Eduardo M Fagundes

Tech & Energy Insights

Análises independentes sobre energia, tecnologias emergentes e modelos de negócios

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ZPEs e Exportação de Serviços

O Brasil começa a destravar o potencial das Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs), com uma mudança histórica: agora é permitido exportar também serviços a partir dessas áreas especiais. Essa alteração pode reposicionar o país no cenário global, trazendo empresas de tecnologia, datacenters, serviços digitais e centros de inovação para operar com incentivos fiscais e segurança regulatória. Neste post, explico como funcionam as ZPEs, por que elas foram decisivas para países como China e Índia, o que o Brasil fez até agora, e como podemos tornar essa política um vetor real de crescimento. O tema é estratégico, porque pode destravar bilhões em investimentos e gerar empregos qualificados em todas as regiões.

O que são ZPEs e por que elas funcionam

ZPE é uma área delimitada dentro do país que opera com regras especiais para quem quer exportar. Essas regras envolvem:

  • Isenção de impostos de importação e exportação.
  • Suspensão de tributos federais, como IPI, PIS e COFINS.
  • Regime aduaneiro simplificado.
  • Dispensa de licenças e autorizações complexas.

Funciona como uma zona “livre” para atrair empresas exportadoras. Mas, até pouco tempo, o Brasil restringia esse modelo apenas a produtos físicos. Ou seja, uma empresa que quisesse exportar software, serviços de engenharia, telemedicina ou análise de dados não podia se beneficiar da ZPE. Essa limitação nos tirou da rota dos grandes investimentos em serviços globais.

China: a potência que nasceu nas ZPEs

A China criou sua primeira ZPE (na época chamada de Zona Econômica Especial) em 1980, em Shenzhen. O objetivo era atrair capital estrangeiro, gerar empregos e ganhar acesso a novas tecnologias. Deu certo. Shenzhen se transformou de uma vila de pescadores em um polo industrial de classe mundial em menos de 30 anos. Hoje, é sede de empresas como Huawei, Tencent e BYD.

A receita chinesa combinava incentivos fiscais, infraestrutura de ponta, logística integrada e autonomia local. As empresas podiam importar máquinas sem impostos, produzir a baixo custo e exportar com eficiência. Mas o pulo do gato foi quando a China começou a atrair também serviços de alto valor, como design, P&D e software embarcado.

Índia: o império dos serviços nasceu nas SEZs

A Índia apostou fortemente nas SEZs (Special Economic Zones) para desenvolver sua indústria de serviços. Em cidades como Bangalore, Hyderabad e Pune, empresas de tecnologia se instalaram em áreas com regras especiais e conectividade global. O resultado: a Índia se tornou o maior exportador mundial de serviços de TI, superando até o Reino Unido.

Empresas como Infosys, Wipro e TCS nasceram nesse ambiente. Elas operam com regime simplificado, mão de obra qualificada e custos reduzidos. Os datacenters indianos, muitos em SEZs, atendem clientes da Europa e América do Norte com competitividade e escala. O modelo atraiu também empresas globais como IBM, Accenture e Oracle.

O Brasil andou pouco, mas ainda há tempo

A primeira ZPE brasileira foi criada em 1988, mas passou décadas parada. Em 2023, havia menos de 30 ZPEs formalmente criadas, e pouquíssimas em operação real. Entre os entraves estavam:

  • Limitação à exportação de bens físicos.
  • Burocracia fiscal e aduaneira.
  • Falta de infraestrutura local.
  • Desarticulação entre União e estados.

Agora, com a aprovação da Lei nº 14.759/2023, serviços passam a ser incluídos oficialmente no escopo das ZPEs. Isso muda completamente o jogo. Abre espaço para data centers, centros de suporte, inteligência artificial, telemedicina, consultorias e desenvolvedores se instalarem com vantagens fiscais e conexão direta com o mercado externo.

Datacenters: o novo filão das ZPEs

Um dos setores que mais pode se beneficiar com essa mudança é o de data centers. Esses centros armazenam e processam grandes volumes de dados — e são a base da economia digital.

Instalar data centers em ZPEs permite:

  • Redução de impostos sobre servidores, switches e componentes importados.
  • Custo zero de importação para equipamentos de resfriamento, energia e backup.
  • Condições para operar com contratos internacionais de hospedagem e processamento de dados.
  • Exportação de serviços de nuvem, armazenamento e análise de dados com isenção de tributos.

Com incentivos corretos, o Brasil pode competir com a Costa Rica, que hoje é hub de datacenters para empresas americanas, usando incentivos fiscais, localização estratégica e energia limpa. Temos vantagem em mão de obra qualificada, fuso horário próximo ao dos EUA e grande mercado regional.

O desafio da energia e a solução criativa

O maior obstáculo hoje para a instalação de datacenters nas ZPEs brasileiras é o suprimento de energia. Datacenters são grandes consumidores de energia elétrica — e precisam de estabilidade e previsibilidade.

Aqui estão algumas soluções possíveis:

  • Parcerias com consórcios de geração distribuída renovável (solar, eólica e hídrica).
  • Microgrids com baterias e fontes híbridas, garantindo autonomia energética.
  • Criação de subestações dedicadas para zonas de exportação.
  • Uso de créditos de carbono e certificações verdes para atrair clientes globais.

Energia limpa, estável e barata será o fator decisivo para que o Brasil não apenas crie, mas mantenha datacenters em operação nas ZPEs.

E o Estado de São Paulo?

Apesar de ser o maior centro logístico e tecnológico do Brasil, São Paulo ainda não tem uma ZPE em operação. Isso é uma contradição grave. O estado tem:

  • Universidades de ponta.
  • Infraestrutura de telecomunicações.
  • Profissionais qualificados.
  • Acesso a cabos submarinos e aeroportos internacionais.

Uma ZPE voltada para exportação de serviços digitais poderia transformar cidades do interior em polos de inovação. Campinas, Ribeirão Preto, São José dos Campos e Sorocaba são candidatas naturais. Falta apenas vontade política e articulação institucional.

Conclusão: o tempo é agora

O Brasil está diante de uma janela rara. Pela primeira vez, temos uma base legal, exemplos internacionais, setores interessados e capital disponível para fazer das ZPEs um motor real de desenvolvimento.

Mas será preciso:

  • Garantir energia competitiva.
  • Desburocratizar os processos.
  • Integrar municípios, estados e a União.
  • Atrair empresas com visão de longo prazo.
  • Priorizar serviços digitais, que crescem mais rápido e empregam melhor.

Se o Brasil quiser competir de verdade na economia do futuro, precisa tratar suas ZPEs como projeto de Estado, não como experimento isolado. O sucesso da China e da Índia mostra o caminho. E o Brasil ainda tem tempo para trilhá-lo — desde que comece agora.

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