa para a entrevista. Para fazer a classificação do entrevistado são necessárias algumas perguntas básicas, como já vimos: renda, escolaridade, idade e profissão. A questão é: quem hoje passa informações privadas para um desconhecido que sabe seu telefone? Vamos imaginar que a pessoa de boa-fé, sem conhecer os riscos de passar estas informações, aceite a entrevista. Como não existe o contato pessoal entre o entrevistado e o entrevistador, parte da comunicação é perdida. Como sabemos, 80% da comunicação é corporal. Da mesma forma que a técnica de entrevistas por ponto de fluxo, a qualidade dos resultados das entrevistas por telefone pode ser prejudicada.

    Outra técnica de pesquisa é o uso de formulários eletrônicos via Internet. A vantagem destes formulários é que o entrevistado responde no horário e no ambiente mais adequado para ele, sem a pressão de um entrevistador. Entretanto, o desafio é motivar as pessoas a responder os formulários, sem um bom incentivo. A maioria das redes sociais oferecem uma função para fazer enquetes que pode ser utilizada para pesquisas de forma simples e eficiente para uma comunidade selecionada. Para aumentar as respostas dos formulários algumas empresas recompensam os entrevistados de alguma forma.

    Outra técnica é o focus group, pesquisa com grupos de 8 a 12 pessoas selecionadas de acordo com o produto a ser pesquisado ou grupos heterogêneos. O grupo é reunido em uma sala com câmeras e debatem um tema proposto por um moderador de forma livre. Normalmente, os entrevistados são remunerados.

    Como vimos, as técnicas tradicionais apresentam várias limitações que influenciam as análises estatísticas e os resultados acabam sendo baseados na intuição e experiência dos especialistas em pesquisas.

    O risco dos resultados imprecisos das pesquisas é que elas são utilizadas para tomadas de decisão de lançamento de produtos, de investimentos ou para revelar a “opinião pública” de um assunto polêmico para a sociedade.

    O sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002) defendia em seus artigos que a “opinião pública”, simplesmente, não existe. A opinião é do indivíduo e a “opinião pública” é o resultado de um conjunto limitado de opiniões. Por exemplo, um casal em loja de sapatos com opiniões divergentes ou convergentes sobre determinados sapatos é uma “opinião pública”.

    Desta forma, as opiniões coletadas na avenida Paulista são do grupo de indivíduos que tem tempo para responder a uma entrevista na calçada, que foram selecionados pela empatia do entrevistador com o entrevistado de forma recíproca, sob determinadas condições climáticas, com riscos de interpretação das questões e, com ou sem familiarização com tema da entrevista.

    O mesmo para as entrevistas por telefone. O grupo são de pessoas que atendem chamadas de números desconhecidos, que não possuem restrições em passar informações privadas para estranhos e com tempo para responder a pesquisa.

    Em ambos os casos, extrapolar os resultados destas pesquisas para um público mais amplo pode ferir o código de ética de melhores práticas de marketing e pesquisa social, como o da Câmara Internacional de Comércio (ICC) e da Sociedade Europeia para Pesquisa de Opinião e Mercado).

    No Brasil, a pesquisa de opinião sobre pleitos eleitorais é regida pela Lei da Eleições n˚ 9.504/1997, que no seu Art. 33 obriga as entidades e empresas que realizam pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, a registrar a pesquisa à justiça eleitoral até cinco dias antes da divulgação com informações sobre quem contratou a pesquisa, a origem dos recursos, a metodologia, plano amostral e ponderação quanto a sexo, idade, grau de instrução, nível econômico e área física de realização do trabalho, intervalo de confiança, questionário completo e quem pagou pelo trabalho. A legislação também cobre pesquisas realizadas em ferramentas como o WhatsApp e assemelhadas (Telegram, Viber, Hangouts, Skype, Chaton, Line, Wechat, Groupme). Infelizmente, a legislação não exige que as empresas de pesquisa informem os insucessos de contato com os entrevistados, dados que mostrariam o universo de pessoas que se negaram a responder as pesquisas, informação relevante para as análises.

    Como a IA pode ajudar nas pesquisas de opinião

    Não tenho dúvidas que as empresas de comércio eletrônico, como a Amazon e Mercado Livre, conhecem melhor a opinião dos consumidores sobre produtos que os próprios fornecedores. Empresas como Google e Facebook conhecem melhor o perfil dos eleitores de cada país que atuam do que os partidos políticos e governos. Estas empresas coletam montanhas de dados de seus usuários e podem com ferramentas de inteligência artificial (IA) identificar padrões de comportamento dos consumidores muito precisos. Por exemplo, quantas vezes um consumidor acessou um determinado produto, com quantos produtos similares ele comparou e o que o motivou a comprar um deles. Estas informações, provavelmente, não são do conhecimento dos fornecedores dos produtos. Estas empresas conseguem identificar tendências de crescimento de vendas de certos tipos de produtos e produtos substitutos de campeões de vendas. Seus algoritmos de machine learning conseguem identificar mudanças de comportamento dos consumidores com antecedência. O Linkedin tem informações sobre as atividades profissionais de milhões de profissionais e consegue, se quiser, avaliar o potencial de compra de cada um em diferentes momentos de vida. Tudo isto respeitando a LGPD – Lei Geral de Privacidade de Dados Pessoais.

    O filme Brexit, com o ator Benedict Cumberbatch, mostra de forma marcante as diferentes entre os métodos tradicionais de pesquisa e os novos métodos utilizando IA. Enquanto os políticos favoráveis pela permanência do Reino Unido na comunidade europeia contrataram uma empresa de pesquisa que utilizava métodos tradicionais, com pesquisas por telefone e focus group, os defensores da saída do Reino Unido contrataram uma empresa de IA, a Cambridge Analytica, com poucos analistas trabalhando amontoados em uma pequena sala, utilizando algoritmos de IA. O resultado, como sabemos, a vitória foi pela saída do Reino Unido da comunidade europeia. O filme mostra como a equipe de IA conseguia, praticamente em tempo real, identificar o comportamento dos eleitores e reagir rapidamente com ações, algumas polêmicas, para mudar a opinião de eleitores e motivá-los a irem as urnas de votação. Enquanto isso, a empresa de pesquisa contratada pelos defensores da permanência demorou muito tempo para identificar as mudanças, confusos com os resultados das pesquisas que levavam dias para serem concluídas. Quando se deram conta do cenário real foi tarde demais.

    Para uso efetivo de dados para análises do comportamento dos consumidores e para pesquisas de opinião sobre produtos e serviços as empresas devem ser proprietárias de seus dados, evitando problemas com a LGPD. Para isto, é necessária uma estratégia de marketing digital bem elaborada utilizando conceitos de neuromarketing, gerenciada por neurodesigners e cientistas de dados.

    O neuromarketing une dois conceitos: neurologia e marketing. Os neurodesigners utilizam conceitos de neurociência e da psicologia para compreender como o subconsciente das pessoas age nos processos de tomada de decisão e criar ações e mensagens que cativem os clientes da melhor forma. Os estudo são apoiados por tecnologias que avaliam o comportamento humano e ondas cerebrais nas escolhas e tomadas de decisão.

    Com o apoio de sistemas de aprendizagem de máquina – machine learning – é possível desenhar e analisar a efetividade de campanhas de marketing. Por exemplo, depois de concluído o design de um projeto de website, o designer submete as páginas a um software de IA para predizer os resultados junto aos consumidores. Usando um software de neuroteste preditivo (PNT) – predictive neuro test – é verificado o design e apresentado as previsões das prováveis reações dos usuários. Todos os testes de atenção, imagens e textos são verificados para avaliar se conseguem atrair a atenção dos usuários. Em seguida, o software testa a fluência do design, ou seja, a facilidade com que os usuários irão compreender o conteúdo. O software pode sugerir mudanças para simplificar o design para facilitar a compreensão dos usuários. Em seguida, o software analisa as imagens faciais incluídas no design, identificando os níveis de emoções retratadas nas expressões fisionômicas. Este feedback é importante para avaliar se os rotos das imagens sejam emocionalmente envolventes, para que os usuários sintam algumas das mesmas emoções. Se alguma imagem com rosto apresenta algum problema, o software altera sutilmente a forma e a posição do rosto.

    O uso de codificação de ação facial – ou FAC (Facial Action Coding) – pode reconhecer a expressão de quaisquer emoções, em tempo real, analisando vídeos de rostos de pessoas e identificando os movimentos musculares que controlam cada emoção diferente.

    Para garantir a efetividade do design, o designer convida uma seleção aleatória de usuários para um teste, simulando um focus group, onde cada convidado liga sua webcam para uma análise remota de suas expressões faciais à medida que ele navega pelo novo site. No final, você remunera o convidado com um valor previamente negociado. Com a aplicação de testes A/B é possível selecionar o melhor design para a campanha.

    Existem extensos estudos que ajudam a compreender por que as pessoas reagem de diferentes formas aos designs, analisando imagens de computador, avaliando como os consumidores gastam o dinheiro e através da psicologia evolucionista, que tenta explicar os comportamentos que herdamos dos nossos ancestrais para sobreviver.

    Através das pesquisas dos psicólogos Keith Stanovich, Rechard West e Daniel Kahneman entendemos que o nosso cérebro cria atalhos para reagir com rapidez em situações de incertezas, conhecido como Sistema 1, onde apoia-se no reconhecimento de padrões e regras práticas imperfeitas, mas rápidas, provocando reações intuitivas e impulsivas, em vez de respostas racionais e ponderadas. Já o Sistema 2 para tomada de decisões, descritos pelos psicólogos, é mais lento e mais esforçado, normalmente acionado pelo cérebro quando percebemos que o Sistema 1 é ineficaz para uma determinada situação.

    Como podemos perceber as pesquisas de opinião são muito mais complexas que possam parecer e requerem sistemas sofisticados de análise, hoje possíveis através de inteligência artificial.

    Conclusão

    Os avanços da neurociência e das tecnologias de inteligência artificial tornaram obsoletas as técnicas tradicionais de pesquisa de opinião, como entrevistas de ponto de fluxo, por telefone, focus group e por formulários. As novas técnicas buscam compreender como o subconsciente das pessoas funciona, baseado em análises de codificação de ação facial, psicologia evolucionista e funcionamento do cérebro para a tomada de decisões.

    Estes estudos nos ajudam a entender as características da mente humana, permitindo aperfeiçoar nossas pesquisas de opinião e obter resultados mais precisos e efetivos para nossas tomadas de decisão.

  • Adaptabilidade a cultura regional é fundamental para produtos globais

    Adaptabilidade a cultura regional é fundamental para produtos globais

    Um negócio só se torna escalável se os produtos se adaptarem as diversas culturas regionais. Os avanços tecnológicos aplicados aos produtos e as técnicas de marketing só são efetivos se forem incorporados pelos consumidores. Se estas hipóteses estiverem corretas, os produtos devem ser como camaleões, transformando-se, dinamicamente, para se compatibilizarem com as culturas regionais, chegando ao limite de ser adaptável a cada consumidor. Aqui entra a importância da inteligência artificial (IA) para reconhecer o perfil de cada consumidor, a abordagem de marketing e as funcionalidades dos produtos e serviços.

    O cenário ideal seria se os consumidores pensassem da mesma forma e tivessem os mesmos desejos. Desta forma, um produto ou serviço desenvolvido em um país seria aceito globalmente com uma incrível escalabilidade. Felizmente, isto não acontece e temos que localizar os produtos para atender as diversidades locais. Aliás, o mundo seria muito chato se todos pensassem da mesma, embora, muito desejem isto.

    Produtos e serviços auto-adaptáveis

    Os melhores produtos são aqueles auto-adaptáveis, como o Facebook, Instagram, WhatsApp, Twitter, Spotify, Uber, Netflix e Linkedin.  Estes serviços precisam ser customizados para atender a legislação local e diferenças expressivas das culturas locais, mas do ponto de vista dos consumidores as diferenças são mínimas. Isso vale para o hardware de computadores, smartphones e alguns wearables.

    O caso do Tinder na Índia

    O caso do Tinder, um site de paquera, é um exemplo de adequação para atender uma cultura regional a partir de reivindicações dos usuários. O aplicativo na Índia implementou 23 opções de gênero para os membros da comunidade transgênero não binárias, hijra e kothi (identidade cultural indiana que se refere aos gêneros a partir das hierarquias). Entretanto, o fato de o Tinder operar na Índia já é por si uma grande transformação na cultura indiana que, embora proibida pela legislação, ainda existe a cultura de castas sociais, uma das formas mais antigas de estratificação social que divide os hindus em rígidos grupos hierárquicos, e o aplicativo permite que pessoas de diferentes castas possam interagir.

    Estratégias para adaptar produtos e serviços aos consumidores

    Ter um produto ou serviço 100% escalável é muito difícil e caro, pois exige operação local para atender a legislação local e adaptações culturais. O desafio passa a ser como selecionar as regiões para atuar com o mínimo de adaptação possível.

    Uma das alternativas é identificar regiões onde seus habitantes tenham o mesmo traço psicológico, como sugere Richard Florida em seu livro Who’s yours city? O livro discute os perfis psicológicos das regiões urbanas, de acordo com os traços de personalidade dominantes das pessoas que ali vivem. Por exemplo, a área metropolitana de Nova York e a área de ChiPitts, megalópole dos Grandes Lagos, têm a maior concentração nos Estados Unidos de pessoas cujo traço de personalidade dominante é o neuroticismo. Indivíduos com alto índice de neuroticismo são mais propensos do que a média a serem mal-humorados e a experimentar sentimentos como ansiedade, preocupação, medo, raiva, frustração, inveja, ciúme, culpa, humor depressivo e solidão. Conhecendo estas características é possível adaptar as abordagens de marketing, produto e serviços para serem compatíveis com estes indivíduos.

    Outra alternativa é, gradativamente, alterar a cultura das regiões alvo. Como já existe a cartilha global do politicamente correto, a proposta é intensificar as campanhas de evangelização das pessoas. Assim como na época da Inquisição na Idade Média e em regimes autoritários, criar movimentos nas redes sociais, imprensa e literatura para fazer as pessoas pensarem da forma que interessa a governos, empresas e políticos, transformando seus hábitos e costumes. Uma vez destruída a cultura local, o domínio é completo por um longo período.

    Algumas mudanças culturais levam a infelicidade para as pessoas. Lembro que na juventude, quando passa o verão nas praias do Mediterrâneo encontrava muitos finlandeses, suecos e dinamarqueses. Alguns chegavam a fechar seus negócios no verão para desfrutar a praia. Na época, muitos reconheciam que este hábito de fechar os negócios estava no fim devido a globalização, que obrigava os negócios a acompanhar o ritmo global. Entretanto, em países onde as taxas de suicídio são altas, este estilo de vida é fundamental para reduzir a depressão. Também, lembro da rotina dos catalães em Barcelona na Espanha, onde a rotina de trabalho era iniciar o trabalho às 9-10 horas da manhã, um intervalo às 11h30, almoço as 14 horas, retorno às 16 horas e término por volta das 20 horas. Depois, por volta das 22 horas o pessoal lotava os restaurantes até a 1 hora da manhã. Coisa que a globalização está transformando.

    Por outro lado, em Madri, desde 2016, a Iberdrola concordou com seus funcionários, cerca de 9.000 trabalhadores, em universalizar a jornada intensiva: trabalhar de 7h15 até 14h50 com 45 minutos de flexibilidade à hora de entrar ou sair todos os dias do ano. Anos depois, os estudos mostraram que houve aumento da produtividade e redução de acidentes de trabalho.

    Acredito que a melhor alternativa é agir como os romanos na antiguidade que após dominarem uma região, deixavam líderes locais simpatizantes do império manterem as tradições e cultura de seus povos, inclusive religiosas. Era mais fácil manter o domínio desta forma, pois não tinham recursos militares suficientes para forçar a conversão para a cultura romana. O preço foi a forte influência que os povos dominados tiveram na cultura romana com o passar do tempo.  

    Uso de inteligência artificial para adaptar produtos e serviços aos consumidores

    Na estratégia de adaptar seu produto ou serviço as culturas regionais a inteligência artificial é fundamental, para reconhecer padrões, adaptar as abordagens de marketing e as características dos produtos e serviços.

    O marketing digital é importante para coletar informações dos consumidores, respeitando a legislação de privacidade de dados pessoais, para identificar perfis psicológicos de cada região, assim como sugeriu Richard Florida. Mapeado os perfis por região, dentro e fora do país, passa-se a redefinir modelos de abordagem de marketing e características de produtos que sejam aderentes aos perfis das regiões alvo.

    Com o mundo está em movimento, valendo para as mudanças culturais, constantemente, as informações devem ser atualizadas, por isso da importância da implementação de aplicações que implementam aprendizagem de máquina – Machine Learning.