O mercado de carbono se consolida como um dos principais instrumentos globais para acelerar a descarbonização da economia. Ao permitir a compensação de emissões por meio de créditos gerados por projetos ambientais, ele conecta metas climáticas a incentivos econômicos. No entanto, sua credibilidade ainda é desafiada por falhas na mensuração das emissões evitadas, ausência de adicionalidade em muitos projetos e dificuldade de verificação contínua e padronizada.
Com o avanço da tecnologia e a aprovação do Marco Legal do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), o Brasil se encontra diante de uma oportunidade concreta: desenvolver infraestruturas inteligentes de carbono baseadas em inteligência artificial (IA), blockchain e sensoriamento ambiental, capazes de rastrear, certificar e monetizar créditos de forma transparente, confiável e valorizada.
Proposta de projeto: carbono inteligente com IA
A proposta apresentada por Eduardo M Fagundes consiste em estruturar um projeto-piloto para operacionalizar o conceito de carbono inteligente no Brasil. Esse modelo alia inovação tecnológica, governança ética e viabilidade econômica, oferecendo uma resposta prática e escalável aos principais gargalos do mercado.
Inspirado em experiências internacionais como Pachama, Carbonfuture e iniciativas em Bangladesh, o projeto propõe a aplicação de IA em todo o ciclo de vida do crédito de carbono — desde o monitoramento automatizado até a comercialização digital com contratos inteligentes.
Principais desafios a enfrentar
Estimativas imprecisas de emissões evitadas e sequestro de carbono.
Falta de adicionalidade e permanência verificáveis.
Certificação manual, lenta e suscetível a falhas.
Dificuldade de rastreabilidade e interoperabilidade entre plataformas.
Risco de greenwashing e injustiças territoriais.
Barreiras à monetização justa e transparente.
Soluções integradas com IA e blockchain
A proposta articula quatro eixos principais:
Monitoramento automatizado com IA: Modelos como Random Forest, XGBoost e Support Vector Regression estimam o sequestro de carbono, detectam desmatamento e recalibram emissões com dados em tempo real, a partir de sensores ambientais, imagens satelitais e históricos climáticos.
Certificação digital com trilhas de auditoria: Blockchain é utilizado para garantir rastreabilidade e integridade, enquanto contratos inteligentes condicionam a emissão de créditos ao cumprimento técnico de critérios ambientais — como adicionalidade e permanência.
Precificação e comercialização inteligente: A plataforma prevê precificação dinâmica com IA e matching automático entre projetos e compradores com metas ESG. Isso favorece a valorização de projetos confiáveis e amplia o acesso de pequenos produtores ao mercado.
Governança algorítmica e ética climática: O modelo incorpora diretrizes para governança digital, mitigando riscos de decisões enviesadas, greenwashing tecnológico e concentração de créditos em regiões específicas. Assegura também participação comunitária e transparência.
Alinhamento com o Marco Legal Brasileiro
A estrutura do projeto está em total conformidade com os princípios do MBRE, incluindo:
Integridade ambiental com validação técnica dos dados;
Adicionalidade comprovada por modelos preditivos auditáveis;
Transparência e rastreabilidade via blockchain;
Segurança jurídica por meio de certificações reconhecidas (VERRA, Gold Standard, ISO 14064);
Eficiência econômica, com redução drástica de custos operacionais de verificação.
Etapas do projeto
Diagnóstico estratégico – mapeamento de áreas, parceiros e viabilidade de aplicação.
Coleta e integração de dados ambientais – sensores, satélites e bases climáticas.
Desenvolvimento algorítmico – modelos de IA treinados para monitoramento e verificação.
Certificação automatizada – alinhamento com padrões internacionais e rastreamento em blockchain.
Monetização digital – inserção em plataforma de marketplace com contratos inteligentes e dashboards públicos.
Conclusão e próximos passos
A proposta de carbono inteligente não é uma abstração tecnológica: é uma resposta estruturada, realista e replicável a um dos maiores desafios da governança climática atual. Com uma infraestrutura digital robusta, o Brasil pode sair da posição de simples emissor de créditos e assumir a liderança no desenvolvimento de ativos ambientais digitais confiáveis — valorizados globalmente e ancorados em dados transparentes.
O próximo passo é formar um consórcio técnico e institucional para viabilizar um projeto-piloto em território brasileiro, com potencial de expansão para outros países do Sul Global.
O momento de agir é agora — com tecnologia, integridade e visão estratégica.
O avanço das mudanças climáticas impõe desafios urgentes à humanidade, exigindo mecanismos eficazes para reduzir e compensar emissões de gases de efeito estufa. Dentro desse contexto, os mercados de carbono tornaram-se instrumentos estratégicos para acelerar a transição energética, incentivar a conservação ambiental e promover soluções sustentáveis com valor econômico. No entanto, esses mercados ainda enfrentam barreiras críticas de confiança, transparência e operacionalização, especialmente em países em desenvolvimento.
A credibilidade dos créditos de carbono depende diretamente da capacidade de medir, verificar e rastrear, com precisão e integridade, as emissões evitadas ou removidas da atmosfera. Métodos tradicionais, baseados em auditorias pontuais e declarações autodeclaratórias, não são mais suficientes para atender às exigências de compradores internacionais e investidores institucionais. Surge, então, a necessidade de construir uma nova geração de projetos de carbono, baseada em dados contínuos, certificação automatizada e monetização inteligente.
Neste cenário, tecnologias como inteligência artificial (IA), blockchain, sensores ambientais e plataformas digitais oferecem oportunidades reais para elevar o padrão técnico e ético dos mercados de carbono. Modelos computacionais treinados com dados de satélite, sensores IoT e imagens hiperespectrais já permitem estimar o sequestro de carbono com alta acurácia, detectar desmatamento não autorizado em tempo real e automatizar a certificação com trilhas imutáveis de auditoria.
Além do avanço tecnológico, o Brasil deu um passo importante com a aprovação do Marco Legal do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), por meio do Projeto de Lei nº 412/2022. Essa legislação estabelece princípios fundamentais como integridade ambiental, adicionalidade, rastreabilidade, transparência e segurança jurídica, criando as condições para que projetos confiáveis e financeiramente viáveis sejam desenvolvidos no país. A regulamentação em curso abre espaço para soluções digitais que alinhem inovação tecnológica, compromisso climático e inclusão econômica.
Este artigo tem como objetivo apresentar um estudo técnico acessível sobre como a inteligência artificial pode ser aplicada para rastrear, certificar e monetizar créditos de carbono, com base em experiências internacionais e adaptações ao contexto brasileiro. Ao longo dos tópicos, discutimos os principais gargalos do mercado, exploramos aplicações práticas de IA, propusemos um plano de ação em cinco etapas e abordamos dilemas éticos fundamentais para a governança desses sistemas.
Mais do que uma análise conceitual, este trabalho propõe um caminho prático para implementar no Brasil um projeto piloto de carbono inteligente, integrando dados ambientais, algoritmos auditáveis e plataformas de negociação. A proposta parte da convicção de que é possível — e necessário — transformar a complexidade técnica em soluções estratégicas que combinem impacto climático, retorno econômico e responsabilidade socioambiental.
O desafio dos créditos confiáveis
Apesar do crescimento dos mercados de carbono como ferramenta para enfrentar as mudanças climáticas, a credibilidade dos créditos de carbono ainda é um dos principais obstáculos à sua ampla adoção e valorização econômica. Muitos compradores e investidores questionam se os créditos realmente correspondem a reduções ou remoções reais de emissões de gases de efeito estufa (GEE). Há quatro falhas principais que comprometem essa confiança:
Estimativas imprecisas de emissões evitadas
Grande parte dos projetos de carbono — como reflorestamento, conservação ou uso de energia limpa — depende de modelos e suposições para estimar quantas emissões foram evitadas em comparação com um “cenário de referência”. Quando esses modelos não são bem definidos ou auditados, surgem incertezas.
Por exemplo, Doimi e Minetto (2023) analisam projetos realizados em áreas úmidas da Itália e destacam que muitos métodos de certificação anteriores a 2018 tornaram-se obsoletos, por não incorporarem avanços em sensores ambientais e monitoramento contínuo por IoT. A falta de dados em tempo real compromete a precisão das estimativas.
Falta de adicionalidade
A adicionalidade é um critério essencial: o projeto só deve gerar créditos se não aconteceria sem o apoio financeiro do mercado de carbono. No entanto, muitos projetos já estavam planejados ou seriam implementados de qualquer forma — o que torna inválida a emissão de créditos.
Woo et al. (2025) destacam que a ausência de critérios automatizados e auditáveis para adicionalidade fragiliza a integridade dos mercados, permitindo que créditos sejam emitidos mesmo quando não há ganho climático real.
Incerteza na permanência
A permanência refere-se à duração com que o carbono capturado (por exemplo, em florestas) permanece armazenado. Incêndios, mudanças de uso do solo ou desastres naturais podem reverter o sequestro de carbono.
Samiul Islam (2025) mostra que a implementação de soluções baseadas na natureza em cidades como Daca precisa ser acompanhada por arquiteturas digitais robustas, com sensores e inteligência artificial que monitorem continuamente as condições ambientais e a eficácia do sequestro de carbono ao longo do tempo.
Sem monitoramento automatizado, muitos projetos operam com alto risco de reversão não detectada — um problema crítico para investidores.
Dificuldade de monitoramento e verificações independentes
A verificação tradicional ainda depende de auditorias presenciais, relatórios autodeclaratórios e documentos em papel. Isso eleva custos e reduz a frequência das avaliações. A fragmentação de padrões entre certificadoras, como VERRA, Gold Standard e ISO 14064, dificulta a comparação e o intercâmbio de créditos entre mercados distintos.
Estudo publicado na Building and Environment aponta que a falta de sistemas digitais seguros de mensuração, reporte e verificação (MRV) é uma das principais razões para a baixa adesão do setor da construção aos mercados de carbono.
Além disso, a revisão de Uddin et al. (2024) ressalta que a ausência de integração entre fontes de dados e tecnologias de previsão de emissões baseadas em IA limita a transparência e aumenta o custo da verificação.
Proposta:
É exatamente nesse contexto de incerteza e desconfiança que proponho um projeto capaz de utilizar inteligência artificial, sensores conectados e blockchain para superar essas limitações. A tecnologia pode oferecer mais precisão, padronização e transparência — transformando um mercado hoje problemático em uma oportunidade confiável de financiamento climático, rastreável em tempo real.
IA aplicada ao mercado de carbono
A inteligência artificial (IA) vem se consolidando como uma ferramenta poderosa para transformar a forma como projetos de carbono são monitorados, certificados e avaliados economicamente. Combinando sensores de campo, dados meteorológicos, imagens de satélite e algoritmos avançados, é possível construir um sistema de gestão contínua e automatizada de projetos ambientais — algo impensável até poucos anos atrás.
Segundo Woo et al. (2025), a IA atua de forma transversal ao ciclo de vida de um crédito de carbono, desde a coleta de dados até a certificação e precificação dos créditos .
Fontes de dados: do solo ao satélite
A base de qualquer sistema inteligente está na qualidade dos dados. Atualmente, é possível combinar diferentes fontes:
Satélites como Sentinel-2 e Landsat, que oferecem imagens periódicas da cobertura vegetal;
Sensores IoT e estações meteorológicas, que coletam dados contínuos de temperatura, umidade e uso do solo;
Drones e LiDAR, para análises em alta resolução de biomassa e topografia;
Bases públicas e privadas, como dados climáticos históricos e projeções de mudança do uso da terra.
Samiul Islam (2025) demonstrou como a integração desses dados, em uma arquitetura com deep learning e aprendizado por reforço, gerou ganhos mensuráveis em sequestro de carbono urbano, biodiversidade e redução de ilhas de calor em Daca, Bangladesh .
Aplicações práticas da IA
A inteligência artificial pode ser aplicada de forma concreta em diversas etapas de projetos de carbono, indo além da teoria e oferecendo soluções já testadas em campo. Combinando dados de diferentes origens — como sensores ambientais, imagens de satélite e bancos meteorológicos —, é possível construir modelos computacionais que aprendem com os dados históricos e reconhecem padrões relevantes para a estimativa e a certificação de carbono.
Esses modelos não apenas aumentam a precisão dos cálculos de sequestro de carbono, como também possibilitam ajustes dinâmicos em tempo real, algo essencial para garantir a confiabilidade dos créditos. A seguir, destacamos três aplicações que ilustram o potencial da IA no rastreamento, validação e precificação de créditos de carbono: estimativas em áreas agrícolas, detecção de alterações florestais e análises automatizadas da biomassa e uso do solo. Essas aplicações mostram como a IA pode tornar o mercado de carbono mais transparente, confiável e acessível.
Estimativa de sequestro de carbono em agricultura regenerativa: Modelos de aprendizado de máquina vêm sendo usados para estimar o carbono acumulado no solo e na biomassa, com base em práticas agrícolas sustentáveis. Isso permite emitir créditos com mais precisão e reduzir a dependência de inventários manuais. Pawar (2025) reforça que essas análises melhoram a confiança nos créditos e viabilizam sua integração com plataformas de financiamento climático.
Detecção de desmatamento e recalibração de emissões: IA combinada com imagens de satélite permite detectar desmatamentos ilegais ou alterações não previstas em áreas florestais. Com isso, o balanço de emissões pode ser recalculado automaticamente, ajustando o volume de créditos emitidos. Isso reduz o risco de “créditos fantasmas”. Gupta et al. (2024) exploram o uso de smart contracts em plataformas com IA para garantir que essas atualizações sejam validadas em tempo real.
Análise da biomassa e uso do solo: Técnicas de visão computacional e redes neurais profundas são capazes de analisar imagens hiperespectrais e estimar a densidade da vegetação, a saúde das florestas e o uso agrícola. Essas informações servem como insumos para o cálculo preciso da captura de carbono e sua permanência. Uddin et al. (2024) apontam que esse tipo de análise melhora a eficiência dos mercados e reduz os custos de verificação.
Benefícios estratégicos da IA para os atores do mercado
A adoção de inteligência artificial no mercado de carbono não representa apenas um avanço tecnológico, mas também uma oportunidade estratégica para todos os agentes envolvidos no ecossistema climático. Ao transformar grandes volumes de dados em informações acionáveis, a IA oferece soluções que fortalecem a confiança, reduzem riscos e melhoram a eficiência operacional dos projetos de carbono.
Esses benefícios não são restritos à etapa técnica de monitoramento. Eles impactam diretamente a credibilidade dos créditos, a atratividade para investimentos e a efetividade da regulação climática. Empresas que adotam tecnologias inteligentes conseguem comprovar suas ações ambientais com maior transparência; investidores passam a operar com mais segurança; e os órgãos reguladores ganham novas ferramentas para fiscalizar e garantir a integridade ambiental dos projetos.
Além disso, como demonstrado por Woo et al. (2025), a IA favorece a interconexão entre plataformas digitais, certificadoras e mercados compradores, criando um ambiente mais padronizado, confiável e preparado para escalar globalmente .
Essas soluções tecnológicas oferecem ganhos concretos para todos os envolvidos:
Empresas ganham mais confiança ao usar dados auditáveis e automatizados para certificar seus projetos;
Investidores reduzem o risco de aquisição de créditos inválidos ou superestimados;
Reguladores passam a contar com dados em tempo real e algoritmos de alerta para garantir integridade ambiental.
Além disso, como ressalta Woo et al. (2025), a adoção da IA nos mercados de carbono permite construir pontes entre plataformas, certificadoras e compradores, favorecendo a interoperabilidade e a padronização internacional .
Proposta:
A proposta deste estudo é demonstrar, com base nas evidências mais atuais, que é possível estruturar um projeto robusto e viável com uso de IA no mercado de carbono. Para isso, proponho uma linha de ação em cinco etapas:
Mapear os projetos existentes ou potenciais, com foco em florestas, agricultura regenerativa ou infraestrutura urbana verde.
Coletar dados ambientais de múltiplas fontes, integrando sensores, satélites e dados climáticos públicos.
Desenvolver algoritmos supervisionados e preditivos, adaptados às condições locais e validados com bases confiáveis.
Integrar a plataforma a sistemas de certificação reconhecidos (como VERRA ou Gold Standard), com dashboards e trilhas de auditoria baseadas em blockchain.
Conectar o sistema a plataformas de negociação ou marketplaces digitais, facilitando a monetização automatizada dos créditos.
Essa trajetória viabiliza não apenas a emissão segura de créditos, mas também sua valorização no mercado. O resultado será um sistema de carbono inteligente, auditável, confiável e preparado para escalar globalmente.
Certificação automatizada e confiável
Um dos maiores gargalos dos mercados de carbono é a verificação manual e intermitente dos dados de emissão e sequestro. Auditorias presenciais, documentos autodeclaratórios e a diversidade de metodologias adotadas por diferentes certificadoras tornam o processo lento, caro e suscetível a erros. Para que os créditos de carbono tenham valor real — ambiental e financeiro —, é necessário garantir que sejam lastreados em dados confiáveis, atualizados e auditáveis.
A boa notícia é que a tecnologia já permite automatizar grande parte desse processo, aumentando a confiabilidade e reduzindo os custos operacionais. A combinação de IA com blockchain é particularmente promissora nesse contexto.
Algoritmos de verificação e sensores inteligentes
A primeira etapa da automação está na substituição de checklists e vistorias pontuais por modelos preditivos, sensores IoT e algoritmos de aprendizado de máquina. Esses sistemas monitoram continuamente os dados ambientais (como temperatura, umidade, biomassa e uso do solo) e geram alertas sempre que há desvios que possam comprometer a integridade do projeto.
Estudo de Doimi e Minetto (2023) mostra como sensores integrados a redes GSM e dispositivos IoT permitiram monitorar áreas úmidas no norte da Itália de forma contínua, oferecendo dados para validação automática da captura de carbono mesmo em condições climáticas adversas.
Além disso, algoritmos supervisionados como Random Forest e XGBoost já são usados para detectar padrões inconsistentes ou indícios de fraude em projetos florestais, como mostram Segaran et al. (2025) em sua análise sobre o uso combinado de blockchain e machine learning na validação de créditos florestais.
Blockchain e trilhas imutáveis de auditoria
Uma segunda camada de confiança vem da integração com tecnologias de registro imutável, como blockchain. Com essa arquitetura, cada etapa do projeto (da medição ao crédito emitido) fica registrada de forma transparente, rastreável e à prova de alterações.
Segundo Baiz (2024), o uso de blockchain evita a duplicidade de créditos, garante o histórico completo das transações e facilita a interoperabilidade entre certificadoras, governos e plataformas de negociação.
Além disso, contratos inteligentes (“smart contracts”) podem ser programados para só liberar a emissão do crédito quando todas as condições técnicas forem validadas automaticamente — o que reduz drasticamente a possibilidade de erros ou fraudes operacionais, como demonstra Mahmud (2025) no contexto da criação de uma plataforma de mercado voluntário em Bangladesh.
Padrões internacionais e validação automatizada
A adoção dessas tecnologias também facilita a adesão a padrões de certificação internacionais, como VERRA, Gold Standard e ISO 14064, que exigem evidências claras de adicionalidade, permanência e co-benefícios socioambientais.
A pesquisa de Uddin et al. (2024) destaca que sistemas baseados em IA e blockchain não apenas cumprem os requisitos dessas certificadoras, como também facilitam a geração de relatórios e a comunicação com os compradores, tornando os créditos mais competitivos no mercado .
Proposta:
A implementação de um sistema de certificação automatizada e confiável requer:
Instalar sensores e definir fontes de dados satelitais e meteorológicas específicas para cada projeto;
Treinar algoritmos de IA para verificar as condições técnicas exigidas pelas certificadoras;
Criar uma infraestrutura de blockchain para registrar cada etapa do projeto e emitir créditos com trilhas de auditoria automáticas;
Integrar o sistema às metodologias reconhecidas de certificação, garantindo conformidade internacional e aceitação em plataformas de comercialização.
Com essa estrutura, é possível dar um salto de confiança e eficiência no mercado de carbono — tornando os créditos não apenas rastreáveis e verificáveis, mas também comercialmente valorizados em escala global.
Monetização inteligente dos créditos
Mesmo quando um projeto é bem monitorado e certificado, transformar créditos de carbono em valor financeiro concreto ainda é um desafio para muitas organizações. A falta de transparência nos preços, a burocracia para acesso a mercados internacionais e a dificuldade em encontrar compradores confiáveis reduzem o potencial econômico de iniciativas ambientais.
Nesse contexto, o uso de inteligência artificial (IA), blockchain e plataformas digitais automatizadas permite criar novas formas de monetização mais eficientes, confiáveis e escaláveis — especialmente para projetos de pequeno e médio porte, que frequentemente ficam de fora dos mercados tradicionais.
Plataformas digitais e smart contracts
As chamadas plataformas digitais de carbono já permitem que produtores e desenvolvedores de projetos ofertem créditos diretamente no mercado, sem intermediários. Quando essas plataformas integram IA e contratos inteligentes (smart contracts), todo o processo de venda, pagamento e liquidação dos créditos pode ser automatizado e validado digitalmente.
Gupta et al. (2024) descrevem como contratos inteligentes integrados a sistemas de monitoramento e verificação permitem que os créditos sejam emitidos e transferidos somente quando as condições ambientais forem confirmadas em tempo real, garantindo segurança jurídica e rastreabilidade completa.
Além disso, plataformas como a proposta por Mahmud (2025) para Bangladesh incluem interfaces simples, painéis de transparência e sistemas de incentivo que tornam o processo acessível até para pequenos produtores rurais.
Precificação baseada em inteligência artificial
Outro avanço importante é o uso de modelos de IA para apoiar a formação de preços dos créditos, considerando variáveis como:
Qualidade do projeto (tipo de ecossistema, adicionalidade, co-benefícios sociais)
Condições do mercado (oferta e demanda por tipo de crédito)
Classificação ESG dos compradores e alinhamento com compromissos climáticos
Segundo Alanazi (2024), algoritmos como Random Forest e Support Vector Regression apresentaram alta precisão na previsão de preços de créditos em mercados descentralizados, com R² superior a 0,98 em cenários de teste .
Além disso, essas soluções favorecem a transparência e evitam distorções de preço causadas por negociações opacas ou desequilíbrios de informação entre partes.
Matching automatizado entre projetos e compradores
Com a integração entre IA e big data, já é possível realizar o pareamento automático entre projetos e compradores, com base em critérios como localização, tipo de impacto ambiental, metas de neutralidade de carbono e certificações aceitas.
Woo et al. (2025) apontam que a criação de marketplaces baseados em IA, com filtros personalizados e dashboards inteligentes, permite reduzir os tempos de negociação e ampliar o alcance global dos projetos verificados.
Pawar (2025) reforça que esse tipo de infraestrutura digital pode democratizar o acesso a mercados de carbono para novos atores, especialmente em países em desenvolvimento.
Proposta:
A proposta inclui o desenvolvimento de uma plataforma inteligente de monetização de créditos de carbono com as seguintes funcionalidades:
Emissão automatizada de créditos verificados, com base em dados validados e integrados via blockchain;
Precificação dinâmica orientada por IA, ajustando o valor dos créditos de acordo com critérios ambientais, reputacionais e de mercado;
Marketplace digital com matching inteligente, conectando projetos a compradores com perfis compatíveis e metas ESG alinhadas;
Contratos inteligentes para liquidação automática, reduzindo prazos e garantindo segurança jurídica na transação.
Essa estrutura torna possível não apenas vender créditos, mas posicionar os projetos como ativos digitais confiáveis e integrados à nova economia verde.
Casos reais e tendências globais
A aplicação de tecnologias como inteligência artificial e blockchain nos mercados de carbono já é uma realidade em diversas partes do mundo. Iniciativas em curso demonstram que essas ferramentas podem aumentar a eficiência, a rastreabilidade e o valor econômico dos créditos, ao mesmo tempo em que ampliam o acesso a pequenos produtores e garantem maior integridade ambiental. O Brasil tem potencial para liderar essa nova fase do mercado, aprendendo com experiências internacionais e adaptando soluções às suas condições específicas.
Iniciativas internacionais em destaque
Pachama, nos Estados Unidos, é uma das empresas mais conhecidas no uso de visão computacional e aprendizado profundo para monitorar florestas por meio de imagens de satélite. Seus algoritmos estimam o sequestro de carbono e detectam automaticamente alterações no uso do solo, ajudando a validar e rastrear créditos com maior precisão.
Já a Carbonfuture, na Europa, utiliza uma combinação de blockchain e inteligência artificial para criar um registro transparente de todo o ciclo de vida de um crédito, incluindo verificações de adicionalidade, permanência e rastreabilidade da transação. Seus sistemas permitem auditoria em tempo real e conexão direta com investidores institucionais.
Na Ásia, o caso de Bangladesh, documentado por Mahmud (2025), destaca o desenvolvimento de uma plataforma descentralizada para o mercado voluntário de carbono, com foco em acessibilidade, contratos inteligentes e segurança para pequenos produtores .
Já o estudo de Samiul Islam (2025) mostra como uma arquitetura baseada em IA, aplicada à cidade de Daca, permitiu maximizar o sequestro de carbono urbano com base em soluções baseadas na natureza, combinando aprendizado profundo com dados climáticos e sensoriamento remoto .
Tendências tecnológicas emergentes
Entre as tendências mais promissoras, destacam-se:
Tokenização de créditos com NFTs, como discutido por Khanna e Maheshwari (2020), que permite representar cada crédito como um ativo digital único, facilitando rastreamento e comercialização em plataformas digitais.
Precificação preditiva com IA, conforme apresentado por Alanazi (2024), usando algoritmos como Random Forest e SVR para calcular o valor justo de créditos com base em dados de mercado, ambientais e reputacionais.
Sistemas integrados de MRV digital (medição, reporte e verificação), que unem IA e blockchain para reduzir custos e aumentar a frequência das auditorias, como defendido por Woo et al. (2025).
Essas soluções apontam para um futuro onde os créditos de carbono se tornarão ativos digitais de alta qualidade, com lastro ambiental, verificação contínua e liquidez global.
Proposta:
Inspirado por essas iniciativas, proponho estruturar um projeto brasileiro que combine:
Monitoramento inteligente com IA, adaptado às realidades de florestas tropicais, agricultura regenerativa e áreas urbanas;
Certificação automatizada via blockchain, com trilhas de auditoria transparentes e interoperabilidade com plataformas internacionais;
Tokenização e comercialização em marketplace próprio ou integrado a redes internacionais, com precificação dinâmica e smart contracts.
Esse modelo poderá posicionar o Brasil não apenas como um provedor de créditos, mas como um líder em infraestrutura digital de carbono, com soluções replicáveis na América Latina e em países do Sul Global.
Dilemas éticos e governança algorítmica
A introdução de tecnologias como inteligência artificial, blockchain e tokenização nos mercados de carbono traz inúmeros benefícios, mas também levanta questões éticas e de governança que precisam ser enfrentadas desde o início. Um sistema tecnicamente avançado pode falhar em sua missão climática e social se não for projetado com transparência, justiça territorial e responsabilidade algorítmica.
Injustiças territoriais e greenwashing tecnológico
Um dos riscos mais frequentes é o da injustiça territorial. Empresas de grande porte podem comprar créditos gerados em regiões distantes — como reservas florestais ou propriedades rurais — e continuar poluindo em áreas urbanas ou industriais densamente povoadas. Embora esses créditos sejam tecnicamente válidos, o impacto ambiental local permanece negativo, gerando distorções socioambientais e desconectando a responsabilidade da compensação.
Além disso, tecnologias digitais podem ser usadas como fachada para reforçar práticas de greenwashing, simulando compromisso ambiental sem mudança estrutural real. O estudo de Amram et al. (2025) alerta para esse tipo de ilusão regulatória, em que sistemas complexos de verificação escondem falhas estruturais nos critérios de adicionalidade e integridade dos créditos.
Uso indevido de créditos como barreira de mercado
Outro cenário crítico é o uso estratégico dos créditos como barreira competitiva. Empresas podem adquirir grandes volumes de créditos em determinada região, não com o objetivo de compensar emissões, mas de bloquear a entrada de concorrentes ou projetos independentes naquela área. Isso desvirtua a função ambiental do mercado e exige mecanismos regulatórios que coíbam a concentração e o uso especulativo de créditos.
Algoritmos enviesados e decisões opacas
A própria IA, se mal treinada ou alimentada com dados enviesados, pode reforçar desigualdades existentes. Por exemplo, modelos de precificação podem supervalorizar projetos em regiões com maior acesso a infraestrutura digital, penalizando iniciativas em territórios periféricos. A falta de explicabilidade das decisões algorítmicas também dificulta auditorias independentes e compromete a legitimidade dos sistemas.
Como apontam Matus e Veale (2022), há similaridades entre os desafios regulatórios da IA e os da sustentabilidade: ambos envolvem “propriedades de credibilidade difíceis de observar” e cadeias de valor fragmentadas. Por isso, defendem que a certificação de algoritmos siga princípios aprendidos na governança ambiental, como transparência, independência técnica e participação dos afetados.
Recomendação: governança algorítmica desde a origem
Para que o projeto de carbono inteligente proposto neste estudo seja efetivo e ético, ele precisa incorporar desde o início uma estrutura de governança algorítmica, com mecanismos como:
Comitê independente de ética e transparência digital;
Auditoria de dados e explicabilidade dos modelos;
Participação de comunidades locais no desenho e monitoramento dos projetos;
Publicação dos critérios de decisão e precificação;
Limites à concentração de créditos por comprador ou região.
Proposta:
O desenvolvimento de um sistema de rastreabilidade e monetização de créditos de carbono com IA deve ser acompanhado de critérios éticos claros e governança ativa, garantindo que a tecnologia amplie, e não reduza, a justiça ambiental e climática. O objetivo é criar um ecossistema de carbono inteligente que seja eficiente, transparente e socialmente responsável — uma referência para projetos replicáveis em países do Sul Global.
Plano de ação para empresas brasileiras
O avanço regulatório no Brasil tem criado condições mais seguras e previsíveis para a participação de empresas no mercado de carbono. Com a aprovação do Marco Legal do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), por meio do Projeto de Lei nº 412/2022, o país deu um passo importante para alinhar suas políticas climáticas às diretrizes internacionais, abrindo espaço para que projetos com base em inteligência artificial (IA) e digitalização sejam incorporados ao sistema regulado.
A futura regulamentação do MBRE prevê princípios fundamentais como:
Integridade ambiental, com base em critérios técnicos para mensuração, reporte e verificação (MRV);
Adicionalidade, exigindo que os projetos comprovem que só ocorreram com o estímulo do mercado de carbono;
Transparência e rastreabilidade, inclusive com apoio de tecnologias digitais;
Eficiência econômica, promovendo soluções de baixo custo para redução de emissões;
Segurança jurídica, com regras claras para certificação e negociação dos créditos.
Essa base legal cria um ambiente favorável para o desenvolvimento de projetos confiáveis e financeiramente viáveis. No entanto, para que as empresas brasileiras possam realmente se beneficiar desse novo ciclo, é necessário avançar em cinco frentes práticas: diagnóstico estratégico, estruturação dos dados, desenvolvimento algorítmico, certificação automatizada e inserção em plataformas de monetização.
A seguir, apresento um plano de ação estruturado que pode ser adotado por empresas, cooperativas, governos locais e organizações da sociedade civil que desejem atuar com carbono inteligente e gerar créditos de alta integridade ambiental e tecnológica.
Etapa 1: Diagnóstico e priorização
O primeiro passo é realizar um diagnóstico técnico e estratégico das atividades da empresa que geram ou evitam emissões de carbono. Isso inclui:
Identificar áreas com potencial para gerar créditos (reflorestamento, regeneração de pastagens, eficiência energética, agricultura de baixo carbono);
Levantar dados já disponíveis internamente ou em órgãos públicos;
Avaliar a maturidade digital da operação e os recursos humanos envolvidos.
Esse diagnóstico deve incluir também os objetivos do projeto: neutralização de emissões próprias, geração de créditos para venda, ou certificação para fortalecer o posicionamento ESG.
Etapa 2: Estruturação dos dados e sensores
Com as oportunidades definidas, é necessário estruturar a base de dados ambientais, que será a matéria-prima da IA. As ações incluem:
Instalação de sensores (umidade, temperatura, CO₂ do solo);
Integração com imagens de satélite de alta resolução (ex. Sentinel-2, Landsat);
Consolidação de dados históricos, climáticos, topográficos e de uso do solo;
Criação de repositórios seguros e interoperáveis.
Essa fase pode ser feita em parceria com universidades, agtechs ou startups especializadas.
Etapa 3: Desenvolvimento da inteligência algorítmica
A terceira etapa é o desenvolvimento dos modelos de IA, que serão responsáveis por analisar os dados e gerar os indicadores técnicos que validam os créditos. São incluídas aqui:
Modelos de machine learning para estimar sequestro de carbono;
Algoritmos de detecção de anomalias para identificar desmatamento ou degradação;
Aplicação de smart contracts para condicionar a emissão dos créditos a critérios técnicos automatizados.
Como demonstram Gupta et al. (2024) e Alanazi (2024), esses modelos permitem acelerar a verificação e aumentar a confiança nas transações.
Etapa 4: Certificação e integração a plataformas
Com os dados processados e os créditos calculados, é hora de garantir a certificação com validade nacional ou internacional, seguindo padrões como VERRA, Gold Standard ou ISO 14064. As ações incluem:
Produção de relatórios com trilhas de auditoria em blockchain;
Integração com registries e plataformas digitais reconhecidas;
Testes de conformidade com critérios de adicionalidade, permanência e co-benefícios.
Baiz (2024) ressalta que a padronização e interoperabilidade desses processos são chave para o reconhecimento dos créditos em mercados internacionais.
Etapa 5: Monetização, parcerias e reinvestimento
A etapa final envolve colocar os créditos no mercado com máxima eficiência, transparência e impacto:
Avaliação do preço justo por meio de modelos preditivos;
Inserção dos créditos em marketplaces digitais ou leilões;
Parcerias com compradores institucionais, fundos ESG ou empresas com metas net-zero;
Reinvestimento do capital obtido em novas áreas do projeto ou em soluções sociais no território.
Essa abordagem cria um ciclo virtuoso: quanto maior a credibilidade e o impacto do projeto, maior o valor de mercado dos créditos e mais capacidade de reinvestimento local.
Comentário do autor:
Ao seguir este plano, empresas brasileiras poderão sair da posição de fornecedoras pontuais de créditos e assumir um papel estratégico como desenvolvedoras de infraestrutura climática inteligente. A proposta aqui apresentada mostra que é possível estruturar um projeto tecnicamente viável, ambientalmente robusto e com alto potencial de retorno — ambiental, social e econômico.
Conclusão
A transição para uma economia de baixo carbono exige mais do que boas intenções: demanda sistemas robustos, confiáveis e escaláveis que transformem emissões evitadas ou capturadas em ativos ambientais com valor reconhecido. Neste artigo, apresentamos os principais desafios que ainda comprometem a credibilidade dos créditos de carbono e mostramos como a inteligência artificial, aliada a blockchain e sensoriamento ambiental, pode oferecer soluções práticas e de alto impacto para superá-los.
As aplicações já estão em curso ao redor do mundo, com resultados concretos em redução de custos, aumento da transparência e melhoria da governança ambiental. O Brasil, com sua diversidade ecológica, capacidade científica e avanço regulatório recente, está em posição privilegiada para liderar uma nova geração de projetos de carbono com infraestrutura digital embarcada.
No entanto, não basta replicar tecnologias: é preciso garantir que esses sistemas respeitem princípios de justiça territorial, ética algorítmica e engajamento social. Por isso, propusemos também um plano de ação que articula inovação tecnológica com governança responsável — incluindo critérios de certificação, padronização e monetização inteligente dos créditos.
O caminho está aberto. Com uma abordagem estruturada e transparente, empresas brasileiras podem se tornar protagonistas na criação de um mercado de carbono inteligente, confiável e globalmente valorizado — e, ao fazê-lo, contribuir de forma concreta para os objetivos climáticos nacionais e internacionais.
Glossário
Termo
Definição
GEE (Gases de Efeito Estufa)
Gases que retêm o calor na atmosfera terrestre, contribuindo para o aquecimento global. Incluem CO₂, CH₄ (metano), N₂O (óxido nitroso) e outros.
Crédito de Carbono
Unidade padronizada que representa a redução ou remoção de 1 tonelada de CO₂ equivalente da atmosfera. Pode ser negociada em mercados regulados ou voluntários.
Sequestro de Carbono
Processo natural ou induzido de captura e armazenamento de dióxido de carbono, geralmente por florestas, solos ou tecnologias industriais.
Adicionalidade
Princípio segundo o qual um projeto só é elegível para gerar créditos de carbono se sua realização for motivada diretamente pelo financiamento climático.
Permanência
Tempo durante o qual o carbono removido ou evitado permanece fora da atmosfera. Projetos devem demonstrar baixa probabilidade de reversão.
IA (Inteligência Artificial)
Campo da computação que desenvolve sistemas capazes de aprender com dados, identificar padrões e tomar decisões ou prever eventos automaticamente.
Machine Learning (Aprendizado de Máquina)
Técnica de IA que permite a computadores aprenderem com dados históricos e melhorar seu desempenho sem serem explicitamente programados.
Random Forest
Algoritmo de aprendizado de máquina baseado em múltiplas árvores de decisão. É eficaz para classificação, previsão e detecção de padrões complexos.
XGBoost
Modelo avançado de machine learning baseado em árvores de decisão, conhecido por sua precisão e velocidade em problemas estruturados.
Support Vector Regression (SVR)
Algoritmo de regressão que busca encontrar uma função que melhor se ajuste aos dados com margem mínima de erro. Utilizado em previsão de preços e séries temporais.
Visão Computacional
Subcampo da IA que utiliza imagens (como as de satélite) para extrair informações úteis, como identificação de cobertura vegetal ou desmatamento.
LiDAR (Light Detection and Ranging)
Tecnologia de sensoriamento remoto que usa feixes de laser para medir a distância entre o sensor e o solo, criando modelos 3D detalhados da superfície e da vegetação.
IoT (Internet das Coisas)
Conjunto de sensores e dispositivos interconectados que coletam e transmitem dados ambientais, meteorológicos ou operacionais em tempo real.
Blockchain
Estrutura digital descentralizada que registra dados e transações em blocos criptografados, garantindo integridade, segurança e rastreabilidade.
Smart Contract (Contrato Inteligente)
Código executável registrado em blockchain que automatiza regras e condições de um acordo, como liberação de crédito após verificação ambiental.
MRV (Medição, Reporte e Verificação)
Procedimento padronizado para quantificar e validar emissões evitadas ou removidas em projetos de carbono.
Tokenização
Processo de transformar ativos físicos ou intangíveis (como créditos de carbono) em representações digitais únicas (tokens) que podem ser negociadas em plataformas.
Marketplace de Carbono
Plataforma digital onde créditos de carbono são listados, avaliados, vendidos e comprados por empresas ou investidores.
VERRA
Uma das principais organizações certificadoras de créditos de carbono no mundo. Administra o padrão Verified Carbon Standard (VCS).
Gold Standard
Certificadora internacional de créditos de carbono, com foco em benefícios socioambientais além da redução de emissões.
ISO 14064
Conjunto de normas internacionais que estabelece princípios e requisitos para quantificação, monitoramento e verificação de emissões de GEE.
R² (R-quadrado)
Medida estatística que indica o grau de ajuste de um modelo preditivo aos dados observados. Valores próximos de 1 indicam alta precisão.
Agricultura Regenerativa
Sistema agrícola que busca restaurar a saúde do solo, aumentar a biodiversidade e capturar carbono por meio de práticas como rotação de culturas, plantio direto e compostagem.
Greenwashing
Estratégia em que uma empresa exagera ou distorce seus compromissos ambientais para parecer mais sustentável do que realmente é.
Carbono Inteligente
Abordagem que combina IA, blockchain, sensores e análise de dados para garantir que os créditos de carbono sejam reais, rastreáveis, auditáveis e comercializáveis com segurança.
Referências Bibliográficas Utilizadas
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Por que conselhos de empresas de energia precisam incorporar a governança algorítmica em sua agenda estratégica
A inteligência artificial e os sistemas algorítmicos já operam silenciosamente no coração das empresas de energia. Da automatização de subestações ao atendimento virtual de milhões de clientes, dos modelos preditivos de manutenção às ferramentas de precificação e trading, os algoritmos deixaram de ser promessa tecnológica para se tornarem infraestruturas invisíveis de decisão.
Nesse novo cenário, os conselhos de administração – órgãos máximos de governança das companhias – enfrentam um desafio inédito: exercer seu papel de supervisão e direcionamento estratégico sobre tecnologias que são, ao mesmo tempo, complexas, opacas e dinâmicas.
Este estudo parte de uma constatação objetiva: o setor elétrico brasileiro já avançou significativamente na aplicação da IA, mas a governança algorítmica ainda não está institucionalizada no nível dos conselhos. A análise de 14 empresas listadas na B3 revela um panorama robusto de iniciativas com IA, mas com pouca ou nenhuma referência a mecanismos formais de supervisão colegiada desses algoritmos.
Nesse contexto, este trabalho se propõe a:
Identificar as lacunas e oportunidades na interface entre conselhos e algoritmos;
Apresentar o conceito e os pilares da governança algorítmica;
Sistematizar boas práticas já observadas em empresas nacionais e internacionais;
Recomendar caminhos viáveis para capacitação continuada dos conselheiros;
Propor uma estratégia institucional e setorial para elevar o tema à agenda de governança.
Mais do que um alerta, este estudo é um convite à ação. Os conselhos que assumirem a liderança na governança da inteligência algorítmica estarão posicionados para conduzir suas empresas com mais responsabilidade, confiança e legitimidade em um setor cada vez mais automatizado, regulado e orientado por dados.
Sumário Executivo
Eixo
Principais Destaques
Diagnóstico
14 empresas de energia analisadas com iniciativas de IA consolidadas, porém sem mecanismos formais de supervisão pelos conselhos.
Cenário Atual
Algoritmos operando decisões críticas sem estrutura de governança dedicada. Conselho atua de forma reativa ou dependente de pareceres técnicos.
Proposta Central
Capacitação contínua dos conselheiros e institucionalização da governança algorítmica como parte da agenda estratégica, de riscos e ESG.
Conceito-Chave
Governança algorítmica: conjunto de princípios, processos e responsabilidades para supervisionar sistemas algorítmicos de alto impacto.
Boas Práticas
Inclusão de IA na matriz de competências, relatórios periódicos, comitês técnicos, código de conduta algorítmico e fóruns de capacitação.
Recomendações Setoriais
Criação de diretrizes compartilhadas por ABRADEE, ANEEL e associações; integração com ESG; formação de comunidade de prática executiva.
Educação Continuada para a Alta Governança: Uma Alavanca para a Maturidade Algorítmica
A transformação digital no setor elétrico não é mais uma promessa futura — é um processo em curso, consolidado por uma agenda concreta de automação inteligente, inteligência artificial (IA), digitalização de ativos e decisões orientadas por algoritmos. O volume e a sofisticação dessas iniciativas aumentam a cada ciclo, exigindo uma nova camada de capacitação dos órgãos máximos de governança.
Em uma análise conduzida sobre 14 relatórios de sustentabilidade e relatórios integrados das principais empresas de energia elétrica listadas na B3, constatamos a presença expressiva de projetos com IA, machine learning, algoritmos preditivos e automação estratégica. Esses projetos envolvem desde o atendimento ao cliente até a operação de redes elétricas, comercialização de energia e controle de ativos críticos.
A seguir, uma síntese das iniciativas:
Empresa
Iniciativas com IA e Algoritmos
Destaques Estratégicos
CEMIG
Energy GPT, visão computacional, satélites com IA
Primeira IA generativa do setor elétrico brasileiro
Eletrobras
eletro.ia, centro de excelência, 25 frentes estruturadas
Governança própria e capacitação estratégica (Programa 220)
COPEL
IA climática com Simepar, Smart Grid com IA
IA como ferramenta para resiliência de rede
Neoenergia
Identificação de perdas, equipamentos inteligentes com IA
Premiada pela CIER por inovação com foco em descarbonização
Celesc
ADMS, WFM, automação de decisões, cibersegurança com IA
Projeto de 30 meses com foco em decisão inteligente
ENGIE Brasil
Modelos de machine learning para comercialização e trading
IA para precificação e previsão de demanda
ENEL Brasil
Algoritmos para manutenção preditiva e atendimento digital
Aplicações em redes inteligentes
Energisa
Robôs e algoritmos de triagem de dados, leitura de imagens
IA em detecção de fraudes e atendimento virtual com milhões de interações
CPFL Energia
Robô Paula, atendimento automatizado, analytics de serviços
Foco na experiência do cliente com IA integrada
Auren
Analytics avançado, previsão de geração, controle com IA
IA aplicada à operação de usinas renováveis
TAESA
Digital twins, algoritmos para manutenção e operação
IA como apoio à confiabilidade de ativos críticos
CELESC
Inteligência operacional via ADMS e WFM com Accenture
Suporte à decisão em rede elétrica
Alupar
Algoritmos preditivos para operação e eficiência
IA com foco em performance
EMAE
Monitoramento digital inteligente, previsão hidrológica
Integração de dados para operação remota
O conselho como catalisador da maturidade institucional
A presença crescente dessas iniciativas indica, por si só, que os conselhos de administração estão atuando com visão estratégica, aprovando e sustentando investimentos com potencial transformador. No entanto, essa mesma expansão tecnológica exige um novo patamar de atualização e alinhamento conceitual contínuo — não por déficit, mas por coerência com a própria agenda da inovação.
A formação acadêmica predominante nos conselhos — engenharia, economia, administração, direito — oferece uma base lógica, analítica e institucional valiosa. Essa base é compatível com os desafios da governança algorítmica. O que se impõe, portanto, não é uma mudança estrutural, mas um programa de educação executiva sob medida, que atualize repertórios, integre visões tecnológicas e estimule o debate estratégico no colegiado.
Educação continuada: eixo de equilíbrio entre inovação e governança
Empresas como Neoenergia, Eletrobras, TAESA, COPEL e ENGIE Brasil já demonstram compromisso com a formação contínua de seus conselheiros, com trilhas sobre ESG, riscos climáticos, geopolítica e transformação regulatória. O próximo passo natural é incorporar conteúdos estruturados sobre inteligência artificial, ética algorítmica, curadoria de dados e risco digital.
Em linha com as melhores práticas internacionais, a educação continuada dos conselheiros e de aspirantes a conselheiros (formação de pipeline) é a chave para assegurar:
supervisão estratégica qualificada sobre projetos de IA, automação e plataformas digitais;
autonomia decisória informada, sem dependência excessiva de pareceres técnicos;
governança proativa e alinhada ao futuro regulatório, sobretudo em temas como transparência algorítmica, proteção de dados, accountability e ESG digital.
Um novo compromisso para a governança do setor elétrico
Investir na capacitação permanente dos conselhos é proteger e ampliar o valor gerado pela digitalização. É garantir que os algoritmos que passam a tomar decisões dentro das empresas sejam compreendidos, supervisionados e validados por quem detém, em última instância, o poder fiduciário sobre a organização.
O setor elétrico brasileiro está fazendo sua parte na adoção tecnológica. Cabe agora transformar essa inovação em vantagem institucional — com conselhos preparados, atualizados e estratégicos.
O Que é Governança Algorítmica
A transformação digital impôs uma nova camada de complexidade às decisões corporativas: os algoritmos passaram a influenciar — e, em muitos casos, determinar — processos decisórios centrais. No setor elétrico, isso se manifesta no controle de redes inteligentes, no despacho automatizado de cargas, na precificação de energia via modelos preditivos, no atendimento inteligente e até na gestão de ativos com apoio de digital twins.
Diante disso, emerge um novo campo de atuação estratégica para conselhos e comitês de alta governança: a governança algorítmica.
Governança algorítmica ≠ Governança de TI
Embora frequentemente confundida com a governança tradicional de tecnologia da informação (TI), a governança algorítmica representa um salto qualitativo. Ela não trata apenas de infraestrutura, segurança da informação ou gestão de projetos digitais, mas da capacidade institucional de supervisionar sistemas autônomos que tomam decisões em nome da organização.
Governança de TI Tradicional
Governança Algorítmica
Foco em infraestrutura e processos
Foco em decisões automatizadas e inteligência aplicada
Segurança da informação
Ética, explicabilidade e risco digital
Gestão de ativos de TI
Supervisão estratégica de sistemas autônomos
Apoio operacional
Deliberação estratégica sobre lógica algorítmica
Definição Executiva
Governança algorítmica é o conjunto de mecanismos institucionais que garante que o uso de algoritmos, modelos de IA e sistemas autônomos seja alinhado à estratégia da organização, ético em sua aplicação, transparente em seus critérios e responsável em seus impactos.
Ela abrange desde a aprovação de investimentos em IA até a definição de limites para sua atuação, passando por mecanismos de auditoria algorítmica, curadoria de dados e avaliação de riscos emergentes.
Por que isso é relevante para conselhos?
Nos próximos anos, conselhos de administração e comitês de auditoria estarão diante de questões como:
Podemos confiar na decisão tomada por este algoritmo?
Como garantir que não há viés sistêmico no modelo?
Quem responde legalmente por uma decisão automatizada?
A empresa tem curadoria adequada dos dados que alimentam esses sistemas?
Como explicar ao regulador, ou ao mercado, por que um cliente ou ativo foi priorizado por uma IA?
Responder a essas questões exige mais do que conhecimento técnico — exige governança com capacidade de formular, questionar e supervisionar com base em critérios estratégicos e éticos.
Princípios da Governança Algorítmica
Para apoiar esse processo, algumas diretrizes internacionais e práticas emergentes já delineiam os fundamentos que devem nortear a atuação do conselho e da alta direção:
Princípio
Aplicação na Prática
Supervisão Estratégica
O conselho deve compreender os objetivos do uso de IA e sua aderência à estratégia
Ética e Equidade
Modelos não podem reproduzir discriminações ou favorecer interesses opacos
Accountability
É preciso definir claramente quem responde por decisões automatizadas
Transparência
A lógica de funcionamento dos algoritmos deve ser compreensível a decisores e partes interessadas
Risco Digital
Algoritmos podem gerar riscos operacionais, regulatórios e reputacionais
Esses princípios estão cada vez mais presentes em orientações internacionais de governança — da OECD à Deloitte, da Harvard Law School ao World Economic Forum — e serão, cedo ou tarde, incorporados à regulação setorial e aos marcos de responsabilidade fiduciária.
Uma oportunidade estratégica para conselhos visionários
Conselhos que se antecipam e assumem um papel ativo na governança algorítmica:
ganham maior autonomia e assertividade nas decisões sobre IA;
reduzem riscos de imagem, passivos regulatórios e dependência de terceiros;
e posicionam suas empresas na vanguarda da maturidade digital com responsabilidade institucional.
Mais do que uma obrigação técnica, a governança algorítmica é um novo vetor de vantagem competitiva, especialmente em setores críticos como o de energia.
Panorama Atual: Maturidade em IA no Setor Elétrico
A análise dos 14 relatórios de sustentabilidade e relatórios integrados das principais empresas de energia elétrica listadas na B3 revelou um cenário claro: a inteligência artificial já está incorporada às operações centrais do setor, com aplicações que vão da manutenção de ativos à comercialização de energia, passando por atendimento automatizado, redes inteligentes e suporte à decisão.
O uso de algoritmos e modelos preditivos deixou de ser uma iniciativa experimental e passou a ocupar posição estratégica nas engrenagens operacionais e comerciais das empresas. A transformação digital não é mais um plano — é realidade.
Classificação por Eixo de Aplicação
As iniciativas mapeadas podem ser agrupadas em cinco grandes eixos, com diferentes graus de maturidade tecnológica e implicações de governança:
Eixo de Aplicação
Descrição
Exemplos Observados
Automação Operacional
Aplicação de IA para controle autônomo de ativos, despacho inteligente e redes adaptativas
Digital twins, ADMS, WFM, controle preditivo
Precificação e Trading
Modelos preditivos de mercado, algoritmos de precificação dinâmica e previsão de carga
Machine learning para comercialização e trading
Atendimento Inteligente
Uso de IA generativa, assistentes virtuais, triagem automatizada de solicitações
Robôs cognitivos, análise de linguagem natural
Eficiência Técnica
Diagnóstico automatizado de falhas, identificação de perdas, manutenção preditiva
IA climática, sensores inteligentes, visão computacional
Governança Estratégica
Estruturação de centros de excelência em IA, programas de capacitação e governança de dados
Centros de IA, programas como eletro.ia, Energy GPT
Essa distribuição mostra que a IA atua hoje tanto no front operacional quanto no núcleo estratégico das empresas de energia. Em muitos casos, os algoritmos têm capacidade real de influenciar ou substituir decisões humanas, com impactos diretos na eficiência, segurança, receita e reputação da companhia.
Grau de Maturidade e Governança
Embora o uso de IA já esteja consolidado em áreas críticas — como comercialização de energia, redes inteligentes, manutenção preditiva e atendimento digital —, a análise dos relatórios de sustentabilidade e documentos públicos disponíveis não identificou a existência de estruturas formais de supervisão algorítmica no âmbito dos conselhos de administração.
Mais especificamente:
Não foram encontradas menções a comitês de inovação, digitalização ou supervisão de IA com assento no conselho;
As matrizes de competências dos conselhos divulgadas não incluem, até o momento, habilidades relacionadas a algoritmos, explicabilidade, ciência de dados ou risco digital;
Relatórios de governança, ESG ou estratégia não fazem referência à deliberação colegiada sobre critérios éticos, regulatórios ou operacionais associados a IA.
Essas evidências sugerem que, embora haja forte avanço técnico nas empresas, a supervisão sobre projetos com IA ainda está concentrada nas diretorias executivas ou nas áreas técnicas, sem que o conselho atue como instância estratégica de validação ou acompanhamento formal dessas tecnologias.
Essa constatação não aponta falha — mas sim uma oportunidade clara de fortalecimento da governança, à medida que algoritmos passam a exercer influência real sobre decisões operacionais e corporativas.
A Importância da Governança Executiva
O setor elétrico lida com variáveis críticas — segurança energética, universalização, modicidade tarifária e estabilidade regulatória. A introdução massiva de sistemas inteligentes precisa ser acompanhada por:
decisões deliberadas sobre o uso de IA, com critérios claros de finalidade, supervisão e avaliação;
capacitação dos conselhos para interpretar e acompanhar projetos com algoritmos autônomos;
integração da IA às políticas de risco, compliance, ESG e estratégia corporativa.
A maturidade algorítmica não se esgota na implementação da tecnologia. Ela exige governança integrada, capaz de alinhar o valor gerado pelos algoritmos aos compromissos fiduciários da companhia.
Setor pronto para avançar
Apesar dos desafios, os dados mostram que o setor elétrico brasileiro tem base institucional propícia para absorver os princípios da governança algorítmica:
Conselhos com perfil técnico-analítico consistente (engenheiros, economistas, gestores);
Políticas estruturadas de autoavaliação, como nas empresas TAESA, Neoenergia, Eletrobras, ENGIE Brasil e COPEL;
Tradição em responder a transformações regulatórias com velocidade e rigor.
A próxima etapa é incorporar a dimensão algorítmica da transformação digital à pauta permanente da alta governança — com linguagem executiva, instrumentos claros e formação continuada.
Perfil dos Conselhos de Administração: Quem Decide sobre IA?
Ao discutir a governança algorítmica no setor elétrico, é essencial compreender quem são os responsáveis pelas decisões estratégicas que legitimam — direta ou indiretamente — o uso de inteligência artificial nas empresas. Mesmo que a aplicação de IA esteja frequentemente situada nas áreas técnicas ou operacionais, é o conselho que aprova diretrizes, orçamentos e prioridades que permitem (ou limitam) sua expansão.
Com base na análise dos relatórios de sustentabilidade e governança das 14 principais empresas de energia listadas na B3, foi possível traçar um retrato consistente da composição e funcionamento dos conselhos de administração do setor.
Composição e Estrutura
Os conselhos são majoritariamente formados por profissionais com sólida formação em engenharia, economia, direito e administração — com média de idade entre 50 e 60 anos. A presença feminina ainda é limitada, mas algumas empresas têm adotado políticas ativas de diversidade, incluindo critérios de raça, idade e representatividade regional.
Algumas companhias, como COPEL, CELESC e EMAE, garantem assentos específicos a representantes dos empregados ou acionistas preferencialistas. Já a ENGIE e a TAESA vêm implementando boas práticas como a limitação de mandatos, prevenção de sobreposição de cargos (overboarding) e exigência de presença mínima para recondução.
Seleção, Avaliação e Formação Contínua
Os processos de seleção priorizam a experiência no setor elétrico, em finanças e em governança de riscos — mas ainda não incluem, de forma explícita, critérios relacionados a competências digitais ou tecnológicas. Em contrapartida, há sinais claros de evolução:
Empresas como Eletrobras, Neoenergia, ENGIE e TAESA adotam autoavaliação anual estruturada, com apoio externo em alguns casos;
As avaliações têm incorporado dimensões como efetividade, colegialidade e alinhamento estratégico;
Há investimentos crescentes em programas de desenvolvimento contínuo, abordando temas como ESG, riscos climáticos, compliance e geopolítica — o que cria um ambiente fértil para a futura inclusão de temas como inteligência artificial, algoritmos e ética digital.
Capacidade de Absorção da Pauta Algorítmica
Apesar de não haver, nos documentos analisados, qualquer menção direta à atuação dos conselhos sobre algoritmos, IA ou plataformas digitais, o perfil dos conselheiros demonstra um alto potencial de assimilação da pauta algorítmica. Em outras palavras:
Os conselhos já possuem formação analítica e visão estratégica suficiente para lidar com o tema, desde que apresentado com clareza e alinhado às responsabilidades do colegiado;
Há espaço institucional para a inclusão progressiva de competências digitais nas matrizes de avaliação;
A governança de riscos — já consolidada — pode ser o canal natural para acolher a discussão sobre riscos algorítmicos e éticos, sem criar novas estruturas ou complexidade excessiva.
Por que os conselhos já são corresponsáveis por decisões de IA?
Mesmo que as decisões técnicas sobre IA sejam tomadas no nível executivo, os conselhos exercem papel indireto, porém crítico, sobre:
A aprovação de projetos estruturantes que envolvem algoritmos (como smart grids, trading automatizado, atendimento digital e monitoramento preditivo);
O acompanhamento de métricas afetadas por IA (como qualidade do fornecimento, segurança cibernética, eficiência operacional e satisfação do cliente);
A responsabilização por eventuais riscos regulatórios, reputacionais ou legais associados ao uso indevido de algoritmos.
Portanto, a governança algorítmica não é uma pauta futura, mas uma responsabilidade já presente, que precisa ser compreendida e estruturada com maior clareza nos fóruns decisórios mais elevados.
Uma Oportunidade Institucional
O setor elétrico brasileiro possui conselhos tecnicamente qualificados, com governança sólida e abertura à formação contínua. O desafio agora é reconhecer formalmente a centralidade da IA nas decisões estratégicas, e preparar os conselheiros para atuarem com segurança, discernimento e legitimidade nesse novo contexto.
A educação executiva e a estruturação de trilhas formativas personalizadas — tanto para conselheiros em exercício quanto para aspirantes a cargos de governança — são os próximos passos naturais para consolidar uma governança algorítmica sólida, ética e funcional.
Riscos da Ausência de Governança Algorítmica
A adoção crescente de inteligência artificial no setor elétrico brasileiro — já presente em pelo menos 14 empresas listadas na B3 — transforma a natureza das decisões estratégicas. O uso de algoritmos passou a impactar diretamente áreas sensíveis como precificação, operação, atendimento, compliance, manutenção e reputação corporativa. Ainda assim, a maioria das empresas não possui mecanismos formais de supervisão algorítmica no nível do conselho.
Ignorar essa lacuna representa um risco material — não apenas tecnológico, mas também regulatório, ético, reputacional e, em última instância, estratégico.
Riscos Estratégicos
Assimetria decisória: a alta administração aprova projetos que envolvem algoritmos sofisticados, mas sem instrumentos para entender os impactos de médio e longo prazo desses sistemas.
Obstrução à inovação: na ausência de diretrizes claras, projetos inovadores podem ser adiados ou vetados por insegurança jurídica, reputacional ou técnica.
Diluição de responsabilidade: sem atribuições formais, a supervisão de algoritmos se pulveriza entre áreas — sem que nenhuma instância tenha accountability clara.
Riscos Reputacionais e Éticos
Discriminação algorítmica: sistemas automatizados de corte de energia, atendimento digital ou crédito de carbono podem reproduzir vieses estruturais.
Omissão deliberativa: a ausência de posicionamento dos conselhos sobre o uso de IA em áreas críticas pode ser percebida como negligência institucional.
Desalinhamento com valores ESG: decisões automatizadas sem transparência nem supervisão podem colidir com compromissos públicos de ética, diversidade ou equidade.
Riscos Regulatórios e Jurídicos
Nova legislação em curso: o Projeto de Lei nº 2.338/2023, que tramita no Congresso, estabelece obrigações para sistemas de IA em setores de risco, como energia.
Dever de diligência: a ausência de controles pode ser interpretada como violação de boas práticas de governança, com implicações para a responsabilidade fiduciária dos conselheiros.
Auditorias e sanções: autoridades reguladoras — nacionais e internacionais — tendem a exigir rastreabilidade, explicabilidade e mitigação de riscos em sistemas algorítmicos críticos.
Riscos Operacionais
Falhas silenciosas: algoritmos que aprendem de forma autônoma podem gerar erros cumulativos ou distorções sistêmicas, difíceis de detectar a tempo.
Dependência de fornecedores: a terceirização do desenvolvimento ou uso de IA pode criar dependência tecnológica sem salvaguardas contratuais robustas.
Insegurança cibernética: modelos treinados com dados sensíveis, se mal protegidos, se tornam alvos de ataques com impactos operacionais e reputacionais severos.
Riscos de Omissão Institucional
Um risco menos tangível, mas igualmente crítico, é a erosão da autoridade institucional dos conselhos. Quando algoritmos passam a decidir sobre temas tradicionalmente deliberados por lideranças humanas — como desligamento de redes, investimentos ou avaliação de desempenho — a omissão do conselho na supervisão pode ser interpretada como uma renúncia de função.
Neste cenário, a falta de governança algorítmica compromete não apenas a operação da empresa, mas também a legitimidade do próprio modelo de governança corporativa.
Considerações adicionais
A ausência de governança algorítmica não é apenas uma lacuna técnica — é um risco estratégico de alta magnitude, cuja natureza exige resposta no nível mais elevado de decisão. O conselho de administração precisa evoluir para incluir, de forma consciente, estruturada e contínua, as competências, instrumentos e protocolos necessários para supervisionar sistemas baseados em IA.
Esse movimento não se faz por modismo ou pressão externa, mas sim por responsabilidade institucional, visão de longo prazo e preservação do valor da empresa diante de um novo ciclo tecnológico.
Proposta de Valor: Capacitação e Consultoria para Conselhos
A adoção de inteligência artificial no setor de energia já é uma realidade consolidada, como demonstram os relatórios de sustentabilidade de empresas listadas na B3. No entanto, a ausência de estruturas formais de supervisão algorítmica no nível do conselho impõe um desafio claro: como alinhar inovação tecnológica com responsabilidade institucional?
Para isso, conselhos precisam incorporar novos princípios e boas práticas de governança algorítmica, que complementem — e não substituam — os pilares tradicionais da governança corporativa.
Princípios Fundamentais da Governança Algorítmica
A literatura especializada e as diretrizes internacionais (OCDE, UE, UNESCO, ISO/IEC 42001) convergem para cinco princípios-chave que os conselhos devem adotar:
Princípio
Descrição Executiva
Supervisão Estratégica
Os algoritmos devem estar sujeitos à mesma vigilância dos projetos estratégicos da empresa.
Ética e Responsabilidade
Toda decisão automatizada deve estar alinhada aos valores e compromissos públicos da companhia.
Transparência
Algoritmos críticos devem ser auditáveis, com critérios de explicabilidade adequados ao risco.
Accountability
Devem existir instâncias formais de responsabilização por decisões baseadas em IA.
Gestão de Riscos Digitais
O uso de IA deve ser integrado aos frameworks já existentes de gestão de riscos e compliance.
Esses princípios não demandam a criação de novas estruturas, mas sim a evolução das práticas existentes.
Boas Práticas para Conselhos
Abaixo, um conjunto de recomendações práticas — de rápida adoção — para conselhos que desejam incorporar a pauta algorítmica com legitimidade e efetividade.
Boa Prática
Descrição Executiva
1. Incluir IA na matriz de competências do conselho
Avaliar e incorporar competências digitais e algorítmicas nos critérios de seleção, avaliação e desenvolvimento dos conselheiros.
2. Mapear e classificar algoritmos utilizados
Solicitar o inventário de algoritmos em uso, com classificação por criticidade, impacto e grau de autonomia decisória.
3. Integrar IA aos comitês já existentes
Atribuir a supervisão de algoritmos a comitês como os de Riscos, Auditoria ou Inovação, evitando a fragmentação do tema.
4. Solicitar relatórios periódicos sobre algoritmos
Incluir indicadores algorítmicos em dashboards executivos: decisões automatizadas, taxa de erro, vieses, conformidade, impacto financeiro e operacional.
5. Instituir código de conduta para algoritmos
Adotar princípios mínimos de ética, explicabilidade e segurança aplicáveis a todos os modelos em uso, com base em frameworks reconhecidos internacionalmente.
6. Fomentar formação continuada sobre IA e riscos digitais
Promover trilhas executivas, sessões de capacitação e fóruns com especialistas sobre IA, riscos digitais, ESG algorítmico e tendências regulatórias.
Governança Algorítmica como Diferencial
A boa governança algorítmica não é apenas um mecanismo de proteção — é um diferencial competitivo e reputacional. Empresas que tratam IA com seriedade no nível do conselho demonstram:
Capacidade de inovação com responsabilidade;
Maturidade institucional para operar tecnologias críticas;
Compromisso público com ética, transparência e eficiência.
Para conselheiros, trata-se de um novo campo de atuação — estratégico, legítimo e necessário.
Propostas para Formação de Conselheiros
O cenário atual exige que conselhos de administração evoluam de uma postura apenas fiscalizadora para uma atuação estratégica sobre os temas mais transformadores da agenda corporativa: inteligência artificial, digitalização e transição energética.
Dada a relevância dos investimentos em plataformas digitais, automação e soluções descentralizadas — e a crescente delegação de decisões a sistemas algorítmicos —, torna-se imperativo investir na formação continuada dos conselheiros e também de seus futuros membros.
A seguir, propomos um conjunto de ações estruturadas voltadas à educação executiva, com impacto imediato sobre a maturidade em governança e supervisão estratégica.
Trilha 1 – Formação Essencial: IA, Digitalização e ESG Algorítmico
Módulo
Conteúdo-Chave
Fundamentos de IA
O que é, como funciona e como é aplicada nos negócios.
Algoritmos na prática empresarial
Casos de uso no setor elétrico: previsão, manutenção, atendimento, automação.
Riscos e dilemas éticos
Viés algorítmico, privacidade, transparência e accountability.
ESG e algoritmos
Como IA impacta os indicadores ambientais, sociais e de governança.
Regulação e tendências globais
Padrões da OCDE, ISO/IEC 42001, Lei de IA da UE, posição da ANEEL.
Trilha 2 – Supervisão Estratégica e Governança Algorítmica
Estruturas ágeis para acompanhar algoritmos em empresas de infraestrutura.
Código de conduta algorítmica
Como construir e aprovar diretrizes para uso responsável da IA.
Trilha 3 – Formação Avançada para Presidentes de Conselho e Comitês
Módulo
Conteúdo-Chave
Inteligência Estratégica com IA
Como algoritmos geram vantagem competitiva e posicionamento institucional.
Avaliação e capacitação do colegiado
Matrizes de competências digitais, overboarding e sucessão com foco em inovação.
Simulações e estudos de caso
Cenários realistas com apoio de especialistas, para tomada de decisão em ambiente digitalizado.
Caminho para a Implementação
As trilhas sugeridas podem ser implementadas de forma modular ou como programas executivos customizados, em parceria com escolas de negócios, instituições do setor elétrico e consultorias especializadas.
Também é possível estender esse modelo a:
Conselheiros fiscais e comitês de auditoria;
Diretores estatutários e comitês técnicos;
Jovens lideranças com potencial para futuros conselhos.
A formação não visa tornar conselheiros especialistas técnicos, mas sim decisores preparados, com discernimento estratégico e noções claras de risco, oportunidade e responsabilidade no uso de tecnologias críticas.
Recomendação Institucional e Caminhos de Adoção Setorial
A análise das 14 empresas do setor elétrico listadas na B3 demonstra um avanço expressivo na aplicação de inteligência artificial e automação inteligente. No entanto, esse avanço ainda ocorre de forma pulverizada, com foco na eficiência operacional e sem mecanismos estruturados de supervisão algorítmica no nível do conselho.
Para transformar esse cenário, é necessário que a governança algorítmica seja incorporada institucionalmente às boas práticas do setor, respeitando as especificidades das empresas, o estágio de maturidade digital e os diferentes modelos de atuação (geração, transmissão, distribuição, comercialização).
Propomos, a seguir, três caminhos convergentes:
Criação de Diretrizes Setoriais para Conselhos
Organizações como ABRADEE, ABRACEEL, ABRAGE, ABRAGEL, ABRAT, IBGC e ANEEL podem colaborar na elaboração de um conjunto de princípios orientadores para a supervisão algorítmica no setor elétrico, incluindo:
Diretrizes para inclusão de competências digitais nas matrizes dos conselhos;
Referenciais para mapeamento e classificação de algoritmos críticos;
Sugestões de mecanismos de supervisão colegiada (comitês, auditorias, relatórios executivos).
Essas diretrizes podem seguir o modelo de “compromissos voluntários setoriais”, alinhados às boas práticas internacionais, como o AI Act da União Europeia ou as recomendações da OCDE sobre sistemas autônomos.
Integração com Agendas de ESG e Riscos Estratégicos
A governança algorítmica deve ser tratada como parte integrante da governança ambiental, social e corporativa (ESG) e dos processos de gerenciamento de riscos estratégicos. Isso implica:
Inclusão do tema nos relatórios integrados e de sustentabilidade;
Identificação dos algoritmos que impactam indicadores ESG (ex.: viés em atendimento digital, impactos ambientais simulados, decisões automatizadas com efeito social);
Deliberação colegiada sobre limites éticos, impactos regulatórios e expectativas de transparência.
Com isso, a IA deixa de ser tratada como uma tecnologia emergente e passa a ser incorporada à lógica de accountability institucional.
Formação de uma Comunidade de Prática em Governança de IA
Empresas líderes do setor, em conjunto com universidades, consultorias e entidades de classe, podem constituir uma comunidade de prática interinstitucional sobre governança algorítmica, promovendo:
Compartilhamento de experiências e protocolos entre conselhos;
Desenvolvimento de benchmarks e indicadores comuns;
Apoio à formação continuada dos conselheiros;
Articulação com o poder público para proposições regulatórias equilibradas.
Essa comunidade pode se tornar o núcleo de um pacto setorial de transparência e responsabilidade algorítmica, com forte poder reputacional, inclusive em relação a investidores, órgãos de controle e agências multilaterais.
Uma Chamada à Ação Estratégica
O setor elétrico brasileiro tem histórico de protagonismo técnico e regulatório. Agora, diante da complexidade dos algoritmos que já operam invisivelmente em decisões críticas, é chegada a hora de elevar esse protagonismo também à esfera da governança corporativa com visão de futuro.
Ao adotar mecanismos de governança algorítmica no nível dos conselhos, o setor dá um passo decisivo rumo a uma transição energética que seja não apenas eficiente, mas também ética, transparente e socialmente legítima.
Conclusão Executiva
Governança Algorítmica: um novo mandato estratégico para conselhos no setor de energia
A transformação digital no setor elétrico brasileiro já é um fato consolidado. Dos algoritmos que ajustam redes de distribuição em tempo real às plataformas que gerenciam milhões de interações com clientes, passando por sistemas de previsão climática e modelos de precificação, a inteligência artificial tornou-se um elemento estrutural da operação e da competitividade empresarial.
A análise dos relatórios de sustentabilidade e integrados de 14 empresas listadas na B3 revela que as iniciativas com IA são hoje generalizadas, com aplicações em praticamente todas as etapas da cadeia elétrica. No entanto, essa maturidade técnica ainda não se reflete em mecanismos formais de supervisão por parte dos conselhos de administração.
Esse desalinhamento cria um risco estratégico silencioso: conselhos altamente experientes e qualificados, mas sem acesso a trilhas de formação continuada específicas para os novos temas emergentes, podem ser forçados a decidir sobre investimentos e riscos de forma reativa, excessivamente dependentes de pareceres técnicos, ou até mesmo obstruindo avanços por falta de compreensão sistêmica.
Ao invés de colocar em dúvida a capacidade dos conselheiros — que, em sua maioria, possuem sólida formação em engenharia, finanças e governança — este artigo propõe algo mais estruturante: o reconhecimento de que a governança algorítmica é hoje parte do core das boas práticas de governança corporativa, devendo ser tratada com o mesmo rigor, estratégia e transparência com que se tratam auditoria, riscos financeiros e sustentabilidade.
O caminho sugerido inclui:
Criação de trilhas executivas de formação em IA, algoritmos e riscos digitais;
Incorporação do tema à matriz de competências dos conselhos e à agenda dos comitês técnicos;
Inclusão de indicadores algorítmicos nos dashboards estratégicos;
Adoção de princípios mínimos de conduta para sistemas automatizados;
Estruturação de diretrizes setoriais coordenadas por entidades como ANEEL, ABRADEE, ABRACEEL e associações empresariais.
É chegada a hora de ampliar o olhar: a transição energética em curso é também uma transição de governança. E os conselhos que liderarem esse movimento estarão não apenas mitigando riscos — estarão abrindo espaço para inovações legítimas, sustentáveis e socialmente confiáveis.
O setor elétrico brasileiro vive uma transformação silenciosa, mas profunda. Sistemas inteligentes já operam em centros de controle, algoritmos orientam decisões comerciais e assistentes virtuais interagem com milhões de consumidores. A inteligência artificial, antes restrita a laboratórios ou projetos-piloto, agora está integrada à operação, ao atendimento e à gestão de ativos. Essa realidade não é futura — é presente. O que falta, em muitos casos, é a devida atenção estratégica por parte dos conselhos de administração.
Este post nasce de um estudo minucioso: analisamos os relatórios de sustentabilidade e integrados de 14 empresas de energia listadas na B3. O objetivo foi claro — identificar o estágio atual de uso da inteligência artificial, avaliar os mecanismos de supervisão existentes e compreender como os conselhos estão se preparando para lidar com tecnologias que desafiam modelos tradicionais de governança.
O resultado revela um paradoxo: embora a adoção de IA seja ampla, a supervisão algorítmica no nível da governança ainda é incipiente. Poucos conselhos declaram ter políticas ou comitês preparados para lidar com decisões automatizadas, vieses algorítmicos ou riscos digitais. Não por negligência, mas por falta de estrutura e formação continuada.
Diante desse cenário, este briefing executivo tem um propósito claro: mobilizar conselhos e altos dirigentes para a urgência da capacitação em governança algorítmica. Não se trata de transformar conselheiros em especialistas técnicos, mas de prepará-los para avaliar riscos, aprovar investimentos com consciência e exigir transparência em sistemas cada vez mais autônomos.
A seguir, apresentamos os principais achados do estudo, as implicações estratégicas para a alta gestão e um conjunto de recomendações práticas para iniciar — ou fortalecer — a governança algorítmica no setor elétrico.
Por que isso importa agora?
A inteligência artificial já está sendo usada no setor elétrico brasileiro para:
Otimizar operação e manutenção;
Prever consumo e eventos climáticos extremos;
Automatizar decisões comerciais e técnicas;
Atender clientes por algoritmos e assistentes virtuais.
Esse uso é crescente, estratégico e, em muitos casos, crítico para a continuidade do negócio. No entanto, a supervisão dessas tecnologias ainda está ausente nos níveis mais altos da governança corporativa.
O que o estudo revelou?
Analisamos os relatórios de sustentabilidade e integrados de 14 empresas do setor elétrico listadas na B3, incluindo Eletrobras, CEMIG, Neoenergia, CPFL, TAESA, ENGIE, ENEL e outras.
Principais achados:
Tema
Observação
IA em operação
Todas as empresas analisadas já usam IA ou algoritmos críticos
Supervisão formal nos conselhos
Nenhuma empresa declara estrutura específica de governança algorítmica
Capacitação contínua
Apenas algumas companhias indicam capacitação contínua para conselheiros, com foco em temas como ESG, riscos e inovação — mas sem menções específicas a IA ou riscos digitais.
Avaliação de conselheiros
4 empresas utilizam autoavaliação com matriz de competências, mas ainda sem foco em IA
O que é Governança Algorítmica?
Governança algorítmica é a capacidade institucional de supervisionar sistemas baseados em algoritmos e IA com foco em:
Ética e transparência;
Responsabilidade por decisões automatizadas (accountability);
Prevenção de vieses e discriminações algorítmicas;
Alinhamento com objetivos ESG e regulatórios;
Mitigação de riscos digitais.
Diferença chave: Enquanto a governança tradicional de TI supervisiona infraestrutura, a governança algorítmica supervisiona decisões geradas por sistemas inteligentes.
Quais são os riscos para empresas que ignoram o tema?
Decisões críticas automatizadas sem validação humana ou supervisão ética;
Vieses e falhas operacionais que afetam clientes, rede ou reputação;
Falta de responsabilização clara em incidentes envolvendo IA;
Atrasos na adaptação regulatória e tecnológica;
Redução da confiança de investidores, parceiros e órgãos reguladores.
O que o conselho pode (e deve) fazer agora
Ações prioritárias para conselhos e comitês:
Incluir a governança algorítmica nos comitês de riscos, auditoria ou ESG;
Solicitar inventário das aplicações de IA/algoritmos já existentes na organização;
Promover a capacitação continuada de conselheiros sobre IA, riscos digitais e ética algorítmica;
Incluir princípios algorítmicos em códigos de conduta, ESG e manuais de governança;
Estabelecer métricas para monitoramento da maturidade algorítmica institucional.
Boas práticas já identificadas no setor
Neoenergia e Eletrobras: trilhas de capacitação para conselheiros com foco em ESG, riscos e tecnologia.
TAESA e ENGIE: autoavaliação estruturada e critérios para evitar sobrecarga de mandatos (overboarding).
COPEL: inclusão de membros indicados por empregados e foco em diversidade de pensamento.
Celesc e EMAE: presença de representantes internos nos conselhos — oportunidade para discutir governança tecnológica de forma mais ampla.
Mensagem final
A inteligência artificial já está tomando decisões nas empresas — é hora de os conselhos assumirem seu papel de supervisores estratégicos dessas decisões. A governança algorítmica não é mais opcional: ela protege a reputação, fortalece a governança ESG e garante que o uso de IA esteja alinhado aos interesses da organização e da sociedade.
📖 Leia o artigo completo com dados, exemplos e recomendações operacionais
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