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Think tank independente com foco em energia, tecnologia e tendências globais. Análises para apoiar decisões estratégicas com visão de impacto.

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Autor: Eduardo Fagundes

  • CITEENEL 2025: Transição Energética no Brasil e Oportunidades Estratégicas

    CITEENEL 2025: Transição Energética no Brasil e Oportunidades Estratégicas

    Sumário Executivo

    O CITEENEL 2025, realizado em Manaus entre os dias 17 e 19 de setembro, consolidou-se como um dos fóruns mais relevantes sobre inovação, regulação e futuro da energia no Brasil. Reunindo reguladores, executivos, investidores, acadêmicos e representantes da sociedade civil, o evento foi marcado pela pluralidade de visões e pela clareza de que a transição energética deixou de ser uma tendência para se tornar uma agenda imediata.

    Os debates mostraram que o setor elétrico brasileiro não pode mais se restringir ao papel tradicional de fornecimento de energia. O desafio, agora, é transformar inovação em competitividade, integrando inteligência artificial, digitalização, armazenamento, hidrogênio verde, eletrificação industrial e justiça energética em um mesmo movimento.

    A ANEEL reforçou sua posição como centro de gravidade regulatório, enquanto empresas de geração, transmissão e distribuição mostraram disposição em se reinventar como plataformas de inovação. Investidores e startups se apresentaram como aceleradores de mudança, e as universidades reafirmaram seu papel de ponte entre ciência e mercado. As comunidades locais, em especial na Amazônia, foram lembradas como atores indispensáveis para a construção de legitimidade e justiça social.

    Do ponto de vista estratégico, o evento deixou três mensagens principais para conselhos e alta gestão:

    1. A transição energética precisa ser tratada como prioridade de negócio, não apenas como exigência regulatória.
    2. O sucesso dependerá da capacidade de integração entre stakeholders, combinando capital, ciência e governança.
    3. O Brasil tem condições singulares para se tornar líder global em energia sustentável — mas a janela de oportunidade não permanecerá aberta por muito tempo.

    Ao final, o CITEENEL 2025 se posiciona não apenas como um espaço de debate, mas como um chamado à ação. O futuro da energia será moldado por aqueles que souberem agir agora, transformando risco em oportunidade e inovação em valor tangível para empresas, investidores e sociedade.

    Tabela-Resumo de Prioridade

    Tema EstratégicoMensagem CentralRecomendação Executiva
    Inteligência Artificial & DadosQualidade dos dados é fator crítico para decisões corretas.Exigir governança de dados e vincular IA a ganhos de eficiência.
    Armazenamento (BESS)Elemento-chave para confiabilidade e arbitragem de energia.Investir em pilotos modulares e PPAs estruturados.
    Eletrificação IndustrialOportunidade de competitividade, mas com alto CAPEX.Priorizar processos maduros, contratos renováveis e pilotos.
    Hidrogênio VerdeNichos já viáveis na substituição do hidrogênio cinza.Apoiar clusters industriais e reduzir custos logísticos.
    Eficiência Energética (PEE)Revisão regulatória em curso amplia escopo e métricas.Alinhar projetos a critérios socioambientais e de inovação.
    P&D / PDIExcesso de relatórios sem saída de mercado.Adotar gestão de portfólio e métricas de risco-retorno.
    Justiça EnergéticaInclusão social como fator de legitimidade.Integrar métricas de impacto social e engajamento comunitário.

    Introdução

    Participei do Congresso de Inovação Tecnológica em Energia Elétrica — CITEENEL 2025, realizado em Manaus entre os dias 17 e 19 de setembro, que reuniu representantes do governo, reguladores, utilities, startups, investidores, universidades e organizações da sociedade civil para discutir o futuro da energia no Brasil. O evento, organizado pela ANEEL em parceria com instituições públicas e privadas, consolidou-se como o principal fórum nacional sobre Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P&D&I) e Eficiência Energética no setor elétrico.

    A escolha da Amazônia como palco não foi casual: reforça a centralidade da região na agenda energética, destacando seus desafios logísticos e sociais, mas também seu enorme potencial como laboratório vivo para soluções de transição energética, eletrificação descentralizada e projetos de impacto socioambiental. A dinâmica do encontro combinou sessões de alto nível no Palco Principal, painéis temáticos de inovação na Arena Plug and Play e visitas técnicas às instalações locais, permitindo tanto reflexões estratégicas quanto contato direto com experiências de campo.

    O presente relatório é direcionado a conselheiros, executivos C-level e lideranças estratégicas do setor elétrico e correlatos. A proposta é compartilhar minha percepção crítica sobre os debates realizados, conectando os conteúdos do evento com as tendências globais e nacionais em energia, inovação e sustentabilidade. Mais do que relatar a agenda, busco extrair implicações práticas, riscos e oportunidades que podem orientar decisões de investimento, governança e posicionamento competitivo das organizações.

    Objetivo do Documento

    Este relatório tem como objetivo compartilhar insights e percepções estratégicas a partir da minha participação no CITEENEL 2025, realizado em Manaus entre 17 e 19 de setembro. O documento não pretende ser um registro exaustivo da programação, mas sim uma análise curada dos principais tópicos abordados no evento, com ênfase em como eles podem influenciar decisões de conselhos de administração e da alta gestão no setor elétrico e em áreas correlatas.

    Assim, a proposta é:

    • Traduzir os debates técnicos e regulatórios em linguagem executiva.
    • Destacar os temas emergentes e tendências globais com impacto direto no Brasil.
    • Identificar oportunidades e riscos estratégicos discutidos nos painéis, na Arena Plug and Play e nas visitas técnicas.
    • Oferecer uma visão integrada que permita aos conselheiros e executivos antecipar movimentos do setor e posicionar suas organizações de forma competitiva e responsável.

    Estrutura do Relatório

    Para cumprir esse objetivo, o relatório está organizado da seguinte forma:

    1. Introdução — contextualização do evento, sua importância e público-alvo.
    2. Objetivo do Documento — explicação da finalidade e do escopo desta análise
    3. Visão Geral do Evento – apresenta os conceitos dos eixos temáticos do evento.
    4. Temas Estratégicos — síntese dos tópicos centrais tratados no evento, estruturados em blocos.
    5. Mapa de Stakeholders — identificação dos atores-chave (reguladores, utilities, startups, investidores, academia, comunidades) e relevância estratégica.
    6. Oportunidades — consolidação dos principais vetores identificados durante o evento.

    Este relatório não é técnico-operacional, mas sim um documento de insights estratégicos, pensado para apoiar conselhos e alta gestão na leitura crítica das tendências energéticas e de inovação destacadas no CITEENEL 2025.

    Visão Geral do Evento

    O CITEENEL 2025, realizado em Manaus entre 17 e 19 de setembro, reafirmou seu papel como o fórum mais relevante do setor elétrico brasileiro para debater inovação, eficiência energética e transição justa. Organizado pela ANEEL, o evento reuniu atores-chave de todo o ecossistema: reguladores, empresas de geração, transmissão e distribuição, startups, investidores, universidades, representantes governamentais e organizações sociais.

    A escolha da Amazônia como sede deu um tom simbólico ao encontro. Ali se encontram os maiores desafios estruturais do setor — perdas elevadas, dificuldade logística, baixa inclusão energética —, mas também o maior potencial de transformação. A região funciona como “campo de prova” para soluções que, se bem-sucedidas ali, podem ser escaladas para o resto do país.

    O formato combinou três dimensões complementares:

    • Palco Principal, com debates institucionais de alto nível e trocas internacionais de experiências.
    • Arena Plug and Play, espaço para inovação aberta, startups e modelos de negócio disruptivos.
    • Visitas Técnicas, que proporcionaram contato direto com a realidade da operação local, trazendo o olhar prático para dentro do debate estratégico.

    Esse mosaico de discussões se organizou em eixos temáticos que refletem, de forma direta, os pontos de inflexão do setor elétrico. Cada eixo representa um conceito fundamental, possui uma importância atual que já impacta decisões corporativas, e traz uma relevância estratégica que precisa estar na pauta de conselhos e alta gestão.

    Conceitos dos Eixos Temáticos

    Para facilitar a compreensão, abaixo seguem explicações resumidas de cada eixo que estruturou o evento:

    Eixo TemáticoConceito e Importância Atual
    Transição Energética e DescarbonizaçãoProcesso de substituir combustíveis fósseis por fontes renováveis e tecnologias limpas, reduzindo emissões de gases de efeito estufa. É central para a competitividade internacional e acesso a financiamentos verdes.
    Eficiência Energética e PEEConjunto de ações para consumir menos energia mantendo o mesmo resultado produtivo. O PEE (Programa de Eficiência Energética da ANEEL) exige que distribuidoras invistam em projetos que reduzam desperdícios e custos.
    P&D e Inovação (PDI Mercado)Projetos de Pesquisa e Desenvolvimento regulados pela ANEEL. O desafio atual é transformar pesquisas em produtos, serviços e negócios reais, evitando que fiquem restritos a relatórios acadêmicos.
    Justiça Energética e EquidadeIdeia de que a transição energética só será legítima se garantir acesso universal, preços justos e benefícios também para comunidades vulneráveis, reduzindo desigualdades regionais.
    Digitalização e Smart GridsUso de tecnologias digitais e redes inteligentes para medir, controlar e automatizar o sistema elétrico. Permite reduzir perdas, melhorar confiabilidade e integrar energia solar e eólica.
    Armazenamento de Energia (BESS)Uso de baterias e outras tecnologias para guardar energia e utilizá-la quando necessário. É fundamental para equilibrar oferta e demanda em sistemas com alta presença de renováveis.
    Hidrogênio Verde (HV)Hidrogênio produzido a partir de fontes renováveis, sem emissão de carbono. Considerado vetor de descarbonização para indústrias pesadas e possível produto de exportação para o Brasil.
    Eletrificação IndustrialSubstituição de combustíveis fósseis por eletricidade em processos produtivos (como fornos, caldeiras e transporte interno). Gera ganhos de eficiência e redução de emissões.
    Venture Capital e Novos Modelos de NegócioInvestimentos de risco em startups e empresas inovadoras que desenvolvem soluções para energia limpa, digitalização e eficiência. É o motor que acelera a transição e pressiona o setor a inovar.

    Eixos Temáticos do CITEENEL 2025

    Eixo TemáticoRelevância Estratégica
    Transição Energética e DescarbonizaçãoReduzir emissões, alinhar-se a compromissos climáticos e manter competitividade internacional.
    Eficiência Energética e PEECumprimento regulatório, redução de custos e inovação em edificações e processos industriais.
    P&D e Inovação (PDI Mercado)Pressão crescente para transformar projetos regulados em produtos comercializáveis e escaláveis.
    Justiça Energética e EquidadeInclusão social como parte indissociável da transição energética, com impactos reputacionais e regulatórios.
    Digitalização e Smart GridsRedes inteligentes e automação como pilares da redução de perdas e aumento da confiabilidade.
    Armazenamento de Energia (BESS)Solução crítica para flexibilidade, arbitragem energética e integração de renováveis.
    Hidrogênio VerdeAplicações industriais emergentes e potencial de exportação, exigindo decisões rápidas sobre investimentos.
    Eletrificação IndustrialSubstituição de combustíveis fósseis em processos produtivos, com impacto direto em competitividade.
    Venture Capital e Novos Modelos de NegócioCapital privado como catalisador de inovação, estimulando startups e novas parcerias.

    A importância dos eixos temáticos

    Cada eixo temático abordado no evento reflete um ponto de inflexão atual do setor elétrico brasileiro, com impacto direto sobre conselhos de administração e C-levels. Não se trata de uma agenda futura: são temas que já influenciam a governança corporativa, os investimentos e a reputação das empresas.

    • Transição Energética e Descarbonização deixaram de ser um debate climático abstrato para se tornarem drivers de mercado, influenciando acesso a capital, licenciamento de projetos e competitividade global.
    • Eficiência Energética e o PEE da ANEEL evoluíram de obrigação regulatória para oportunidade estratégica, especialmente em edificações e processos industriais intensivos em energia.
    • P&D e Inovação passam por um divisor de águas: o foco agora é sair da esfera acadêmica ou experimental e alcançar o mercado, reduzindo o chamado “vale da morte” da inovação.
    • Justiça Energética e Equidade ganham relevância diante da necessidade de ampliar o acesso, especialmente em regiões isoladas, tornando-se pilar de reputação e de licença social para operar.
    • Digitalização e Smart Grids são essenciais para enfrentar perdas não técnicas, aumentar confiabilidade e integrar fontes renováveis variáveis.
    • Armazenamento de Energia (BESS) surge como a tecnologia-chave para flexibilizar o sistema, viabilizar arbitragem e garantir estabilidade em cenários de alta penetração renovável.
    • Hidrogênio Verde avança como vetor de descarbonização industrial e de exportação energética, exigindo decisões de alocação de capital e definição de modelos de negócio.
    • Eletrificação Industrial representa uma mudança estrutural, ao substituir combustíveis fósseis em setores intensivos, reduzindo emissões e aumentando eficiência.
    • Venture Capital e novos modelos de negócio se afirmam como catalisadores da inovação, financiando soluções escaláveis e pressionando empresas estabelecidas a inovar em maior velocidade.

    Eixos Temáticos Consolidados

    Eixo TemáticoConceitoImportância AtualRelevância Estratégica
    Transição Energética e DescarbonizaçãoProcesso de substituir combustíveis fósseis por renováveis e tecnologias limpas.Resposta a compromissos climáticos e condição de acesso a capital internacional.Define competitividade global das empresas e países nos próximos 10 anos.
    Eficiência Energética e PEEReduzir consumo sem perda de desempenho, regulado pela ANEEL.De obrigação legal passou a vetor de inovação em indústria e edificações.Impacta margens operacionais e é instrumento de compliance regulatório.
    P&D e Inovação (PDI Mercado)Projetos regulados de pesquisa que devem gerar produtos reais.Pressão crescente para superar o “vale da morte” da inovação.Relevância crítica para diversificação de receitas e retorno de investimentos.
    Justiça Energética e EquidadeGarantir acesso universal, preços justos e benefícios sociais.Ganha força diante da desigualdade regional e da vulnerabilidade amazônica.Central para reputação, ESG e licença social para operar.
    Digitalização e Smart GridsRedes elétricas inteligentes e automatizadas com medição digital.Resposta urgente às perdas elevadas e integração de renováveis.Reduz custos sistêmicos, melhora confiabilidade e atrai investidores.
    Armazenamento de Energia (BESS)Uso de baterias e sistemas para guardar energia.Já presente em pilotos e projetos comerciais, viabiliza arbitragem.Pilar da flexibilidade sistêmica e da expansão renovável.
    Hidrogênio Verde (HV)Hidrogênio produzido a partir de fontes renováveis.Ganha espaço como insumo industrial e oportunidade de exportação.Vetor estratégico de posicionamento do Brasil no mercado global de energia limpa.
    Eletrificação IndustrialTroca de combustíveis fósseis por eletricidade nos processos produtivos.Aumenta eficiência e reduz emissões em setores intensivos em energia.Diferencial competitivo e resposta a pressões regulatórias internacionais.
    Venture Capital e Novos Modelos de NegócioInvestimento de risco em startups e tecnologias emergentes.Catalisa inovação e acelera soluções de transição energética.Pressiona utilities e indústrias a inovar mais rápido e formar parcerias.

    O CITEENEL 2025 mostrou que os eixos temáticos não são apenas tendências futuras, mas questões já presentes no dia a dia das empresas e reguladores. Cada um deles demanda posicionamento estratégico imediato, tanto para mitigar riscos quanto para aproveitar oportunidades de liderança no setor energético brasileiro.

    Temas Estratégicos

    Inteligência Artificial (IA) no Setor Elétrico

    O painel dedicado à IA mostrou que essa tecnologia já está saindo da fase conceitual e ganhando aplicações concretas.  O presidente do Lactec, Maximiliano Orfali, destacou que a integração entre inteligência artificial e internet das coisas (IoT) está gerando soluções inovadoras que aumentam a eficiência, a segurança e a sustentabilidade dos sistemas energéticos.  Ele citou o robô Lacbot, desenvolvido dentro do programa de P&D da ANEEL, que utiliza IA para transformar a operação e manutenção de subestações de alta tensão .  Outro ponto enfatizado foi que IA, aliada a sensores e digitalização, permite monitorar recursos naturais, automatizar operações e melhorar a previsibilidade da geração centralizada e descentralizada .  As discussões também abordaram aplicações como prevenção de falhas (monitoramento em tempo real e manutenção preditiva), melhora do atendimento ao cliente com chatbots 24/7, previsão de demanda e otimização de serviços, aceleração de P&D via análise avançada de dados e automação de processos (simulação de cenários e modelagem de sistemas).  O professor Walmir Freitas (Unicamp) sugeriu substituir o termo “inteligência artificial” por ciência de dados, argumentando que isso amplia a visão de uso de dados e reforça que não basta ter algoritmos sofisticados: “é melhor não ter dados do que dados ruins”, pois dados de má qualidade levam a decisões erradas.  Segundo ele, o Brasil tem competências que o colocam em igualdade com países avançados, mas ainda está atrasado em algumas áreas.

    Implicações estratégicas 

    Para os conselhos de administração, a principal mensagem é que IA e ciência de dados deixarão de ser diferenciais e se tornarão requisitos operacionais.  A digitalização dos ativos e a implantação de sistemas de gestão avançada (ADMS, que substituem os antigos SCADA) exigem investimento em sensores, automação de subestações e infraestrutura de comunicação robusta.  A visão de Walmir Freitas reforça que governança de dados é tão importante quanto a própria tecnologia: sem qualidade na coleta e curadoria, algoritmos sofisticados podem gerar decisões equivocadas.  Do ponto de vista competitivo, as empresas brasileiras estão no mesmo patamar tecnológico de players internacionais em algumas aplicações, mas precisam acelerar a adoção de soluções de IA para não ficarem atrás em áreas como otimização de portfólio, gestão de demanda e integração de renováveis.  A integração IA + IoT demonstrada pelo Lacbot mostra que o valor está na combinação de hardware, sensores e software, sugerindo oportunidades para parcerias com startups e institutos de pesquisa.  Além disso, a discussão deixou claro que dados e algoritmos passarão a ser ativos estratégicos: empresas que dominarem ciência de dados conseguirão reduzir custos, melhorar a confiabilidade e oferecer novos serviços aos clientes.

    Riscos & mitigação 

    Os riscos foram destacados de forma explícita:

    • Qualidade dos dados – como alertou Walmir Freitas, dados imprecisos ou incompletos levam a decisões erradas.  Mitigação: adotar programas de qualidade e governança de dados desde a coleta, com processos de validação e auditoria contínua.
    • Segurança cibernética – a digitalização amplia a superfície de ataque.  Mitigação: investir em cibersegurança, segmentação de redes e protocolos de segurança específicos para OT (Operational Technology).
    • Dependência de fornecedores externos – depender de soluções proprietárias de IA pode gerar lock‑in tecnológico.  Mitigação: desenvolver competências internas de ciência de dados e adotar plataformas abertas quando possível.
    • Regulação e ética – algoritmos podem violar privacidade ou discriminar usuários.  Mitigação: seguir normas de proteção de dados e elaborar códigos de ética para IA, garantindo transparência e responsabilidade.

    Decisões recomendadas

    Conselhos e alta gestão devem:

    • Investir em governança e qualidade de dados, estabelecendo políticas claras de coleta, armazenamento, limpeza e uso.
    • Adotar uma estratégia de ciência de dados, criando equipes multidisciplinares que integrem engenheiros elétricos, cientistas de dados e especialistas em TI.
    • Modernizar sistemas de controle, migrando de plataformas SCADA para ADMS e incorporando sensores IoT, preparando-se para automação avançada.
    • Buscar parcerias com universidades e startups, como o exemplo do Lacbot, para acelerar a experimentação e reduzir custos de desenvolvimento.
    • Capacitar lideranças e equipes em conceitos de IA, ciência de dados e riscos associados, garantindo que as decisões estratégicas sejam baseadas em conhecimento sólido.
    • Acompanhar a evolução regulatória, incluindo os requisitos de P&D da ANEEL e as normas de proteção de dados, para assegurar conformidade e aproveitar incentivos disponíveis.

    Armazenamento de Energia (BESS)

    O painel sobre BESS mostrou que baterias são tão software quanto hardware.  O caso mais emblemático citado foi o projeto de 10 MWh da Vale no Terminal Ilha Guaíba (TIG), no Rio de Janeiro, onde um sistema de lítio aliado a software de controle reduz a demanda de energia em até 40 % e poderia abastecer 45 000 residências por uma hora.  A iniciativa foi apresentada como o primeiro projeto comercial de grande porte no país e exemplifica que baterias deixam de ser apenas backup para se tornarem ativos multifuncionais, fornecendo serviços ancilares, redução de custos e integração de renováveis.  Outro ponto discutido foi a rápida queda de preços: estudos preveem que o custo de armazenamento no Brasil caia cerca de 28 % até 2034, o que abre espaço para novas aplicações.  Os palestrantes enfatizaram que a “chave” do valor está no desenvolvimento de software: algoritmos e plataformas capazes de operar virtualmente redes de baterias – como VPPs (Virtual Power Plants) ou “Virtual Battery Systems” – serão determinantes para rentabilizar o BESS.  Mencionou‑se ainda que a indústria global de baterias é concentrada em poucos países (China, Coreia do Sul e Japão) e que, por razões de soberania e segurança, o Brasil deveria buscar desenvolver fábricas locais.  A cultura empresarial brasileira de entrar apenas quando uma tecnologia já é madura (“second mover”) foi criticada; o setor precisa experimentar desde já projetos pilotos e digital twins para não perder a curva de aprendizado.

    Implicações estratégicas 

    Para conselhos, a mensagem central é que armazenamento deixa de ser tendência e passa a ser pilar da transição energética.  À medida que os preços caem e a regulação se ajusta, baterias proporcionam flexibilidade sistêmica, viabilizam a arbitragem entre horários de tarifa, melhoram a qualidade de serviço e possibilitam receitas com serviços ancilares.  A experiência da Vale demonstra que grandes consumidores podem se tornar promotores de soluções BESS e que existe espaço para projetos tanto “front‑of‑the‑meter” quanto “behind‑the‑meter”.  Contudo, o valor está no software: sem plataformas digitais capazes de otimizar a operação de portfólios de baterias e integrar‑se a mercados de energia, o potencial de receitas fica limitado.  Além disso, a concentração da cadeia produtiva e a dependência de baterias importadas exigem estratégia de longo prazo para desenvolver manufatura local, seja por incentivos industriais ou parcerias internacionais.

    Riscos & mitigação 

    Os principais riscos identificados são:

    • Dependência de fornecedores externos – a concentração da produção de células na Ásia cria vulnerabilidade geopolítica.  Mitigação: estimular fábricas locais e desenvolver parcerias com fabricantes globais.
    • Obsolescência tecnológica – a rápida evolução da tecnologia pode tornar ativos atuais desatualizados.  Mitigação: adotar projetos modulares e escaláveis, com atualização de software ao longo da vida útil.
    • Regulação incipiente – a ausência de regras claras para serviços ancilares e armazenamento pode limitar monetização.  Mitigação: engajar‑se com a ANEEL e acompanhar os sandboxes tarifários para modelar casos de negócio.
    • Cibersegurança e confiabilidade dos dados – sistemas de gestão de baterias altamente digitalizados são alvos potenciais.  Mitigação: implementar governança de dados e práticas de segurança semelhantes às recomendadas para IA.

    Decisões recomendadas 

    Conselhos e alta gestão devem:

    • Acompanhar de perto projetos de BESS em andamento, como o da Vale e iniciativas de P&D de usinas virtuais, para avaliar modelos replicáveis.
    • Investir em competências de software e digitalização, buscando parcerias com fornecedores de plataformas de VPP e desenvolvendo digital twins para monitorar e otimizar a vida útil das baterias.
    • Participar de fóruns regulatórios para influenciar o desenho dos sandboxes tarifários e defender a remuneração de serviços ancilares.
    • Analisar a viabilidade de manufatura local ou joint ventures, considerando que soberania energética e exigências de setores estratégicos (como segurança e defesa) podem impulsionar a criação de fábricas de células no Brasil.
    • Planejar BESS como parte do portfólio de investimentos, avaliando aplicações em redução de demanda, arbitragem, integração de renováveis e suporte a microgrids, e definindo critérios de retorno e risco adequados.

    Eletrificação Industrial

    Na prática, “eletrificação industrial” significa trocar combustíveis fósseis (óleo, carvão, gás) por eletricidade em calor de processo, força motriz e, em alguns casos, na rota química (ex.: aço). O estado da arte aponta três frentes com tração: (i) calor de processo via eletrocaldeiras e bombas de calor industriais, que já cobrem faixas relevantes de temperatura; (ii) fornos/arcos elétricos em setores como metalurgia; e (iii) integração com hidrogênio verde quando a eletricidade sozinha não resolve (ex.: DRI + EAF na siderurgia). Europa e EUA vêm mapeando grande potencial técnico para eletrificar calor e vapor industriais, com barreiras mais econômicas e de integração do que tecnológicas; diretrizes recentes sugerem que a demanda elétrica para calor de processo pode multiplicar no Net Zero, exigindo planejamento de rede e suprimento renovável dedicados. Ao mesmo tempo, projetos-âncora como o H2 Green Steel na Suécia (rota DRI com ~700 MW de eletrólise e fornos elétricos) mostram a convergência “eletricidade + H₂V” para descarbonização pesada. No Brasil, a vantagem comparativa é clara: a matriz elétrica atingiu 88,2% renováveis em 2024, o que permite “importar” emissões de escopos térmicos para um insumo elétrico majoritariamente limpo. Do lado da demanda, a pressão regulatória e comercial sobe: o CBAM da União Europeia entra em regime definitivo a partir de 2026 (com fase transitória 2023–2025), criando um preço de carbono implícito nas fronteiras para aço, cimento, alumínio e afins — quem eletrificar processos e/ou usar insumos de baixo carbono reduz exposição a essa “tarifa de carbono” na exportação.  

    Implicações estratégicas 

    Para conselhos, eletrificar é decisão de competitividade, não apenas de ESG. A combinação de matriz elétrica limpa + PPAs renováveis de longo prazo permite hedgear carbono e custo frente ao gás/óleo. A rota de calor de processo (até faixas médias de temperatura) é considerada uma “low-hanging fruit” — expressão usada em gestão para designar as oportunidades mais acessíveis e de rápida implementação, com menor risco e maior retorno imediato. No caso industrial, isso significa priorizar a substituição de usos de vapor, aquecimento de água e processos de secagem, onde a eletrificação já é tecnicamente madura e economicamente viável. Setores de alta temperatura migrarão por fases, combinando eletrificação parcial, eficiência e, quando fizer sentido, hidrogênio verde. No front comercial, a conformidade com CBAM e cadeias globais descarbonizadas vira requisito de acesso a mercado. No front operacional, a eletrificação puxa reforço de rede, flexibilidade e BESS para suavizar picos e dar confiabilidade, além de novas rotinas de O&M e medição e verificação (M&V) específicas de calor elétrico. Em governança, eletrificação pede integração TI/TA e ciência de dados para otimização contínua, além de procurement elétrico profissionalizado (PPAs estruturados, certificados de origem, atributos ambientais).  

    Riscos & mitigação

    • CAPEX inicial e custo de energia. Mitigação: PPAs renováveis bem estruturados, cláusulas de indexação, gestão ativa de carga e curva de demanda.
    • Infraestrutura elétrica insuficiente (alimentadores, subestações internas). Mitigação: engenharia de rede no front-end (estudos de curto-circuito/qualidade), cronograma de reforços e BESS para peak shaving e load shifting.
    • Volatilidade tecnológica (eletrocaldeiras, bombas de calor HT, H₂). Mitigação: desenho modular e escalável, contratos com opções tecnológicas, padronização de interfaces e roadmaps de atualização.
    • Integração operacional (segurança, qualidade de energia, harmônicos). Mitigação: estudos de qualidade de energia, filtros/harmonic mitigation, comissionamento por etapas e planos robustos de O&M.
    • Risco de mercado e regulatório (CBAM, rastreabilidade, certificações). Mitigação: monitoramento regulatório contínuo, certificação de origem/atributos ambientais e governança de dados de processo.

    Decisões recomendadas

    1. Mapear calor de processo por faixas de temperatura e priorizar substituições elétricas maduras (vapor/água quente, secagem, aquecimento indireto).
    2. Contratar PPAs renováveis alinhados ao perfil de carga e considerar armazenamento (BESS) para flexibilidade e arbitragem.
    3. Rodar pilotos em linhas representativas (eletrocaldeira, bomba de calor, forno elétrico/EAF) com metas de energia específica (kWh/unidade) e custo total de propriedade.
    4. Planejar sinergias com H₂V quando a eletrificação direta não fecha sozinha (ex.: DRI na siderurgia), iniciando por blends e viabilidade local.
    5. Preparar conformidade CBAM (escopo, mensuração, verificação, dados de processo) e comunicar a clientes o roadmap de descarbonização.
    6. Capacitar times (processo, energia, TI/TA) e integrar ciência de dados para otimização de curva de carga, eficiência e M&V contínua.

    Hidrogênio Verde (H₂V)

    O painel sobre hidrogênio verde reuniu representantes de Eneva, Hytron e CPFL Energia para discutir o estado atual e as perspectivas desse combustível no Brasil. Destacou‑se que, embora a maior parte das iniciativas no país ainda esteja no âmbito de projetos de P&D, há avanços concretos: a Hytron (empresa do grupo Neuman & Esser) inaugurou a primeira fábrica de eletrolisadores no Brasil, instalada em São Paulo, com capacidade de produzir sistemas modulares de hidrogênio para pequenas e médias aplicações. Essa infraestrutura industrial é vista como estratégica para reduzir a dependência de importações e acelerar a nacionalização da cadeia. Os palestrantes enfatizaram que o hidrogênio verde deve ser encarado como insumo industrial e não apenas como vetor energético: a substituição do hidrogênio cinza por H₂V em nichos específicos pode ser economicamente viável quando elimina custos logísticos relevantes, como transporte e armazenamento de cilindros. Um exemplo citado foi o caso de um processo industrial que consumia hidrogênio cinza trazido por caminhões; a instalação de um eletrolisador on‑site, alimentado por energia renovável, reduziu custos e emissões. A representante da Eneva mencionou que a empresa avalia projetos piloto em unidades de geração térmica e parques eólicos para produzir hidrogênio renovável, incluindo sinergias com amônia e metanol verde. O porta‑voz da Hytron reforçou que, no curto prazo, o foco deve ser substituir hidrogênio cinza existente por verde nas indústrias de refino, química e vidro, aproveitando incentivos fiscais e regulatórios em discussão. Giulianno Archilli, da CPFL, acrescentou que a distribuição pode se beneficiar de blends de hidrogênio em redes de gás e que o maior desafio é alinhar a curva de aprendizagem do hidrogênio aos investimentos em renováveis.

    Implicações estratégicas 

     Para conselhos de administração, o hidrogênio verde emerge como oportunidade de médio prazo mais do que de curto prazo, mas com nichos já visíveis. Em setores que utilizam hidrogênio como matéria‑prima ou agente redutor (refino de petróleo, siderurgia, fertilizantes, vidros, alimentos), a produção descentralizada de H₂V no próprio site pode reduzir custos logísticos e emissões, além de garantir segurança de suprimento. A existência de uma fábrica de eletrolisadores no país sinaliza que a indústria local está se estruturando, o que diminui riscos cambiais e barreiras de importação, mas ainda exige escala e políticas industriais. Para empresas de energia como Eneva, integrar projetos de H₂V a ativos de geração térmica e renovável abre caminho para novos modelos de negócio – produção de e-fuels, exportação de amônia verde, prestação de serviços para indústrias locais – mas requer avaliar custos, offtakers e regulação de infraestrutura. Uma mensagem forte foi a necessidade de analisar onde o hidrogênio entra na cadeia de valor de cada empresa para identificar oportunidades realistas; projetos greenfield (por exemplo, exportação em larga escala) são muito intensivos em capital e dependem de subsídios, enquanto retrofits com substituição de H₂ cinza podem ter retorno mais rápido.

    Riscos & mitigação 

    Os principais riscos identificados incluem:

    • Risco econômico: o custo nivelado do hidrogênio verde ainda é alto; mitiga‑se através de integração com energia renovável de baixo custo, contratos de fornecimento de longo prazo (PPAs) e aproveitamento de créditos de carbono e incentivos fiscais.
    • Risco tecnológico: maturidade de eletrolisadores, armazenamento e distribuição ainda evolui; mitiga‑se firmando parcerias com fabricantes (como a Hytron) e participando de projetos piloto para adquirir know‑how.
    • Risco de infraestrutura: produção on‑site exige disponibilidade de água e rede elétrica robusta; mitiga‑se com estudos técnicos de viabilidade e sinergia com usinas existentes.
    • Risco regulatório: falta clareza sobre marcos legais, certificação de origem e incentivos; mitiga‑se com participação ativa em consultas públicas e fóruns (ANEEL, MME) e aderência a padrões internacionais de certificação.
    • Risco de mercado: demanda por H₂V ainda incipiente; mitiga‑se firmando contratos com offtakers específicos (refinarias, indústrias químicas) e alinhando projetos a metas corporativas de descarbonização.

    Decisões recomendadas 

    Conselhos deveriam:

    1. Mapear processos internos e clientes que já utilizam hidrogênio cinza, avaliando economicamente a substituição por verde via produção on‑site;
    2. Acompanhar a evolução da fábrica de eletrolisadores da Hytron e outras iniciativas nacionais para potencial parceria ou co‑desenvolvimento;
    3. Inserir o tema no planejamento estratégico de inovação, com P&D focado em casos nichados (substituição de H₂ cinza) antes de aventurar‑se em exportação ou grandes plantas;
    4. Engajar‑se na agenda regulatória de hidrogênio verde para assegurar incentivos (como redução de tributos, enquadramento no PEE/Aliança 2.0) e definição de certificações;
    5. Buscar sinergias com projetos renováveis existentes (parques eólicos, solares ou térmicos) para garantir energia competitiva;
    6. Monitorar oportunidades de financiamento verde (BNDES, BID, PEE/Aliança 2.0) e de parcerias com indústrias que já demandam hidrogênio.

    Smart Grids & Digitalização

    O debate sobre smart grids e digitalização evidenciou que o tema, antes visto como futurista, agora é pauta central das concessionárias. Executivos como Bruno Monte (CPFL Energia) e representantes da Taesa explicaram que a introdução de drones, sensores, edge computing e medidores inteligentes está transformando a operação. Hoje, empresas de distribuição vislumbram o smart metering não apenas como obrigação regulatória, mas como serviço a ser vendido: dados em tempo real, gestão de demanda e produtos de eficiência se tornam novas fontes de receita. No segmento de transmissão, a Taesa utiliza tecnologias digitais para otimizar o fluxo de potência e evitar curtailment de geração; o grupo agro da CPFL, por sua vez, já opera com telemedição há mais de uma década, e há um movimento para migrar consumidores para medidores eletrônicos, cujo custo unitário já ficou abaixo de R$ 500. Os palestrantes também discutiram a integração com micro-redes virtuais, uso de baterias e outras formas de armazenamento, e a possibilidade de que projetos behind‑the‑meter forneçam dispositivos homologados às concessionárias.

    Implicações estratégicas 

    Para conselhos, a digitalização da rede elétrica sinaliza uma mudança de paradigma: as utilities passam de supply side centrado em fios e kWh para orquestradores de dados e serviços. Investir em smart grids permite reduzir perdas, integrar renováveis de forma mais eficiente e criar produtos de valor agregado (monitoramento, manutenção preditiva, resposta à demanda). O advento de medidores inteligentes baratos e edge computing viabiliza a coleta massiva de dados na ponta; esses dados, quando processados com analytics e IA, abrem espaço para eficiência operacional e experiências personalizadas ao consumidor. A interligação com sistemas de armazenamento (BESS) e micro-redes autônomas torna‑se estratégica para garantir flexibilidade e confiabilidade. Ao mesmo tempo, a digitalização amplia a necessidade de convergência entre TI e automação (OT) e de cybersegurança robusta. Reguladores tendem a exigir padrões de interoperabilidade e proteção de dados, enquanto abrem espaço para modelos de tarifação mais granulares e serviços ancilares.

    Riscos & mitigação

    • Elevado CAPEX e complexidade de implantação: as redes de comunicação, plataformas de dados e medidores inteligentes exigem investimento significativo; mitiga‑se com implementação faseada, busca de incentivos regulatórios e parcerias tecnológicas.
    • Cibersegurança e privacidade: a ampliação da superfície digital aumenta o risco de ataques e vazamento de dados; mitigação com arquitetura de segurança em camadas, criptografia, governança de dados e certificações.
    • Obsolescência tecnológica: a rápida evolução pode tornar equipamentos e softwares defasados; mitiga‑se com adoção de padrões abertos, contratos flexíveis e gestão de ativos baseada em ciclo de vida.
    • Regulação e aceitação social: falta de normas claras para tarifação dinâmica, tratamento de dados e remuneração de serviços pode atrasar projetos; mitigação por meio de advocacy regulatório, participação em sandboxes e comunicação transparente com consumidores e órgãos de defesa.
    • Capacitação da força de trabalho: equipes precisam de novas competências (análise de dados, cibersegurança, automação avançada); mitigação com treinamento, recrutamento especializado e requalificação.

    Decisões recomendadas 

    1. Elaborar um roadmap de digitalização: definir prioridades, metas e cronograma para adoção de smart grids, segmentando por regiões ou grupos de consumidores (agronegócio, urbano).
    2. Investir em medidores inteligentes e infraestrutura de comunicação: iniciar com pilotos em áreas críticas e expandir em função de resultados e retorno.
    3. Desenvolver competências de edge computing e analytics: montar equipes internas ou parcerias com empresas de tecnologia para transformar dados em valor de negócio.
    4. Participar de debates regulatórios: atuar junto à ANEEL e MME para garantir que a regulação de smart metering, interoperabilidade e proteção de dados seja favorável e alinhada aos interesses da empresa e do consumidor.
    5. Explorar novos modelos de negócio: avaliar ofertas de serviços de gestão de energia behind‑the‑meter, integração de baterias e micro-redes, e venda de dados agregados sob conformidade regulatória.
    6. Garantir cibersegurança: implementar padrões de segurança desde a concepção (security by design), realizar auditorias frequentes e investir em conscientização dos colaboradores.

    Eficiência Energética (PEE/ANEEL)

    O painel sobre eficiência energética centrou-se no papel do Programa de Eficiência Energética (PEE) como ferramenta de política pública e instrumento de inovação.  Previsto pela Lei 9 991/2000, o PEE exige que as distribuidoras destinem parte da sua receita operacional líquida a projetos que reduzam o consumo de energia.  Anualmente, esses recursos financiam iniciativas para melhorar a eficiência em hospitais, escolas, prefeituras, comércios e residências .  Os debatedores ressaltaram que o foco tradicional em economias de kWh é cada vez mais insuficiente.  Diante da crise hídrica, da transição energética e da pressão por descarbonização, defendem que o PEE precisa valorizar benefícios sistêmicos mais amplos: segurança do sistema, modicidade tarifária, redução de emissões e inclusão social.  O processo de revisão regulatória iniciado em 2025 foi descrito como oportunidade de repensar objetivos e metodologias do programa.  Houve consenso sobre manter a eficiência energética como núcleo, mas integrando‐a a outras políticas de energia e clima, promovendo educação e inovação e incorporando critérios ESG.  Ao mesmo tempo, surgiram divergências sobre a amplitude do escopo – se deve continuar centrado em economias energéticas ou se pode abraçar projetos de inovação e inclusão social com menor retorno energético imediato.  Houve críticas à metodologia de custo‑benefício (RCB): ela não captura externalidades positivas e não valoriza redução de emissões, produtividade ou impactos sociais.  Também se discutiu a necessidade de mais autonomia e transparência na gestão do PEE para garantir que recursos sejam aplicados com efetividade.

    Implicações estratégicas 

    Para conselhos e alta gestão, o debate sinaliza que a eficiência energética é tanto obrigação quanto oportunidade competitiva.  A reforma proposta tende a ampliar o escopo do PEE, permitindo que projetos de eletrificação industrial, digitalização e redução de emissões possam ser enquadrados como eficiência, desde que tragam impacto mensurável.  Empresas que anteciparem essa transformação – integrando métricas socioambientais, inovação e ciência de dados aos seus projetos – terão vantagem na disputa por recursos e poderão alinhar eficiência energética a estratégias de descarbonização.  A participação ativa na discussão regulatória é essencial para moldar os novos objetivos do programa e garantir que ele apoie investimentos estratégicos.

    Riscos & mitigação 

    • Incerteza regulatória – Mudanças metodológicas e de prioridade podem inviabilizar projetos planejados sob regras antigas. Mitigação: acompanhar de perto a revisão do PEE, ajustar projetos em função dos novos critérios e manter portfólios flexíveis.
    • Falta de competências para medir externalidades – A inclusão de benefícios socioambientais exige habilidades que muitas empresas não dominam, como mensuração de emissões evitadas ou inclusão social. Mitigação: estabelecer parcerias com universidades e consultorias, capacitar equipes em análise de impacto e integrar práticas de ESG.
    • Dispersão de recursos – Há risco de financiar projetos com pouco impacto energético ou climático, desviando o PEE de sua finalidade. Mitigação: adotar critérios internos claros de priorização, focando em projetos com alto potencial de eficiência e benefícios sistêmicos, e utilizar ferramentas robustas de medição e verificação.
    • Transparência limitada – Falta de autonomia e transparência na gestão do PEE pode gerar ineficiências e desconfiança de stakeholders. Mitigação: engajar‑se com ANEEL e conselhos de consumidores, defender governança mais aberta e divulgar resultados de forma transparente.

    Decisões recomendadas 

    1. Engajar-se ativamente na revisão regulatória do PEE, participando de consultas públicas para influenciar os novos objetivos, critérios e metodologias.
    2. Revisar e priorizar projetos de eficiência à luz das mudanças propostas, incorporando indicadores de redução de CO₂, inclusão social e inovação tecnológica.
    3. Fortalecer capacidades de medição e verificação e ciência de dados para quantificar benefícios além do kWh economizado, sustentando a competitividade das propostas.
    4. Buscar sinergias com programas e incentivos complementares, como o Programa Aliança 2.0, projetos de P&D e linhas de crédito verde, para cofinanciar iniciativas de maior escala.
    5. Promover transparência e governança interna e externa, garantindo que a seleção e execução de projetos do PEE sigam critérios claros, auditáveis e alinhados às expectativas de reguladores, consumidores e investidores.

    Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P&D/PDI)

    O painel “Do Laboratório ao Mercado – Caminhos lucrativos para produtos de PDI”, moderado pelo diretor da ANEEL, Fernando Mosna, contou com executivos da Plug and Play Brasil, WEG, Eletrobras e ANP e reafirmou um diagnóstico comum: o atual modelo de pesquisa e desenvolvimento precisa evoluir para gerar valor econômico e sustentável.  Pela Lei 9.991/2000, as distribuidoras e concessionárias de energia são obrigadas a investir pelo menos 0,5 % da receita operacional líquida em P&D, mas a prática mostrou que muitos projetos viram relatórios sem desdobramentos comerciais.  A discussão salientou que é preciso sair desse “vale da morte” com governança mais ágil, portfólios disciplinados e inovação aberta, usando modelos de maturidade tecnológica (TRL 1 a 9) e “portas” de decisão (H1–H3) para pivotar ou encerrar projetos no momento certo.

    Em termos concretos, as empresas presentes ilustram diferentes caminhos para fazer a transição do laboratório ao mercado.  A CTG Brasil reporta investimentos de cerca de R$ 18 milhões no programa PDI da ANEEL e mantém 18 projetos ativos voltados à otimização de geração eólica e solar, armazenamento de energia com baterias e produção de hidrogênio verde, isso mostra uma carteira equilibrada entre tecnologias maduras e apostas disruptivas.  A CPFL Energia, por sua vez, desenvolve um programa de inovação aberta (CPFL Inova) que seleciona startups em áreas como eficiência energética, geração distribuída, armazenamento, internet das coisas, big data, redes inteligentes e economia de baixo carbono, reforçando a importância de parcerias para acelerar o ciclo de P&D.  Já a Neoenergia estrutura sua estratégia de inovação em cinco eixos: adoção de tecnologias disruptivas (hidrogênio verde, mobilidade elétrica, smart grids e armazenamento), criação de novos produtos e serviços, digitalização e automação (IoT, big data, IA), inovação aberta com startups e fornecedores, e desenvolvimento de cultura e talentos.  Essas iniciativas evidenciam que levar projetos de P&D ao mercado não depende apenas de gate reviews, mas de gestão de portfólio estratégica, alinhada à transição energética, à digitalização e à diversificação de receitas.

    As discussões, portanto, convergiram para a necessidade de uma governança de inovação orientada a resultados, com critérios claros de continuidade e desinvestimento, integração com programas de eficiência energética e P&D, e busca constante de sinergias com startups e universidades.  A mensagem final foi que o sucesso do PDI dependerá de disciplinar o funil de projetos, avaliar maturidade tecnológica com rigor e conectar-se a ecossistemas de inovação, abandonando a lógica de “cumprir requisito regulatório” em favor de gerar vantagem competitiva e sustentabilidade de longo prazo.

    Implicações estratégicas 

    Para conselhos, a lição é que P&D não pode ser tratado apenas como obrigação de compliance. É necessário administrar o portfólio como um funil de inovação, em que cada fase (TR) tem objetivos e critérios de saída claros. Projetos devem ser priorizados pela aderência à estratégia corporativa (descarbonização, digitalização, diversificação de receitas) e pelo potencial de retorno. O uso de métodos de gestão como stage‑gates (H1, H2, H3) ajuda a canalizar recursos para iniciativas com maior probabilidade de chegar ao mercado. Além disso, a modernização do manual do PDI, em revisão pela ANEEL, abre oportunidades para reduzir burocracia, flexibilizar a prestação de contas e estimular parcerias com startups e institutos de pesquisa.

    Riscos & mitigação 

    • Persistência de projetos sem viabilidade comercial – ainda há tendência de prolongar projetos de pesquisa que não têm rota clara para o mercado. Mitigação: aplicar critérios de maturidade (TR) com revisões periódicas, encerrando ou redirecionando iniciativas que não avancem.
    • Desalinhamento com a estratégia da empresa – portfólios dispersos podem consumir recursos sem contribuir para objetivos como descarbonização. Mitigação: alinhar cada projeto a metas corporativas e integrar o P&D ao plano estratégico.
    • Burocracia e falta de agilidade – processos complexos de prestação de contas e aprovação podem atrasar o desenvolvimento. Mitigação: apoiar a revisão do manual do PDI, digitalizar a gestão (sistemas WebP&D) e simplificar rotinas internas.
    • Defasagem de competências – a gestão de portfólio de inovação exige habilidades novas (avaliação de maturidade tecnológica, inovação aberta, transferência de tecnologia). Mitigação: treinar equipes, formar núcleos de inovação e estabelecer convênios com universidades e hubs de startups.

    Decisões recomendadas 

    1. Mapear e classificar o portfólio de P&D por níveis de maturidade (TR1 a TR9) e criar “portas” de decisão (H1 a H3) para avançar apenas projetos com potencial concreto.
    2. Estabelecer governança de inovação com critérios de continuidade, indicadores de resultado (ROI, time‑to‑market, emissões evitadas) e sistemas digitais para acompanhamento e prestação de contas.
    3. Priorizar projetos alinhados ao core business e à transição energética, desinvestindo em iniciativas periféricas ou sem conexão estratégica.
    4. Buscar parcerias estratégicas com startups, universidades e institutos de pesquisa para acelerar etapas de desenvolvimento e compartilhar riscos tecnológicos.
    5. Acompanhar a revisão do manual do PDI, participando de consultas públicas e propondo ajustes que tragam flexibilidade e foco em resultados.
    6. Integração com outros programas (PEE, Aliança 2.0, financiamentos verdes) para complementar recursos e escalar projetos de maior porte.

    Gestão de Portfólio de Inovação

    O debate sobre gestão de portfólio de inovação destacou a necessidade de administrar, de forma coordenada, a multiplicidade de projetos de P&D que emergem das obrigações legais e das ambições estratégicas das empresas. O Manual de PDI da ANEEL reforça essa visão ao introduzir o modelo E3P (Estratégia–Portfólio–Programa–Projetos): a gestão de inovação deve começar na estratégia, traduzir-se em portfólios coerentes com os objetivos corporativos e, só depois, desdobrar-se em programas e projetos . Para monitorar a evolução das iniciativas, o manual recomenda o uso de Níveis de Maturidade Tecnológica (TRLs) — uma escala de nove níveis amplamente adotada em P&D que fornece uma linguagem comum para classificar o estágio de cada tecnologia.

    As boas práticas convergem em alguns pontos: modelos lineares como o Stage‑Gate, por si só, são insuficientes porque analisam projetos individualmente e não evitam gargalos quando vários avançam simultaneamente. Empresas líderes combinam mecanismos de “portas” (gates) com gestão estratégica de portfólio. Essa abordagem avalia o conjunto de iniciativas, considera o risco e o retorno de cada uma e busca a combinação ótima de projetos que maximizem valor e minimizem sobrecarga. Pesquisas mostram que organizações com práticas robustas de portfólio alcançam até 40 % mais sucesso em lançamentos e 30 % maior retorno sobre investimentos em inovação. Para decidir onde investir, utilizam‑se critérios como alinhamento estratégico, valor financeiro, impacto no cliente, grau de inovação e risco. O equilíbrio entre melhorias incrementais, extensões de mercado e inovações disruptivas (ex.: matriz 70‑20‑10) ajuda a garantir continuidade e competitividade. Ao classificar projetos pela escala TRL e mapear as transições entre níveis, as empresas passam a estimar probabilidades de sucesso de forma mais objetiva, reduzindo a dependência de palpites.

    Implicações estratégicas 

    Para conselhos de administração, a gestão de portfólio de inovação deve ser encarada como ferramenta de alinhamento estratégico.  Em vez de olhar cada projeto isoladamente, é essencial balancear a carteira de iniciativas, combinando inovações incrementais (de retorno mais rápido) com projetos adjacentes e disruptivos.  Um método comum é a regra 70‑20‑10: cerca de 70 % dos recursos em melhorias contínuas, 20 % em extensões para novos mercados e 10 % em apostas transformadoras.  Esse equilíbrio reduz a dependência de um único projeto e mantém opções de crescimento para o futuro.  A maturidade tecnológica (TRL) ajuda a calibrar expectativas e a definir “gates” nos quais projetos podem avançar ou ser reavaliados.  Além disso, ferramentas analíticas e visuais, como gráficos de risco versus retorno e matrizes de priorização, auxiliam na tomada de decisões.  O uso de dados e inteligência artificial é uma tendência: a Gartner prevê que mais de 50 % das decisões de portfólio serão assistidas por IA até 2026.

    Riscos & mitigação 

    • Sobrecarga e gargalos – concentrar muitos projetos em estágios semelhantes pode saturar recursos e atrasar entregas. Mitigação: distribuir iniciativas entre diferentes fases (TRLs) e revisar periodicamente a alocação de recursos .
    • Falta de alinhamento estratégico – projetos desconectados da estratégia corporativa consomem recursos sem gerar valor. Mitigação: priorizar iniciativas que contribuam para metas de descarbonização, digitalização e competitividade, usando critérios de seleção claros .
    • Estimativas imprecisas de sucesso – a probabilidade de êxito técnico pode ser baseada em palpites. Mitigação: usar a escala TRL e mapear transições entre níveis para obter dados históricos e estimativas mais realistas .
    • Excesso de foco em melhorias incrementais – pode estagnar a inovação e deixar a empresa vulnerável a disrupções. Mitigação: adotar balanceamento 70‑20‑10 e reservar orçamento para experimentos de alto risco .
    • Falta de transparência e visibilidade – sem ferramentas visuais, gestores perdem a visão geral do portfólio. Mitigação: implementar dashboards e gráficos de risco versus retorno para apoiar decisões e comunicação .

    Decisões recomendadas 

    1. Instituir um processo formal de gestão de portfólio, com revisões periódicas e critérios de seleção baseados em alinhamento estratégico, valor de negócio e risco .
    2. Classificar cada projeto segundo o TRL e estabelecer “gates” de decisão, utilizando dados históricos para estimar a probabilidade de transição entre níveis  .
    3. Balancear o portfólio com a matriz 70‑20‑10, garantindo recursos para melhorias contínuas, adjacências e inovações disruptivas .
    4. Adotar ferramentas analíticas e IA para apoiar a priorização, utilizando gráficos de risco e retorno e algoritmos de recomendação  .
    5. Treinar equipes e fortalecer governança em gestão de portfólio, ciência de dados e transferência tecnológica para que as decisões sejam baseadas em evidências e alinhadas à estratégia corporativa.

    Justiça e Equidade Energética

    O painel “Novas Abordagens para uma Transição Energética Justa”, moderado por Marcela Lachowski (Plug and Play), reuniu representantes de diferentes esferas: Shalanda Baker, referência internacional ao fundar o Escritório de Justiça e Equidade Energética no Departamento de Energia dos EUA; Andrea Monte, da Eneva, trazendo a visão empresarial de grandes projetos de geração; Valcléia dos Santos Lima, da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), com sua experiência em comunidades amazônicas; e Elbia Gannoum, presidente da ABEEólica, articulando a perspectiva setorial. O debate destacou que a transição energética não pode ser avaliada apenas pelo prisma tecnológico e econômico: é também um processo social, que precisa endereçar inclusão, redistribuição de benefícios e mitigação de desigualdades regionais.

    Implicações estratégicas

    Para conselhos e alta gestão, a mensagem central é que equidade não é apenas uma questão de reputação, mas um vetor de viabilidade de longo prazo. Grandes projetos em energia, sobretudo em regiões sensíveis como a Amazônia, enfrentam riscos reputacionais, regulatórios e de licenciamento se não incluírem mecanismos de benefício local, participação comunitária e compartilhamento de valor. Além disso, investidores institucionais e financiadores internacionais estão cada vez mais exigentes quanto a critérios de justiça social, governança e impactos ambientais, colocando esse tema no centro da estratégia corporativa.

    Riscos & mitigação

    • Exclusão de comunidades locais — projetos que não engajam stakeholders desde a concepção podem enfrentar judicialização, atrasos e perda de legitimidade. Mitigação: adotar consultas comunitárias estruturadas, com protocolos de consentimento livre, prévio e informado.
    • Greenwashing social — iniciativas pontuais de responsabilidade social, desconectadas da estratégia do projeto, podem ser vistas como superficiais. Mitigação: integrar ações de inclusão e desenvolvimento socioeconômico ao plano de negócios.
    • Pressão regulatória e internacional — a falta de atenção à equidade pode restringir acesso a financiamentos climáticos e linhas verdes. Mitigação: alinhar-se a frameworks reconhecidos (ESG, Just Transition Principles) e reportar de forma transparente.

    Decisões recomendadas

    1. Mapear riscos sociais de todos os projetos de energia, identificando comunidades impactadas e propondo planos de inclusão desde a fase de licenciamento.
    2. Adotar métricas de justiça energética que considerem não apenas o acesso à energia, mas também custo relativo, confiabilidade e qualidade do serviço em regiões vulneráveis.
    3. Estabelecer parcerias com organizações locais, como fundações ou universidades regionais, para gerar confiança e capilaridade nas ações sociais.
    4. Integrar o tema ao portfólio ESG: conselhos devem incluir justiça energética como parte dos relatórios e planos de sustentabilidade, não como um anexo.
    5. Aproveitar oportunidades de financiamento climático, que já privilegiam projetos com impacto social positivo, como linhas do BNDES, BID e fundos internacionais.

    Sandboxes Tarifários no Brasil

    A apresentação da ABRADEE, trouxe um panorama sobre o estágio atual dos Sandboxes Tarifários no Brasil. Um sandbox tarifário é um ambiente regulatório controlado que permite testar modelos inovadores de tarifação e serviços de energia em escala limitada, com regras temporariamente flexibilizadas, antes de sua adoção plena no mercado. Embora ainda em fase inicial, o instrumento já demonstrou potencial para aproximar a regulação das inovações tecnológicas, permitindo que distribuidoras e agentes do setor testem modelos tarifários alternativos em ambientes controlados. Os casos apresentados apontam avanços em temas como tarifação horária, integração de geração distribuída e projetos de resposta da demanda, mas também destacam a necessidade de mais projetos com diversidade geográfica e tecnológica para capturar a realidade do setor elétrico brasileiro.

    Implicações estratégicas 

    A discussão reforçou que os sandboxes são uma oportunidade única para as empresas experimentarem novas soluções sem os riscos regulatórios tradicionais. Para conselhos e alta gestão, isso significa ter a chance de influenciar a regulação a partir da prática, em vez de apenas reagir a mudanças já implementadas. Além disso, a ABRADEE sinalizou que a participação ativa das distribuidoras nesses programas pode acelerar a modernização tarifária e melhorar a aceitação de novos modelos junto aos consumidores, fortalecendo a relação de confiança.

    Riscos & mitigação

    • Baixa adesão dos agentes — se poucas distribuidoras se engajarem, os aprendizados ficam restritos. Mitigação: estímulos internos e compartilhamento de resultados no setor.
    • Dificuldade de replicabilidade — pilotos podem funcionar em um contexto específico, mas falhar em outros. Mitigação: seleção de projetos representativos e avaliação de escalabilidade.
    • Falta de métricas robustas — sem indicadores claros, os resultados perdem relevância regulatória. Mitigação: adotar metodologias de medição e verificação reconhecidas.
    • Expectativas desalinhadas — consumidores podem esperar redução imediata de tarifas. Mitigação: comunicação clara sobre o caráter experimental dos projetos.

    Decisões recomendadas

    1. Engajar-se em programas de sandbox desde a fase de desenho, para moldar os critérios e garantir alinhamento estratégico.
    2. Selecionar casos de uso aderentes ao perfil da empresa, como tarifação dinâmica, mobilidade elétrica ou integração de baterias em redes isoladas.
    3. Criar mecanismos de aprendizado organizacional, transformando os resultados dos pilotos em insumos para planejamento estratégico e regulatório.
    4. Estabelecer parcerias com associações setoriais e academia, para validar metodologias e aumentar a legitimidade dos resultados.
    5. Monitorar impactos sociais e ambientais, conectando os sandboxes às agendas de ESG e de transição justa.

    A conclusão é que os sandboxes tarifários no Brasil estão ganhando tração, mas ainda carecem de escala e diversidade. Para empresas que desejam liderar o futuro do setor, participar desses ambientes de teste é tanto uma oportunidade competitiva quanto uma forma de exercer influência regulatória.

    Palestra de Encerramento – O Futuro da Energia

    A palestra de encerramento do CITEENEL, apresentada por Luiz Mandarino, Diretor de Empreendedorismo e Startups do Energy Summit Global, trouxe uma visão abrangente sobre os caminhos da transição energética e os desafios de inovação que moldarão o setor nas próximas décadas.

    Mandarino iniciou destacando que o futuro da energia depende da interação entre cinco atores-chave: governo, universidades, empreendedores, capital de risco e corporações. Embora cada um fale “linguagens completamente diferentes”, a coordenação desse ecossistema é essencial para que ideias científicas se convertam em soluções escaláveis e de impacto.

    A análise foi sustentada pela metodologia do “Cone de Futuros”, que projeta cenários prováveis, preferíveis e alternativos em horizontes de curto, médio, longo e longuíssimo prazo. Nesse exercício, diversas megatendências globais foram evidenciadas:

    • Energia solar distribuída: novos modelos de negócio baseados em assinatura, comunidades solares, P2P e integração com armazenamento. Consolidação prevista entre 2025 e 2032, com maturidade plena em 2028.
    • Eficiência energética com IA e IoT: sensores inteligentes, automação industrial e cidades inteligentes devem ganhar escala até 2028, promovendo reduções significativas no consumo e na emissão de CO₂.
    • Armazenamento de energia: tecnologias além do lítio, soluções residenciais e comerciais, baterias de fluxo e modelos como Battery as a Service devem se consolidar entre 2030 e 2040, com maturidade em 2035.
    • Hidrogênio verde: previsto como um dos pilares da transição, com aplicações em transporte, indústria e geração elétrica. A maturidade deve ocorrer em 2035, embora os primeiros hubs já estejam em implantação globalmente.
    • Outras tendências: captura de carbono, pequenos reatores modulares (SMRs), materiais avançados, combustíveis sustentáveis de aviação (SAF), computação quântica e, no horizonte mais distante, a fusão nuclear.

    Mandarino também destacou os desafios do ecossistema brasileiro. De um lado, o país possui uma matriz elétrica já 88% renovável e um mercado consumidor expressivo. De outro, enfrenta gaps estruturais de inovação:

    • Maturidade das startups: 75% ainda estão em fase de validação ou MVP, sem tração consistente.
    • Baixa densidade: apenas 1% a 2% das startups brasileiras atuam diretamente no setor de energia.

    Além disso, o investimento em P&D permanece modesto: o Brasil aplica cerca de 1,2% do PIB (USD 100 per capita), contra 3,4% do PIB nos EUA (USD 2.500 per capita).

    Diante desse cenário, foram apontadas oportunidades de alavancagem:

    • Estimular o surgimento de infraestruturas privadas para deep techs.
    • Criar programas estruturantes de venture building, acelerando a maturidade de soluções de P&D hoje “paradas na prateleira”.
    • Apoiar startups early stage e seed, com foco em soft e deep tech aplicados ao setor energético.
    • Promover maior aproximação entre corporações, academia e startups, evitando a fragmentação de esforços.
    • Estruturar fundos de CVC early stage (TRL 4 a 6) com verbas obrigatórias de ANEEL e ANP.

    Recomendações para Conselheiros

    Para os conselhos de administração e alta gestão, a palestra trouxe ações práticas:

    1. Adotar visão de longo prazo: mapear megatendências e posicionar a empresa nos futuros preferíveis, alinhando investimentos com inovação disruptiva.
    2. Reforçar a governança de inovação: criar critérios claros para selecionar projetos de P&D e PDI, integrando métricas de maturidade (TRLs) com retorno potencial.
    3. Incentivar parcerias estratégicas: apoiar a aproximação entre startups, universidades e corporações, de modo a acelerar a validação e reduzir riscos.
    4. Explorar novos modelos de negócio: acompanhar de perto o avanço de modelos como Battery as a Service, P2P de energia e hidrogênio para transporte, identificando oportunidades de entrada.
    5. Monitorar gaps estruturais: atuar junto a governos e associações para reduzir a defasagem do Brasil em P&D, defendendo políticas públicas que combinem subsídios, capital de risco e regulação favorável.

    Visita Técnica – Amazonas Energia

    No terceiro dia do evento, foi realizada uma visita técnica ao Centro de Operações da Distribuição (COD) da Amazonas Energia, em Manaus. A empresa, recém-privatizada e com foco exclusivo na distribuição de energia, apresentou os desafios logísticos e operacionais de atender a todo o Estado do Amazonas.

    A concessionária mostrou a complexidade de gerir dezenas de sistemas isolados, muitos localizados em regiões de difícil acesso, que só podem ser alcançadas de barco. Essa realidade exige soluções diferenciadas para garantir a continuidade do fornecimento, em um território marcado por longas distâncias e infraestrutura limitada.

    Outro ponto destacado foi o desafio para a expansão da rede devido à existência de extensas áreas protegidas (unidades de conservação e zonas de amortecimento), que impõem restrições tanto ambientais quanto de propriedade da terra.

    No centro de operações, chamou a atenção o uso do sistema SAGE (Sistema de Automação da Geração e Distribuição de Energia), que permite o monitoramento em tempo real e a coordenação das operações da rede, consolidando informações estratégicas para a tomada de decisão.

    Registramos nosso agradecimento à equipe da Amazonas Energia pela hospitalidade e pela abertura em compartilhar os desafios e soluções do setor de distribuição no Amazonas.

    Mapa de Stakeholders — Análise Executiva

    O CITEENEL 2025 deixou claro que a transição energética, a inovação regulatória e a agenda de eficiência só se materializam quando existe coordenação entre múltiplos atores. O setor elétrico brasileiro é, por natureza, sistêmico: nenhuma decisão se sustenta isoladamente, pois cada inovação impacta simultaneamente regulação, operação, tecnologia, financiamento e aceitação social.

    O Mapa de Stakeholders abaixo sintetiza os principais atores envolvidos e suas dinâmicas de poder, interesse e influência. Ele é, na prática, um guia de leitura estratégica para conselheiros e alta gestão, permitindo entender quem precisa estar à mesa em cada decisão e qual deve ser a abordagem de engajamento.

    Categorias e Papel Estratégico

    StakeholderDescrição Estratégica
    1. Regulação (ANEEL)A ANEEL é o centro de gravidade do ecossistema. Seu papel como regulador de P&D, PEE e inovação é decisivo para viabilizar projetos e orientar fluxos de capital. O interesse e a influência são ambos altos: sem regulação clara e estável, não há escala nem segurança jurídica. A estratégia recomendada é manter uma agenda proativa de diálogo e antecipação regulatória, evitando surpresas que possam inviabilizar investimentos.
    2. Governo (MME / Governo do Amazonas)O governo federal (via MME) formula políticas setoriais, enquanto governos estaduais — como o do Amazonas, anfitrião do evento — articulam políticas locais, incentivos fiscais e a mediação de impactos regionais. Ambos têm interesse e influência elevados. O alinhamento político-estratégico é fundamental, principalmente em projetos de transição energética com forte componente territorial.
    3. Operadores (ONS)O Operador Nacional do Sistema é o ator-chave da coordenação técnica e digital da rede elétrica. Sua influência é elevada porque define limites operacionais e requisitos para integração de novas fontes, armazenamento e eletrificação. A melhor estratégia é estabelecer parcerias técnicas e investir em integração digital (digital twins, previsibilidade de carga, IA).
    4. Utilities (Geração, Transmissão e Distribuição)São responsáveis pela execução e implantação prática dos projetos. Representam o elo direto com os consumidores e carregam a responsabilidade pela confiabilidade do sistema. Seu interesse e influência são altos, mas dependem da capacidade de cooperação interinstitucional. Conselheiros devem priorizar alianças estratégicas e modelos de cooperação setorial, evitando a fragmentação de esforços.
    5. Academia (UFAM, UEA, Unicamp, entre outras)A academia atua como fonte de conhecimento científico, laboratórios de teste e formação de capital humano. Tem interesse médio, mas pode ganhar influência conforme políticas públicas e editais de P&D se orientam para inovação aplicada. A estratégia passa por parcerias de P&D colaborativos que transformem pesquisa em aplicação prática.
    6. Startups e Inovadores (climate techs, energia, digital)Representam o vetor de soluções emergentes — de IA aplicada a energia a novas rotas de hidrogênio verde. Seu interesse é médio, mas podem alavancar grande valor ao se conectarem com utilities e investidores. O caminho de engajamento é apoiar provas de conceito (PoCs) e programas de aceleração que transformem experimentos em escala.
    7. Investidores (VC, CVC, Bancos)O capital de risco e os fundos corporativos têm papel essencial em transformar inovação em negócio. Seu interesse é alto, mas a influência depende de um ambiente regulatório e de governança estável. A estratégia recomendada é a estruturação financeira híbrida, combinando capital privado com linhas de crédito verde e incentivos públicos.
    8. Comunidades (FAS e populações locais)Nenhum projeto se sustenta sem licença social. No caso da Amazônia, a aceitação das comunidades locais e a gestão dos impactos socioambientais são determinantes. O interesse é alto, mas a influência se expressa de forma indireta: por meio de pressões políticas, sociais e ambientais. A recomendação é investir em modelos de engajamento inclusivos, como projetos comunitários, mecanismos de compensação e métricas de justiça energética.

    Síntese Executiva

    O mapa evidencia que a governança da transição energética é multilateral. Para os conselhos de administração, a principal mensagem é que decisões de investimento, inovação e posicionamento estratégico não podem ser tomadas apenas sob a ótica financeira ou tecnológica. É necessário mapear continuamente os stakeholders críticos, ajustar estratégias de engajamento e antecipar pontos de conflito.

    Em termos práticos:

    • ANEEL e MME devem ser tratados como parceiros de agenda, não apenas reguladores.

    • ONS e utilities precisam ser integrados em projetos desde a concepção, para evitar barreiras técnicas.

    • Startups e academia são fontes de diferenciação competitiva.

    • Investidores só entram de forma robusta com estabilidade regulatória.

    • Comunidades locais definem a legitimidade de longo prazo.

    Quadro Consolidado de Riscos & Recomendações

    Tema EstratégicoPrincipais RiscosMitigaçõesRecomendações ao Conselho
    Inteligência Artificial & DadosDados incompletos ou ruins levam a decisões equivocadas; dependência excessiva de terceiros.Governança de dados; equipes internas multidisciplinares.Exigir políticas de qualidade de dados e vincular IA a ganhos de eficiência e confiabilidade.
    Armazenamento de Energia (BESS)CAPEX elevado; incertezas regulatórias; risco de obsolescência.Projetos modulares; PPAs estruturados; integração híbrida.Avaliar pilotos em arbitragem e segurança energética.
    Eletrificação IndustrialCAPEX alto; gargalos de rede; exigências regulatórias externas (CBAM).Engenharia de rede; PPAs renováveis; integração com H₂.Mapear processos viáveis, iniciar pilotos e preparar compliance de carbono.
    Hidrogênio Verde (HV)Custos altos; falta de demanda firme; gargalos logísticos.Foco em nichos substitutivos (cinza → verde); parcerias locais.Apoiar clusters industriais e monitorar projetos economicamente viáveis.
    Eficiência Energética (PEE/ANEEL)Incerteza regulatória; dispersão de recursos; baixa transparência.Portfólios flexíveis; parcerias ESG; engajamento com ANEEL.Alinhar projetos a métricas socioambientais e de energia, reforçando governança.
    P&D / PDI & PortfólioProjetos sem saída de mercado; excesso de relatórios.Uso de TRLs; gestão de portfólio; inovação aberta.Exigir métricas de risco-retorno e foco em impacto de mercado.
    Justiça Energética & EquidadeExclusão social; resistência comunitária; falta de financiamento inclusivo.Projetos comunitários; métricas de justiça energética.Incluir critérios de inclusão e impacto social em decisões de investimento.

    Oportunidades

    A transição energética que se desenha no Brasil não é apenas um desafio técnico ou regulatório — ela é uma plataforma de oportunidades que atravessa toda a cadeia de valor e mobiliza diferentes atores. O CITEENEL 2025 reforçou que nenhum setor isolado conseguirá capturar sozinho esse potencial. O caminho é de cooperação estratégica, em que cada stakeholder exerce um papel complementar.

    Para a regulação (ANEEL), o momento é de criar condições para que inovação e segurança jurídica caminhem juntas. A oportunidade está em estruturar marcos regulatórios flexíveis — como os sandboxes tarifários — que permitam testar novos modelos sem comprometer a estabilidade do setor.

    Para o governo (MME e governos estaduais), a transição energética é vetor de desenvolvimento regional e competitividade internacional. Investimentos em infraestrutura, incentivos fiscais e políticas industriais podem transformar o Brasil em hub global de energia limpa e tecnologia aplicada.

    Para os operadores (ONS), o avanço da digitalização, do armazenamento e da integração renovável exige uma nova geração de ferramentas de previsão, coordenação e inteligência sistêmica. Oportunidade única para modernizar a operação do sistema elétrico com IA, digital twins e gestão em tempo real.

    Para as utilities (geração, transmissão e distribuição), abre-se a chance de reposicionar seu papel. Geradoras podem adotar AIoT para maximizar eficiência; transmissoras podem explorar BESS em subestações e redes inteligentes; distribuidoras podem liderar a expansão do smart metering e se transformar em plataformas de inovação aberta.

    Para a academia (UFAM, UEA, Unicamp e demais universidades), a oportunidade é de assumir protagonismo global em pesquisa aplicada em hidrogênio verde, baterias e smart grids, além de formar profissionais que combinem ciência de dados e engenharia energética.

    Para as startups e inovadores, a transição abre espaço para soluções ágeis em eficiência, digitalização, eletrificação e H₂V. Oportunidade de escalar negócios através de provas de conceito (PoCs) em parceria com utilities e grandes indústrias.

    Para os investidores (VC, CVC, bancos), o desafio é converter inovação em retorno financeiro com impacto socioambiental. A oportunidade está na estruturação de veículos híbridos de capital, combinando investimento privado com linhas verdes públicas e internacionais.

    E, por fim, para as comunidades (como a FAS e populações locais), a transição energética traz a possibilidade de gerar renda, inclusão social e acesso a energia limpa. A oportunidade é ser reconhecida não como obstáculo, mas como parceira legítima na implantação de projetos sustentáveis.

    O Brasil, com sua matriz renovável única, biodiversidade e capacidade instalada em engenharia e ciência, tem condições de liderar a próxima onda global da energia sustentável. A questão que se coloca aos conselhos, executivos, investidores, reguladores, acadêmicos e comunidades é: vamos participar como protagonistas ou como seguidores?

    StakeholderOportunidades Estratégicas
    Regulação (ANEEL)Expandir sandboxes regulatórios para novos modelos de negócio. Modernizar o PEE incorporando métricas socioambientais. Estimular transição do P&D para PDI com foco em mercado. Criar incentivos para BESS, hidrogênio verde e smart grids.
    Governo (MME / Gov. Amazonas)Estruturar políticas de eletrificação industrial e clusters de H₂V. Oferecer incentivos fiscais e programas de financiamento verde. Alavancar a Amazônia como laboratório de inovação energética.  Integrar a agenda energética à diplomacia climática (COP30, CBAM).
    Operadores (ONS)Implantar digital twins e IA para previsão de carga e confiabilidade. Integrar BESS e fontes renováveis na operação do sistema. Desenvolver protocolos de coordenação para eletrificação em larga escala.  Estimular uso de ciência de dados e segurança cibernética.
    Utilities – GeraçãoUsar AIoT para otimizar usinas renováveis. Desenvolver projetos híbridos (solar + eólica + BESS).- Lançar modelos de energia como serviço para consumidores intensivos. Inovar em contratos de PPAs verdes de longo prazo.
    Utilities – TransmissãoImplantar BESS em subestações para estabilidade de rede. Digitalizar linhas de transmissão com sensoriamento remoto. Aplicar manutenção preditiva em larga escala.  Integrar redes inteligentes e apoiar novos modelos tarifários.
    Utilities – DistribuiçãoExpandir smart metering em escala nacional. Usar automação e IA para redes “self-healing”. Criar programas de flexibilidade de demanda e resposta ativa. Atuar como plataforma de integração de startups em sandboxes.
    Academia (UFAM, UEA, Unicamp, etc.)Consolidar centros de excelência em H₂V, BESS e redes inteligentes. Ampliar parcerias universidade-empresa para PDI. Formar engenheiros com foco em energia + ciência de dados. Atrair fundos internacionais para pesquisa aplicada.
    Startups e InovadoresDesenvolver soluções ágeis em IA, climate tech e eletrificação. Escalar PoCs com utilities e indústrias pesadas. Inovar em modelos de negócio digitais (energia como serviço, marketplaces). Acessar capital de risco e programas de aceleração global.
    Investidores (VC, CVC, Bancos)Estruturar fundos híbridos (privado + verde). Financiar projetos em hidrogênio, BESS e eletrificação industrial. Apoiar startups em transição de TRLs intermediários. Posicionar capital brasileiro no mercado global de créditos de carbono.
    Comunidades (FAS e locais)Participar de projetos de energia comunitária descentralizada. Captar benefícios de programas de eficiência e inclusão social. Integrar iniciativas de justiça energética e compensação ambiental. Tornar-se parceiras legítimas na implantação de infraestrutura.

    Conclusão

    O CITEENEL 2025 mostrou que a transição energética no Brasil já não é uma possibilidade distante, mas uma realidade em construção — com impactos diretos sobre regulação, tecnologia, investimento e legitimidade social. O evento evidenciou que, para além de relatórios e painéis, o país está diante de uma escolha estratégica: atuar como protagonista global da energia sustentável ou como seguidor em um mercado cada vez mais competitivo.

    Os debates reforçaram que a integração entre stakeholders é a condição necessária para o avanço. Reguladores precisam criar um ambiente flexível e estável; governos devem alinhar políticas industriais e regionais; operadores têm que investir em digitalização e confiabilidade; utilities precisam se reinventar como plataformas de inovação; academia e startups devem acelerar a ponte entre ciência e mercado; investidores têm a chance de financiar novos modelos de negócio com impacto socioambiental; e comunidades locais devem ser vistas não como barreiras, mas como parceiras legítimas da transição justa.

    As oportunidades são amplas: desde o uso de inteligência artificial e ciência de dados até a expansão de BESS, a eletrificação industrial, o hidrogênio verde e a reinvenção dos programas de eficiência energética. O Brasil reúne condições singulares — matriz renovável robusta, biodiversidade, capital humano e mercado consumidor — para se tornar referência internacional. Mas essa janela não permanecerá aberta indefinidamente.

    Para conselheiros e alta gestão, a mensagem central é clara: a transição energética deve ser tratada como prioridade estratégica, não apenas como obrigação regulatória ou reputacional. É hora de mapear riscos, definir portfólios, engajar stakeholders e transformar inovação em competitividade real.

    O CITEENEL 2025 deixou como legado não apenas a agenda discutida em Manaus, mas um chamado à ação. O futuro da energia brasileira será construído por aqueles que tiverem coragem de investir, colaborar e liderar — agora.

    Autor do relatório: Eduardo Mayer Fagundes (eduardo.mayer@nMentors.com.br)
  • Diversificação eólica no Brasil: implicações estratégicas para o setor elétrico e datacenters

    Diversificação eólica no Brasil: implicações estratégicas para o setor elétrico e datacenters

    O Brasil vive um momento marcante na transição energética. A instalação do AGW172/7.X, desenvolvido pela WEG em parceria com a Petrobras e adquirido pela Statkraft, representa não apenas um salto tecnológico, mas também uma oportunidade para repensar a diversificação geográfica da energia eólica. Este artigo apresenta uma análise comparativa entre o desempenho da turbina no Nordeste e cenários hipotéticos no Rio Grande do Sul, além de discutir como essa tecnologia pode atender ao crescimento acelerado dos datacenters no país.


    O que representa o AGW172/7.X para o Brasil

    O AGW172/7.X é um marco para a indústria nacional. Com 7 MW de potência nominal, altura de 220 metros e rotor de 172 metros de diâmetro, é hoje o maior aerogerador onshore das Américas. Sua instalação no complexo eólico de Seabra, na Bahia, simboliza a capacidade do Brasil de desenvolver tecnologia de ponta com forte participação da cadeia de suprimentos local.

    Esse avanço posiciona o país em sintonia com mercados internacionais onde turbinas de 6 a 8 MW já são realidade. Além disso, abre caminho para a entrada do Brasil na energia eólica offshore, segmento em que turbinas chegam a 10–15 MW, com fatores de capacidade superiores a 60%.


    Nordeste: produtividade máxima, mas com curtailment elevado

    O Nordeste concentra mais de 80% da capacidade eólica do Brasil e oferece fatores de capacidade superiores a 50%. Para o AGW172/7.X, os cálculos apontam uma geração líquida anual entre 24,2 e 28,8 GWh, mesmo considerando perdas e curtailment.

    Esse desempenho reforça a competitividade da região, mas expõe um desafio estrutural: a saturação da rede de transmissão. O excesso de energia já provoca cortes significativos (curtailment), que reduzem a receita dos projetos e comprometem a previsibilidade dos contratos. Esse cenário sinaliza a necessidade de diversificação regional para aliviar gargalos.


    Rio Grande do Sul: alternativa estratégica para diversificação

    O Rio Grande do Sul surge como alternativa complementar ao Nordeste. Com ventos consistentes e proximidade dos centros de consumo do Sul e Sudeste, o estado apresenta condições competitivas para turbinas de grande porte, com a vantagem de menor risco de curtailment e maior estabilidade da rede.

    Litoral Norte

    A região do Litoral Norte combina ventos marítimos fortes com infraestrutura consolidada. A geração líquida estimada do AGW172/7.X fica entre 20,5 e 27,7 GWh/ano, valores próximos aos da Bahia. O diferencial está na confiabilidade, já que a rede elétrica local apresenta menor risco de saturação. Isso torna a região especialmente atrativa para contratos de longo prazo, como os PPAs voltados a datacenters.

    Campanha Gaúcha

    Na Campanha, os ventos são menos intensos, mas ainda competitivos. As estimativas variam entre 18,4 e 24,9 GWh/ano, com a vantagem de baixa densidade de projetos e possibilidade de expansão. Além disso, há complementaridade sazonal com o Nordeste, oferecendo maior resiliência ao sistema como um todo.


    Datacenters e a nova demanda por energia limpa

    O crescimento dos datacenters no Brasil é um vetor estratégico para o setor elétrico. Estima-se que até 2030 o país concentrará mais de 50% da capacidade instalada da América Latina. Essas estruturas exigem energia limpa, redundante e altamente previsível, com contratos de nível de serviço (SLA) superiores a 99,99%.

    Nesse contexto, o Rio Grande do Sul se apresenta como um hub digital sustentável. Além da proximidade de grandes centros urbanos, o estado combina estabilidade de rede e menor exposição ao curtailment. A integração com sistemas de armazenamento em baterias (BESS) e projetos de hidrogênio verde amplia ainda mais a atratividade, garantindo redundância e flexibilidade de fornecimento.


    Benchmark internacional: o que aprender com China, EUA e Europa

    Os principais mercados globais oferecem lições relevantes para o Brasil.

    • China: turbinas onshore de 6–8 MW já em operação, muitas vezes integradas a sistemas híbridos com solar e baterias.
    • EUA: turbinas acima de 6 MW concentradas em estados como Texas e Oklahoma, apoiadas por longas linhas de transmissão e contratos corporativos de energia.
    • Europa: programas de repotenciação substituem turbinas de 2–3 MW por modelos acima de 6 MW em áreas já licenciadas.
    • Offshore: turbinas de 10–15 MW no Mar do Norte e na Ásia, com fatores de capacidade de até 65%, abastecendo diretamente indústrias eletrointensivas e datacenters.

    Essas experiências mostram que a integração de turbinas de grande porte com consumidores intensivos em energia é tendência global. O Brasil pode adaptar esse modelo, aproveitando o RS como polo de geração confiável e próximo da carga.


    Conclusões e recomendações

    O AGW172/7.X confirma a capacidade tecnológica do Brasil em produzir turbinas de classe mundial. A Bahia seguirá como referência em produtividade, mas o Rio Grande do Sul desponta como alternativa estratégica pela confiabilidade de rede e proximidade dos centros de consumo.

    Para o setor elétrico, a recomendação é clara: diversificar a geografia da geração e acelerar investimentos em transmissão. Para os datacenters, é essencial priorizar PPAs verdes de longo prazo no RS, aproveitando condições mais estáveis. E para os reguladores, urge avançar em políticas que viabilizem a integração com BESS e hidrogênio verde, assegurando competitividade internacional.

    No médio prazo, o Brasil deve consolidar hubs regionais robustos no Nordeste e no Sul. No longo prazo, tem potencial para se tornar líder latino-americano em energia renovável integrada à infraestrutura digital, transformando sua vantagem natural em diferencial estratégico global.

    Leia o artigo técnico completo

  • Aerogeradores de grande porte no Brasil: análise comparativa entre Bahia e Rio Grande do Sul com foco em datacenters

    Aerogeradores de grande porte no Brasil: análise comparativa entre Bahia e Rio Grande do Sul com foco em datacenters

    Sumário Executivo

    O Brasil vive um momento decisivo na transição energética. A energia eólica, que já representa parcela significativa da matriz elétrica nacional, alcançou patamares de excelência global, sobretudo no Nordeste, onde fatores de capacidade chegam a superar 55%. Esse desempenho só é possível graças à evolução tecnológica das turbinas, que passaram de máquinas de 1–2 MW há vinte anos para equipamentos acima de 7 MW em território nacional — como o AGW172/7.X, maior aerogerador onshore das Américas, fabricado pela WEG em parceria com Petrobras e Statkraft.

    O estudo analisa o AGW172/7.X como referência tecnológica e explora sua possível aplicação em novos territórios, especialmente no Rio Grande do Sul. A escolha não é casual: enquanto o Nordeste oferece produtividade ímpar, sofre com gargalos de transmissão e altos níveis de curtailment. Já o Sul, em especial o Litoral Norte e a Campanha gaúcha, apresenta ventos competitivos, proximidade de centros de consumo e menor risco de saturação da rede. Essa diversificação geográfica é vista como chave para equilibrar ganhos de produtividade e segurança de escoamento.

    A metodologia comparativa adotada combina fatores de capacidade regionais, perdas técnicas e percentuais de curtailment, resultando em intervalos plausíveis de geração líquida. Os resultados indicam que a Bahia mantém liderança absoluta em produtividade (24,2–28,8 GWh/ano), mas o Litoral Norte gaúcho chega próximo (20,5–27,7 GWh/ano), com maior confiabilidade. A Campanha, por sua vez, apresenta valores menores (18,4–24,9 GWh/ano), mas com potencial estratégico para expansão e complementaridade sazonal.

    O relatório também conecta a expansão eólica à demanda crescente por datacenters no Brasil. Esse setor, que exige energia limpa, estável e previsível, pode encontrar no RS uma alternativa estratégica ao Nordeste, com PPAs de longo prazo mais seguros. A integração com sistemas de armazenamento em baterias (BESS) e hidrogênio verde amplia ainda mais as oportunidades, criando um ecossistema capaz de alinhar energia renovável e economia digital.

    No cenário internacional, turbinas onshore de 6–8 MW já são realidade na China, EUA e Europa, enquanto offshore surgem modelos de 10–15 MW. A integração direta entre parques eólicos e datacenters nesses mercados reforça a importância de o Brasil adaptar rapidamente suas políticas de transmissão, incentivos e marcos regulatórios.

    Em síntese, o estudo conclui que turbinas de grande porte como o AGW172/7.X consolidam a maturidade da indústria eólica nacional, mas sua plena competitividade dependerá da diversificação geográfica, da expansão da rede de transmissão e da integração com novas demandas digitais. Para o setor elétrico, a recomendação é equilibrar produtividade e confiabilidade. Para datacenters, considerar contratos de longo prazo que priorizem previsibilidade. E para reguladores, acelerar políticas que viabilizem armazenamento e hidrogênio verde. O médio prazo exige hubs regionais robustos, e o longo prazo aponta o Brasil como líder latino-americano em energia renovável e infraestrutura digital sustentável.

    TópicoPrincipais Insights
    ContextoAGW172/7.X (7 MW, 220 m, rotor 172 m) → maior onshore das Américas. Parceria WEG + Petrobras + Statkraft.
    MetodologiaFórmula: Potência × 8760 h × FC × (1 – Perdas) × (1 – Curtailment). Valores mínimos e máximos calculados.
    Resultados RegionaisBahia: 24,2–28,8 GWh/ano (alto curtailment).  RS – Litoral Norte: 20,5–27,7 GWh/ano (menor risco, proximidade de carga).  RS – Campanha: 18,4–24,9 GWh/ano (menor geração, mas expansão e complementaridade).
    Comparativo EstratégicoBahia → produtividade máxima, dependência de transmissão NE–SE.  RS Litoral → ideal para PPAs, confiabilidade de rede.  RS Campanha → diversificação e sazonalidade.
    DatacentersBrasil deve concentrar >50% da capacidade da América Latina até 2030.  Exigem energia limpa, previsível e redundante (SLA 99,99%).  RS tem atratividade em PPAs verdes + integração com BESS e H2V.
    Benchmark InternacionalOnshore: 6–8 MW (China, EUA, Europa).  Offshore: 10–15 MW (FC > 60%).  Datacenters já integrados a PPAs eólicos na Europa e Ásia.
    RecomendaçõesSetor elétrico: diversificar geograficamente e expandir transmissão.  Datacenters: priorizar PPAs de longo prazo com previsibilidade.  Reguladores: incentivar BESS e hidrogênio verde.
    PerspectivaMédio prazo: hubs regionais robustos (Nordeste + RS).  Longo prazo: Brasil líder em energia renovável + infraestrutura digital sustentável.

    Introdução

    A transição energética é hoje um dos pilares mais relevantes da economia mundial. Governos, empresas e investidores estão diante de uma agenda que combina urgência climática, inovação tecnológica e competitividade econômica. Nesse contexto, a energia eólica vem se consolidando como uma das fontes renováveis de maior crescimento global. O avanço é notável não apenas em termos de capacidade instalada, mas também na sofisticação dos equipamentos: turbinas que, há duas décadas, geravam 1 a 2 MW, hoje chegam a patamares de 10 a 15 MW em projetos offshore na Europa e na Ásia, evidenciando uma tendência clara de aumento de escala. Quanto maiores as turbinas, mais eficiente se torna a relação entre energia produzida, área ocupada e custo por megawatt-hora, criando um ciclo virtuoso de produtividade.

    O Brasil ocupa posição de destaque nesse cenário. Com um dos maiores potenciais eólicos do planeta, o país já alcançou fatores de capacidade acima da média internacional, especialmente no Nordeste. Essa vantagem natural se soma a uma cadeia de suprimentos nacional robusta e a uma política regulatória que, nas últimas duas décadas, fomentou a expansão das renováveis. No entanto, a concentração da geração eólica em uma única região também trouxe desafios, como o risco de curtailment — cortes na produção por saturação da rede de transmissão. Esse fenômeno reforça a necessidade de diversificação geográfica e de investimentos em novas linhas, sob pena de comprometer ganhos de produtividade.

    É nesse contexto que surge o AGW172/7.X, maior aerogerador onshore das Américas, instalado em 2025 no Complexo Eólico de Brotas de Macaúbas, na Bahia. Desenvolvido pela WEG em parceria com a Petrobras e adquirido pela Statkraft, o projeto é um marco tecnológico e estratégico para o setor elétrico brasileiro. Este relatório toma o AGW172/7.X como referência para discutir como turbinas de grande porte poderiam operar em outras regiões do país, em especial no Rio Grande do Sul, explorando não apenas o recurso eólico, mas também a possibilidade de atender à demanda crescente de datacenters e infraestrutura digital. O objetivo é oferecer uma análise técnica e estratégica que apoie decisões de investimento e políticas públicas.

    O Aerogerador AGW172/7.X como Referência Tecnológica

    O desenvolvimento do aerogerador AGW172/7.X é resultado de uma articulação estratégica entre três atores centrais da transição energética no Brasil. A Petrobras, por meio da cláusula obrigatória de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PDI) da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), aportou R$ 130 milhões em recursos. Esse investimento viabilizou a construção de um protótipo em território nacional, adaptado às condições de vento brasileiras. A WEG, empresa brasileira reconhecida por sua atuação em soluções de energia e motores elétricos, foi a responsável pelo design, fabricação e integração dos componentes da turbina, consolidando sua posição como player global no segmento de geração renovável. Já a Statkraft, maior geradora de energia renovável da Europa e com forte presença no Brasil, assumiu o papel de cliente e operador, instalando a turbina no Parque Eólico de Seabra, no Complexo de Brotas de Macaúbas, como parte de seu programa de modernização.

    Do ponto de vista técnico, o AGW172/7.X representa um salto qualitativo. Com potência nominal de 7 MW, altura total de 220 metros e rotor de 172 metros de diâmetro, ele se destaca por sua escala inédita no continente. O equipamento pesa cerca de 1.830 toneladas, equivalente a seis estátuas do Cristo Redentor, e é capaz de gerar aproximadamente 2.500 MWh por mês, o suficiente para abastecer 15 mil residências brasileiras em um ano. Sua concepção privilegia a eficiência: ao gerar mais energia por unidade de área, reduz a necessidade de múltiplas torres e otimiza o uso do solo. Essa característica é particularmente relevante em projetos de repotenciação, onde turbinas antigas e menores podem ser substituídas por equipamentos de maior porte, mantendo a mesma infraestrutura básica de conexão e acesso.

    O impacto do AGW172/7.X vai além de sua performance operacional. A fabricação nacional, com forte participação de fornecedores locais, reforça a cadeia de suprimentos brasileira e posiciona o país como referência tecnológica na América Latina. Esse movimento reduz a dependência de importações, gera empregos de alta qualificação e cria condições para a exportação de conhecimento e tecnologia em energias renováveis.

    Além disso, o projeto se alinha diretamente à agenda de baixo carbono do Brasil. A Petrobras, tradicionalmente associada ao petróleo e ao gás, sinaliza sua estratégia de diversificação e redução de emissões, enquanto a WEG fortalece sua vocação para soluções sustentáveis e a Statkraft reafirma seu compromisso com a expansão de renováveis no país. O AGW172/7.X, portanto, não é apenas uma turbina: é um símbolo de como parcerias estratégicas podem transformar desafios energéticos em oportunidades de inovação, competitividade e descarbonização.

    Recurso Eólico no Brasil: Nordeste e Sul

    O Brasil figura entre os países com maior potencial eólico do mundo, e essa condição foi mapeada de forma abrangente pelo Atlas Eólico Nacional, elaborado inicialmente em 2001 e atualizado ao longo das últimas décadas por órgãos como o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (CEPEL), a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e instituições estaduais. Esse atlas demonstra que o país possui mais de 700 GW de potencial eólico onshore e cerca de 700 GW offshore, valores que superam várias vezes a atual capacidade instalada de geração elétrica nacional. Os mapas eólicos indicam regiões com ventos de alta velocidade e baixa turbulência, fundamentais para turbinas de grande porte.

    No contexto brasileiro, o Nordeste é, de longe, a região mais privilegiada. Estados como Rio Grande do Norte, Bahia, Piauí e Ceará apresentam ventos constantes e intensos, com fatores de capacidade médios entre 45% e 60%, patamares superiores à média global da indústria, que varia entre 30% e 40%. Essa constância explica por que a região concentra hoje mais de 80% da capacidade eólica instalada no país. No entanto, essa liderança vem acompanhada de um desafio estrutural: o curtailment. Com tantos parques eólicos gerando ao mesmo tempo, e a rede de transmissão nem sempre disponível para escoar toda a energia, parte da produção precisa ser cortada para manter o equilíbrio do sistema. Esse fenômeno vem crescendo nos últimos anos e pode se intensificar até 2030, caso os reforços planejados em linhas de transmissão, como os projetos de corrente contínua (HVDC) que conectam o Nordeste ao Sudeste, não avancem com a velocidade necessária.

    O Sul do Brasil, embora menos celebrado, apresenta potencial relevante. O Litoral Norte do Rio Grande do Sul tem ventos fortes, influenciados pela proximidade do oceano Atlântico, e conta com áreas planas e relativamente próximas de subestações, o que reduz custos logísticos e de conexão. Já a Campanha gaúcha, marcada por coxilhas e planaltos, oferece ventos estáveis e possibilidade de instalação de grandes parques, ainda que com maior sazonalidade em relação ao Nordeste. Estudos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Atlas Eólico estadual confirmam que essas regiões podem alcançar fatores de capacidade médios de 35% a 45%, chegando a 50% em alguns pontos do litoral.

    A principal diferença entre as duas regiões está no comportamento climático dos ventos. Enquanto o Nordeste se beneficia de ventos constantes praticamente o ano todo, garantindo elevada previsibilidade, o Sul apresenta maior sazonalidade, com meses de menor produção e outros de picos mais intensos. Essa variação, contudo, pode ser estratégica: ao complementar a geração do Nordeste, o Sul ajuda a equilibrar o portfólio nacional de energia eólica, reduzindo o risco de concentração e aumentando a segurança energética.

    Em resumo, o Atlas Eólico e os dados de operação comprovam que tanto o Nordeste quanto o Sul são regiões-chave. O primeiro garante excelência e produtividade recorde, mas enfrenta gargalos de transmissão e cortes de geração; o segundo oferece diversificação, proximidade a centros de consumo e menor risco de saturação da rede, ainda que com ventos mais sazonais. Essa complementaridade é um dos pontos centrais para pensar a expansão de turbinas de grande porte no Brasil.

    Comparativo do Recurso Eólico: Nordeste vs. Sul (RS)

    IndicadorNordeste (Bahia, RN, CE, PI)Sul (RS – Litoral Norte)Sul (RS – Campanha)
    Potencial mapeado (Atlas Eólico)> 400 GW onshore~ 20–30 GW estimados~ 15–20 GW estimados
    Velocidade média dos ventos (100 m altura)8–10 m/s7–9 m/s6,5–8 m/s
    Fator de capacidade típico45–60%40–50%35–45%
    Constância dos ventosAlta, regime quase contínuoBoa, mas com variação sazonalModerada, maior sazonalidade
    Curtailment atual/projetadoElevado (10–15% em média) devido à saturação da redeBaixo–médio (5–10%)Baixo (5–8%)
    Proximidade de centros de consumoMaior distância; necessidade de grandes linhas de transmissão (NE–SE)Próximo a regiões metropolitanas do Sul e SudesteMais distante, mas com boa conexão via subestações regionais
    Infraestrutura de transmissãoMalha sobrecarregada, reforços em curso (HVDC)Margem disponível, expansão planejadaMenor densidade, margem de crescimento
    Vantagem estratégicaAlta produtividade e referência mundialEstabilidade relativa, proximidade de carga e menor curtailmentDiversificação geográfica e potencial de expansão modular

    Curtailment e Infraestrutura de Transmissão

    O conceito de curtailment refere-se ao corte deliberado da geração de energia renovável, mesmo quando há vento ou sol disponível, devido a restrições do sistema elétrico. Esse fenômeno ocorre quando a produção supera a capacidade da rede de transmissão ou quando, por razões de estabilidade, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) precisa limitar a injeção de energia. Embora o curtailment seja uma prática operacional necessária para manter o equilíbrio da rede, ele representa um desafio econômico para geradores, pois reduz a receita e afeta o retorno sobre os investimentos.

    No Brasil, os casos mais críticos se concentram no Nordeste, onde está instalada a maior parte da capacidade eólica nacional. De acordo com relatórios recentes do ONS, em determinados meses o despacho das usinas eólicas tem sido limitado em até dois dígitos percentuais, sobretudo em áreas da Bahia, do Rio Grande do Norte e do Piauí. A elevada densidade de parques, associada à demora na expansão de linhas de transmissão estruturantes, gera um cenário em que parte da energia disponível não consegue ser escoada. Esse gargalo tende a persistir até a entrada em operação de projetos de corrente contínua de alta tensão (HVDC), planejados para interligar o Nordeste ao Sudeste e reforçar os corredores de transmissão existentes.

    No Rio Grande do Sul, a situação atual é menos crítica. Embora o estado já conte com diversos parques eólicos em operação e outros em fase de licenciamento, a rede ainda apresenta margens de expansão que reduzem o risco imediato de cortes significativos. Além disso, a localização do RS, mais próxima dos grandes centros de carga do Sul e Sudeste, facilita o escoamento da energia gerada e diminui a dependência de longos corredores de transmissão. A sazonalidade dos ventos, embora reduza a previsibilidade em relação ao Nordeste, também ajuda a aliviar pressões na rede ao distribuir a geração em padrões diferentes.

    Do ponto de vista regulatório e de planejamento, a EPE e o ONS têm apontado a necessidade de investimentos consistentes em reforços de rede, tanto no Nordeste quanto no Sul. Além dos projetos HVDC, estão em análise expansões regionais para atender a novas demandas, inclusive as associadas a datacenters e eletrointensivas, que exigirão fornecimento contínuo e confiável. Assim, mitigar o curtailment passa não apenas pela diversificação geográfica da geração, mas também por políticas de transmissão alinhadas à velocidade da expansão renovável.

    Metodologia de Análise Comparativa

    A análise comparativa entre o desempenho do AGW172/7.X na Bahia e os cenários projetados para o Rio Grande do Sul foi conduzida a partir de uma metodologia padronizada, baseada em premissas técnicas consolidadas no setor de energia renovável. O objetivo foi estimar a geração líquida anual (GWh/ano) em diferentes cenários, incorporando variáveis técnicas do aerogerador e fatores externos relacionados à rede elétrica.

    As premissas técnicas adotadas foram:

    • Potência nominal (Pn): 7 MW, tomando o AGW172/7.X como referência.
    • Disponibilidade operacional: 95–97%, em linha com médias internacionais para turbinas de grande porte.
    • Perdas operacionais: 5–7%, englobando perdas mecânicas (conversão, engrenagens) e elétricas (cabos e transformadores).
    • Fator de Capacidade (FC): faixa de valores específica por região, conforme dados do Atlas Eólico Nacional e do Atlas Eólico do Rio Grande do Sul.
    • Curtailment: aplicado como faixa percentual de cortes médios na geração, variando entre 5% e 15% dependendo da região e da saturação da rede.

    As fontes de dados utilizadas foram:

    • ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico): séries históricas de geração e indicadores de curtailment no Nordeste.
    • EPE (Empresa de Pesquisa Energética): projeções sobre expansão da transmissão e integração de renováveis.
    • Atlas Eólico Nacional e Atlas Eólico RS (SEMA/RS): dados médios de vento por altura e localidade.
    • Estudos acadêmicos de UFRGS, UFSM e INPE, que oferecem parâmetros de confiabilidade para fatores de capacidade regionais.

    A fórmula utilizada para o cálculo da geração líquida anual foi escrita da seguinte forma em texto plano:

    Geração (GWh/ano) = Potência nominal (MW) × 8760 (h/ano) × Fator de Capacidade × (1 – Perdas) × (1 – Curtailment)

    Para definir a faixa de resultados (mín–máx) em cada cenário, a metodologia combinou:

    • Mínimo: fator de capacidade mais baixo + perdas máximas + curtailment máximo.
    • Máximo: fator de capacidade mais alto + perdas mínimas + curtailment mínimo.

    Esse procedimento garante que a faixa reflita condições extremas plausíveis, cobrindo tanto o pior quanto o melhor caso operacional.

    Limitações:

    1. Os cálculos se baseiam em faixas médias de vento, não em campanhas anemométricas locais — indispensáveis em projetos comerciais.
    2. Os valores de curtailment são estimativas médias a partir de relatórios do ONS, sujeitos a variações sazonais.
    3. Não foram considerados efeitos microclimáticos como turbulência, topografia e sombra de esteira.

    Mesmo com essas restrições, a metodologia fornece um quadro transparente e robusto, adequado para análises estratégicas e para apoiar decisões sobre diversificação geográfica da matriz eólica.

    Resultados da Análise: Bahia vs. Rio Grande do Sul

    O AGW172/7.X instalado na Bahia serve como referência de desempenho para turbinas de grande porte no Brasil. Com potência nominal de 7 MW, altura de 220 metros e rotor de 172 metros de diâmetro, a turbina foi projetada para operar com fatores de capacidade entre 50% e 55% em condições ideais da região Nordeste. A aplicação da metodologia apresentada anteriormente, considerando perdas operacionais entre 5% e 7% e curtailment entre 10% e 15%, resulta em uma geração líquida anual que varia de 24,2 a 28,8 GWh. Esses números confirmam a alta produtividade do Nordeste, mas também evidenciam a redução de receita causada pelos cortes de energia não escoada devido à saturação da rede.

    No cenário projetado para o Rio Grande do Sul – Litoral Norte, as condições de vento permitem fatores de capacidade entre 40% e 50%. Combinando perdas operacionais e curtailment em faixas de 5% a 10%, a geração líquida anual estimada fica entre 20,5 e 27,7 GWh. Embora o valor mínimo seja inferior ao da Bahia, o valor máximo se aproxima bastante. A diferença qualitativa é relevante: o RS apresenta menor risco de curtailment e maior proximidade de centros de consumo, o que pode garantir previsibilidade de fornecimento em contratos de longo prazo, como os PPAs voltados para datacenters.

    Já no cenário da Campanha gaúcha, onde os ventos são menos intensos, mas ainda competitivos, os fatores de capacidade variam entre 35% e 45%. Com perdas na faixa de 5% a 7% e curtailment de 5% a 8%, a geração líquida anual estimada situa-se entre 18,4 e 24,9 GWh. Apesar de apresentar valores inferiores em relação ao Litoral Norte e à Bahia, a Campanha oferece como diferencial estratégico a possibilidade de expansão em áreas com menor densidade de parques eólicos e complementaridade sazonal em relação ao Nordeste.

    Tabela Comparativa – Bahia x Rio Grande do Sul

    IndicadorBahia – AGW172/7.X (ref.)RS – Litoral Norte (hip.)RS – Campanha (hip.)
    Potência nominal7 MW7 MW7 MW
    Fator de capacidade (faixa)50–55%40–50%35–45%
    Perdas operacionais5–7%5–7%5–7%
    Curtailment (faixa)10–15%5–10%5–8%
    Geração líquida (GWh/ano)24,2–28,820,5–27,718,4–24,9
    Condição de redeSaturação em pontos críticosEstável, margem de expansãoEstável, baixa densidade
    Proximidade de cargaNecessita grandes linhas NE–SEPróxima a hubs do Sul/SudesteIntermediária, subestações regionais
    Aplicações em datacentersAlta produtividade, risco de cortesBoa estabilidade para PPAsDiversificação e complementaridade

    Explicação detalhada da tabela

    A tabela sintetiza os cálculos de geração líquida anual do aerogerador AGW172/7.X em três cenários distintos — Bahia (referência real), RS – Litoral Norte e RS – Campanha — considerando os mesmos parâmetros técnicos da turbina, mas ajustando os fatores de capacidade, perdas e curtailment conforme as condições regionais.

    1. Potência nominal e dimensões:

    • Permanecem fixas em 7 MW e rotor de 172 m, pois tratamos da mesma máquina. Assim, as diferenças entre os cenários decorrem exclusivamente do regime de ventos e das condições de rede.

    2. Fator de capacidade (FC):

    • Bahia: 50–55%, coerente com medições do ONS e relatórios do Atlas Eólico Nacional para a região do semiárido baiano.
    • RS – Litoral Norte: 40–50%, sustentado por ventos marítimos consistentes e dados do Atlas Eólico do RS.
    • RS – Campanha: 35–45%, refletindo ventos mais moderados e maior sazonalidade, conforme estudos da UFRGS e UFSM.

    Esse indicador é o principal determinante da geração bruta, pois mede o aproveitamento efetivo do recurso eólico.

    3. Perdas operacionais:

    • Uniformizadas em 5–7% em todos os cenários, abrangem perdas elétricas e mecânicas típicas de turbinas de grande porte. A padronização permite comparação direta entre regiões, sem enviesar os resultados.

    4. Curtailment:

    • Bahia: 10–15%, nível elevado devido à saturação crônica da malha de transmissão no Nordeste.
    • RS – Litoral Norte: 5–10%, risco moderado, dado que a região ainda possui margem na rede e menor densidade de parques.
    • RS – Campanha: 5–8%, risco baixo, associado a uma área ainda pouco explorada para eólica.

    Esse fator é decisivo para explicar porque a Bahia, embora mais produtiva em termos brutos, sofre reduções significativas no resultado líquido.

    5. Geração líquida (GWh/ano):

    • Bahia: 24,2–28,8 GWh — maior produtividade absoluta, mas sujeita a cortes.
    • RS – Litoral Norte: 20,5–27,7 GWh — valores que podem se aproximar da Bahia em cenários favoráveis, com maior estabilidade de escoamento.
    • RS – Campanha: 18,4–24,9 GWh — menor geração, mas ainda competitiva e útil para diversificação.

    Os intervalos foram obtidos pela combinação sistemática dos extremos (mínimo = FC mais baixo + perdas máximas + curtailment máximo; máximo = FC mais alto + perdas mínimas + curtailment mínimo). Essa abordagem garante realismo e transparência, evitando superestimações.

    6. Condição de rede e proximidade de carga:

    • Bahia: exige grandes corredores de transmissão até o Sudeste, sujeitos a gargalos.
    • RS – Litoral Norte: próximo a regiões metropolitanas e linhas de escoamento consolidadas, com risco menor de restrições.
    • RS – Campanha: localização interiorana, mas com possibilidade de integração a subestações regionais em expansão.

    7. Aplicações em datacenters:

    • Bahia: energia abundante, mas com risco de cortes, o que pode comprometer contratos de disponibilidade rígidos.
    • RS – Litoral Norte: combinação de geração estável e proximidade de carga, ideal para PPAs de longo prazo voltados ao setor digital.
    • RS – Campanha: opção para diversificação geográfica, criando portfólios híbridos que equilibram diferentes perfis de vento e reduzem riscos sistêmicos.

    Em síntese, a tabela evidencia que a Bahia é imbatível em termos de fator de capacidade bruto, mas o Rio Grande do Sul oferece vantagens estratégicas ligadas à estabilidade da rede, à proximidade de consumidores intensivos de energia e à menor exposição ao curtailment. Para setores como o de datacenters, que demandam contratos firmes e previsibilidade, essa diferença pode ser mais relevante do que alguns pontos percentuais a mais de geração.

    Integração com Datacenters e Infraestrutura Digital

    O crescimento acelerado do mercado de datacenters no Brasil é um vetor estratégico para a demanda de energia elétrica estável, previsível e com baixo impacto ambiental. Nos últimos anos, o país consolidou-se como destino prioritário de investimentos de gigantes globais da nuvem, empresas de telecomunicações e operadoras de serviços digitais. Esse movimento responde a fatores como o aumento do tráfego de dados, a adoção de inteligência artificial em larga escala e a necessidade de infraestrutura local para atender legislações de soberania digital e latência de rede. Estima-se que, até o final da década, o Brasil deverá concentrar mais de 50% da capacidade instalada de datacenters da América Latina, com polos emergentes em São Paulo, Rio de Janeiro e regiões estratégicas de menor custo energético.

    Para esse segmento, a energia é mais do que insumo: é um requisito de missão crítica. Os contratos de nível de serviço (SLAs) exigem disponibilidade superior a 99,99%, o que implica em fornecimento contínuo, previsível e resiliente. Além disso, há pressão crescente de clientes corporativos e investidores para que o consumo seja integralmente proveniente de fontes renováveis certificadas, reduzindo a pegada de carbono. Nesse contexto, os datacenters privilegiam parcerias com geradores que ofereçam não apenas energia limpa, mas também previsibilidade e flexibilidade contratual.

    Os Power Purchase Agreements (PPAs) verdes têm sido o modelo dominante para garantir tais condições. Nesses contratos, os datacenters asseguram o suprimento de energia de longo prazo a preços competitivos, ao mesmo tempo em que financiam a expansão de parques renováveis. No Brasil, esse movimento tem crescido com destaque em energia solar e eólica, sobretudo em regiões onde há disponibilidade de terrenos, recursos e linhas de transmissão.

    O Rio Grande do Sul desponta como oportunidade estratégica para se posicionar como hub digital de segunda geração. Diferente do Nordeste, que apresenta maiores fatores de capacidade, mas sofre restrições de curtailment e longas distâncias até os centros de carga, o RS combina três vantagens: (i) proximidade de grandes consumidores corporativos e centros urbanos do Sul e Sudeste; (ii) menor saturação da rede de transmissão, o que garante maior confiabilidade; (iii) possibilidade de complementaridade entre as regiões do Litoral Norte e da Campanha, oferecendo perfis de vento diversificados. Essas condições favorecem a negociação de PPAs customizados para datacenters que buscam segurança energética de longo prazo.

    Por fim, a integração com sistemas de armazenamento em baterias (BESS) e projetos de hidrogênio verde amplia ainda mais a atratividade. O BESS possibilita suavizar a variabilidade da geração eólica, garantindo resposta rápida a picos de demanda ou falhas momentâneas. Já o hidrogênio verde, produzido em momentos de excedente, pode ser convertido em insumo estratégico para descarbonização de setores industriais, ao mesmo tempo em que oferece backup energético de alta duração. Essa integração cria um ecossistema capaz de atender não apenas aos requisitos energéticos de datacenters, mas também de posicionar o RS como referência nacional em infraestrutura digital sustentável.

    Benchmark Internacional e Lições Aprendidas

    O desenvolvimento de turbinas de grande porte é uma tendência consolidada no setor eólico mundial. Na China, que lidera a instalação global de capacidade, já existem turbinas onshore de 8 MW em operação comercial, projetadas para maximizar o aproveitamento em regiões de ventos estáveis do interior. Nos Estados Unidos, o movimento tem sido semelhante, com a adoção de turbinas onshore acima de 6 MW em estados como Texas e Oklahoma, onde a vasta disponibilidade de terra e as longas linhas de transmissão permitem ganhos de escala. Na Europa continental, países como Alemanha e Espanha têm impulsionado a adoção de equipamentos de grande porte onshore como parte de programas de modernização de parques eólicos mais antigos, substituindo turbinas de 2–3 MW por modelos acima de 6 MW em áreas já licenciadas.

    No caso offshore, a fronteira tecnológica já atingiu turbinas de 10 a 15 MW, especialmente no Mar do Norte e na costa chinesa. Modelos como o Haliade-X da GE (14 MW) e o MingYang MySE (16 MW em fase de testes) representam o estado da arte, permitindo a instalação de menos torres por projeto e alcançando fatores de capacidade acima de 60%. Esse movimento consolida a eólica offshore como alternativa competitiva em regiões de alta demanda energética próxima ao litoral, ao mesmo tempo em que viabiliza contratos diretos com consumidores de grande porte, como indústrias eletrointensivas e datacenters.

    A integração da energia eólica com datacenters já é realidade em países da Europa e da Ásia. Irlanda e Dinamarca, por exemplo, abrigam grandes hubs digitais abastecidos diretamente por PPAs de parques eólicos, enquanto na China empresas de tecnologia estabeleceram contratos híbridos envolvendo eólica, solar e baterias para garantir SLAs rigorosos de disponibilidade.

    Para o Brasil, as lições são claras. A escalabilidade de turbinas onshore de grande porte, como o AGW172/7.X, deve ser acompanhada de planejamento integrado de rede e armazenamento, prevenindo curtailment e garantindo confiabilidade. Além disso, a aproximação entre geradores e datacenters, já praticada internacionalmente, pode ser adaptada ao contexto do Rio Grande do Sul, criando um diferencial competitivo frente a outros polos digitais latino-americanos.

    Tabela Comparativa – Benchmark Internacional

    Região / TipoPotência Típica de TurbinasFator de Capacidade (FC)Aplicações em Datacenters
    China (Onshore)6–8 MW40–50%Contratos híbridos (eólica + solar + BESS) para suportar hubs digitais em crescimento.
    EUA (Onshore)6–7 MW35–45%PPAs em regiões de alto consumo (Texas, Oklahoma), com integração em nuvem corporativa.
    Europa (Onshore)6–7 MW (repotenciação de parques antigos)35–45%Suporte direto a datacenters em países como Irlanda e Dinamarca, com foco em previsibilidade contratual.
    Offshore (Europa/Ásia)10–15 MW (Haliade-X, MingYang MySE)55–65%Fornecimento dedicado a datacenters costeiros e indústrias eletrointensivas, reduzindo custo de transmissão.

    Implicações Estratégicas para o Brasil

    A análise comparativa entre o desempenho do AGW172/7.X na Bahia e os cenários hipotéticos no Rio Grande do Sul revela implicações relevantes para o futuro da matriz elétrica brasileira. O país já figura entre os líderes globais em energia eólica, mas enfrenta desafios de saturação da rede no Nordeste, onde se concentra a maior parte da geração. Nesse contexto, a diversificação geográfica torna-se prioridade estratégica, não apenas para ampliar a capacidade instalada, mas sobretudo para mitigar os riscos de curtailment que afetam a rentabilidade dos projetos e comprometem a segurança do suprimento.

    A inserção do Rio Grande do Sul como polo complementar oferece vantagens claras. O Litoral Norte apresenta condições de vento competitivas e proximidade de grandes centros de consumo, reduzindo perdas de transmissão e viabilizando contratos de longo prazo para clientes intensivos em energia, como datacenters e indústrias. Já a região da Campanha, ainda que com menor fator de capacidade, agrega valor pela possibilidade de expansão em áreas de baixa densidade de projetos e pela complementaridade sazonal com o Nordeste, fortalecendo a resiliência do sistema.

    Do ponto de vista industrial, o desenvolvimento de turbinas de grande porte em território nacional, como o AGW172/7.X, reforça a capacidade tecnológica da cadeia de suprimentos brasileira. Isso cria oportunidades para fornecedores locais de componentes, engenharia e serviços especializados, consolidando o país como hub regional de inovação eólica.

    Por fim, a conexão entre energia renovável e economia digital abre espaço para uma agenda de longo prazo: a inserção do Rio Grande do Sul no mapa dos hubs digitais sustentáveis. Ao alinhar geração renovável, estabilidade de rede e integração com soluções de armazenamento e hidrogênio verde, o Brasil pode transformar sua vantagem natural em vetor de competitividade global, posicionando-se como fornecedor confiável de energia para a nova economia de dados.

    Conclusões e Recomendações

    A análise do aerogerador AGW172/7.X como referência tecnológica evidencia a maturidade alcançada pela indústria eólica brasileira. Os resultados confirmam que, em condições ideais do Nordeste, essa turbina é capaz de entregar produtividade elevada, entre 24,2 e 28,8 GWh/ano, mesmo considerando perdas e curtailment. Contudo, também se comprova que a concentração geográfica da geração acarreta gargalos de transmissão e redução de receita para os investidores. O estudo de cenários no Rio Grande do Sul revela alternativas competitivas: no Litoral Norte, a geração pode alcançar até 27,7 GWh/ano com maior confiabilidade de rede, enquanto a Campanha oferece potencial de diversificação com menor risco de saturação.

    A partir desses achados, algumas recomendações se destacam. Para o setor elétrico, é fundamental adotar políticas que incentivem a diversificação regional dos projetos eólicos, equilibrando ganhos de fator de capacidade com a confiabilidade de escoamento. Para os datacenters, a escolha da localização deve considerar não apenas a disponibilidade de energia limpa, mas também a previsibilidade contratual via PPAs e a integração com soluções de armazenamento. Já os reguladores precisam avançar em marcos que estimulem a expansão coordenada de transmissão e a integração de novas tecnologias, como BESS e hidrogênio verde, garantindo condições de competitividade global.

    No médio prazo, o Brasil deve consolidar hubs de geração renovável alinhados à economia digital, como no Sul e no Nordeste, articulando complementaridade sazonal e segurança de rede. No longo prazo, a aposta em turbinas de grande porte, combinada à evolução da cadeia de suprimentos nacional, posicionará o país como player de referência em energia renovável e infraestrutura digital sustentável na América Latina.

  • Digital Twins na Modernização da Indústria Brasileira: Oportunidade Histórica para Competitividade e Sustentabilidade

    Digital Twins na Modernização da Indústria Brasileira: Oportunidade Histórica para Competitividade e Sustentabilidade

    O desafio da modernização industrial no Brasil

    A indústria brasileira vive um momento decisivo. Nas últimas décadas, sua participação no PIB despencou de mais de 25% nos anos 1980 para pouco mais de 11% em 2024, reflexo de um processo contínuo de desindustrialização. Essa perda de relevância está diretamente associada ao envelhecimento do parque fabril, ao baixo nível de automação e à defasagem tecnológica em relação a economias que avançaram de forma acelerada na digitalização e na integração de suas cadeias produtivas globais.

    Enquanto países da Ásia, da Europa e da América do Norte incorporaram de forma intensa inteligência artificial, automação avançada e manufatura digitalizada, o Brasil ainda opera com processos analógicos e equipamentos defasados. Essa realidade resulta em custos elevados, desperdícios energéticos e dificuldades crescentes para competir em mercados internacionais de maior valor agregado.

    Neste cenário, a modernização industrial não é mais uma escolha estratégica. É uma condição de sobrevivência.

    Políticas públicas e a resposta do governo

    O Nova Indústria Brasil (NIB)

    Para enfrentar esse desafio, o governo federal lançou em 2024 o Nova Indústria Brasil (NIB), programa que busca frear a desindustrialização, fomentar a autonomia tecnológica e alinhar o país às megatendências globais de inovação e sustentabilidade. A diretriz central é clara: estimular a digitalização, a eficiência energética e a inovação como pilares de uma nova competitividade.

    O NIB também responde a pressões externas. As principais economias globais estruturam suas estratégias industriais em torno da inteligência artificial, da automação e da transição energética. O Brasil, ao reposicionar sua indústria, procura não apenas recuperar terreno, mas também garantir espaço nas cadeias globais de valor.

    O papel da FINEP, do BNDES e do P&D da ANEEL

    O ecossistema de fomento foi reforçado por três instrumentos principais:

    • FINEP – Programa Mais Inovação: oferece crédito reembolsável em condições diferenciadas e subvenção econômica para apoiar pesquisa, prototipagem e validação de novas tecnologias.
    • BNDES – Linha Indústria 4.0: lançada em 2025, disponibiliza R$ 12 bilhões para financiar aquisição de máquinas digitais, soluções de IoT e sistemas de automação avançada.
    • ANEEL – Programa de P&D do Setor Elétrico: obriga concessionárias a investirem parte de sua receita em projetos de inovação, garantindo fluxo contínuo de bilhões de reais aplicados em eficiência energética, digitalização de redes e novas tecnologias industriais.

    Esses mecanismos convergem em torno de quatro objetivos: aumentar a produtividadereduzir a defasagem tecnológicainserir o Brasil em cadeias globais de maior sofisticação e atender às metas de sustentabilidade.

    Digital Twins: o cérebro da nova indústria

    Conceito e funcionamento

    Os Digital Twins, ou gêmeos digitais, representam uma cópia virtual dinâmica de um ativo, processo ou sistema físico, alimentada por dados em tempo real. Diferem de simples modelos estáticos porque são organismos digitais vivos, capazes de simular comportamentos, prever falhas e recomendar ações.

    O funcionamento envolve três camadas: a coleta contínua de dados por sensores e dispositivos inteligentes; a construção de modelos digitais que simulam o comportamento real; e o ciclo de retroalimentação, no qual o físico atualiza o digital e o digital orienta o físico. Esse processo cria um ambiente de aprendizado contínuo, transformando dados em inteligência acionável.

    Benefícios estratégicos

    Os benefícios para a indústria são expressivos:

    • Manutenção preditiva: redução de custos de paradas não planejadas.
    • Eficiência energética: identificação e correção de desperdícios em tempo real.
    • Prototipagem virtual: redução do custo de testes físicos, acelerando a inovação.
    • Decisão baseada em dados: dashboards e relatórios inteligentes para orientar gestores.

    Com esses ganhos, os Digital Twins deixam de ser promessa e se consolidam como tecnologia estratégica para aumentar a produtividade e reduzir riscos operacionais.

    O que a FIEE 2025 mostrou sobre o mercado

    FIEE 2025, principal feira da indústria elétrica, eletrônica, energia e automação da América Latina, apresentou um portfólio de equipamentos que confirmam a maturidade da base tecnológica já disponível no Brasil.

    Entre os destaques observados:

    • Medidores inteligentes: monitoramento de tensão, corrente, potência ativa e harmônicas.
    • Analisadores de qualidade de energia: conformidade com o PRODIST, registrando afundamentos, elevações de tensão, flicker e desequilíbrios.
    • Gateways IoT: interoperabilidade com protocolos como Modbus, MQTT e Ethernet/IP.
    • Dispositivos de edge computing: pré-processamento local de dados para reduzir latência.
    • Sistemas de gestão de energia: integração de hardware e software, consolidando dados em tempo real em dashboards acessíveis.

    Essa infraestrutura compõe a espinha dorsal necessária para projetos de Digital Twins. O próximo passo é conectar os dados coletados a modelos digitais robustos que gerem valor.

    Estrutura básica do projeto de Digital Twins

    Estou desenvolvendo um projeto que busca exatamente esse alinhamento entre infraestrutura e inteligência. A proposta inclui:

    • Instalação de equipamentos de borda: sensores e dispositivos de edge computing em pontos críticos.
    • Coleta e padronização de dados: variáveis elétricas, ambientais e operacionais consolidadas segundo normas nacionais como o PRODIST.
    • Data Lake e banco de dados: arquitetura escalável para séries temporais, eventos e metadados.
    • Modelagem com IA: treinamento de algoritmos de Machine Learning para detecção de anomalias e otimização de processos.
    • Dashboards inteligentes: KPIs de eficiência, manutenção e produtividade.
    • Manutenção preditiva e simulação: algoritmos que antecipam falhas e testam cenários operacionais.
    • Chatbots de suporte: assistentes digitais baseados em IA generativa para apoiar engenharia, manutenção e produção em tempo real.

    Esse modelo transforma sensores em inteligência e crédito em competitividade, alinhando o Brasil às melhores práticas globais.

    Conclusão: oportunidade histórica

    A modernização da indústria brasileira está sustentada por políticas públicas robustas, tecnologias já disponíveis e instrumentos de financiamento acessíveis. O verdadeiro desafio é integrar esses elementos em soluções que tragam retorno claro sobre o investimento.

    Os Digital Twins representam o próximo salto. Eles unem dados, modelos digitais e inteligência artificial para criar ambientes produtivos mais resilientes, eficientes e sustentáveis. Projetos pioneiros nessa linha podem se tornar catalisadores da transformação, conectando incentivos públicos a soluções digitais que reposicionem a indústria brasileira no cenário global.

    Em suma, a modernização não é apenas uma necessidade. É uma oportunidade histórica para transformar crédito e hardware em produtividade, competitividade e sustentabilidade real.


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