Os carros autônomos e as perturbações do mercado: o efeito borboleta

O efeito borboleta faz parte da teoria do caos, que mostra dependência sensível de variáveis às condições iniciais, onde uma pequena mudança em um estado de um sistema não linear determinístico pode resultar em grandes diferenças em estado posterior. O termo “efeito borboleta” está associado as pesquisas de Edward Lorenz. A proposta deste artigo é iniciar uma discussão sobre os efeitos na sociedade e mercado com a introdução de carros autônomos. Quais as perturbações do mercado e o que mudará na rotina das pessoas e da economia?

O termo “efeito borboleta” refere-se à ideia de que as asas de uma borboleta podem criar pequenas mudanças na atmosfera e podem, no limite, alterar a trajetória de um tornado ou atrasar, acelerar ou mesmo impedir a ocorrência de um tronado em outro local. A borboleta não dá força ou cria diretamente um tornado, porém é pode ser parte inicial de um conjunto de condições que leva a um tornado.

Partindo desta hipótese, o que mudará com a gradativa substituição dos motoristas de carros convencionais por carros com sistemas autônomos?

Eu trabalho e ensino cenários prospectivos que procuram prever o futuro, na verdade, identificando variáveis motrizes e dependentes que se tratadas e podendo ser influenciadas através dos atores envolvidos, direta ou indiretamente, podem criar um cenário no futuro de acordo com a imaginação de uma pessoa ou grupo de pessoas. A criação de cenários prospectivos foi impulsionada com o uso de inteligência artificial, ampliando as possibilidades de simulações.

O importante nestes estudos é prestar a atenção em pequenas mudanças e avaliar o seu impacto futuro.

A SAE – Sociedade dos Engenheiros Automotivos – definiu o nível de automação dos carros em cinco níveis distintos, que vão do SAE 0 a SAE 5.

  • SAE 0 – Sem automação. Todos os controles dependem dos humanos;
  • SAE 1 – Assistência ao Condutor. O sistema consegue ajudar o motorista com atividades simples, como manutenção da velocidade;
  • SAE 2 – Automação parcial. Além de manter a velocidade, ajuda o motorista a manter sua direção, mas é necessário um humano assumir o controle em caso de risco;
  • SAE 3 – Automação condicional. O veículo pode se movimentar por conta própria, tanto na parte de aceleração e direção quanto no monitoramento ativo do ambiente, mas o humano tem que assumir o controle em caso de risco;
  • SAE 4 – Alta automação. Neste nível o motorista pode até dormir ao longo do trajeto, onde praticamente todas as atividades são realizadas pelo sistema autônomo;
  • SAE 5 – Automação completa. Neste nível, provavelmente, os motoristas se tornarão passageiros e proibidos de dirigir, aumentando o nível de segurança dos carros.

A Statista, empresa alemã de pesquisa, estima que em 2024 serão vendidos no mundo 18,43 milhões de veículos com automação nível 2, que permite ao motorista tirar as mãos do volante, e 860.000 veículos com níveis de automação condicional, alta e completa. O Gartner, consultoria americana de tecnologia, estima para 2023 a venda de 745.705 veículos com níveis automação sem supervisão humana, nível 3 e acima. Ou seja, as estimativas são consistentes.

Investimentos de pesos pesados da tecnologia estão investindo em P&D para veículos autônomos, além da Tesla e Alphabet. A Amazon está trabalhando em um veículo autônomo multifuncional com a Toyota. A Apple contratou o ex-Waymo e engenheiro da NASA em junho de 2018 para liderar o Projeto Titan, hoje possui 70 veículos autônomos circulando na Califórnia. A APTIV fez mais de 100.000 corridas de taxi sem motorista em Las Vegas em colaboração com a Lyft. A Autoliv se associou à Volvo para desenvolver um software automotivo autônomo. A chinesa Baidu já rodou 3 milhões de quilômetros com veículos autônomos em ambientes urbanos, explorando um mercado potencial na China de US$500 bilhões até 2030, de acordo com a McKinsey. A Bosch investiu US$1,1 bilhão em uma instalação para a produção de semicondutores para tecnologias de autodireção, casas e cidades inteligentes, e tem mais de 2.000 engenheiros dedicados para desenvolver tecnologias de assistência ao motorista. A Cisco começou a construir uma infraestrutura para direção autônoma com a MDOT (Michigan Department of Transportation) em 2017. A fornecedora automotiva alemã Continental fez uma parceria com a Nvidia para construir sistemas de veículos autônomos. A Ford tem planos para implantar veículos autônomos até 2022, adquiriu a startup Argo AI, estabeleceu parcerias com a Domino’s e Walmart para pilotos de entrega autônomos e, fechou uma parceria com a Google para ter o Android e serviços em seus carros. A GM lançou o Super Cruise semiautônomo em 2018 e busca aprovação regulatória para implantar veículos Cruise Orign sem pedais e volante. A Honda tem planos para produzir veículos nível 3 de automação em massa aprovado pelo governo japonês. A Huawei fez uma parceria com a Vodafone para trabalhar em tecnologias móveis para conexão de veículos. A Hyundai está investindo US$35 bilhões ao longo de 5 anos em direção autônoma e se juntou à gigante russa de tecnologia Yandex para desenvolver tecnologia autônoma. A Jaguar Land Rover concentra-se na assistência à direção e faz parceria com a Waymo para construir carros autônomos. A Microsoft fornece serviços de nuvem Azure para empresas que trabalham com carros autônomos e fornece sua tecnologia HoloLens (soluções de realidade misturada) para a Volvo. A Samsung recebeu aprovação da Coreia do Sul para testar seus carros autônomos. A Tesla lançou o Autopilot, sua tecnologia semiautônoma de assistência ao motorista em 2014 e o Autopilot Hardware 3 em 2019. A Volkswagen fez uma joint venture de US$7 bilhões com a Ford em 2019 para desenvolvimento de tecnologia na plataforma de direção autônoma Argo AI da Ford. Waymo da Alphabet recebe licença para robotaxis na Califórnia e expande sua frota e serviços. A BlackBerry investe deste 2010 no setor automobilístico quando comprou a QNX, agora com planos para se tornar líder em software para carros autônomos e semiautônomos.

Como percebemos existe um esforço internacional para a implantação de veículos autônomos. Interessante observar que em 135 anos do nascimento do carro moderno com o Benz Patent-Moterwagen, pelo alemão Karl Benz, só agora com as tecnologias de computação e telecomunicações é que estamos experimentando uma mudança radical na direção dos carros.

Como vimos as empresas do setor automobilístico já estão em plena transformação do seu negócio e se adequando ao novo modelo. Gradativamente, reduzindo os modelos e produção de carros movidos a combustão e investindo mais em tecnologias de veículos autônomos, como o caso da Ford. O grande desafio para as tradicionais empresas do setor automobilístico e que estão concorrendo com empresas do setor de tecnologia da informação, como a Waymo da Alphabet, Apple, Samsung, Baidu e Amazon.

Todo este movimento global de veículos autônomos está gerando ondas que perturbam o mercado e geram o efeito borboleta.

Alguns efeitos são claros, como a substituição dos motoristas de carros compartilhados e de caminhões. A chinesa TuSimple obteve autorização para colocar 5.000 caminhões para rodar nas estradas chinesas em 2021, a partir de um piloto nos arredores de Xangai transportando contêineres para o porto de Yanshan, sem nenhum acidente grave. Isto irá reduzir o número de motoristas que devem migrar para outras atividades.

Com menor incidência de acidentes, já que sabidamente a maioria é por falha humana, a indústria de reparos será afetada, reduzindo suas atividades e gerando mais desemprego. A consultoria McKinsey estima que os veículos autônomos poderão reduzir as colisões em até 90%. Com isto, o mercado de seguros de automóveis irá declinar com a simples suspensão dos seguros de carros ou tendo que reduzir drasticamente os valores dos prêmios. A indústria de saúde também será afetada, pois com menos acidentes terão menores custos e, deverão praticar menores valores de seguro saúde. Os hospitais também poderão reduzir a infraestrutura para atendimento de acidentados e, consequentemente, reduzir seu staff médico, incluindo enfermeiros e enfermeiras.

O transporte público também será afetado, pois com a maior disponibilidade de carros compartilhados autônomos, sem motoristas, as pessoas poderão se deslocar de um ponto a outro com maior facilidade, sem o inconveniente de usar rotas pré-definidas.

Outro impacto será nos hotéis ao longo das estradas para descanso dos motoristas. Uma vez que os passageiros poderão dormir nos carros autônomos, não haverá a necessidade dos hotéis. As companhias aéreas regionais perderão passageiros, pois muitos optarão em seguir viagem de carro, trabalhando ou dormindo, do que enfrentas o stress dos aeroportos.

Com o aumento dos veículos autônomos em constante circulação provocará maior ociosidade de vagas de estacionamento, que poderão ser utilizadas para outras finalidades, podendo até gerar um novo boom imobiliário para trazer as pessoas para mais perto do trabalho.

Poderemos migrar do home-office para o car-office, uma vez que os motoristas não precisarão prestar atenção no trânsito. Com isto, as pessoas podem optar em viver longe dos centros urbanos e adquirirem melhor qualidade de vida.

Os restaurantes poderão ser afetados se existirem configurações de carros autônomos com ambiente para refeições, explorando novas experiencias para os consumidores. Hotéis e motéis também poderão ter seus atuais clientes migrando para carros autônomos.

Os carros autônomos associados com a eletrificação reduzirão os congestionamentos e contribuirão para a melhoria do clima.

Por último, sem esgotar outras possibilidades, este movimento de carros autônomos poderá reduzir a fabricação de carros, pois os consumidores migrarão para os novos serviços compartilhados oferecidos.

Resumindo, os investimentos de várias empresas do setor automobilístico e de tecnologia em carros autônomos irá introduzir rapidamente novos hábitos nos consumidores que afetará outros setores, com maior ou menor intensidade, produzindo o chamado “efeito borboleta”.