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Autor: Eduardo Fagundes

  • Capacitação Profissional para Datacenters no Brasil: Desafios, Oportunidades e Iniciativas Inovadoras

    Capacitação Profissional para Datacenters no Brasil: Desafios, Oportunidades e Iniciativas Inovadoras

    O setor de datacenters no Brasil está em ascensão, com um mercado projetado para crescer de US$ 2,23 bilhões em 2023 para US$ 4,43 bilhões até 2028, impulsionado por avanços em inteligência artificial, 5G, computação em nuvem e Edge Computing. Contudo, o déficit de 530 mil profissionais de tecnologia até 2025 representa um desafio crítico para sustentar esse crescimento. Este artigo analisa os fatores que posicionam o Brasil como um hub estratégico, destacando regiões como Campinas, Fortaleza e Eldorado do Sul, e detalha as profissões essenciais para datacenters, incluindo engenheiros eletricistas, especialistas em cloud e analistas de segurança cibernética. Examina os desafios de capacitação, como a escassez de cursos específicos, a concentração de treinamentos no Sudeste e os altos custos, e apresenta iniciativas regionais e a parceria entre CPFL Energia e nMentors Academy, que capacita universitários em eficiência energética por meio de um currículo modular, plataforma digital, chatbot com IA e kits de medição. O artigo propõe estratégias para o futuro, incluindo centros regionais de treinamento, certificações acessíveis, incentivos governamentais, parcerias público-privadas e foco em inclusão, oferecendo um roteiro para superar o déficit de talentos. Ao replicar modelos como o da CPFL-nMentors, o Brasil pode formar uma força de trabalho qualificada, promovendo inovação, sustentabilidade e liderança global na infraestrutura digital.

    O Boom dos Datacenters no Brasil: Fatores Impulsionadores

    A ascensão dos datacenters no Brasil é alimentada por uma combinação de inovações tecnológicas, demandas de mercado e vantagens regionais que posicionam o país como um destino estratégico para investimentos em infraestrutura digital. Os principais fatores incluem:

    Inteligência Artificial e Big Data

    A explosão de aplicações baseadas em inteligência artificial, como modelos de linguagem generativa, aprendizado de máquina e análise preditiva, exige infraestruturas de alta performance com capacidade para processar grandes volumes de dados em tempo real. Datacenters hyperscale, como os planejados pela Scala em Eldorado do Sul (RS), são projetados para suportar essas cargas intensivas, com racks de até 150 kW e sistemas de resfriamento líquido. Empresas como NVIDIA e startups de IA estão impulsionando a demanda por datacenters especializados, criando um ciclo virtuoso de inovação e investimento.

    Adoção de SaaS e Nuvem Privada

    O modelo de Software as a Service (SaaS) transformou a forma como empresas consomem tecnologia, com plataformas como Salesforce, Microsoft 365 e soluções de ERP em nuvem ganhando tração no Brasil. Além disso, grandes corporações, como o Itaú Unibanco, estão migrando para nuvens privadas para garantir maior controle, segurança e conformidade regulatória. Essa transição aumenta a necessidade de datacenters locais que ofereçam baixa latência e alta disponibilidade, incentivando investimentos de gigantes como AWS, Google Cloud e Azure, que expandem suas zonas de disponibilidade no país.

    Implementação do 5G e Conectividade

    A implantação do 5G no Brasil está revolucionando a conectividade, com velocidades ultra-rápidas e baixa latência que habilitam aplicações como Internet das Coisas (IoT), cidades inteligentes e veículos autônomos. Essa infraestrutura de rede exige datacenters robustos para processar dados em tempo real, especialmente em regiões urbanas densas como São Paulo e em polos emergentes como Fortaleza, beneficiada por cabos submarinos que conectam o Brasil à Europa e aos EUA.

    Edge Computing: Proximidade com o Usuário

    O conceito de Edge Computing está redefinindo a arquitetura de datacenters, com a criação de instalações menores e descentralizadas que aproximam o processamento de dados dos usuários finais. Esses datacenters de borda são essenciais para aplicações sensíveis à latência, como streaming de vídeo, jogos online e IoT industrial. Regiões como Recife (PE), Brasília (DF) e São João de Meriti (RJ) estão atraindo projetos de Edge Computing devido à sua localização estratégica e à necessidade de atender mercados locais com maior agilidade. Por exemplo, o Recife1, um data center de 4 MW, foi projetado para suportar aplicações de borda no Nordeste.

    Vantagens Regionais

    O Brasil oferece condições únicas que atraem investidores. O Nordeste, especialmente Fortaleza, destaca-se pela abundância de energia renovável (solar e eólica) e acesso a cabos submarinos como o EllaLink, que garantem baixa latência na transmissão de dados. São Paulo, por sua vez, concentra talentos qualificados, conectividade avançada (15 cabos submarinos) e uma economia vibrante, abrigando 30 datacenters com 302 MW de capacidade instalada. O Sul, com projetos como a Scala AI City em Eldorado do Sul, beneficia-se de energia estável e proximidade com o cabo Malbec.

    Investimentos Estrangeiros e Flexibilidade Regulatória

    Empresas globais como Microsoft, Amazon, Google e Huawei estão expandindo suas operações no Brasil, atraídas por um ambiente regulatório mais flexível em comparação com países como os EUA, onde restrições ambientais e de uso de água limitam novos projetos. A ausência de regulamentações rigorosas, embora levantando preocupações socioambientais, permite a rápida implementação de datacenters, como o Mega Lobster da V.tal em Fortaleza, com investimento de R$ 1 bilhão.

    Regiões em Destaque para Datacenters

    A escolha de uma região para hospedar datacenters é um processo estratégico que depende de uma combinação de fatores técnicos, econômicos e geográficos, essenciais para garantir competitividade e sustentabilidade no setor. Para se destacar como um hub de datacenters, uma região precisa oferecer infraestrutura robusta, conectividade de alta performance, acesso a energia confiável e preferencialmente renovável, disponibilidade de mão de obra qualificada, além de um ambiente regulatório favorável. No Brasil, o crescimento do mercado de datacenters, projetado para saltar de US$ 2,23 bilhões em 2023 para US$ 4,43 bilhões até 2028, tem destacado regiões como Campinas, Barueri e Santana de Parnaíba (SP), Eldorado do Sul e Porto Alegre (RS), Fortaleza (CE), além de polos emergentes como São João de Meriti (RJ), Zona da Mata (MG), Brasília (DF), Recife (PE), Paraíba, Paraná e Santa Catarina. Cada uma dessas áreas apresenta características únicas que as tornam atrativas para diferentes tipos de datacenters, desde instalações hyperscale até soluções de Edge Computing.

    Campinas, Barueri e Santana de Parnaíba, por exemplo, formam o maior hub de datacenters do Brasil, com 30 instalações e uma capacidade projetada de 487 MW. A proximidade com São Paulo, um centro econômico e tecnológico, garante acesso a talentos qualificados e conectividade avançada, com 15 cabos submarinos que asseguram baixa latência. Projetos como o Tamboré Campus da Scala, com 560 MW planejados, e a liderança da Ascenty em Campinas posicionam a região como ideal para datacenters hyperscale e de borda. No Sul, Eldorado do Sul e Porto Alegre despontam com a ambiciosa Scala AI City, que, com investimento inicial de R$ 3 bilhões e potencial de 4,75 GW, será o maior empreendimento da América do Sul. Conectada ao cabo Malbec, a região combina energia estável e um ecossistema de inovação, reforçado pelo data center SPOAPA01 em Porto Alegre, focado em clientes hyperscale. Já Fortaleza, no Nordeste, emerge como um polo estratégico, impulsionada pelo Mega Lobster da V.tal, com 20 MW e R$ 1 bilhão em investimentos. A abundância de energia renovável (solar e eólica), acesso a cabos submarinos como o EllaLink e custos operacionais competitivos tornam a cidade atrativa para projetos de Edge Computing e hyperscale.

    Outras regiões, como São João de Meriti (RJ), com um data center de 36 MW planejado pela CloudHQ, e polos menores como Zona da Mata (MG), Brasília (DF), Recife (PE), Paraíba, Paraná e Santa Catarina, também ganham relevância. Projetos como o Elea Digital BSB2 em Brasília e o Recife1 em Pernambuco atendem demandas locais e suportam aplicações de borda, aproveitando localizações estratégicas e incentivos regionais. A competitividade dessas regiões depende de sua capacidade de alinhar infraestrutura, sustentabilidade e talentos às necessidades do mercado, garantindo que o Brasil se consolide como um líder global na infraestrutura digital.

    Profissões Necessárias para Datacenters

    Os datacenters são o coração da economia digital, funcionando como infraestruturas críticas que sustentam desde serviços em nuvem até aplicações de inteligência artificial (IA) e redes 5G. Com o mercado brasileiro de datacenters projetado para crescer de US$ 2,23 bilhões em 2023 para US$ 4,43 bilhões até 2028, a demanda por profissionais altamente qualificados nunca foi tão premente. Essas instalações complexas exigem uma força de trabalho diversificada, abrangendo desde a construção física até a gestão de sistemas tecnológicos avançados, com um foco crescente em sustentabilidade e eficiência operacional. A operação contínua 24/7, a necessidade de baixa latência para *Edge Computing* e a alta densidade de servidores em datacenters hyperscale, como a Scala AI City em Eldorado do Sul (RS), demandam profissionais com habilidades técnicas específicas, capacidade de inovação e competências interpessoais robustas. No entanto, o Brasil enfrenta um déficit projetado de 530 mil profissionais de tecnologia até 2025, o que torna a capacitação em áreas-chave uma prioridade estratégica. A seguir, detalhamos as principais profissões necessárias para datacenters, suas funções específicas e as competências que as tornam indispensáveis.

    Profissões Essenciais para Datacenters

    Infraestrutura Física

    1. Engenheiro Eletricista  
    • Função: Responsável pelo projeto, instalação e manutenção de sistemas elétricos críticos, como fontes de alimentação ininterrupta (UPS), geradores e painéis de distribuição. Esses profissionais garantem a continuidade operacional, essencial em datacenters que operam 24/7, evitando interrupções que podem custar milhões em perdas. Eles também otimizam a eficiência energética, reduzindo o consumo em sistemas de alta potência, como os de 560 MW planejados para o Tamboré Campus em Barueri (SP).  
    • Competências: Conhecimento em sistemas de energia redundante, normas de segurança elétrica (como NR-10 no Brasil), e análise de carga. Habilidades em software de simulação elétrica (como AutoCAD Electrical) e familiaridade com padrões de certificação, como Tier III/IV do Uptime Institute, são fundamentais.  
    • Desafios: Lidar com a crescente demanda por energia em datacenters hyperscale e integrar fontes renováveis, como solar e eólica, em regiões como Fortaleza (CE).
    1. Técnico em Refrigeração e Climatização  
    • Função: Gerencia sistemas de resfriamento, como unidades CRAC (Computer Room Air Conditioning), CRAH (Computer Room Air Handler) e tecnologias de resfriamento líquido, que são vitais para manter servidores de alta densidade em temperaturas operacionais seguras. Em projetos como a Scala AI City, com racks de 150 kW, esses técnicos implementam soluções inovadoras, como imersão líquida, para dissipar calor intenso.  
    • Competências: Expertise em sistemas HVAC, conhecimento em fluidodinâmica e termodinâmica, e habilidades em manutenção preditiva para evitar falhas. Familiaridade com tecnologias de resfriamento sustentável e ferramentas de monitoramento térmico (como câmeras termográficas) é essencial.  
    • Desafios: Adaptar sistemas de resfriamento para alta densidade de servidores e reduzir o consumo de água, especialmente em regiões com restrições hídricas.
    1. Técnico em Cabeamento Estruturado  
    • Função: Instala e mantém redes de fibra óptica e cobre, garantindo conectividade de alta velocidade e baixa latência, crucial para *Edge Computing* e aplicações hyperscale. Esses profissionais asseguram que a infraestrutura de rede suporte a transmissão de dados em larga escala, como nos datacenters conectados a cabos submarinos em Fortaleza (CE).  
    • Competências: Conhecimento em padrões de cabeamento (como TIA-942), habilidades em testes de rede (usando OTDR) e certificação em instalação de fibra óptica. Atenção aos detalhes é fundamental para evitar perdas de sinal ou falhas de conectividade.  
    • Desafios: Gerenciar a complexidade de redes em datacenters de grande escala e manter a compatibilidade com tecnologias emergentes, como redes 400G.
    1. Engenheiro Civil/Especialista em Infraestrutura  
    • Função: Planeja e supervisiona a construção de datacenters, considerando requisitos de segurança, escalabilidade e resistência a desastres naturais. Esses profissionais projetam estruturas que suportam cargas pesadas de equipamentos e integram sistemas de supressão de incêndio e segurança física, como no Mega Lobster da V.tal em Fortaleza.  
    • Competências: Domínio em projetos estruturais, conhecimento em normas de construção (como NBR 15575) e familiaridade com certificações de sustentabilidade, como LEED. Habilidades em gerenciamento de projetos (usando ferramentas como MS Project) são essenciais para coordenar equipes multidisciplinares.  
    • Desafios: Garantir a construção de instalações modulares que permitam expansão futura e cumprir prazos apertados em projetos de grande escala.
    1. Especialista em Eficiência Energética  
    • Função: Desenvolve estratégias para minimizar o consumo de energia, reduzindo o Power Usage Effectiveness (PUE) e alinhando datacenters a metas de sustentabilidade. Eles implementam soluções como integração de energia renovável e otimização de sistemas de resfriamento, especialmente em regiões como o Nordeste, ricas em fontes solares e eólicas.  
    • Competências: Conhecimento em auditorias energéticas, análise de PUE, e ferramentas de simulação energética (como EnergyPlus). Familiaridade com regulamentações da ANEEL e padrões internacionais, como ISO 50001, é crucial.  
    • Desafios: Equilibrar eficiência energética com o aumento da demanda por processamento, especialmente em datacenters que suportam IA e *Edge Computing*.

    Tecnologia da Informação (TI) e Redes

    1. Engenheiro de Redes  
    • Função: Configura e gerencia switches, roteadores e firewalls para garantir baixa latência e alta disponibilidade, fundamentais para aplicações de *Edge Computing* e serviços em nuvem. Esses profissionais otimizam a infraestrutura de rede para suportar tráfego intenso, como nos datacenters conectados ao cabo Malbec em Porto Alegre.  
    • Competências: Expertise em protocolos de rede (como BGP, MPLS), certificações Cisco (CCNP, CCIE) e experiência com SDN (Software-Defined Networking). Habilidades analíticas para diagnosticar e resolver falhas rapidamente são essenciais.  
    • Desafios: Escalar redes para suportar o crescimento exponencial de dados e garantir segurança em ambientes de alta conectividade.
    1. Especialista em Cloud Computing  
    • Função: Administra plataformas de nuvem como AWS, Azure e Google Cloud, predominantes em datacenters hyperscale, e gerencia nuvens privadas para empresas como o Itaú. Eles configuram ambientes escaláveis e resilientes, garantindo alta disponibilidade para serviços SaaS.  
    • Competências: Conhecimento em arquitetura de nuvem, certificações AWS Certified Solutions Architect ou Azure Administrator, e habilidades em automação (usando ferramentas como Terraform). Familiaridade com contêineres (Docker, Kubernetes) é um diferencial.  
    • Desafios: Integrar nuvens híbridas e garantir conformidade com regulamentações de dados, como a LGPD no Brasil.
    1. Analista de Segurança Cibernética  
    • Função: Protege datacenters contra ameaças cibernéticas, implementando firewalls, sistemas de detecção de intrusos e políticas de segurança. Eles monitoram vulnerabilidades e respondem a incidentes, garantindo a proteção de dados sensíveis em aplicações como SaaS e nuvens privadas.  
    • Competências: Certificações como CISSP ou CEH, conhecimento em SIEM (Security Information and Event Management) e experiência em testes de penetração. Habilidades em análise de riscos e conformidade regulatória são indispensáveis.  
    • Desafios: Acompanhar a evolução de ameaças cibernéticas e proteger infraestruturas críticas em tempo real.
    1. Administrador de Sistemas  
    • Função: Gerencia servidores (Linux/Windows), bancos de dados e sistemas operacionais, garantindo desempenho e disponibilidade. Eles otimizam workloads e realizam manutenção preventiva, essencial em datacenters como o SPOAPA01 em Porto Alegre.  
    • Competências: Proficiência em Linux (Red Hat, Ubuntu), Windows Server, e bancos de dados (MySQL, PostgreSQL). Habilidades em scripting (Python, Bash) e monitoramento (Nagios, Zabbix) são cruciais.  
    • Desafios: Gerenciar sistemas heterogêneos em escala e minimizar tempos de inatividade em operações críticas.
    1. Engenheiro de Dados/IA  
    • Função: Suporta workloads de inteligência artificial e aprendizado de máquina, configurando ambientes para processar grandes volumes de dados, como na Scala AI City. Eles otimizam pipelines de dados e integram soluções de IA generativa.  
    • Competências: Conhecimento em frameworks como TensorFlow e PyTorch, experiência com GPUs e TPUs, e habilidades em big data (Hadoop, Spark). Certificações em IA/ML são um diferencial.  
    • Desafios: Lidar com a alta demanda computacional de IA e integrar soluções escaláveis em datacenters hyperscale.

    Gestão e Sustentabilidade

    1. Gerente de Operações  
    • Função: Supervisiona todas as atividades do data center, garantindo conformidade com padrões como Tier III/IV do Uptime Institute e coordenando equipes multidisciplinares. Eles asseguram a operação contínua e a eficiência geral, como no Tamboré Campus da Scala.  
    • Competências: Liderança, gestão de projetos (PMP, Agile), e conhecimento em padrões de operação de datacenters. Habilidades em negociação e gestão de crises são essenciais.  
    • Desafios: Coordenar equipes em ambientes de alta pressão e garantir conformidade com normas ambientais e regulatórias.
    1. Engenheiro de Projetos  
    • Função: Planeja e gerencia a implementação de novos datacenters, coordenando desde o projeto inicial até a entrega. Eles supervisionam orçamentos, prazos e equipes, como no Mega Lobster da V.tal em Fortaleza.  
    • Competências: Experiência em gerenciamento de projetos (usando Primavera ou MS Project), conhecimento em construção de datacenters e normas regulatórias. Habilidades de comunicação interdepartamental são cruciais.  
    • Desafios: Gerenciar projetos complexos com múltiplos stakeholders e cumprir prazos apertados.
    1. Consultor Ambiental  
    • Função: Avalia os impactos socioambientais de datacenters, propondo práticas sustentáveis, como o uso de energia renovável e redução de emissões. Eles são cruciais em regiões como o Nordeste, onde a sustentabilidade é um diferencial competitivo.  
    • Competências: Conhecimento em auditorias ambientais, certificações LEED e ISO 14001, e habilidades em relatórios de impacto. Comunicação com stakeholders regulatórios é essencial.  
    • Desafios: Equilibrar metas de sustentabilidade com as demandas operacionais de datacenters de grande escala.

    Habilidades Complementares

    Além das competências técnicas, o ambiente crítico e colaborativo dos datacenters exige:

    • Pensamento Analítico: Para diagnosticar e resolver problemas complexos em tempo real, como falhas de rede ou superaquecimento.
    • Comunicação: Para coordenar equipes multidisciplinares e reportar a stakeholders.
    • Resiliência: Para operar sob pressão em ambientes que não toleram falhas.
    • Trabalho em Equipe: Para colaborar em projetos que envolvem engenharia, TI e gestão.

    Os datacenters são infraestruturas complexas que demandam uma força de trabalho altamente qualificada, abrangendo desde engenheiros eletricistas e especialistas em resfriamento até analistas de segurança cibernética e engenheiros de IA. Cada profissão desempenha um papel crítico na construção, operação e sustentabilidade dessas instalações, que são o alicerce da economia digital. No Brasil, o crescimento do setor, impulsionado por projetos como o Tamboré Campus, a Scala AI City e o Mega Lobster, destaca a urgência de programas de capacitação que formem profissionais aptos a enfrentar os desafios técnicos e ambientais. Investir na formação dessas competências é essencial para posicionar o Brasil como um líder global na infraestrutura de datacenters, garantindo inovação, eficiência e sustentabilidade.

    Desafios de Capacitação no Brasil

    Como vimos, o Brasil está emergindo como um polo estratégico para data centers, com o mercado projetado para crescer de US$ 2,23 bilhões em 2023 para US$ 4,43 bilhões até 2028, impulsionado por avanços em inteligência artificial, 5G, e Edge Computing. No entanto, a formação de profissionais qualificados para atender a essa demanda enfrenta barreiras significativas que ameaçam o potencial do setor. A complexidade operacional dos data centers, que exigem alta confiabilidade e operação contínua, combinada com a escassez de talentos, a falta de programas educacionais específicos, a desigualdade regional, os altos custos de treinamento e as incertezas regulatórias, cria um cenário desafiador. Superar esses obstáculos é crucial para que o Brasil capitalize o boom dos datacenters, garantindo uma força de trabalho capaz de sustentar projetos ambiciosos como a Scala AI City em Eldorado do Sul (RS), o Mega Lobster em Fortaleza (CE) e o Tamboré Campus em Barueri (SP).

    O déficit de talentos é uma das barreiras mais críticas. Segundo a Uptime Institute, o mercado global enfrentará uma escassez de 300 mil profissionais de data centers até 2025, e o Brasil não é exceção. O país já projeta um déficit de 530 mil profissionais de tecnologia no mesmo período, abrangendo áreas essenciais como engenharia elétrica, administração de sistemas, segurança cibernética e tecnologias de resfriamento. Esse gap é particularmente preocupante em um setor que exige especialização técnica para operar infraestruturas críticas, como as que suportam workloads de IA em datacenters hyperscale ou aplicações de baixa latência em Edge Computing. A falta de profissionais qualificados pode atrasar a implementação de novos projetos, aumentar custos operacionais e comprometer a competitividade do Brasil frente a outros hubs globais, como os Estados Unidos e a Irlanda.

    A falta de programas educacionais específicos agrava o problema. A maioria das instituições de ensino superior no Brasil não oferece cursos ou disciplinas voltadas para as necessidades únicas dos datacenters, como projeto de sistemas de resfriamento líquido, gestão de eficiência energética ou arquitetura de redes para Edge Computing. Embora existam certificações internacionais, como Tier Standards da Uptime Institute, DCCA da Schneider Electric e CCNA Data Center da Cisco, elas são frequentemente inacessíveis devido a custos elevados e à necessidade de conhecimento prévio avançado. Universidades e institutos técnicos, mesmo em polos educacionais como São Paulo, carecem de currículos que integrem teoria e prática em áreas como gerenciamento de servidores de alta densidade ou integração de energia renovável, que são cruciais em regiões como Fortaleza, onde a sustentabilidade é um diferencial competitivo. Essa lacuna educacional limita a formação de profissionais prontos para atuar em projetos como o SPOAPA01 em Porto Alegre ou o Recife1 em Pernambuco.

    A concentração de programas de capacitação no Sudeste intensifica a desigualdade regional, marginalizando áreas onde novos datacenters estão surgindo. São Paulo, com sua infraestrutura educacional robusta e proximidade com hubs como Campinas, Barueri e Santana de Parnaíba, concentra a maioria dos cursos de tecnologia e parcerias com empresas como Ascenty e Equinix. No entanto, regiões como o Nordeste e o Sul, que abrigam projetos estratégicos como o Mega Lobster e a Scala AI City, enfrentam uma carência de centros de treinamento especializados. No Ceará, por exemplo, a Universidade Federal do Ceará (UFC) oferece cursos de engenharia, mas carece de programas focados em datacenters. No Rio Grande do Sul, a UFRGS tem potencial, mas a formação específica para resfriamento líquido ou segurança cibernética é limitada. Essa disparidade regional dificulta a contratação de mão de obra local, aumentando custos logísticos para empresas como a V.tal e a Scala, que buscam priorizar talentos regionais.

    A complexidade operacional dos datacenters representa outro desafio significativo. Essas instalações operam 24 horas por dia, 7 dias por semana, com zero tolerância a falhas, já que interrupções podem gerar perdas financeiras substanciais e comprometer serviços críticos, como SaaS ou aplicações de IA. Erros humanos, como falhas na configuração de redes ou manutenção inadequada de sistemas de resfriamento, são uma causa comum de incidentes, segundo relatórios da Uptime Institute. Isso destaca a necessidade de treinamento contínuo e rigoroso, que vá além da formação inicial e inclua atualização em tecnologias emergentes, como SDN (Software-Defined Networking) e resfriamento por imersão. No entanto, a oferta de programas de educação continuada é escassa, especialmente fora do Sudeste, o que dificulta a manutenção de uma força de trabalho atualizada em regiões como São João de Meriti (RJ) ou Brasília (DF).

    Por fim, os altos custos de treinamento e as barreiras regulatórias limitam os investimentos em capacitação, particularmente para pequenas e médias empresas. O desenvolvimento de programas educacionais, aquisição de equipamentos de simulação (como kits de medição para resfriamento ou ferramentas de teste de rede) e contratação de instrutores especializados demandam recursos financeiros significativos. Certificações internacionais, embora valiosas, têm custos proibitivos para muitos profissionais, especialmente em regiões economicamente menos desenvolvidas. Além disso, a ausência de uma regulamentação clara para o setor de data centers no Brasil cria incertezas que desincentivam investimentos em treinamento por parte de empresas menores. Embora grandes players como a Scala e a V.tal invistam em parcerias educacionais, como com a UFRGS ou a UFC, as PMEs enfrentam dificuldades para acessar esses recursos, ampliando a desigualdade no ecossistema de capacitação.

    Superar esses desafios exige uma abordagem coordenada que combine investimentos públicos e privados, expansão de programas educacionais regionais e incentivos para a formação de talentos. Iniciativas como o “Piauí Conectado” no Nordeste, que fomenta infraestrutura digital, podem ser adaptadas para incluir capacitação em tecnologia de data centers. Parcerias com universidades locais, como a colaboração da Ascenty com instituições em Campinas, precisam ser replicadas em polos emergentes como Recife e Eldorado do Sul. Além disso, políticas públicas, como a planejada Política Nacional de Datacenters, devem priorizar a formação profissional, oferecendo subsídios para certificações e programas de treinamento inclusivos que atraiam jovens, mulheres e grupos sub-representados. Somente com essas medidas o Brasil poderá transformar o déficit de talentos em uma oportunidade, consolidando-se como um líder global na infraestrutura digital.

    Caso de Sucesso: Iniciativa da CPFL Energia e nMentors

    O programa de capacitação em eficiência energética, desenvolvido pela Companhia Piratininga de Força e Luz (CPFL Energia) com a colaboração com a nMentors Academy, é uma iniciativa inovadora para capacitar estudantes universitários em eficiência energética, alinhada ao Programa de Eficiência Energética da ANEEL. Realizado na região de concessão da CPFL Piratininga, incluindo cidades como Campinas, Sorocaba, Jundiaí e Santos, o curso de 100 horas combina teoria e prática, abordando fundamentos, regulamentações, políticas públicas e aplicações como medição e verificação de desempenho energético. O programa culmina em um concurso onde os alunos desenvolvem projetos técnicos, incentivando inovação e aplicação prática.

    A nMentors, uma edutech especializada, é responsável pelo conteúdo, metodologia, instrutores e plataforma digital do programa. O currículo modular inclui videoaulas, e-books interativos, quizzes e kits de laboratório, cobrindo temas como iluminação eficiente, sistemas HVAC e análise de projetos energéticos. A plataforma de ensino a distância (EaD) integra simulações, fóruns colaborativos e gamificação, promovendo engajamento e aprendizado personalizado. Um chatbot com inteligência artificial oferece suporte em tempo real, auxiliando os alunos em cálculos, análises e dúvidas regulatórias, enquanto kits de medição doados pela nMentors, contendo instrumentos como multímetros, pinças amperimétricas e termômetros infravermelhos, permitem medições práticas nas escolas de engenharia da região, democratizando o acesso a ferramentas avançadas.

    O concurso final, avaliado por especialistas, premia projetos que destacam-se em inovação e impacto, conectando os alunos ao mercado energético. O programa fortalece a formação de profissionais aptos a atuar em setores onde a eficiência energética é crucial, promovendo o uso racional e seguro de energia.

    Este modelo de colaboração entre a CPFL, nMentors e universidades é um exemplo replicável para a capacitação de profissionais em datacenters. Parcerias semelhantes podem desenvolver currículos em áreas como resfriamento líquido, segurança cibernética e computação em nuvem, utilizando plataformas digitais e ferramentas práticas para preparar talentos para os desafios do setor, reduzindo o déficit de profissionais e fortalecendo o ecossistema de datacenters no Brasil.

    Sugestões para o Futuro

    Para posicionar o Brasil como um líder global na infraestrutura digital, é essencial adotar estratégias coordenadas que ampliem a capacitação profissional, promovam inclusão social e alinhem a formação às demandas específicas do setor. As recomendações a seguir oferecem um roteiro abrangente para enfrentar esses desafios, inspirando-se em iniciativas bem-sucedidas como a parceria entre CPFL Energia e nMentors Academy, e focam na criação de centros regionais de treinamento, expansão de certificações, incentivos governamentais, parcerias público-privadas e inclusão de grupos sub-representados.

    1. Criação de Centros Regionais de Treinamento

    Estabelecer centros regionais de treinamento especializados em datacenters é uma prioridade para descentralizar a capacitação e atender às demandas de polos emergentes. Regiões como Fortaleza (CE), Eldorado do Sul (RS), Recife (PE) e Brasília (DF) estão atraindo projetos de datacenters significativos, como o Mega Lobster da V.tal (20 MW) e a Scala AI City (4,75 GW), mas carecem de infraestrutura educacional robusta. Esses centros devem ser desenvolvidos em parceria com empresas líderes, como Scala, V.tal, Ascenty e Equinix, e universidades locais, como a Universidade Federal do Ceará (UFC), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Os hubs devem oferecer cursos práticos em áreas críticas, como resfriamento líquido, gerenciamento de redes, segurança cibernética e eficiência energética, utilizando simuladores, laboratórios e ferramentas reais, como kits de medição ou softwares de análise de PUE (Power Usage Effectiveness). Além disso, esses centros podem atuar como polos de inovação, promovendo pesquisa aplicada em tecnologias emergentes, como SDN (Software-Defined Networking) e integração de energia renovável, e conectando estudantes a oportunidades de estágio e emprego em datacenters locais. A criação de hubs em regiões menos desenvolvidas também reduz a dependência de talentos do Sudeste, fortalecendo economias regionais e promovendo a sustentabilidade do setor.

    1. Expansão de Certificações Acessíveis

    Certificações internacionais, como as do Uptime Institute (Tier Standards), Schneider Electric (DCCA) e Cisco (CCNA Data Center, CCNP), são essenciais para validar as competências de profissionais em datacenters, mas seu alto custo e complexidade limitam o acesso, especialmente para estudantes de baixa renda. Para superar essa barreira, é necessário expandir a oferta dessas certificações por meio de subsídios governamentais, parcerias com empresas e programas de bolsas. Por exemplo, empresas como a Ascenty, que opera em Campinas, poderiam financiar turmas de certificação em troca de priorizar a contratação de formandos. Instituições como o SENAI e o Sebrae podem atuar como facilitadores, oferecendo cursos preparatórios em cidades como Fortaleza e Porto Alegre, onde datacenters estão em crescimento. Além disso, a tradução e adaptação de conteúdos para o português, bem como a criação de versões híbridas (online e presencial), podem aumentar a acessibilidade. Programas de mentoria, inspirados no modelo da nMentors, onde instrutores especializados orientam os alunos, também podem melhorar as taxas de aprovação. Tornar essas certificações mais acessíveis não apenas reduz o déficit de talentos, mas também democratiza o acesso a carreiras bem remuneradas em datacenters, promovendo mobilidade social.

    1. Incentivos Governamentais e Políticas Públicas

    Aproveitar políticas públicas, como a planejada Política Nacional de Datacenters, é fundamental para integrar a capacitação profissional às metas de desenvolvimento do setor. O governo federal, em colaboração com estados e municípios, deve criar incentivos fiscais para empresas que invistam em programas de treinamento, como isenções de impostos para iniciativas que formem profissionais em áreas como resfriamento líquido, cloud computing e segurança cibernética. Programas de financiamento, como os do BNDES, podem apoiar a construção de laboratórios educacionais em universidades e institutos técnicos, equipados com ferramentas avançadas, como simuladores de redes e sistemas de resfriamento. Além disso, políticas públicas devem priorizar a inclusão social, oferecendo bolsas de estudo para jovens de comunidades vulneráveis e mulheres, que são sub-representadas no setor de tecnologia. A experiência do “Piauí Conectado”, que expandiu a infraestrutura digital no Nordeste, pode servir de inspiração para programas que combinem conectividade com capacitação, como a formação de técnicos em cabeamento estruturado para datacenters em Recife ou Fortaleza. A integração dessas iniciativas com regulamentações da ANEEL, que promovem eficiência energética, também pode alinhar a formação às metas de sustentabilidade, preparando profissionais para otimizar o PUE em datacenters como o Tamboré Campus em Barueri.

    1. Parcerias Público-Privadas

    Modelos de parcerias público-privadas (PPPs), como o “Piauí Conectado”, oferecem um framework poderoso para expandir a capacitação em datacenters, integrando esforços do governo, empresas e instituições educacionais. Essas parcerias podem financiar a criação de centros de treinamento regionais, como em Eldorado do Sul, onde a Scala planeja um dos maiores datacenters da América do Sul. Por exemplo, o governo do Rio Grande do Sul poderia colaborar com a Scala e a UFRGS para desenvolver um hub que forme engenheiros de redes, especialistas em resfriamento líquido e analistas de segurança cibernética, com currículos adaptados às necessidades do projeto Scala AI City. No Nordeste, uma PPP envolvendo a V.tal, a UFC e o governo do Ceará poderia capacitar técnicos em eficiência energética e cabeamento estruturado para o Mega Lobster em Fortaleza, aproveitando a abundância de energia renovável na região. Essas parcerias também podem incluir empresas de tecnologia, como a nMentors, para fornecer plataformas digitais de ensino, chatbots com IA e metodologias inovadoras, como as usadas no programa de capacitação em eficiência energética para universitários da CPFL. Além disso, PPPs podem promover a transferência de conhecimento entre grandes players e PMEs, capacitando pequenas empresas a formar talentos locais e competir no ecossistema de datacenters. Essas colaborações garantem que a capacitação seja prática, escalável e alinhada às demandas regionais, reduzindo desigualdades e fortalecendo o setor.

    1. Foco em Inclusão e Diversidade

    Para reduzir o déficit de talentos e diversificar a força de trabalho, é crucial criar programas que atraiam mulheres, jovens de comunidades periféricas, negros, indígenas e outros grupos sub-representados. O setor de tecnologia, incluindo datacenters, historicamente apresenta baixa diversidade, com mulheres representando menos de 20% da força de trabalho no Brasil, segundo dados do IBGE. Programas de capacitação inclusivos, inspirados no modelo da CPFL e nMentors, podem oferecer bolsas de estudo, mentoria e cursos introdutórios em cidades como São João de Meriti (RJ), Brasília (DF) e Recife (PE), onde datacenters como o CloudHQ (36 MW) e o Recife1 estão em desenvolvimento. Iniciativas como hackathons, bootcamps e concursos, semelhantes ao concurso do ASEE, podem engajar jovens, incentivando carreiras em áreas como administração de sistemas, segurança cibernética e eficiência energética. Parcerias com organizações como PrograMaria e Pretalab podem atrair mulheres para o setor, enquanto programas como o Jovem Aprendiz, adaptados para datacenters, podem capacitar adolescentes de comunidades vulneráveis. Além disso, a oferta de cursos online, por meio de plataformas EaD como a da nMentors, permite alcançar grupos em regiões remotas, promovendo inclusão geográfica. A diversidade na força de trabalho não apenas reduz o déficit de talentos, mas também enriquece a inovação, trazendo perspectivas variadas para resolver desafios complexos em datacenters.

    1. Integração de Tecnologias Educacionais Avançadas

    A adoção de tecnologias educacionais, como as utilizadas pela nMentors no programa ASEE, é essencial para escalar a capacitação e torná-la mais eficaz. Chatbots com IA podem personalizar o aprendizado, oferecendo suporte em tempo real para alunos que estudam tópicos complexos, como configuração de redes SDN ou otimização de sistemas de resfriamento. Plataformas EaD com gamificação, simulações e fóruns colaborativos, como a desenvolvida para o ASEE, podem engajar estudantes em cidades como Fortaleza e Eldorado do Sul, permitindo que avancem no próprio ritmo. Além disso, tecnologias de realidade aumentada (AR) e realidade virtual (VR) podem ser integradas para simular ambientes de datacenters, como o Tamboré Campus, onde alunos podem praticar a manutenção de servidores ou a configuração de sistemas de resfriamento sem riscos. Essas ferramentas, combinadas com parcerias com empresas de tecnologia como Microsoft e Google, podem reduzir custos de treinamento e alcançar milhares de alunos, ajudando a mitigar o déficit de 530 mil profissionais. A integração de tecnologias educacionais também facilita a atualização contínua dos currículos, garantindo que os formandos estejam preparados para inovações como *Edge Computing* e IA generativa.

    1. Promoção de Pesquisa e Desenvolvimento

    Fomentar a pesquisa e desenvolvimento (P&D) em datacenters é outra estratégia crucial para sustentar a capacitação a longo prazo. Universidades como a UNIFESP, UFC e UFRGS podem criar centros de P&D em parceria com empresas como Scala, V.tal e Ascenty, focando em áreas como resfriamento sustentável, integração de energia renovável e segurança cibernética avançada. Esses centros podem oferecer programas de mestrado e doutorado, além de cursos de extensão, que combinem pesquisa acadêmica com aplicações práticas, como o desenvolvimento de sistemas de resfriamento por imersão para datacenters hyperscale. Bolsas de pesquisa financiadas por empresas e governo podem atrair talentos acadêmicos, enquanto projetos colaborativos, como os concursos do ASEE, podem conectar estudantes a desafios reais do setor. A promoção de P&D também estimula a inovação local, reduzindo a dependência de tecnologias importadas e posicionando o Brasil como um hub de conhecimento em datacenters.

    As estratégias propostas — criação de centros regionais, expansão de certificações, incentivos governamentais, parcerias público-privadas, foco em inclusão, integração de tecnologias educacionais e promoção de P&D — oferecem um caminho claro para alavancar a capacitação para datacenters no Brasil. Inspiradas em modelos bem-sucedidos como o programa ASEE da CPFL e nMentors, essas ações podem transformar o déficit de talentos em uma oportunidade, formando uma força de trabalho qualificada, diversa e inovadora. Ao implementar essas medidas, o Brasil pode consolidar sua posição como líder global na infraestrutura digital, garantindo que o crescimento dos datacenters seja sustentável, inclusivo e alinhado às demandas da economia digital.

    Conclusão

    O Brasil está no epicentro de uma transformação digital, com o setor de datacenters emergindo como um pilar fundamental para sustentar a economia do futuro, projetada para crescer de US$ 2,23 bilhões em 2023 para US$ 4,43 bilhões até 2028. Esse avanço, impulsionado por tecnologias como inteligência artificial, 5G, computação em nuvem e Edge Computing, posiciona o país como um hub estratégico global, atraindo investimentos de gigantes como Scala, V.tal, Ascenty e Equinix em regiões como Campinas, Fortaleza e Eldorado do Sul. No entanto, a escassez de mão de obra qualificada, com um déficit projetado de 530 mil profissionais de tecnologia até 2025, representa um obstáculo crítico que ameaça a sustentabilidade desse crescimento. Profissões como engenheiros eletricistas, técnicos em resfriamento, especialistas em cloud computing, analistas de segurança cibernética e engenheiros de dados são indispensáveis para operar e inovar em datacenters, mas exigem formação especializada que ainda é limitada no Brasil, especialmente em áreas como resfriamento líquido, gerenciamento de redes SDN e eficiência energética. A iniciativa da CPFL Energia e nMentors Academy, por meio do programa do Programa de Eficiência Energética da Aneel, oferece um modelo exemplar de como superar esses desafios.

    Combinando um currículo modular, uma plataforma digital de ensino com gamificação, um chatbot com inteligência artificial e doações de kits de medição, o programa capacita estudantes universitários com habilidades práticas e teóricas, conectando a academia ao mercado por meio de concursos inovadores. Essa abordagem, implementada em cidades como Campinas, Sorocaba e Santos, demonstra o poder das parcerias entre empresas, universidades e edutechs para formar profissionais preparados para setores de alta demanda, incluindo datacenters. Ao replicar e adaptar esse modelo para áreas específicas como TI, segurança cibernética, arquitetura de servidores e sustentabilidade, o Brasil pode construir uma força de trabalho robusta e diversificada, capaz de atender às necessidades de projetos como a Scala AI City, o Mega Lobster e o Tamboré Campus. Investir em centros regionais de treinamento, certificações acessíveis, incentivos governamentais, parcerias público-privadas e inclusão social será essencial para transformar o déficit de talentos em uma oportunidade. Com essas ações, o Brasil não apenas superará as barreiras de capacitação, mas também consolidará sua posição como líder global na infraestrutura digital, promovendo inovação, inclusão e desenvolvimento sustentável para impulsionar a economia do século XXI.

  • Cibersegurança no Setor Elétrico: Uma Agenda de Resiliência Nacional

    Cibersegurança no Setor Elétrico: Uma Agenda de Resiliência Nacional

    Introdução

    A infraestrutura elétrica é uma das colunas vitais de qualquer sociedade moderna — ela sustenta serviços essenciais como saúde, transporte, comunicações, abastecimento e segurança pública. Em uma economia cada vez mais digitalizada, a disponibilidade contínua e confiável de energia depende não apenas de robustez física e redundância técnica, mas também da resiliência cibernética. É nesse contexto que a cibersegurança deixa de ser uma preocupação meramente tecnológica e assume o papel de vetor estratégico, regulatório e institucional para o setor elétrico brasileiro.

    Incidentes recentes, como o apagão na Península Ibérica em abril de 2025 — embora de origem técnica e não cibernética — evidenciam como a falha de um único elo da rede de transmissão pode comprometer milhões de usuários e desorganizar serviços básicos. Mais alarmante ainda são os casos documentados de ataques cibernéticos coordenados contra redes elétricas em zonas de conflito, como na Ucrânia, onde malwares como Industroyer e BlackEnergy demonstraram que softwares maliciosos podem causar danos físicos reais à distância, comprometendo centros de controle, subestações e dados operacionais.

    No Brasil, embora haja avanços pontuais em modernização tecnológica e adoção de sistemas de automação, o cenário ainda é marcado por baixa integração entre TI e OT, carência de políticas cibernéticas setoriais, ausência de requisitos regulatórios específicos para ambientes industriais e uma maturidade desigual entre os agentes do setor. Nesse contexto, as vulnerabilidades se acumulam e a resposta institucional ainda é fragmentada.

    Este artigo tem como objetivo apresentar uma análise aprofundada sobre o estado da cibersegurança no setor elétrico, com base em evidências do relatório global da Fortinet (2025), frameworks técnicos do NIST e do modelo C2M2, além de experiências nacionais como o Exercício Guardião Cibernético. A proposta é consolidar um diagnóstico qualificado e apresentar recomendações práticas e viáveis para fortalecer a resiliência digital do sistema elétrico brasileiro — com foco em governança, conformidade técnica, simulação, capacitação e regulação.

    Mais do que proteger dados, a cibersegurança no setor elétrico significa proteger a energia que move o país — e, com ela, a confiança da sociedade e a estabilidade de toda a cadeia econômica.

    Panorama Atual: Vulnerabilidades em Alta Tensão

    O setor de energia global encontra-se em um ponto de inflexão crítico no que se refere à segurança cibernética. A crescente digitalização das infraestruturas operacionais, aliada à interconexão entre sistemas legados e modernos, ampliou significativamente a superfície de ataque das empresas de energia elétrica, petróleo e gás. Uma pesquisa conduzida pela Fortinet entre fevereiro e março de 2025, com 300 tomadores de decisão de diferentes regiões, revela um cenário preocupante: a frequência de incidentes cibernéticos aumentou, os impactos são profundos e a maturidade das defesas, ainda insuficiente.

    De acordo com o levantamento, 53% das empresas sofreram entre 1 e 5 incidentes cibernéticos nos 12 meses anteriores à pesquisa, enquanto 25% relataram de 6 a mais de 15 ataques. Apenas 7% disseram não ter registrado nenhum incidente no período. Os efeitos mais mencionados incluem queda de produtividade, prejuízos financeiros e aumento do risco reputacional e jurídico, elementos que colocam em xeque a continuidade dos serviços prestados por concessionárias e operadoras de infraestrutura crítica.

    O relatório também chama atenção para a percepção crescente de risco. Entre os profissionais do setor de petróleo e gás, 68% afirmaram que sua exposição cibernética aumentou no último ano, em contraste com 41% no setor elétrico — um sinal de alerta que evidencia a vulnerabilidade do ecossistema energético como um todo, especialmente em cadeias altamente digitalizadas e distribuídas.

    Apesar da frequência elevada de incidentes e do reconhecimento do risco, a maturidade cibernética permanece em níveis preocupantemente baixos. Apenas 31% das empresas afirmam ter uma estratégia de cibersegurança com capacidade preditiva plenamente operacionalizada. A maioria segue atuando de forma reativa ou com iniciativas isoladas de monitoramento e resposta, sem uma visão integrada de gestão de riscos. Além disso, mais de um terço das organizações não possui um plano de longo prazo para segurança cibernética — lacuna crítica para um setor que depende da continuidade, previsibilidade e confiança institucional.

    Entre os principais entraves identificados no relatório estão: a complexidade tecnológica das redes OT/TI, a baixa visibilidade sobre os ativos conectados, a dificuldade de integração entre áreas operacionais e de tecnologia, e a escassez de profissionais especializados em segurança cibernética aplicada à infraestrutura crítica.

    Diante desse panorama, a Fortinet recomenda a adoção de arquiteturas unificadas de segurança cibernética, com foco em segmentação, automação, monitoramento contínuo e visibilidade OT/IT. Também reforça a necessidade urgente de investimento em capacitação de equipes, planejamento estratégico e alinhamento a frameworks consolidados, como o NIST Cybersecurity Framework (CSF), a ISO/IEC 27019 e os modelos de maturidade como o C2M2.

    No contexto brasileiro, esse diagnóstico global ressoa com força: muitas empresas de energia seguem operando com estruturas mínimas de cibersegurança, especialmente em ambientes industriais. A ausência de regulação específica, somada à falta de governança integrada e de simulações práticas, mantém o setor em uma posição vulnerável frente a ameaças que evoluem rapidamente, tanto em sofisticação quanto em impacto potencial.

    Apagões e Conflitos: Lições Reais sobre a Fragilidade Energética

    A resiliência do setor elétrico não depende apenas de sua capacidade técnica, mas também de sua preparação para cenários de falha — acidentais ou deliberadas. Eventos recentes, tanto de origem técnica quanto cibernética, oferecem aprendizados cruciais para o Brasil e demais países em desenvolvimento energético e digital.

    O caso ibérico: um apagão técnico com consequências sistêmicas

    Em 28 de abril de 2025, às 12h33 (horário local), um apagão de grandes proporções atingiu simultaneamente a Espanha e Portugal, deixando a maior parte da Península Ibérica sem energia elétrica por cerca de 10 horas. A falha, de natureza técnica e não cibernética, afetou milhões de residências, empresas, hospitais e sistemas de transporte. Algumas regiões, como Andorra e o País Basco francês, também sofreram cortes momentâneos de segundos a minutos, evidenciando o efeito de propagação de distúrbios em redes altamente interconectadas.

    Embora não tenha sido causado por um ataque cibernético, o episódio expôs a extrema interdependência e fragilidade da malha elétrica moderna, demonstrando como uma única falha física pode escalar rapidamente e impactar vários países. O evento serviu de alerta: se uma falha técnica já causa esse tipo de impacto, o que dizer de ataques cibernéticos intencionais, invisíveis e simultâneos?

    A guerra invisível: ataques cibernéticos à infraestrutura ucraniana

    Entre 2015 e 2022, a Ucrânia tornou-se laboratório real de ataques cibernéticos contra sistemas elétricos, protagonizados por grupos como Sandworm (ligado ao GRU russo) e Industroyer, um dos malwares industriais mais perigosos já identificados.

    • Em dezembro de 2015, um ataque coordenado comprometeu três empresas de energia, causando apagões que afetaram mais de 225 mil pessoas.
    • Os atacantes usaram spear phishing para entrar nas redes corporativas, moveram-se lateralmente até os sistemas SCADA, e reprogramaram disjuntores — desligando fisicamente o fornecimento de energia remotamente.
    • Em 2016, o malware Industroyer (também conhecido como CrashOverride) mostrou-se capaz de interagir com protocolos industriais padronizados, tornando-se uma ameaça replicável a outros países com redes similares.
    • Em 2022, durante a invasão russa, a Ucrânia voltou a ser alvo de ataques cibernéticos massivos, com tentativas de derrubar redes críticas e interromper serviços básicos.

    Esses eventos confirmaram que softwares maliciosos voltados para infraestrutura crítica não só existem, mas já foram usados com sucesso, causando danos físicos reais e colapsos regionais — e demonstrando que a fronteira entre guerra digital e guerra convencional deixou de existir.

    Aprendizados essenciais para o Brasil

    • Redes altamente conectadas e automatizadas trazem eficiência, mas exigem segurança proporcional à sua complexidade;
    • A falta de segmentação entre redes OT e TI — comum em concessionárias brasileiras — representa um risco crítico;
    • É urgente adotar uma postura de resiliência cibernética proativa, com testes de penetração, simulações de ataque e integração entre engenharia, TI e gestão.

    Fundamentos e Referenciais Técnicos

    NIST SP 800-37 Rev. 2 – Ciclo de Vida da Segurança

    A norma NIST Special Publication 800-37 Revision 2, publicada pelo Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia dos EUA (NIST), define o Risk Management Framework (RMF) — um modelo abrangente para gestão de riscos em sistemas de informação, especialmente aqueles que operam em ambientes de missão crítica, como os sistemas de automação e controle do setor elétrico.

    O RMF vai além de um checklist técnico: ele estabelece um ciclo de vida completo da segurança, promovendo a integração entre engenharia, governança, operação e compliance. É totalmente compatível com os frameworks do NIST Cybersecurity Framework (CSF), da ISO/IEC 27001 e do modelo C2M2 para energia.

    As 7 etapas do RMF aplicadas ao contexto energético

    1. Preparar (Prepare)
    • Define o contexto organizacional da segurança;
    • Estabelece papéis, responsabilidades, políticas e recursos;
    • No setor elétrico, isso inclui alinhar a TI com a engenharia de proteção, operação e manutenção, e nomear um gestor de riscos ou comitê de cibersegurança com autoridade para tomada de decisão.
    1. Categorizar (Categorize)
    • Classifica os sistemas segundo o impacto potencial à confidencialidade, integridade e disponibilidade (CIA);
    • Em uma concessionária, por exemplo, um sistema de telemetria pode ser classificado como de alto impacto se sua falha comprometer o despacho ou a proteção da rede.
    1. Selecionar controles (Select)
    • Baseia-se na biblioteca de controles do NIST SP 800-53, adaptada para o nível de impacto identificado;
    • Inclui controles técnicos (como criptografia e firewalls), administrativos (políticas e auditorias) e físicos (acesso a salas técnicas e subestações).
    1. Implementar (Implement)
    • Os controles selecionados são implementados tecnicamente e documentados;
    • Isso inclui, por exemplo, a segmentação de redes OT/IT, uso de autenticação multifator nos sistemas SCADA e registro centralizado de eventos.
    1. Avaliar (Assess)
    • Verifica se os controles estão operando de forma eficaz e se os riscos residuais são aceitáveis;
    • Pode envolver testes de penetração, simulações baseadas em MITRE ATT&CK for ICS e auditorias cruzadas com consultores especializados.
    1. Autorizar (Authorize)
    • A alta administração ou autoridade designada formaliza a autorização para operação (ATO) do sistema;
    • No contexto brasileiro, poderia envolver o alinhamento com ANEEL, Operador Nacional do Sistema (ONS) ou diretrizes da Agência Nacional de Cibersegurança, caso instituída.
    1. Monitorar (Monitor)
    • Realiza o monitoramento contínuo dos riscos, ameaças, alterações na configuração e eficácia dos controles;
    • Envolve a integração de sistemas como SIEM, SOC e alertas em tempo real — além da revisão periódica dos planos de continuidade e resposta a incidentes.

    Por que o RMF é importante para o setor elétrico?

    • Flexível: Pode ser aplicado a sistemas de geração, transmissão, distribuição, DERs e até ambientes híbridos TI+OT.
    • Orientado a risco real: Permite que decisões técnicas sejam embasadas em impacto operacional e estratégico.
    • Compliant: Alinha-se a normas internacionais e facilita o atendimento a reguladores, parceiros e seguradoras.
    • Evolutivo: Funciona como base para maturidade crescente — do nível reativo ao preditivo.

    C2M2 – Maturidade Específica para Energia

    Desenvolvido pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos (U.S. DoE), o Cybersecurity Capability Maturity Model (C2M2) é um modelo estruturado de avaliação e evolução da maturidade cibernética voltado especialmente para infraestruturas críticas, como energia elétrica, óleo e gás, telecomunicações e água.

    O C2M2 é amplamente adotado por utilities ao redor do mundo como ferramenta prática de autodiagnóstico, permitindo às organizações:

    • Mapear lacunas nos controles de segurança;
    • Priorizar investimentos conforme os ativos mais críticos;
    • Medir avanços ao longo do tempo;
    • Comunicar riscos e progresso à alta gestão e a reguladores.

    Estrutura do C2M2

    O modelo é dividido em 10 domínios de práticas, cobrindo aspectos organizacionais, operacionais e técnicos:

    1. Gestão de Ativos Cibernéticos
    2. Gestão de Riscos Cibernéticos
    3. Gestão de Identidades e Acessos
    4. Gestão de Conexões e Perímetro
    5. Detecção e Monitoramento de Anomalias
    6. Resposta a Incidentes
    7. Recuperação Operacional
    8. Governança e Conformidade
    9. Engajamento com Partes Interessadas
    10. Capacitação e Cultura de Segurança

    Cada domínio é avaliado em três níveis de maturidade, com indicadores claros e objetivos de progresso. Por exemplo:

    • Nível 1 – Inicial/Ad-hoc: Processos informais ou inexistentes.
    • Nível 2 – Implementado: Práticas definidas e aplicadas, mas com cobertura parcial.
    • Nível 3 – Gerenciado e Sustentável: Práticas institucionalizadas, auditáveis e alinhadas ao negócio.

    Aplicação no Setor Elétrico

    O C2M2 conta com versões específicas para eletricidade (ES-C2M2) e óleo e gás (ONG-C2M2), adaptadas à realidade de sistemas SCADA, subestações, centros de controle e plantas híbridas OT/IT.

    Exemplos de uso no setor:

    • Empresas de geração e transmissão podem usar o C2M2 para priorizar melhorias nos gateways OT, sistemas de autenticação, firewalls industriais e SOCs;
    • Concessionárias de distribuição podem identificar fraquezas na gestão de ativos e resposta a incidentes, frequentemente negligenciadas em redes de média e baixa tensão;
    • Startups e integradoras do setor energético podem aplicar o modelo em suas soluções para garantir segurança embarcada e aumentar a confiança junto a clientes regulados.

    Integração com frameworks globais

    O C2M2 se integra perfeitamente ao NIST CSF, sendo compatível com o ciclo do RMF (NIST SP 800-37) e com normas como:

    • NIST SP 800-53 – Biblioteca de controles;
    • ISA/IEC 62443 – Segurança para sistemas de automação industrial;
    • ISO/IEC 27001 e 27019 – Segurança da informação e controle industrial.

    Essa interoperabilidade torna o modelo valioso para organizações que precisam conformidade com múltiplos requisitos regulatórios e de governança.

    Normas ABNT e Regulação da ANEEL

    Apesar de o C2M2 ser uma ferramenta poderosa, sua adoção no Brasil ainda é voluntária e pouco incentivada por regulamentações locais. O que temos hoje:

    • ABNT ISO/IEC 27001: Norma base de gestão da segurança da informação, reconhecida internacionalmente;
    • ABNT ISO/IEC 27019: Complementa a 27001 com requisitos específicos para sistemas de controle industrial em energia, como subestações, redes de medição, automação e despacho;
    • PRODIST (Módulo 3) da ANEEL: Estabelece diretrizes para continuidade, qualidade e confiabilidade no fornecimento de energia elétrica, porém ainda não especifica requisitos técnicos de segurança cibernética para redes OT ou sistemas críticos.

    Esse cenário regulatório revela um vácuo normativo importante no Brasil, onde a segurança digital em infraestrutura energética ainda não é exigida de forma explícita, embora seja reconhecida como fundamental. A ausência de padrões obrigatórios compromete a homogeneidade da maturidade cibernética entre agentes do setor.

    Capacitação Nacional: O Exercício Guardião Cibernético

    O Exercício Guardião Cibernético (EGC) é atualmente a maior simulação brasileira de ciberataques a infraestruturas críticas, promovido pelo Ministério da Defesa e coordenado pelo Comando de Defesa Cibernética (ComDCiber), órgão subordinado ao Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas. Com edições anuais, o EGC tem como objetivo capacitar, avaliar e integrar instituições públicas e privadas para atuar de forma coordenada frente a cenários complexos de ameaças cibernéticas, com foco especial em setores essenciais como energia, finanças, telecomunicações, aviação civil, biossegurança, água, defesa e governo digital.

    A edição mais recente, o EGC 6.0, foi realizada entre os dias 14 e 18 de outubro de 2024, simultaneamente em Brasília e São Paulo, com simulações realistas, ambientes virtuais de ataque e defesa, e gabinetes de crise formados por especialistas civis e militares. Reuniu 140 organizações e mais de 700 participantes, superando a escala da edição anterior. Participaram representantes das Forças Armadas, GSI, ANEEL, Banco Central, ONS, empresas públicas e privadas, universidades, e especialistas de mais de 30 países. A dimensão internacional do exercício foi ampliada com o envolvimento direto de delegações da OTAN, da Guarda Nacional de Nova York e do Fórum Ibero-Americano de Defesa Cibernética. Também houve integração com o Locked Shields 2024, realizado em abril na Europa, com participação ativa de militares brasileiros.

    O EGC 6.0 focou em simulações envolvendo ataques avançados a sistemas SCADA, interrupções de fornecimento de energia, sabotagem de protocolos industriais como o IEC 60870-5-104 e manipulação de dados em redes OT. Casos como os ciberataques à Ucrânia e o apagão de abril de 2025 na Península Ibérica serviram de base para os cenários propostos, ainda que o evento ibérico não tenha sido confirmado como ataque digital. Os exercícios também validaram o Plano Nacional de Tratamento de Incidentes e fortaleceram a Rede Federal de Gestão de Incidentes Cibernéticos, sob coordenação do GSI/PR.

    O ComDCiber lidera a condução estratégica das operações cibernéticas no Brasil, enquanto a Escola Nacional de Defesa Cibernética (ENaDCiber) atua na formação de civis e militares, promovendo cursos e treinamentos voltados à proteção de ativos críticos. Para o setor elétrico, a importância do EGC é clara: ele oferece um ambiente seguro para testar respostas diante de ameaças cibernéticas reais, envolvendo concessionárias de geração, transmissão e distribuição, integradores de tecnologia e órgãos reguladores. O exercício reforça a necessidade de articulação entre defesa, operação, regulação e inovação, consolidando uma cultura nacional de prontidão frente aos riscos digitais que ameaçam a infraestrutura energética do país.

    Recomendações Estratégicas para o Setor Elétrico Brasileiro

    O aumento da superfície de ataque digital no setor elétrico, associado à criticidade das operações OT e à crescente sofisticação das ameaças cibernéticas, exige do Brasil uma resposta sistêmica, coordenada e adaptada à realidade nacional. Esta seção apresenta um conjunto de recomendações estruturadas em cinco eixos estratégicos — governança, maturidade, arquitetura técnica, capacitação e regulação — que, em conjunto, oferecem um caminho factível para o fortalecimento da resiliência cibernética nas empresas do setor elétrico brasileiro.

    Governança e Planejamento

    A construção de uma postura cibernética eficaz começa com uma estrutura sólida de governança. Muitas concessionárias e agentes do setor ainda tratam a cibersegurança como um apêndice da TI corporativa, quando na verdade ela deve ser considerada um eixo estratégico da operação.

    Recomenda-se:

    • A criação de comitês de cibersegurança permanentes, com participação ativa das áreas de TI, engenharia, operação, jurídico e gestão de riscos;
    • A nomeação de um responsável formal pela segurança cibernética (CISO ou equivalente) com autoridade para decisões orçamentárias, técnicas e de gestão de crise;
    • O desenvolvimento e homologação de Planos de Resposta a Incidentes (PRI) específicos para ambientes OT/SCADA, com aprovação e respaldo da alta administração.

    A governança deve garantir que a segurança cibernética seja integrada à estratégia corporativa e ao planejamento regulatório.

    Maturidade e Conformidade

    A ausência de métricas claras e referenciais maduros dificulta a evolução das empresas. Por isso, é fundamental adotar modelos validados internacionalmente que sirvam como bússola para o desenvolvimento técnico e institucional.

    São recomendadas as seguintes ações:

    • A adoção progressiva do modelo C2M2 (Cybersecurity Capability Maturity Model) como ferramenta de autodiagnóstico, planejamento e comunicação de progresso;
    • A implementação do Risk Management Framework (RMF) do NIST, especialmente para sistemas críticos e centros de operação, assegurando um ciclo contínuo de identificação, mitigação e monitoramento de riscos;
    • O alinhamento aos controles da ISO/IEC 27019, norma específica para segurança cibernética em sistemas de controle industrial no setor de energia, promovendo padronização e reconhecimento institucional.

    Esses modelos são complementares, escaláveis e podem ser integrados aos processos existentes com o apoio de consultorias especializadas e órgãos reguladores.

    Arquitetura Técnica de Proteção

    A proteção eficaz de ativos industriais e corporativos depende de uma arquitetura técnica robusta, segmentada e monitorada continuamente. Muitos ataques recentes, inclusive os observados na Ucrânia e simulações do EGC, exploraram falhas justamente nessa camada.

    Para isso, recomenda-se:

    • A segmentação lógica e física entre redes OT e TI, com firewalls industriais e políticas de tráfego rigorosas entre domínios;
    • A implantação de soluções de detecção e prevenção de intrusões (IDS/IPS) voltadas para protocolos industriais, autenticação multifator em sistemas críticos, e backups segregados com testes de restauração periódicos;
    • A estruturação de um SOC (Security Operations Center) próprio ou terceirizado, com ferramentas de SIEM adaptadas para visibilidade em redes OT, incluindo alertas de integridade, comportamento anômalo e tentativas de acesso não autorizado.

    Essa arquitetura deve ser tratada como um ativo estratégico, com evolução contínua e alinhamento ao ciclo de vida dos sistemas industriais.

    Simulação, Teste e Capacitação

    Investir em tecnologia sem treinar pessoas é ineficaz. A capacidade de resposta a incidentes depende, acima de tudo, da preparação prática e colaborativa das equipes. O Brasil já dispõe de estruturas como o Exercício Guardião Cibernético (EGC), que devem ser integradas à rotina empresarial.

    Sugerem-se as seguintes ações:

    • A realização periódica de Tabletop Exercises, simulando ataques cibernéticos com participação multidisciplinar (TI, engenharia, jurídico, comunicação, diretoria);
    • A execução de simulações técnicas com base no MITRE ATT&CK for ICS, utilizando ambientes controlados ou digital twins para avaliar defesas, tempo de resposta e eficácia de planos de contingência;
    • A criação de gabinetes internos de crise cibernética, com protocolos claros de comunicação, tomada de decisão e relacionamento com reguladores e imprensa.

    Essas práticas ajudam a reduzir o tempo de resposta, fortalecem a confiança da equipe e aumentam a resiliência institucional.

    Cooperação Institucional e Regulação

    A cibersegurança no setor elétrico não é responsabilidade exclusiva de cada empresa — ela deve ser trabalhada como um esforço sistêmico e regulatório. A atuação coordenada entre agentes do setor, órgãos de defesa e reguladores é fundamental para garantir uniformidade de práticas e fortalecimento coletivo da cadeia energética.

    Recomenda-se:

    • Apoiar a ANEEL na atualização do PRODIST e de resoluções normativas, incluindo exigências mínimas de segurança cibernética para redes OT, centros de controle e sistemas de medição;
    • Integrar-se à ENaDCiber (Escola Nacional de Defesa Cibernética) e ao ComDCiber, tanto para treinamentos quanto para estruturação de programas setoriais de capacitação e resposta;
    • Estabelecer fóruns regionais e interestaduais de cibersegurança no setor elétrico, com apoio de associações como Abradee, Abrage, Apine e ONS, promovendo o compartilhamento de boas práticas, inteligência de ameaças e planos de resposta coordenada.

    A cibersegurança deve ser tratada como parte da infraestrutura regulada, com incentivos à conformidade, auditoria técnica e comunicação clara com a sociedade.

    Conclusão: Cibersegurança como Infraestrutura Crítica

    A cibersegurança no setor elétrico deixou de ser uma preocupação periférica para se tornar um pressuposto de continuidade operacional, confiabilidade regulatória e soberania energética. Os dados revelados pelo relatório da Fortinet, somados às experiências recentes de apagões e ataques em zonas de conflito, mostram que os riscos não são mais hipotéticos — são frequentes, direcionados e com impacto sistêmico.

    Em um cenário marcado por digitalização acelerada, integração de DERs, automação de subestações e operação remota, a superfície de ataque cresce de forma exponencial. Isso exige que o setor elétrico brasileiro abandone a postura reativa e adote uma estratégia estruturada de resiliência digital, alinhada a frameworks técnicos, exercícios práticos e articulação institucional.

    Empresas que incorporam modelos como o NIST RMF e o C2M2, que adotam normas como a ISO/IEC 27019, e que se engajam ativamente em iniciativas nacionais como o Exercício Guardião Cibernético, não apenas aumentam sua proteção contra ameaças — elas constroem confiança perante acionistas, reguladores, consumidores e parceiros internacionais.

    A cibersegurança deve ser reconhecida como um componente indissociável da infraestrutura crítica nacional. Investir em maturidade cibernética é garantir a continuidade do fornecimento de energia, a integridade dos dados operacionais e a estabilidade institucional do setor. É assegurar que a transição energética em curso no Brasil ocorra com segurança, confiabilidade e liderança.

    O futuro da energia será cada vez mais digital — e os líderes desse futuro serão aqueles que souberem proteger o presente.

  • O Futuro da Energia Renovável no Brasil: Integrando Hidrogênio Verde, BESS e Datacenters

    O Futuro da Energia Renovável no Brasil: Integrando Hidrogênio Verde, BESS e Datacenters

    O setor elétrico brasileiro enfrenta desafios significativos, como perdas técnicas e não técnicas, gargalos na transmissão e a necessidade de integrar excedentes de fontes renováveis, como os observados no parque eólico Pedra Pintada, na Bahia. Com a ascensão de tecnologias como hidrogênio verde, sistemas de armazenamento por baterias (BESS) e datacenters, e novos marcos legais, o Brasil tem a oportunidade de transformar esses desafios em soluções sustentáveis. Este artigo analisa como essas inovações podem otimizar o sistema energético, com base em dados recentes e tendências regulatórias.

    Desafios do Parque Eólico Pedra Pintada e Perdas no Setor Elétrico

    Inaugurado pela Enel Green Power em junho de 2025, o parque eólico Pedra Pintada, em Umburanas e Ourolândia, Bahia, possui 194 MW de capacidade instalada, gerando energia suficiente para cerca de 435 mil residências. No entanto, enfrenta cortes de geração (curtailment) de aproximadamente 11%, devido à baixa demanda local, especialmente em fins de semana, conforme decisão do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Esse problema é agravado pela distância entre regiões de geração renovável, como a Bahia, e centros de consumo, como o Sudeste.

    O relatório da ANEEL (2025/2024) destaca que as perdas totais no setor elétrico atingiram cerca de 14% da energia injetada em 2024, sendo 7,4% (44,6 TWh) de perdas técnicas na distribuição e 2,1% na transmissão, com custos financeiros de aproximadamente R$ 11,2 bilhões. As perdas não técnicas, associadas a furtos e fraudes, somaram 6,6% (40,2 TWh), custando R$ 10,3 bilhões. Essas perdas evidenciam a ineficiência do sistema e a necessidade de soluções locais para reduzir a dependência de longas linhas de transmissão, que contribuem para dissipação de energia.

    Soluções Locais com BESS: Viabilidade e Aplicações

    Os Sistemas de Armazenamento de Energia por Baterias (BESS) são uma alternativa para aproveitar excedentes, como os de Pedra Pintada. A Brasol anunciou R$ 150 milhões em investimentos para 2025 no modelo “BESS as a Service”, voltado a clientes comerciais, industriais e agropecuários. Esse sistema pode reduzir custos de energia em até 20%, armazenando energia em períodos de baixa demanda para uso em picos, minimizando perdas técnicas e aliviando a rede.

    Com custos globais de BESS estimados em cerca de US$ 300/kWh (aproximadamente R$ 1,5 milhão/MWh, ajustado por câmbio e impostos), uma instalação de 50 MWh demandaria cerca de R$ 75 milhões. Em microrredes agropecuárias na Bahia, onde a demanda por irrigação é significativa, o BESS pode substituir geradores a diesel, reduzindo custos e emissões. A viabilidade, porém, depende de avanços regulatórios. A Consulta Pública nº 39/2023 da ANEEL, encerrada em janeiro de 2024, discutiu a inclusão de BESS no setor elétrico, mas um marco regulatório definitivo ainda está em desenvolvimento, limitando aplicações em larga escala e a remuneração de serviços ancilares.

    Hidrogênio Verde: Aproveitando Excedentes Renováveis

    O hidrogênio verde, produzido por eletrólise com energia renovável, oferece uma solução para converter excedentes em produtos de alto valor. A usina piloto da Petrobras no Vale do Açu, Rio Grande do Norte, com investimento de R$ 90 milhões, utilizará energia solar para eletrólise, com operação prevista para 2026. Esse projeto valida tecnologias que podem reduzir custos de produção, atualmente estimados em US$ 3,5–5/kg no Brasil, para níveis mais competitivos, próximos a US$ 2/kg, com escala e incentivos.

    Em Pedra Pintada, o excedente de geração (estimado em 98,3 GWh/ano) poderia ser convertido em hidrogênio verde, gerando milhares de toneladas anuais para aplicações industriais, como fertilizantes ou combustíveis. Apesar do alto custo inicial de plantas de escala média (centenas de milhões de reais), o aprendizado do piloto da Petrobras pode viabilizar projetos em regiões ricas em renováveis, como a Bahia, onde a Enel opera 1,9 GW de capacidade.

    Marcos Legais: Impulsionando Hidrogênio Verde e Datacenters

    A Lei nº 14.990/2024, sancionada em 2024, instituiu o Programa de Estímulo à Cadeia Produtiva do Hidrogênio Verde (PHBC) e diretrizes para o setor, complementada pela Lei nº 14.948/2024, que criou o Regime Especial de Incentivos para o Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro). O Rehidro oferece isenções de PIS/Cofins, redução de até 50% nas tarifas de transmissão e distribuição (TUSD/TUST) e isenção de encargos como a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) por 10 anos. O setor, porém, aguarda decretos e portarias que detalhem a implementação, como critérios de certificação e comercialização.

    A Política Nacional de Datacenters, anunciada em maio de 2025, prevê desonerações de PIS/Cofins, IPI e impostos de importação por cinco anos, com foco em sustentabilidade e uso de energia renovável. Datacenters podem absorver excedentes renováveis localmente, reduzindo perdas técnicas e complementando BESS e hidrogênio verde. Contudo, gargalos na capacidade do Sistema Interligado Nacional (SIN) limitam a implementação no curto prazo.

    Desafios Regulatórios e Cancelamento do Leilão de 2025

    A viabilidade de BESS e hidrogênio verde depende de avanços regulatórios. A ausência de um marco definitivo para BESS, apesar das discussões na Consulta Pública nº 39/2023, restringe sua adoção em larga escala. Para o hidrogênio verde, regulamentações complementares ao Rehidro são esperadas para clarificar incentivos e comercialização.

    Um obstáculo significativo foi o cancelamento do Leilão de Reserva de Capacidade (LRCAP) na forma de potência em 2025, anunciado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) em abril de 2025, devido a disputas judiciais e questionamentos sobre a modelagem em um contexto de sobrecontratação. A Consulta Pública nº 010/2025 da ANEEL, encerrada em abril de 2025, buscou revisar as diretrizes do LRCAP, mas até 17 de junho de 2025, um novo edital não foi publicado, mantendo incertezas sobre a contratação de capacidade, incluindo BESS.

    Impactos Sistêmicos e Soluções Integradas

    A integração de BESS, hidrogênio verde e datacenters pode otimizar o setor elétrico brasileiro. BESS e hidrogênio verde permitem aproveitar excedentes, reduzindo perdas técnicas (7,4% na distribuição) e cortes de geração, como em Pedra Pintada. Datacenters, com alta demanda energética, podem consumir energia renovável localmente, aliviando o SIN. Investimentos em transmissão, como os R$ 21,7 bilhões contratados em 2024 para 4.471 km de linhas, são essenciais, mas demandam tempo, reforçando a necessidade de soluções locais.

    A CDE, com orçamento de R$ 40,6 bilhões para 2025, pode financiar essas tecnologias, mas aumenta o risco de encarecimento das tarifas, especialmente com perdas não técnicas (6,6%) sobrecarregando o sistema. A regulação por incentivos da ANEEL, que limita o repasse de perdas não técnicas às tarifas, é crucial para liberar recursos para inovação.

    Conclusão: Rumo a uma Matriz Energética Sustentável

    O Brasil está em um momento decisivo para sua transição energética. Projetos como o parque eólico Pedra Pintada, a usina piloto de hidrogênio verde da Petrobras e a Política Nacional de Datacenters sinalizam um futuro promissor, mas enfrentam desafios de perdas, infraestrutura e regulação. Soluções integradas, como BESS e hidrogênio verde, podem maximizar excedentes renováveis, enquanto datacenters impulsionam a demanda local. A superação de gargalos regulatórios, incluindo a retomada de leilões de capacidade, será essencial para viabilizar investimentos e posicionar o Brasil como líder em energia sustentável. A colaboração entre governo, setor privado e reguladores é fundamental para equilibrar inovação, sustentabilidade e acessibilidade energética.

  • Reatores Modulares Pequenos (SMRs): Oportunidade Estratégica para o Brasil

    Reatores Modulares Pequenos (SMRs): Oportunidade Estratégica para o Brasil

    O avanço dos reatores nucleares modulares pequenos (SMRs) está redesenhando o cenário da energia global. Em 2025, o Reino Unido escolheu a Rolls-Royce como fornecedora preferencial de seus primeiros SMRs, apostando na soberania tecnológica, geração de empregos qualificados e segurança energética. Essa iniciativa exemplifica um modelo de transição energética com forte lastro industrial e estratégico — um contraste com a posição do Brasil, que ainda estuda o tema por meio de parceria com a estatal russa Rosatom.

    Os SMRs são reatores compactos, seguros e produzidos em escala industrial. Operam de forma contínua, com alta confiabilidade e baixa emissão de carbono, sendo ideais para complementar fontes intermitentes como solar e eólica. Além disso, sua instalação descentralizada permite o atendimento de regiões remotas ou estratégicas, com menor uso de solo e maior resiliência do sistema elétrico.

    O Brasil possui ativos institucionais e técnicos relevantes no setor nuclear (CNEN, IPEN, Eletronuclear, Marinha), além de experiência industrial consolidada. No entanto, a dependência tecnológica externa permanece um entrave. O atual modelo de P&D da ANEEL também passa por reformulação, e há preocupação de que o novo formato restrinja a pesquisa estruturante e afaste startups e universidades. A fuga de cérebros é um sintoma dessa desconexão entre potencial científico e estratégia nacional.

    Os SMRs oferecem uma rara oportunidade de articular política industrial, capacitação técnica, inclusão energética e protagonismo geopolítico. Para isso, o Brasil precisa ir além da importação de tecnologia. É necessário estruturar uma política de inovação energética que valorize a pesquisa local, forme talentos, mobilize cadeias produtivas e estabeleça parcerias tecnológicas diversificadas e estratégicas.

    Exemplos como o projeto argentino CAREM — que prevê uso de SMRs na Patagônia para alimentar datacenters — demonstram a viabilidade e o valor de projetos descentralizados com aplicações críticas em territórios com infraestrutura limitada. O Brasil tem regiões similares que podem se beneficiar desse modelo, contribuindo para o desenvolvimento regional e a segurança nacional.

    Por fim, o texto reforça que transição energética e autonomia tecnológica são inseparáveis. Países que dominam as tecnologias da energia do futuro não apenas abastecem seus sistemas com eficiência — eles lideram cadeias de valor, exportam soluções e moldam regras internacionais. O Brasil precisa decidir se será protagonista nesse novo ciclo ou se continuará como consumidor de soluções externas.

    O caminho está aberto. Os SMRs são uma porta. Cabe ao Brasil atravessá-la com ambição, inteligência e estratégia.

    Reatores Modulares: uma escolha estratégica do Reino Unido

    Em 10 de junho de 2025, o Reino Unido anunciou oficialmente a seleção da Rolls-Royce SMR como fornecedora preferencial para o desenvolvimento dos primeiros reatores nucleares modulares pequenos (Small Modular Reactors – SMRs) do país. A decisão marca um ponto de inflexão na política energética britânica e revela uma estratégia clara de alinhar segurança energética, industrialização local e liderança tecnológica em transição energética.

    Diferentemente de iniciativas pautadas apenas pela busca de menor custo, a escolha da Rolls-Royce, empresa com profundo enraizamento no setor industrial britânico, reforça o interesse do governo em criar valor nacional ao longo de toda a cadeia produtiva. Ao investir em uma empresa britânica com expertise comprovada em engenharia nuclear, o Reino Unido sinaliza seu compromisso com o fortalecimento da sua capacidade soberana de geração e gestão de energia estratégica.

    O programa, conduzido pela agência pública Great British Energy – Nuclear, prevê um investimento estimado de £17 bilhões, com potencial para gerar milhares de empregos qualificados em áreas como engenharia, construção civil, cadeia de suprimentos e operação de plantas nucleares. Isso posiciona os SMRs não apenas como uma resposta tecnológica às metas de descarbonização, mas como uma alavanca de crescimento industrial e geração de renda qualificada em regiões britânicas fora dos grandes centros produtivos.

    Além dos ganhos econômicos, a decisão também reforça uma política de segurança energética autônoma. Em um contexto geopolítico instável — agravado por guerras, sanções, variações no preço do gás natural e tensões no fornecimento internacional de energia —, contar com uma fonte firme, previsível e desenvolvida internamente é uma vantagem estratégica. Os SMRs, por serem modulares, podem ser implantados de forma gradual, próximos aos centros de consumo, com menor impacto territorial e menor dependência de grandes linhas de transmissão.

    O Reino Unido também busca assumir uma posição de liderança tecnológica global, especialmente no contexto europeu. A iniciativa com a Rolls-Royce visa não apenas atender à demanda interna, mas também posicionar o país como exportador de soluções em SMR para outros mercados, como Ásia, América Latina e África, especialmente em países que buscam alternativas viáveis à geração fóssil e não têm capacidade para construir grandes usinas nucleares convencionais.

    Ao estruturar um programa baseado em expertise nacional, política pública ativa e visão de longo prazo, o Reino Unido dá um passo à frente na corrida pela soberania energética e pelo domínio de tecnologias críticas da próxima década. E, ao fazer isso com uma empresa nacional, envia um sinal claro: inovação energética é também estratégia de Estado. É sobre garantir que a energia que move um país seja também uma fonte de independência, desenvolvimento e liderança.

    Essa experiência pode inspirar países como o Brasil a adotarem uma abordagem mais estruturada, associando tecnologia de ponta a políticas industriais robustas e programas de capacitação técnica voltados para o futuro.

    SMRs combinam inovação, segurança e operação contínua

    Os Small Modular Reactors (SMRs) representam uma nova geração de tecnologia nuclear, projetada para responder aos desafios energéticos do século XXI. São reatores compactos, padronizados e fabricados em série, com capacidade de geração entre 50 MW e 500 MW por unidade — uma escala que permite maior flexibilidade de implantação em comparação com usinas nucleares convencionais.

    O primeiro diferencial dos SMRs é sua arquitetura modular, que permite que os reatores sejam construídos em ambientes industriais controlados e, posteriormente, transportados para os locais de instalação. Essa abordagem reduz os riscos de atraso e de sobrecustos típicos das obras de infraestrutura nuclear tradicional, além de garantir padrões consistentes de qualidade e segurança em todo o processo de fabricação.

    Do ponto de vista operacional, os SMRs foram concebidos para funcionar de forma contínua e estável, com altíssima confiabilidade. Eles podem operar em regime de base, ou seja, gerando energia 24 horas por dia, 7 dias por semana, com fatores de capacidade superiores a 90%. Isso os torna uma solução valiosa para complementar fontes intermitentes como solar e eólica, garantindo o equilíbrio e a segurança dos sistemas elétricos que caminham para maior participação de renováveis.

    A segurança é outro pilar central do design dos SMRs. Muitos projetos utilizam sistemas de resfriamento passivo, que não dependem de ação humana ou energia externa para evitar o superaquecimento em caso de falha. Além disso, o menor porte dos reatores e o uso de tecnologias modernas facilitam o controle, a proteção física e a contenção de riscos. Essas melhorias foram incorporadas com base nas lições aprendidas de eventos passados, como Fukushima, e refletem o avanço da engenharia nuclear nas últimas décadas.

    Os SMRs também oferecem reduzido impacto ambiental direto, tanto em termos de uso do solo quanto de emissões de gases de efeito estufa. Como não queimam combustível fóssil, não emitem CO₂ durante a operação. Além disso, ocupam áreas muito menores do que usinas solares ou eólicas de potência equivalente, o que os torna ideais para ambientes urbanos, industriais ou locais com restrição territorial.

    Em contextos geopolíticos sensíveis ou regiões isoladas, os SMRs podem ser implantados de forma descentralizada, inclusive com versões móveis, para fornecer energia a bases militares, comunidades remotas ou polos produtivos longe dos grandes centros. Isso os transforma em uma solução não apenas energética, mas também estratégica para resiliência e autonomia regional.

    Na prática, os SMRs combinam o melhor da energia nuclear — confiabilidade, densidade energética e baixa emissão — com a flexibilidade operacional e a escalabilidade exigidas pela nova economia de baixo carbono. Por isso, estão ganhando espaço no planejamento energético de países que desejam acelerar a transição energética sem abrir mão da segurança, da previsibilidade e da soberania tecnológica.

    Enquanto o mundo busca soluções viáveis para garantir energia limpa, acessível e constante, os SMRs surgem como uma das propostas mais promissoras e maduras para compor a matriz elétrica do futuro. Uma solução que une inovação tecnológica com inteligência estratégica.

    Brasil avança com parceria internacional e abre caminho para adoção de SMRs

    Em maio de 2025, o governo brasileiro anunciou um acordo de cooperação com a estatal russa Rosatom para desenvolver estudos e projetos conjuntos envolvendo reatores nucleares modulares pequenos (SMRs). A iniciativa foi apresentada como parte da estratégia nacional de diversificação da matriz elétrica e de redução de emissões, além de atender à necessidade de levar energia a regiões remotas com menor custo ambiental.

    A Rosatom é uma das referências mundiais em tecnologia nuclear, com décadas de experiência na operação de usinas e no desenvolvimento de soluções modulares. A estatal russa já opera reatores SMRs comerciais embarcados — como os utilizados em navios quebra-gelo no Ártico — e lidera projetos semelhantes em países da Ásia e do Leste Europeu. Para o Brasil, a parceria representa uma porta de entrada para a aprendizagem acelerada, com acesso a projetos maduros, práticas operacionais testadas e transferência de conhecimento.

    No entanto, a escolha da Rússia como parceira prioritária levanta desafios estratégicos importantes. O país está envolvido em um conflito militar com a Ucrânia e sofre sanções comerciais e financeiras impostas por diversos países do Ocidente. Isso pode afetar o acesso a componentes, atrasar cronogramas e criar obstáculos para a integração internacional de futuros projetos brasileiros. Em um setor sensível como o nuclear, a previsibilidade e a confiança geopolítica são tão relevantes quanto a tecnologia em si.

    Além disso, o acordo atual não prevê, até o momento, a nacionalização da tecnologia nem a criação de um ecossistema industrial local. O risco é repetir o modelo de dependência adotado em outros segmentos da matriz elétrica brasileira, como energia solar e eólica, em que o país importa a maior parte dos equipamentos e softwares utilizados. Isso limita o desenvolvimento de uma cadeia produtiva nacional e reduz a capacidade de geração de empregos qualificados e inovação.

    Ainda assim, a parceria com a Rosatom sinaliza um avanço relevante. Pela primeira vez, o Brasil declara publicamente interesse em explorar os SMRs como alternativa viável à geração tradicional. O Ministério de Minas e Energia já constituiu um grupo de trabalho para estudar o potencial do país nesse campo, incluindo diagnósticos de aplicação regional, aspectos regulatórios, segurança e viabilidade econômica. Esse movimento, se bem estruturado, pode abrir espaço para um programa mais amplo, com múltiplas parcerias internacionais e estímulo à pesquisa local.

    Diversificar alianças tecnológicas será essencial. Países como o Reino Unido, Estados Unidos, Canadá e Coreia do Sul já possuem modelos comerciais de SMRs em estágios avançados. O Brasil pode — e deve — buscar parcerias também com esses atores, equilibrando seu portfólio internacional e garantindo acesso a soluções distintas, adaptáveis aos diversos contextos nacionais.

    Além das alianças, o desenvolvimento de capacidades locais deve ser um objetivo central. Isso significa investir em centros de pesquisa, atualizar currículos de engenharia, formar técnicos especializados, criar editais de inovação e preparar o ambiente regulatório para receber essa nova geração de reatores. Um programa bem conduzido pode transformar o Brasil não apenas em usuário, mas também em produtor e exportador de soluções em SMR adaptadas à realidade latino-americana.

    A decisão de iniciar o diálogo com a Rússia pode ser vista como um primeiro passo. Mas os passos seguintes precisam ser mais ambiciosos, mais amplos e mais bem distribuídos. O Brasil tem a oportunidade de construir um caminho próprio na energia nuclear modular — um caminho que una cooperação internacional, valorização do conhecimento local e planejamento estratégico de longo prazo.

    Reduzir a dependência tecnológica é essencial para o desenvolvimento soberano

    O debate sobre adoção de novas tecnologias no setor de energia não pode ser separado da discussão sobre soberania tecnológica. No contexto dos reatores nucleares modulares pequenos (SMRs), esse tema ganha ainda mais relevância. Embora seja natural que países em desenvolvimento iniciem sua trajetória com apoio de nações mais avançadas tecnologicamente, a dependência prolongada impõe limites à autonomia, à inovação e à geração de valor econômico local.

    No caso brasileiro, a experiência com energias renováveis recentes oferece uma lição clara. O país se tornou um dos maiores mercados do mundo em energia solar e eólica, mas importa a maior parte dos painéis fotovoltaicos, turbinas e componentes eletrônicos. Isso resultou em forte crescimento da capacidade instalada, mas com baixo impacto no fortalecimento da indústria nacional. Pouco se desenvolveu internamente em termos de pesquisa, fabricação, design de sistemas ou propriedade intelectual.

    Repetir esse padrão no campo dos SMRs seria um erro estratégico. A energia nuclear envolve setores sensíveis, de alta complexidade e forte controle regulatório. Isso significa que confiar apenas em fornecedores estrangeiros — seja para engenharia, operação ou manutenção — expõe o país a riscos técnicos, econômicos e geopolíticos, especialmente em um mundo marcado por tensões comerciais e instabilidade internacional.

    Por outro lado, internalizar conhecimento e desenvolver tecnologia nacional não significa partir do zero. O Brasil já possui instituições reconhecidas no campo nuclear, como o IPEN, a CNEN, a Eletronuclear e o projeto do submarino nuclear da Marinha. Esses ativos técnicos e humanos podem ser reorientados e conectados a novos polos de inovação, startups, universidades e empresas privadas. Isso exige coordenação, investimentos e, sobretudo, uma visão estratégica de Estado.

    A criação de uma cadeia produtiva nacional voltada aos SMRs também representa uma oportunidade industrial. Ela pode envolver desde a fabricação de componentes e módulos, até o desenvolvimento de sistemas digitais de controle, softwares de simulação, serviços de engenharia, logística especializada e reciclagem de materiais. Com políticas públicas bem desenhadas, é possível estimular a entrada de novos atores e gerar empregos qualificados em áreas de alto valor agregado.

    Esse movimento também fortalece a resiliência energética e a segurança nacional. Um país que domina sua infraestrutura crítica tem mais capacidade de reagir a crises, manter sua soberania regulatória e negociar com outros mercados em condições mais equilibradas. A independência tecnológica permite tomar decisões com base no interesse público, e não nas limitações impostas por terceiros.

    Reduzir a dependência tecnológica no setor de energia — especialmente em tecnologias estratégicas como os SMRs — não é um luxo, mas uma condição necessária para transformar energia em desenvolvimento de longo prazo. Significa criar as bases para que o Brasil não apenas consuma energia limpa e segura, mas também a projete, produza e exporte com inteligência. É isso que transforma uma solução técnica em um verdadeiro projeto de país.

    Oportunidade para fortalecer a base industrial e inovadora brasileira

    A adoção de reatores nucleares modulares pequenos (SMRs) pode funcionar como um poderoso catalisador para a reindustrialização qualificada do Brasil. Mais do que um projeto de geração de energia, os SMRs representam uma plataforma tecnológica de alta complexidade, com potencial para integrar setores variados da economia nacional — da engenharia pesada à automação digital, da metalurgia avançada ao desenvolvimento de software e sistemas embarcados.

    O modelo modular desses reatores é especialmente favorável à criação de uma cadeia produtiva descentralizada e escalável. Como os componentes podem ser fabricados em série, em ambientes industriais padronizados, abre-se uma oportunidade concreta para o envolvimento de pequenas, médias e grandes empresas nacionais em processos como fundição, usinagem, montagem eletromecânica, revestimentos especiais, sensores, válvulas, trocadores de calor, estruturas metálicas e muito mais.

    Além da engenharia mecânica e civil, a adoção dos SMRs exige soluções sofisticadas em automação, instrumentação e controle digital. Sistemas de segurança, supervisão remota, inteligência artificial para predição de falhas e cibersegurança são áreas-chave que podem ser desenvolvidas no Brasil com apoio de startups, centros de pesquisa e universidades. Essa integração entre indústria tradicional e inovação digital é exatamente o tipo de conexão que o país precisa fortalecer para modernizar sua base produtiva.

    Outro aspecto positivo é a demanda por qualificação técnica e profissional de longo prazo. A implantação de SMRs requer engenheiros nucleares, projetistas, técnicos em eletricidade, soldadores especializados, operadores de plantas e analistas de dados. Ao estimular a formação desses perfis, o Brasil não apenas responde à necessidade imediata dos projetos, mas fortalece sua posição como um polo de conhecimento e inovação na área energética.

    Os benefícios não se restringem às regiões mais desenvolvidas. A distribuição territorial dos projetos de SMR pode gerar dinamismo econômico em áreas fora do eixo Sudeste-Sul, contribuindo para o desenvolvimento regional com base em infraestrutura crítica. A instalação de unidades industriais de médio porte para produção ou montagem de módulos, por exemplo, pode ativar economias locais e gerar emprego qualificado em cidades médias.

    O Brasil já provou sua capacidade de construir obras de engenharia complexas, como hidrelétricas, refinarias e plataformas offshore. Também possui experiência acumulada em energia nuclear, com operação de usinas em Angra e projetos da Marinha. O desafio agora é transformar esse conhecimento em uma plataforma de exportação de soluções tecnológicas e industriais, inserindo o país de forma ativa na cadeia global de valor da energia nuclear modular.

    A chegada dos SMRs é uma chance real de reposicionar a indústria brasileira para o século XXI, com foco em inovação, sustentabilidade e alta especialização. Com planejamento, governança e políticas públicas bem desenhadas, o Brasil pode deixar de ser apenas consumidor de tecnologia para se tornar um fornecedor estratégico de componentes, serviços e conhecimento, ampliando sua relevância econômica e geopolítica na transição energética global.

    Capacitação técnica e infraestrutura nacional como diferenciais competitivos

    Um dos ativos mais valiosos que o Brasil possui para avançar na agenda dos reatores nucleares modulares pequenos (SMRs) é o seu capital humano qualificado e sua base institucional acumulada no setor nuclear. O país conta com um ecossistema técnico-científico robusto, que inclui universidades, centros de pesquisa, instituições públicas e projetos estratégicos de defesa. Esse conjunto de competências representa um diferencial competitivo que precisa ser reconhecido, articulado e fortalecido — e não negligenciado.

    Entre os destaques estão a CNEN, o IPEN, a Eletronuclear e o programa nuclear da Marinha, que desenvolve tecnologias para propulsão desde os anos 1980. São estruturas com conhecimento consolidado, infraestrutura técnica instalada e quadros especializados. Esse patrimônio imaterial — acumulado ao longo de décadas — tem potencial para ser reativado e colocado a serviço do desenvolvimento de tecnologias civis como os SMRs, especialmente se combinado com o dinamismo das universidades e empresas inovadoras.

    Contudo, o Brasil vive um momento ambíguo. Ao mesmo tempo em que se abre à discussão sobre novas tecnologias energéticas, como os SMRs, o país revê seu modelo de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PDI) no setor elétrico, sob coordenação da ANEEL. A proposta de reformulação do programa, ainda em consolidação, busca maior eficiência e aproximação com o mercado. Mas há sinais de que isso pode resultar na redução do espaço destinado à pesquisa científica estruturante — justamente aquela que sustenta a base técnica necessária para que o Brasil desenvolva, em vez de apenas consumir, tecnologias estratégicas.

    Historicamente, o P&D da ANEEL foi um dos poucos instrumentos de fomento direto à ciência aplicada em energia, conectando academia e setor produtivo. Ao priorizar projetos com aplicação imediata e retorno de curto prazo, o novo modelo pode enfraquecer a capacidade de gerar conhecimento em áreas como materiais avançados, reatores, digitalização de redes e armazenamento de energia. Esse tipo de pesquisa demanda tempo, continuidade e liberdade metodológica — características que não se ajustam facilmente a editais com metas rígidas e foco em produtos finalizados.

    Além disso, a nova modelagem impõe entraves que podem afastar startups, universidades e pequenos desenvolvedores, dificultando o ingresso de novos agentes inovadores. Ao transformar a lógica do P&D em algo mais próximo da compra de soluções prontas, o programa corre o risco de perder sua função transformadora.

    Nesse cenário, emerge ainda um efeito colateral preocupante: a fuga de cérebros. Jovens talentos, pesquisadores experientes e profissionais altamente capacitados, diante da escassez de recursos, da instabilidade nos programas de fomento e da falta de perspectiva, buscam oportunidades em centros de excelência no exterior. Isso representa uma perda dupla: perde-se o investimento já feito em formação e perde-se o protagonismo em áreas tecnológicas sensíveis. A ciência brasileira precisa ser mantida, valorizada e convocada a contribuir com os desafios nacionais — não empurrada para fora.

    Torna-se, portanto, urgente valorizar os ativos nacionais já existentes. O Brasil possui uma rede de competências técnicas e infraestrutura científica que, se conectada de forma estratégica ao setor produtivo, pode liderar o desenvolvimento de SMRs adaptados às necessidades regionais. Com apoio adequado, essa base pode gerar empregos de alta qualificação, atrair investimentos privados e posicionar o país como exportador de conhecimento e tecnologia em energia limpa.

    Qualquer política pública voltada ao avanço de novas tecnologias — seja no campo nuclear, do hidrogênio ou das baterias — deve reconhecer o papel central da pesquisa aplicada como motor da soberania tecnológica. Sem isso, o Brasil continuará preso à lógica da dependência: comprando soluções, pagando caro e perdendo a chance de crescer com inteligência.

    Valorizar a ciência, investir na formação de pessoas, modernizar laboratórios, fixar talentos e articular esforços entre governo, universidades e empresas não é um custo — é uma estratégia de desenvolvimento nacional. E é exatamente isso que os SMRs exigem: visão de longo prazo, compromisso com o conhecimento e a coragem de assumir protagonismo.

    Aplicações dos SMRs em territórios estratégicos e regiões isoladas

    Um dos maiores diferenciais dos reatores nucleares modulares pequenos (SMRs) é sua capacidade de operar de forma segura, contínua e independente em locais de difícil acesso ou com infraestrutura energética limitada. Ao contrário de grandes usinas térmicas ou hidrelétricas, que exigem redes complexas de transmissão e logística, os SMRs podem ser instalados próximos ao ponto de consumo, o que reduz perdas, amplia a eficiência e leva energia limpa a territórios estratégicos e regiões isoladas.

    Essa característica torna os SMRs particularmente atrativos para países com vasta extensão territorial e desigualdade no acesso à energia — como o Brasil. Regiões da Amazônia Legal, do semiárido nordestino e de áreas de fronteira enfrentam desafios históricos relacionados ao abastecimento elétrico. Muitas dessas localidades dependem até hoje de termelétricas a óleo diesel, caras, poluentes e logísticamente complexas. Substituí-las por reatores compactos, silenciosos e de operação contínua pode representar uma mudança estrutural na inclusão energética dessas populações.

    Além do aspecto social, há um componente estratégico e produtivo. O Brasil possui centros de mineração, agronegócios, polos industriais e instalações militares que operam em áreas remotas e vulneráveis a oscilações no fornecimento elétrico. O uso de SMRs nessas regiões pode garantir autonomia energética, previsibilidade de operação e redução de custos, contribuindo para a competitividade dos setores produtivos e para a segurança nacional.

    O exemplo da Argentina ilustra bem esse potencial. O país desenvolve, por meio da estatal INVAP e da empresa NA-SA, o projeto CAREM, um dos primeiros SMRs do hemisfério sul. Uma das aplicações estratégicas previstas é a instalação de reatores modulares na Patagônia, região de difícil acesso logístico, mas altamente atrativa para a instalação de datacenters de alta performance. O raciocínio é claro: em tempos de economia digital e demanda por computação intensiva, centros de dados precisam de energia estável, limpa e contínua — exatamente o que os SMRs podem oferecer, mesmo longe dos grandes centros urbanos.

    Esse tipo de solução também é altamente replicável no Brasil. Estados como Roraima, Acre, Maranhão ou partes do Centro-Oeste reúnem condições similares: baixa densidade populacional, limitação de acesso rodoviário, presença de cadeias produtivas relevantes e ausência de infraestrutura robusta de transmissão. A instalação de SMRs, nesse caso, não apenas resolve um problema técnico, mas redefine o papel dessas regiões no mapa energético e econômico do país.

    Além disso, os SMRs podem ser integrados a microrredes inteligentes, operando de forma autônoma ou em parceria com outras fontes renováveis, como solar e biomassa. Essa flexibilidade permite atender comunidades indígenas, assentamentos rurais, distritos industriais e até bases científicas em áreas remotas, com redução da pegada ambiental e aumento da resiliência local.

    É importante ressaltar que a resiliência do sistema elétrico nacional também se fortalece com a descentralização da geração. Ao dispersar pontos de produção de energia e evitar a dependência de grandes linhas de transmissão vulneráveis a falhas climáticas ou técnicas, os SMRs contribuem para a estabilidade e segurança da matriz elétrica brasileira — algo que será cada vez mais relevante em um cenário de eventos extremos e aumento da demanda digital.

    Em resumo, os SMRs não são apenas uma alternativa à geração centralizada. São uma ferramenta estratégica para a ocupação produtiva, a integração nacional e a ampliação do acesso à energia limpa com inteligência territorial. E o Brasil, com seu tamanho continental e desigualdades regionais, tem talvez um dos maiores potenciais do mundo para aplicar essa tecnologia de forma transformadora.

    Transição energética e autonomia tecnológica caminham juntas

    A transição energética global é, antes de tudo, uma transição estratégica. Não se trata apenas de substituir combustíveis fósseis por fontes renováveis, mas de decidir quem irá dominar as tecnologias que movem o mundo nas próximas décadas. Nesse cenário, os reatores nucleares modulares pequenos (SMRs) não devem ser vistos apenas como uma alternativa técnica de geração elétrica. Eles representam uma janela histórica para o Brasil construir sua própria trajetória energética, com autonomia, inovação e protagonismo.

    A consolidação de uma matriz elétrica de baixo carbono requer fontes firmes, seguras e despacháveis. Os SMRs atendem a esses critérios com vantagens adicionais: operação contínua, baixa emissão de gases de efeito estufa, ocupação territorial reduzida e compatibilidade com diferentes ambientes geográficos e produtivos. Mas o que os torna particularmente valiosos é sua conexão com setores de alta tecnologia, como engenharia avançada, materiais especiais, robótica, inteligência artificial, automação e cibersegurança.

    Países que liderarem o desenvolvimento e a aplicação dos SMRs não apenas garantirão energia para si mesmos — estarão criando novas fronteiras de exportação, atraindo investimentos estratégicos e moldando os padrões técnicos e regulatórios globais. O Reino Unido, ao escolher a Rolls-Royce como fornecedora nacional, não está apenas respondendo à crise climática; está apostando na construção de uma nova vantagem competitiva global, baseada em tecnologia de alta densidade intelectual.

    O Brasil tem a chance de seguir esse caminho, mas com um diferencial: seu histórico de competência em engenharia pesada, suas universidades de ponta, seus centros de pesquisa nuclear e a existência de um sistema elétrico já majoritariamente renovável. Com planejamento, governança e visão de longo prazo, o país pode usar os SMRs como alavanca para reposicionar sua indústria, desenvolver talentos e projetar influência tecnológica e energética na América Latina e além.

    Para isso, é essencial abandonar a ideia de que transição energética se limita à troca de fontes. Ela precisa ser compreendida como um projeto nacional de desenvolvimento sustentável, econômico e científico. Isso significa apoiar a ciência, fomentar startups de base tecnológica, criar ambientes regulatórios que estimulem a experimentação e garantir que cada real investido em energia contribua também para formação de capital intelectual.

    A autonomia tecnológica é uma condição para que o Brasil possa definir suas próprias rotas energéticas — sem depender de fornecedores estrangeiros, sem importar soluções fechadas, sem ficar à margem dos avanços que hoje se aceleram no hemisfério Norte. A energia do futuro não será apenas limpa: será estratégica, digital e geopolítica. E os países que liderarem essa transformação não serão apenas consumidores — serão formadores de padrões e exportadores de soluções.

    Nesse sentido, os SMRs não devem ser vistos como uma solução pontual, mas como um vetor estruturante para o Brasil se reinventar como potência energética e tecnológica. Uma aposta que exige coragem política, coordenação institucional e um compromisso inequívoco com a inovação como motor de soberania.

    Porque no século XXI, quem controla a tecnologia que gera energia, controla também as condições para crescer com liberdade, segurança e dignidade. E isso é exatamente o que o Brasil merece conquistar.